"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ernest Hemingway - «A Farewell to Arms» e outros livros …



Ernest Hemingway no Quénia em 1953

Vou cometer hoje um “heresia bibliófila”!
Proponho-me apresentar uma primeira edição (1ª impressão) de Ernest Hemingway - «A Farewell to Arms» (1929).

Porquê esta atitude?
Primeiro, e principalmente, por ser um autor de que sou grande admirador, tanto como escritor como Homem; segundo lugar, porque o coleccionismo das primeiras edições americanas é uma verdadeira “dor de cabeça” para os neófitos (como é o meu caso) e, em terceiro lugar, por ter sido o autor que me fez “conhecer” e gostar de Espanha (1), com os seu livros: «For Whom the Bell Tools» (1940) e «The Sun Also Rises» (¡Fiesta!) (1926) (2)


«For Whom the Bell Tools»
New York, Charles Scribner’s Sons, 1940

“This is the best book Ernest Hemingway has written, the fullest, the deepest, the truest. It will, I think, be one of the major novels of American literature…Hemingway has struck universal chords, and he has struck them vibrantly” (J. Donald Adams).


«The Sun Also Rises»
New York, Charles Scribner’s Sons, 1926

Um sucesso imediato, «The Sun Also Rises» foi publicado em 22 Outubro de 1926, numa primeira tiragem de 5.090 exemplares. Uma segunda reimpressão, de 2.000 exemplares, foi feita em Novembro. Em meados de Dezembro ambas já se encontravam esgotadas! Em 1961 estimava-se que o romance tinha vendido mais de um milhão de exemplares.
“The emergence of Hemingway… gave the Modern Movement one of its few men of action… No other writer stepped so suddenly into fame, or destroyed with such insouciance so many other writers or ways of writing or became such an immediate symbol of an age” (Connolly, «The Modern Movement», 50).
James T. Farrell, escreveu, em 1943, que este romance permanece the definitive account of a war-wearied lost generation… The best of Ernest Hemingway is still to be found in The Sun Also Rises” (New York Times)


«A Farewell to Arms» - Capa
New York, Charles Scribner’s Sons, 1929.
First edition, first print.
Copyright 1929, by Charles Scribner’s Sons
(3)

“Probably [Hemingway’s] best… Its success was so enormous… After it one could no more imitate that musical crystal-clear style; blown like glass from the white-heat of violence… the beginning, like all his beginnings, seems effortless and magical” (Connolly, «The Modern Movement», 60)


«A Farewell to Arms» - Página de título

Trata-se de um livro escasso e procurado. Podemos mesmo considerá-lo raro em óptimas condições: sobrecapa original em bom estado, encadernação editorial sólida e não descorada e em bom estado interior com poucos sinais de uso e com papel sem manchas e com a sua sonoridade (pode chegar aos milhares de euros, e se estiver assinado pelo autor o seu preço dispara!) (4)


«A Farewell to Arms» - Cartonagem editorial

A “hardcover” (capa cartonada editorial) tem algumas manchas pequenas, assim como sinais dum desgaste ligeiro pela sua arrumação na prateleira. Pastas e lombada com aspecto consideravelmente agradável. Encadernação em bom estado – sem falta de páginas nem deformações. As páginas geralmente limpas; ainda que, algumas tenham manchas de humidade nos bordos. Bordos superiores e inferiores com ligeira oxidação do papel. De referir um carimbo e assinatura de posse na guarda anterior: “Arnie Swartz. La Crosse, Wisconsin”, sem mais quaisquer outras anotações manuscritas.
O seu grande defeito, e que lhe retire grande valor comercial, que não tanto bibliófilo, é ter uma sobrecapa (DJ) não original...é um fac-símile! O conjunto, no entanto é bastante agradável.


«A Farewell to Arms» - Cartonagem editorial

Como um jovem de 18 anos, Ernest Hemingway estava ansioso por combater na Grande Guerra. No entanto, problemas de visão mantiveram-no fora do exército, Juntou-se ao “ambulance corps” e foi enviado para a França. Daí, transferiu-se para a Itália, onde se transformou no primeiro ferido americano, nesse país, durante o conflito. Hemingway saiu dos campos de batalha europeus com uma medalha de mérito e com a riqueza da experiência que aí viveu e que, 10 anos mais tarde, lhe permitiriam revivê-las ao escrever «A Farewell to Arms». Esta é a história do tenente Henry, um americano, e Catherine Barkley, uma enfermeira inglesa. Os dois encontram-se em Itália, e que Hemigway nos introduz imediatamente no trama e tensão central do romance: a natureza ténua do amor em tempo de guerra. Durante o seu primeiro encontro, Catherine fala a Henry sobre o seu namorado, há oito anos, que fora morto no ano anterior no Somme. Explicando, porque não se tinha casado com ele, afirma que estava receosa que a união pudesse ser má para ele, e admite então:
“I wanted to do something for him. You see, I didn't care about the other thing and he could have had it all. He could have had anything he wanted if I would have known. I would have married him or anything. I know all about it now. But then he wanted to go to war and I didn't know.
The two begin an affair, with Henry quite convinced that he "did not love Catherine Barkley nor had any idea of loving her. This was a game, like bridge, in which you said things instead of playing cards." Soon enough, however, the game turns serious for both of them and ultimately Henry ends up deserting to be with Catherine”.



(1) Na altura, anos 60, vivia-se sob duas ditaduras irmãs e coniventes ... com um grande desconhecimento da realidade de ambos os povos. Infelizmente a democratização não melhorou muito este conhecimento!

(2) Referi deste modo por ter sido a ordem em que os li ... evidentemente, na altura, em traduções portuguesas!

(3) "True first edition, first print points:
• Title page shows printing year 1929
• Scribner’s colophon on copyright page with no other print indication
• No legal disclaimer on the verso of the dedication page indicates it's a first print


«A Farewell to Arms» - 1ª edição / 1ª impressão


«A Farewell to Arms» - Marca do editor

Most publishers now use a numbering system, in which a row of numbers appears on the copyright page. The lowest number (at either end of the line) is the number of the printing. First printing usually indicates First Edition, although you can have a first printing of a later edition, if the book has been changed in some significant way. Here is a quick survey to just a few of the major book publishers, and how to determine their first editions from before (roughly pre-1980s) the number line system. (…) Scribners - Has an "A" on the copyright page 1930-1973. («Is It Really A First Edition?»)


«A Farewell to Arms» - 1ª edição / 5ª reimpressão

“Have you noticed the number on the publishers page of a book and ever wondered what they mean? They are printer's code and provide information on the edition and printings of a book. The print code indicates a print run and does not always guarantee a first edition but certainly provides more information to verify edition. They may be as simple as a line of numbers or letters:
Example of First Printings:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1

ABCD
abcdefg”
(«Book Collecting: Printer's Codes»)

(4) Dou apenas dois exemplos tomando como referência os catálogos de “Bauman Rare Books”.
Do “Catalogue Hemingway” :
5. HEMINGWAY, Ernest. A Farewell to Arms. New York, 1929.
Octavo, original black cloth, gold paper labels, dust jacket.
$9,000.
Do “Catalogue October Holiday 2009”:
141. HEMINGWAY, Ernest. Farewell to Arms. New York, 1929. Octavo, original black cloth, dust jacket, custom clamshell box.
$22,000.
First trade edition, scarce second issue, a presentation/association copy of the novel that “placed Hemingway, early, among the American masters,” this copy warmly inscribed to Hemingway scholar and his frequent correspondent, “To Frazer Drew from his friend, Ernest Hemingway,” in first issue dust jacket, rarely found.

Espero não os ter aborrecido muito. Parece-me, que apesar de tudo, o autor justifica esta incursão por outros campos de coleccionismo bibliófilo e, com este tema, acabámos por “vislumbrar” e “lançar algumas ideias” (para mais não tenho conhecimentos!) sobre alguns dos vários tipos de coleccionismo e da sua, maior ou menor, complexidade. Vimos autores franceses, ingleses e americanos e. tentei chamar a atenção para os pontos que, pelo menos para mim, são mais fascinantes no estudo das suas edições.

Ler um livro é, para mim, sempre o mais importante ... estudá-lo, enquanto objecto, e tentar desvendar os segredos que as edições escondem é para “aqueles indivíduos tocados pelo bichinho da bibliofilia” (mas atenção que estes também lêem!)

Saudações bibliófilas.

3 comentários:

Galderich disse...

Es curiosa la manía que tenemos los bibliófilos de quererlo todo impecable, hasta las cubiertas... esto es casi un imposible, de allí sus precios.
Curiosa esta afición a las primeras ediciones americanas. Normalmente recibo un catálogo de una libreria de USA y los precios van por encima de ediciones más antiguas. Lo que demuestra que la antigüedad no tiene nada que ver con el precio final. Son tants cosas que intervienen en la rareza que hace de mal guiar a los neófitos como bien relatas.
En fi, esperemos ir conociendo esta faceta de tu bibliofília que siempre me ha llamado la atención.

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui.

¡Vengan más herejías de ese tipo!

Hemingway se ha convertido en un personaje de culto a nivel mundial, pero sobre todo entre los lectores estadounidenses, quienes, por los precios que nos muestras no reparan en conseguir un ejemplar.
Una muestra muy interesante. La portada de "The sun also rise" preciosa.
Saludos bibliofilos

Rui Martins disse...

Amigos Galderich e Marco Fabrizio

O objectivo deste meu artigo é muito simplesmente partilhar os meus escassos conhecimentos sobre o coleccionismo/bibliofilia dos autores americanos (como o foram os artigos sobre Dickens e Jane Austen para a literatura inglesa). Os autores franceses estão um pouco mais próximos da maioria de nós...pelo menos assim penso.

Como bem disseram, os americanos têm uma paixão pelos seus autores, e dispõem-se a pagar somas elevadas (como as que referi como exemplo) pelo seus livros. No entanto, o mercado é um pouco caótico, pois na eBay podem-se encontrar estas edições com preços “atraentes”: $300 a $2.000 (caso dos livros de Hemingway que referi), mas muito cuidado!, pois sem ver é sempre muito arriscada essa compra. Podem-se comprar autênticos “cocktails” de impressões!
Pelo que julgo entender, o panorama bibliófilo estadunidense é bastante diferente do europeu e, mesmo, do brasileiro (convém recordar que a Corte portuguesa teve sede no Brasil e aí ficou a nossa maior colecção de livros), em que se valoriza bastante mais os autores contemporâneos e menos os clássicos.
Considerando este pressuposto, penso que se poderá compreender melhor o seu perfeccionismo (mesmo em relação à sobrecapa!), pois falamos de livros com menos de 100 anos, enquanto nós ajuizamos livros com mais de 300!

Não pretendo mostrar apenas os exemplares da minha biblioteca, mas antes falar sobre o seu estudo e os aspectos a ter em consideração no mesmo. Penso que pela leitura das várias entradas se pode ver que existe um certo fio condutor (embora um pouco ao sabor da inspiração)
Como já disse, várias vezes, a bibliofilia é universal.
Para falar, e mostrar, os livros portugueses (ou doutro país qualquer) existem outros blogs e outros estudiosos muito mais capazes do que eu.
Pretendo apenas, com base na minha curiosidade e gosto pela descoberta de novas informações, partilhar convosco estes mesmos conhecimentos bem como as dúvidas que se me põem enquanto dou alguns passos nesta “coisa de bibliofilia”... e nada mais!

Saudações