"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 31 de outubro de 2010

A propósito de um livro de Camilo Castelo Branco




Camilo Castelo Branco (1861)

Trago-vos hoje um opúsculo de Camilo Castelo Branco, que comprei, há tempos, numa das minhas visitas à Livraria Alfarrabista de Miguel de Carvalho em Coimbra, não pela sua raridade, mas antes por uma particularidade – a dedicatória da proprietária da Casa Viúva Moré Editora para o grande bibliografo Inocêncio Francisco da Silva (1).


Inocêncio Francisco da Silva

BRANCO, Camilo Castelo – D. ANTONIO ALVES MARTINS // BISPO DE VIZEU // - // ESBOÇO BIOGRAPHICO //POR // CAMILLO CASTELLO BRANCO // (VINHETA TIPOGRÁFICA) // PORTO // VIUVA MORÉ, // PRAÇA DE D. PEDRO. // - 1870. In-8.° gr. de 31 págs.


Capa da brochura do opúsculo

Referências: HENRIQUE MARQUES, 140; MANUEL DOS SANTOS, 30; JOSÉ DOS SANTOS (1916), 44; JOSÉ DOS SANTOS (1939), 202; CONDE DA FOLGOSA, 1134; CAMILIANA (SOARES & MENDONÇA, 1968), 959; ALMEIDA MARQUES, 414.


Casa Viúva Moré Editora

Compreende ante-rosto com os dizeres ESBOÇO BIOGRAPHICO e verso em branco; frontispício textualmente descrito supra e verso com subscrição tipográfica Typ. de. Manoel José Pereira, // Largo do Correio, 4 e 6; página 5ª à 31ª o texto biográfico propriamente dito arrematado com o FIM.

 
Frontispício

É a 1ª edição, procurada e invulgar, como já referi, numa impressão muito cuidada, do estudo biográfico sobre D. António Alves Martins. Bispo de Viseu. (2)

 
Página do opúsculo

Esta dedicatória “Ao Ex.mo Snr. Innocencio F. da Silva // Off. // Vª Moré” apresenta, em minha opinião, uma dupla curiosidade: por este exemplar ter sido pertença do nosso ilustre bibliógrafo e o mesmo lhe ter sido oferecido pela editora, o que revela a importância que Inocêncio já tinha na época.

 
Dedicatória da editora a Inocêncio Francisco da Silva

São particularidades como esta – a dedicatória a um personagem ilustre da nossa bibliografia, que muitas vezes, conferem a um modesto exemplar um significado diferente daquele que lhe caberia por direito próprio.

O opúsculo, ainda que invulgar, não é muito difícil de encontrar, mas um outro igual a este sim!

 
Páginas do opúsculo

Como ficou dito o opúsculo traça um esboço biográfico bastante completo sobre D. António Alves Martins, Bispo de Viseu.


D. António Alves Martins, Bispo de Viseu

D. António Alves Martins nasceu em Granja de Alijó (Alijó), Trás-os-Montes, a 18 de Fevereiro de 1808. Entrou para a Ordem de S. Francisco aos dezasseis anos, pouco depois foi para a Universidade de Coimbra. Foi expulso desta Universidade em 1828, por razões políticas: era um liberal acérrimo e tinha sido acusado de participar na revolução constitucionalista que se dera nesse ano no Porto, a 16 de Maio. Em 1832 foi capelão da Armada, em 1842 deputado, em 1852 professor universitário, em 1861 enfermeiro-mor do Hospital de S. José. Foi o 77º Bispo de Viseu (António (III) Alves Martins, O.F.M.) desde Julho de 1862. Fixou residência nesta cidade de Viseu a 29 de Janeiro de 1868. Dirigente do Partido Reformista entre 1868 e 1869 e entre 1870 e 1871 foi ministro do Reino. Dirigiu o jornal Nacional, entre 1848 e 1849, tendo-se dedicado também ao jornalismo. Camilo Castelo Branco apreciava em extremo a natureza polémica dos artigos de D. António. Escreveu, entre outros títulos, O Nove de Outubro e Breves Considerações sobre a Última Guerra Civil, que foi publicado em 1849 aparecendo na autoria "por um liberal". No regime de D. Miguel foi condenado à morte, tendo no entanto conseguido escapar com outros três condenados quando no caminho para o local de execução, Viseu. Polémico e liberal, foi também jornalista. Viria a falecer, no entanto, pobre no Paço do Fontelo a 5 de Fevereiro de 1882.

 
D. António Alves Martins, Bispo de Viseu
Estátua na cidade de Viseu

Na base da estátua em sua homenagem, em Viseu, figura uma citação sua: «A religião deve ser como o sal na comida: nem muito nem pouco, só o preciso».

Espero que tenham apreciado esta minha divagação … pelo menos eu gostei de a escrever.


Saudações bibliófilas.


Notas:

(1) Inocêncio Francisco da Silva, nascido em Lisboa em 1810 e onde faleceu em 1876, muitas vezes referido apenas por Innocencio (como era escrito na época), foi o mais destacado bibliógrafo português, reunindo toda a informação disponível sobre os autores de língua portuguesa até meados do século XIX. É autor do monumental Dicionário Bibliográfico Português, continuado após a sua morte por outros. Veja-se a este propósito o que aqui se escreveu: Inocêncio Francisco da Silva – Bibliógrafo.
(2) Para aqueles que queiram conhecer o texto na íntegra fica o link para a versão html do mesmo (trata-se no entanto da 2ª edição): The Project Gutenberg EBook of D. Antonio Alves Martins: bispo de Vizeu: esboço biographico, by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco


Bibliografia:

CARVALHO, Miguel de - DESCRIÇÃO BIBLIOGRÁFICA CAMILIANA, de uma importante e valiosa colecção de bibliografia activa e passiva de Camillo Castello Branco. Coimbra, Miguel de Carvalho, 2003. In-4º de 141- (1) págs. Brochado. EXEMPLAR DA EDIÇÃO ESPECIAL limitada a 40 EXEMPLARES, numerados e rubricados pelo autor. Impressão em papel de qualidade superior, com os cadernos por abrir e cosidos manualmente. Ricamente ilustrado com reproduções de frontispícios e encadernações. Apresenta também reproduções fiéis de diversas páginas das 3 primeiras edições do livro Caleche para distinção editorial.

sábado, 30 de outubro de 2010

Livraria Rio Antigo – XXI Leilão de Livros Raros & Papeis Antigos


 


Este Leilão terá lugar no dia 06 de Novembro de 2010 às 15h, estando os livros em Exposição de 03 a 05 de Novembro de 2010, das 10h às 18h na Livraria Rio Antigo, Rua do Rosário, 155 - Centro - Rio de Janeiro.




Passo a transcrever a nota introdutória do respectivo Catálogo:

“A organização de um leilão é sempre uma árdua tarefa, principalmente quando temos a pretensão de oferecer preciosidades a uma diversidade de colecionadores.

Neste XXI Leilão da Livraria Rio Antigo, temos o orgulho de apresentar a segunda parte da importante coleção de Marcio Moreira Alves, com documentos, como Alvarás, Decretos e Tratados, além de preciosos livros, fundamentais para a história de Portugal, Espanha e o Brasil principalmente. Obras arduamente garimpadas e colecionadas ao longo de uma vida.

Além desta, oferecemos uma interessante coleção de obras de literatura brasileira, carinhosamente dedicadas e autografadas a um ex‐funcionário da Editora José Olympio.”


Convite

Não posso deixar de destacar a presença de muitos livros impressos em Portugal (facto pouco frequente nos nossos leilões em que a bibliografia brasileira é praticamente ignorada)

Espero que a vossa consulta seja proveitosa, pois a oferta é bastante completa e com exemplares que podem constituir uma boa aquisição para enriquecer qualquer biblioteca.

Saudações bibliófillas.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

The Library of an English Bibliophile, Part 1 (Session 1): Auction Results




Pela importância e relevância deste leilão realizado pela Sotheby’s hoje em Londres, deixo aqui um apontamento sobre os valores de arrematação de alguns dos lotes.

Trata-se de uma escolha meramente pessoal referindo, em especial, alguns dos escritores que já passaram pelas páginas deste blogue.

Os mais interessados podem consultar a lista completa dos valores de arrematação em: The Library of an English Bibliophile, Part 1 (Session 1): Auction Results.


Começo com Jane Austen que estava bem representada com algumas das suas obras principais:


Jane Austen

SENSE AND SENSIBILITY: A NOVEL... BY A LADY. LONDON: PRINTED FOR THE AUTHOR BY C. ROWORTH AND PUBLISHED BY T. EGERTON, 1811

Com uma previsão de 40,000—60,000 GBP, foi vendido por 49,250 GBP (refere-se sempre o preço final já com todas as comissões).

PRIDE AND PREJUDICE: A NOVEL. LONDON: G. SIDNEY FOR T. EGERTON, 1813

Com uma previsão de 75,000—100,000 GBP, foi vendido por 139,250 GBP.

NORTHANGER ABBEY: AND PERSUASION...WITH A BIOGRAPHICAL NOTICE OF THE AUTHOR. LONDON: JOHN MURRAY, 1818

Com uma previsão de 20,000—30,000 GBP, foi vendido por 43,250 GBP.


As irmãs Brontë, pintura do irmão Branwell c. 1834.
Da esquerda para a direita, Anne, Emily e Charlotte
(Note-se o retrato sombreado do próprio Branwell que surge no quadro)

De Anne Brontë realço:

THE TENANT OF WILDFELL HALL. BY ACTON BELL. LONDON: T.C. NEWBY, 1848

Com uma previsão de 60,000—70,000 GBP, foi vendido por 85,250 GBP.

De Emily e Anne Brontë
WUTHERING HEIGHTS. A NOVEL BY ELLIS BELL AND AGNES GREY. A NOVEL BY ACTON BELL. LONDON: THOMAS CAUTLEY NEWBY, 1847

Com uma previsão de 50,000—75,000 GBP foi vendido por 163,250 GBP (um dos valores mais elevados atingidos!):


Charles Darwin



De Charles Darwin:

ON THE ORIGIN OF SPECIES BY MEANS OF NATURAL SELECTION. LONDON: JOHN MURRAY, 1859

Com uma previsão de 50,000—70,000 GBP foi vendido por 127,250 GBP.


Charles Dickens

De Charles Dickens, uma obra rara e sempre com boa procura, e que, nestas condições, constituía uma verdadeira “peça de colecção” pois tinha uma dedicatória autografada pelo autor, pelo que atingiu um dos valores mais altos na sala do leilão, ainda que aquém da expectativa:

A CHRISTMAS CAROL. IN PROSE. BEING A GHOST STORY OF CHRISTMAS. WITH ILLUSTRATIONS BY JOHN LEECH. LONDON: CHAPMAN AND HALL, 1843

Com uma previsão de 150,000—200,000 GBP foi vendido por 181,250 GBP.


Galileo Galilei

De Galileo Galilei, uma obra de que já aqui ficou uma breve notícia:

DIALOGO... DOVE NE I CONGRESSI DI QUATTRO GIORNATE SI DISCORRE SOPRA I DUE MASSIMI SISTEMI DEL MONDO TOLEMAICO, E COPERNICANO. FLORENCE: GIOVANNI BATTISTA LANDINI, 1632

Com uma previsão de 30,000—40,000 GBP foi vendido por 91,250 GBP.


James Joyce (1918)

De James Joyce essa obra de leitura um pouco difícil de entrar, mas que uma vez lida apetece reler – claro que me refiro a Ulysses:

ULYSSES. PARIS: SHAKESPEARE AND COMPANY, 1922. One of 750 copies on handmade paper (this copy no.358), presentation copy inscribed by the author ("To /Raymonde Linossier /James Joyce /Paris
/1 March 1922")

Com uma previsão de 60,000—80,000 GBP foi vendido por 121,250 GBP.


William Shakespeare

Os Poemas de William Shakespeare também atingiram um bom preço

POEMS. LONDON: THOMAS COTES FOR JOHN BENSON, 1640

Com uma previsão de 80,000—100,000 GBP foi vendido por 133,250 GBP.


Oscar Wilde

Finalmente, Oscar Wilde, com uma edição especial, que atingiu um excelente valor na sala:

THE HAPPY PRINCE AND OTHER TALES. LONDON: DAVID NUTT, 1888

Com uma previsão de 7,000—10,000 GBP foi vendido por 27,500 GBP.


Jane Austen
Pride and Prejudice (1ª edição)
(não a deste leilão)

Era, em minha opinião, uma excepcional biblioteca reunindo peças raras e de qualidade; revelando o espírito selecto e criterioso do seu proprietário.

Dir-me-ão que reunia quase exclusivamente obras de autores ingleses, com o que estou de acordo, mas quem não gostaria de possuir na sua biblioteca alguma(s) desta(s) obra(s)?

Pelos montantes atingidos ficou demonstrado, como se isso fosse preciso, o seu valor coleccionista e a sua raridade.

Gostaria no entanto de partilhar convosco uma reflexão final.

Ao se atingirem estes valores em tempo de crise económica global, como creio que ninguém o negue, o que seria se estivéssemos num “período dourado”?

Será que esta mesma crise ainda não atingiu a bibliofilia ou, pelo contrário, será esta um bom campo para investimento nestes tempos que correm?

Saudações bibliófilas.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sotheby’s: Um importante leilão bibliófilo – “The Library of an English Bibliophile”





A Sotheby’s vai leiloar no dia 28 de Outubro, em Londres, a primeira parte de “The Library of an English Bibliophile”, que reúne obras de inquestionável raridade.

Como peças de abertura temos algumas 1ª edições de Jane Austen, com destaque para PRIDE AND PREJUDICE, Charlotte Brontë com uma 1ª edição de JANE EYRE. AN AUTOBIOGRAPHY e Charles Darwin, com a 1ª edição de“ON THE ORIGIN OF SPECIES BY MEANS OF NATURAL SELECTION, entre muitos outros autores.

Trata-se de facto de uma excepcional biblioteca e de vários leilões a seguir atentamente.

Boa consulta.

Saudações bibliófilas.

sábado, 23 de outubro de 2010

Poesias Completas de Machado de Assis (1901): Um erro tipográfico célebre




Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis  nasceu no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, a 21 de Junho de 1839 de uma família pobre, estudou em escolas públicas e nunca frequentou universidade. Os biógrafos notam que, interessado pela boémia e pela corte, lutou para subir socialmente procurando uma superioridade intelectual. Para isso, assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crónicas

Foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura brasileira. Escreveu em praticamente todos os géneros literários, pois foi poeta, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário. Testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais de sua época.

A sua extensa obra constitui-se de 9 romances e peças teatrais, 200 contos, 5 colectâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crónicas.


Machado de Assis

Machado de Assis é considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Este romance está incluído ao lado de todas suas produções posteriores, Quincas Borba e Dom Casmurro, conhecidas como pertencentes à sua segunda fase, em que se notam traços de pessimismo e ironia.

A sua primeira frase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, onde se notam as características herdadas do Romantismo, ou "convencionalismo", como prefere a crítica mais moderna

Inspirados na Academia Francesa, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, e o grupo de intelectuais da Revista Brasileira idearam e fundaram, em 1897, com o entusiasmado e apoio Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, com o objectivo de promover a cultura brasileira e, principalmente, a sua literatura. Unanimemente, Machado de Assis foi eleito o primeiro presidente da Academia logo que ela foi fundada, no dia 28 de Janeiro do mesmo ano.

Às 3h20m de 29 de Setembro de 1908 na casa de Cosme Velho, Machado de Assis morre aos sessenta e nove anos de idade com uma úlcera cancerosa na boca; ainda que na sua certidão de óbito relate que morrera de arteriosclerose generalizada, incluindo esclerose cerebral, o que, para alguns, figura questionável pelo motivo de mostrar-se lúcido nas suas últimas cartas.



Rubens Borba de Moraes – O bibliófilo Aprendiz. 1ª edição. Companhia Editora Nacional, 1965, 1ª edição. Ilustrado. Encadernação original brochura. 198 pp

Qualquer bibliófilo sabe que a primeira edição de uma obra é sempre mais valiosa que as outras, apesar de muitas vezes ter sido impressa em papel de pior qualidade ou da má qualidade de sua impressão. O seu valor acaba por ser alto justamente porque são raros e poucos a possuem.

Mas, há casos em que uma primeira edição se torna mais valorizada devido a um erro tipográfico que escapou à revisão do editor ou do autor e foi parar às livrarias. Corrigido o erro nas edições subsequentes, estes exemplares conquistam então o status de raridade bibliográfica. Este é o caso da primeira edição das Poesias Completas de Machado de Assis, publicado em 1901 pela Livraria Garnier.



Machado de Assis – Poesias completas. 1ª edição. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1901. VI, 376 p., 24 p. Frontispício de Machado de Assis. Possui notas, índice e catálogo da Garnier.
Ao organizar este volume das suas Poesias Completas, Machado de Assis reuniu os livros Crisálidas (1864), Falenas (1870) e Americanas (1875), expurgando-os de algumas poesias e acrescentando um novo conjunto, intitulado Ocidentais.

No começo do século XIX quase todos os livros desta editora eram impressos na França, mas, apesar da revisão cuidadosa que era feita nas suas publicações, às vezes escapavam alguns erros. E foi justamente nesta obra, do mais importante autor brasileiro, que escapou um erro gravíssimo: Machado escrevera à página 20, no prefácio, “… cegara o juízo …”, e o tipógrafo francês trocou o e por um a!


Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro tipográfico)

O erro só foi percebido depois que a edição já estava na livraria e alguns exemplares tinham sido vendidos. Para corrigir o erro, um empregado da livraria (Everardo Lemos) sugeriu raspar com cuidado a letra a e escrever a letra e com tinta nanquim.

Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro corrigido à mão)

Depois o editor Garnier providenciou a reimpressão da folha onde aparecia o erro, para substituí-la em todos os exemplares que ainda não tinham sido vendidos…


Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro corrigido tipograficamente)

Por causa disso existem três tipos de exemplares da primeira edição das Poesias Completas de Machado de Assis: o primeiro sem a correcção (raríssimo) com a palavra cagara, o segundo com a correcção feita a mão e o terceiro com a folha impressa sem o erro.

O felizardo que possuir na sua biblioteca um exemplar sem a correcção tem em mãos uma obra cobiçada por qualquer bibliófilo digno deste nome.

São estes pequenos – ou melhores grandes pormenores – que fazem a beleza da pesquisa e cobiça bibliófila.


Saudações bibliófilas


Fontes:

Rubens Borba de Moraes – O Bibliófilo Aprendiz, Cia Editora Nacional, 2ª Ed., (1975)


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Museu da Língua Portuguesa da Estação da Luz – São Paulo … e outras notícias




Edifício da Estação da Luz

O Museu da Língua Portuguesa foi Inaugurado oficialmente no dia 20 de Março, mas só abriu as suas portas ao público no dia 21 de Março de 2006. Nos três primeiros anos de funcionamento mais de 1.600.000 pessoas já visitaram o espaço, consolidando-o como um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul.


Logotipo do Museu

Está localizado no edifício centenário da Estação da Luz em São Paulo, cidade com o maior número de pessoas que falam português no mundo (aproximadamente 11.000.000 de habitantes).


Estação da Luz – Plataforma Grande

A linha ferroviária Santos – Jundiaí foi inaugurada em 1867, pela The São Paulo Railway Company Ldt., mas as instalações desta grande estação de passageiros no bairro da Luz só foi inaugurada em 1901.


Edifício da Estação da Luz

O edifício da Estação da Luz é um dos marcos históricos da Cidade de São Paulo, projectado com inspiração na arquitectura inglesa dos finais do século XIX e início do século XX, sofreu um apurado processo de restauro e adaptação para receber as instalações do Museu da Língua Portuguesa.


Museu da Língua Portuguesa da Estação da Luz

Dos eventos a decorrer saliento a exposição que está em cartaz na Sala de Exposições Temporárias, de 24 de Agosto de 2010 até 30 de Janeiro de 2011: Fernando Pessoa, plural como o universo.


Fernando Pessoa, plural como o universo.

Boa visita, mais que não seja um “espreitar virtual” sobre as actividades do Museu e suas publicações.


E já que estou em dia de divulgações, quero deixar aqui mais duas informações que me foram enviadas por dois leitores, curiosamente em cada um dos lados do oceano que separa estes dois povos com tantos pontos em comum na sua História.

Primeiro refiro o lançamento do livro Obra Completa de Casimiro de Abreu (1), em edição conjunta da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da G. Ermakoff Casa Editorial, que decorreu ontem na ABL.Trata-se de um escritor, fundamentalmente poeta, que ilustra bem o intercâmbio luso-brasileiro, pois desenvolveu a sua actividade literária nos dois países e colaborou com vultos prestigiados das nossas  Letras da época.


Convite

O outro evento parece-me bastante mais importante e a merecer, caso possível, uma participação. Refiro-me ao Colóquio Internacional Arquivos de família, séculos XIII-XIX: que presente, que futuro?


Cartaz do Colóquio

Para o qual já estão abertas as inscrições para a sua assistência e que decorrerá na Torre do Tombo e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, nos dias 29 e 30 de Outubro.

Pelo seu programa ,poderão verificar que se trata de um evento, que não sendo propriamente bibliófilo, nos interessa muito, para além do bom nível das intervenções a ajuizar pelos participantes.

As conferências mais importantes, pelo que me foi informado, e sem desmerecimento das outras, são:

Sousa, D. Maria João da Câmara Andrade e – O Arquivo da Casa de Belmonte: o que o tempo (ainda) não apagou (sem dúvida um arquivo importante)

Mexia, D. Maria José e Vilas Boas, D. Maria José – O Arquivo Lima e Melo Falcão Trigoso Albuquerque Saldanha e Castro Ribafria no espaço e no tempo

Saldanha, D. António - O Arquivo da Casa dos Condes e Marqueses de Rio Maior (possivelmente dos melhores que se conservam no país)

Henriques, D. Tiago - O arquivo da Casa de Louriçal (notável pelos intervenientes no espólio)


Saudações bibliófilas


(1) Sobre Casimiro de Abreu leia-se: Biografia, que nos desvenda um pouco quem ele foi … depois é partir à sua descoberta!


domingo, 17 de outubro de 2010

António Frederico de Castro Alves: Poeta dos Escravos




Jean Baptiste Debret (1) – Caçador de escravos, c. 1820-1830.
Museu de Arte de São Paulo.

"São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão..."

Fragmento do poema O navio negreiro, escrito em 18 de Abril de 1869, quando Castro Alves tinha apenas 22 anos.

 
António de Castro Alves

António Frederico de Castro Alves (2) nasceu a 14 de Março de 1847 na Fazenda Cabaceiras, a 42 km da vila de Nossa Senhora da Conceição de "Curralinho", hoje cidade de Castro Alves, no estado da Baia. (BA) e faleceu em 6 de Julho de 1871 em Salvador da Baia (BA).

Considerado um dos mais brilhantes poetas românticos brasileiros, é chamado de "Poeta dos Escravos" pelo seu entusiasmo diante das grandes causas da liberdade e da justiça – a Independência na Baia, a insurreição dos negros de Palmares, o papel da imprensa, e acima de tudo isso a luta contra a escravidão. Foi o mais inspirado poeta condoreiro (3) do Brasil.


Condor dos Andes pássaro que representa a liberdade da América

Era filho de António José Alves, médico formado na Baia, e que depois estagiou em hospitais franceses - quem pagou a conta foi o futuro sogro, já que ele era um rapaz pobre, e de Clélia Brasília da Silva Castro, filha de José António da Silva Castro, o major “Periquitão”, o herói baiano das guerras da independência do Brasil.

Nascido na Fazenda Cabaceiras, fez  os seus primeiros estudos no município vizinho, Cachoeira.

Em 1858 o Dr. Alves reconstrói o solar de Boa Vista, e deseja que a sua esposa, mãe exausta de seis filhos e de saúde frágil, ali repouse e ganhe forças. Em vão, pois. D. Clélia morrerá em 1859, quando Castro Alves tem apenas 12 anos. O falecimento da sua esposa foi um desgosto e um problema para o seu pai: tinha de criar e educar os seis filhos do casal.

Em 1852 a família Alves muda-se, primeiro para Muritiba, depois para S. Félix (na margem do rio Paraguaçu) e, finalmente, no início de 1854, para Salvador, onde se instala na rua do Rosário, nº 1, num sobrado em que, seis anos antes, fora assassinada, pelo noivo, a formosa Júlia Feital, segundo a lenda, com uma bala de ouro.

Em 1855, o pai, abre um consultório no piso inferior do seu palacete da Rua do Paço.

Depois o Dr. Alves matricula-o, e ao seu irmão mais velho, José António, no Ginásio Baiano, fundado e dirigido por Abílio César Borges, futuro barão de Macaúbas, onde foi colega de Rui Barbosa. Este colégio estava a revolucionar a forma de ensino. Em vez de impor o estudo tradicional do latim e castigar os menos aplicados como era usual, empenha-se em premiar os alunos que mais se distinguem na interpretação de Virgílio, Horácio, Camões, Lamartine e Victor Hugo. Rui Barbosa (futuro líder republicano) e Castro Alves, para regozijo de colegas e professores, entram em frequentes despiques rimados, onde já demonstra a sua vocação para a poesia.


Rui Barbosa

Neste Colégio, e no lar por intermédio do seu pai, encontra uma atmosfera literária, produzida pelos “oiteiros”, ou saraus, festas de arte, música, poesia e declamação de versos.

O pai contraiu um segundo matrimónio, em 24 de Janeiro de 1862, com a viúva Maria Ramos Guimarães. Será ela o amparo das quatro crianças menores, um rapaz e três meninas, Guilherme, Elisa, Adelaide e Amélia.

No dia seguinte ao do casamento, o poeta e seu irmão José António partiram para o Recife, enquanto o pai se mudava para o solar do Sodré.

A 23 de Junho de 1862 publica, no “Jornal do Recife”, o poema A Destruição de Jerusalém.

Aos 16 anos foi para o Recife e começou os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito. Mas ao achar a cidade insípida, dedicou-se á boémia e aos amores. Escreve as primeiras poesias: Pesadelo, Meu Segredo (já inspirado pela actriz Eugenia Câmara), Cansaço, Noite de Amor. No dia 17 de Maio de 1863, Castro Alves publicou no primeiro número de “A Primavera” o seu primeiro poema contra a escravidão: A canção do africano. No dia 10 de Novembro de 1863 recitaria os primeiros versos numa festa no Ginásio Português.


Jean-Baptiste Debret: Castigo de escravo – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)

Em Maio, submeteu-se à prova de admissão para o ingresso na Faculdade de Direito do Recife, mas como resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exame de Geometria.

Entusiasmado com as ideias liberais e abolicionistas dos jovens académicos da época, dedica-se à poesia e ao desenho, frequenta os teatros e começa a publicar os seus versos na imprensa.

Embora não tenha sido admitido na Faculdade, tornar-se-ia nesta mesma cidade do Recife, num tribuno e poeta sempre requisitado nas sessões públicas da Faculdade, nas sociedades estudantis, na plateia dos teatros, incitado desde logo pelos aplausos e ovações, que começava a receber e iam num crescendo de apoteose.


António de Castro Alves

Era um belo rapaz, de porte esbelto, tez pálida, grandes olhos vivos, negra e basta cabeleira, voz possante, dons e maneiras que impressionavam a multidão, impondo-se à admiração dos homens e arrebatando paixões às mulheres.

São deste período as suas primeiras paixões, que nos dá conta nos seus versos e que são alguns dos mais belos poemas líricos do Brasil.


Eugénia Câmara

Em 1863 a actriz portuguesa Eugénia Câmara (dez anos mais velha do que ele), vinda ao Brasil com Furtado Coelho, com quem vivia, apresentou-se no Teatro Santa Isabel (4) e terá uma Influência decisiva na sua vida.


Teatro Santa Isabel no Recife

A tuberculose manifestou-se igualmente neste ano de 1863, quando teve uma primeira hemoptise.

Em 1864 o seu irmão José António, que sofria de distúrbios mentais, desde a morte de sua mãe, suicidou-se em Curralinho.

Escreve Mocidade e Morte, com o título primitivo de O Tísico, no qual demonstra já a maturidade do poeta.

Consegue finalmente neste ano matricular-se na Faculdade de Direito do Recife, onde se destaca mais pelos poemas recitados nos teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, do que pela aplicação nos estudos. Redige com colegas o jornal “O Futuro”. Nesse período conhece Tobias Barreto, a quem tanto admirava e cujas ideias liberais, passou a seguir.


Fagundes Varela

Em Outubro viaja para a Baia, interrompendo o curso. Só retornará ao Recife em 18 de Março de 1865, acompanhado por Fagundes Varela.

O seu primeiro grande sucesso público acontece na data comemorativa da abertura dos cursos jurídicos, em 11 de Agosto de 1865, quando recita O Século no salão de honra da Faculdade. Nesse mesmo mês, começa a preparar o livro Os Escravos. Divide seu tempo entre a poesia libertária, as actividades académicas e Idalina, companheira quase desconhecida, com quem vive num bairro retirado do Recife, onde escreve diversos poemas de Os escravos.

Alistou-se a 19 de Agosto no Batalhão Académico de Voluntários para a Guerra do Paraguai. Em 16 de Dezembro, voltou com Fagundes Varela a Salvador.


Guerra do Paraguai
Batalha do Avaí, pintura a ´óleo de Pedro Américo, 1877

O seu pai morreu no ano seguinte, a 23 de Janeiro de 1866. Castro Alves voltou ao Recife, e matriculou-se no segundo ano da Faculdade.

Para além de uma fase de intensa produção literária é a do seu apostolado por duas grandes causas: uma – social e moral – a da abolição da escravatura; outra – a república – aspiração política dos liberais mais exaltados.

Funda uma sociedade abolicionista com Rui Barbosa e outros colegas. Lança o jornal “A Luz”. Polemiza na imprensa com Tobias Barreto.


Tobias Barreto

Nesse mesmo ano, torna-se amante de Eugénia Câmara e vai morar com ela nos arredores da cidade. Para a amada, traduz peças francesas e compõe o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, representado na Baia e depois em São Paulo, no qual conseguiu consagrar as duas grandes causas de sua vocação.

No dia 29 de Maio de 1867, acompanhado de Eugenia muda-se para Salvador. Na estreia de Gonzaga ou a Revolução de Minas, dia 7 de Setembro, no Teatro São João, foi coroado e conduzido em triunfo. Castro Alves dedica-se a terminar Os Escravos e cria A Cachoeira de Paulo Afonso, poema que será o epílogo do livro. Nesse mesmo ano, escreve Sub Tegmine Fagi e outras poesias.

 
José de Alencar

Em Janeiro de 1868, embarcou com Eugénia Câmara para o Rio de Janeiro, onde foi recebido por José de Alencar. Lê o seu drama e algumas poesias a José de Alencar, que depois o apresenta a Machado de Assis. Ambos ficam impressionados com seu talento e Machado elogia-o publicamente no “Correio Mercantil” e introduziu-o nos meios literários

Em 11 de Março, viajou para São Paulo acompanhado de Eugénia Câmara e do amigo Rui Barbosa. Decidira continuar ali os seus estudos. Matriculou-se no terceiro ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Continuou principalmente a produção intensa dos seus poemas líricos e heróicos, publicados nos jornais ou recitados nas festas literárias, que produziam grande sucesso.

São deste período, as obras O navio negreiro, Vozes d’África, A mãe do cativo, Lúcia, O vidente, Canção do boémio, Ode ao dois de Julho, O laço de fita e Boa noite.


Vozes d’África – O navio negreiro
Rio de Janeiro – São Paulo, Laemmert & Cª, 1905
(Foto: emule.com.br)

Tinha 21 anos, e um destaque incomparável na sua geração, de que faziam parte grandes talentos quer na literatura como na política.

Basta lembrar os nomes de Fagundes Varela, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Bias Fortes, Martim Cabral, Salvador de Mendonça, e tantos outros, que lhe assistiram aos triunfos mas não lhe disputaram a primazia. É que ele, na linguagem divina que é a poesia, lhes dizia na magnificência dos seus versos, que até então ninguém dissera, numa voz que nunca se ouvira, como afirmou Constâncio Alves. Pregava o advento de uma "era nova", segundo Euclides da Cunha.

 
Joaquim Nabuco

Declama a Ode ao Dous de Julho, no Teatro São José, com grande consagração. A 7 de Setembro de 1868, fez a apresentação pública de Tragédia no mar, que depois ficaria conhecido como O Navio Negreiro. Prepara entretanto a representação do seu drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, que no dia 25 de Outubro, sobe à cena no Teatro São José, no qual, Joaquim Augusto, o maior actor brasileiro da época tem o papel principal.

 
Anúncio de Gonzaga publicado no jornal “O Ypiranga”

O relacionamento com Eugénia Câmara torna-se difícil: Eugénia retorna ao palco e as brigas por ciúmes sucedem-se. Rompe em 28 de Agosto de 1868 a sua ligação com Eugenia Câmara. Angustiado e deprimido, Castro Alves pára de ler e escrever, somente passeia e vai à caça, ainda que não dispare nem um tiro.

Em 11 de Novembro, sai mais uma vez para caçar na Várzea do Brás, nos arredores da cidade e, ao saltar uma vala, a arma dispara e o tiro acerta-lhe no pé esquerdo. O ferimento infecta e a tuberculose volta a manifestar-se. Tuberculoso, pondera uma estadia na cidade de Caetité, onde moravam os seus tios e morrera o avô materno (o Major Silva Castro, herói da Independência da Baia) e dois grandes amigos (Otaviano Xavier Cotrim e Plínio de Lima), de clima salutar.

Em Março de 1869, matriculou-se no quarto ano do curso jurídico, mas a 20 de Maio, devido ao agravamento do seu estado de saúde, decidiu viajar para o Rio de Janeiro, para salvar a vida, mas com o martírio de uma amputação. O seu pé foi amputado em Junho. Os cirurgiões e professores da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Andrade Pertence e Mateus de Andrade, amputaram-lhe o pé esquerdo sem qualquer anestesia. A convalescença é lenta e dolorosa.

No dia 31 de Outubro, assistiu a uma representação de Eugenia Câmara, no Teatro Fénix Dramática. Viu-a aí pela última vez, pois a 25 de Novembro decidiu partir para Salvador. Mutilado, estava obrigado a procurar o consolo da família e os bons ares do sertão. Embarca para a Baia, cercado de amigos e parentes. Durante a viagem, contemplando a esteira de espumas que forma o navio no mar, tem a ideia de reunir os seus poemas num livro: Espumas Flutuantes.


Frontispício da 1ª edição de Espumas Flutuantes

Por conselho médico, em Fevereiro de 1870, vai para Curralinho, no sertão baiano e, depois, à fazenda Santa Isabel, no Rosário do Orobó, em Itaberaba, onde termina A Cachoeira de Paulo Afonso. A aparente melhoria do seu estado de saúde fá-lo retornar a Salvador em Setembro. Ainda leria, em Outubro, A cachoeira de Paulo Afonso para um grupo de amigos, e lançou Espumas Flutuantes.

Em 1871, apaixona-se pela cantora italiana Agnèse Trinci Murri, amor sobretudo platónico, para quem escreveu alguns versos, como A Violeta.

No entanto, a doença agrava-se.

A sua última aparição em púbico foi em 10 de Fevereiro de 1871 numa récita, na Associação Comercial, em benefício das crianças francesas vítimas da Guerra Franco-Prussiana.

Morreu às três e meia da tarde, no solar da família no Sodré, Salvador, Baia, em 6 de Julho de 1871.


Frontispício da 1ª edição de A Cachoeira de Paulo Afonso

Os seus escritos póstumos incluem apenas um volume de versos: A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883) e, mais tarde, Hinos do Equador (1921).

Castro Alves procurou aprofundar as implicações humanas da escravatura utilizando a sua eloquência condoreira na luta abolicionista. Descreve o escravo de um modo romanticamente trágico para despertar a sociedade, habituada a três séculos de escravidão, para o que há de mais desumano neste regime.

 
Johann Moritz Rugendas (5) - Escravos sofrendo castigos domésticos

O maior exemplo deste retrato está em A Cachoeira de Paulo Afonso, longo poema narrativo, escrito em 1870, que conta a história de amor de dois escravos, Lucas e Maria, retratada com fortes cores dramáticas.

O poeta cultivou o egocentrismo, porem, diferentemente dos românticos tradicionais, interessou-se também pelo mundo que o cercava e defendeu a república, a liberdade e a igualdade de classes sociais. Castro Alves, segundo Jorge Amado, teve muitos amores, porem, o maior de todos eles foi a Liberdade.

Se por um lado à temática social adoptada por Castro Alves já o aproximam do Realismo, por outro a sua linguagem, repleta de figuras de estilo (metáforas, comparações, personificações, invocações, hipérboles, típicas do condoreirismo), enquadra-o perfeitamente no movimento Romântico.

 
António de Castro Alves

Alem disso, o poeta não deixou de lado a poesia de carácter lírico-amoroso, cultivada por todos os escritores de sua época. Mas, diferentemente de seus contemporâneos, raramente idealiza a figura feminina; ele dá-nos a imagem de uma mulher mais concreta, mais próxima de um ser de "carne e osso", mais sensual.

É o patrono da cadeira n.º 7 da Academia Brasileira de Letras.

 
Johann Moritz Rugendas  - Negros no porão de um navio negreiro

Sobre ele, leia-se o que António Cândido escreveu:

“O último poeta romântico de importância foi Castro Alves (1847- 1871), que superou a plangência dos ultra-românticos, tanto pela sensualidade exuberante e a força plástica, quanto pelo corte humanitário da sua poesia social. Muito influenciado por Victor Hugo, foi como ele capaz de percorrer uma gama extensa, das tonalidades épicas ao lirismo sentimental. Mais de um crítico viu que havia nele um orador em verso, cuja eloqüência arrebatava os auditórios e desempenhou papel importante, mesmo depois de sua morte, na campanha pela abolição da escravidão negra, que a partir de 1870 conquistou aos poucos a opinião pública do país. Essa eloqüência ocorre também no calor da sua lírica amorosa e o afasta das tonalidades médias do lirismo romântico. Praticando o jogo das antíteses e inflando o verso pela hipérbole, é também um poderoso criador de imagens. Mas essas qualidades deslizam freqüentemente para a ênfase e a intemperança verbal, como se a sua extrema energia de expressão o levasse a perder o equilíbrio. Nele, devemos estar preparados para ver o melhor passar de repente para o pior.” (6)

 
Castro Alves – Os Escravos. São Paulo, Livraria Martins, 1947.
Tiragem especial de 70 exemplares, numerados de 1 a 70 e assinados pelo editor, em papel Vergé.
Ilustrações de Clóvis Graciano.
Encadernação original brochura. 199 pp.

 
Poesia

Espumas Flutuantes, 1870
A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876
Os Escravos, 1883
Hinos do Equador, em edição das suas Obras Completas (1921)
Tragédia no Mar
O Navio Negreiro

Teatro

Gonzaga ou a Revolução de Minas, 1875

 
Jean Baptiste Debret – Mercado da Rua Valongo – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)

Notas:

(1) Jean-Baptiste Debret (Paris, 18 de Abril de 1768 — Paris, 28 de Junho de 1848) foi um pintor e desenhista francês. Integrou a Missão Artística Francesa (1816), que fundou, no Rio de Janeiro, uma academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes, onde leccionou pintura. De volta à França (1831) publicada em Paris, entre 1834 e 1839, sob o título Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, ou séjour d´un artiste française au Brésil, depuis 1816 jusqu´en en 1831 inclusivement, a obra é composta de 153 pranchas, acompanhadas de textos que elucidam cada retrato. O livro é dividido em 3 tomos: no primeiro de 1834 estão representados índios, aspectos da mata brasileira e da vegetação nativa em geral. O segundo tomo, de 1835, concentra-se na representação dos escravos negros, no pequeno trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o tomo terceiro, de 1839, trata de cenas do quotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

(2) Numa das suas obras mais belas, Canto Geral, o poeta chileno Pablo Neruda, dedica um poema a Castro Alves. O poeta condoreiro é lembrado por Neruda como aquele que, ao mesmo tempo em que cantou às flores, às águas, à formosura da mulher amada, fez com que sua voz batesse "em portas até então fechadas para que, combatendo, a liberdade entrasse". Portanto, termina o poeta chileno, "tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens. Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar". Como dá para perceber, Neruda reverencia Castro Alves por ter cantado àqueles que não tinham voz: os escravos. O poema chama-se "Castro Alves do Brasil".

(3) Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república.

Os poetas condoreiros foram influenciados directamente pela poesia social de Vítor Hugo - o Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo.

O estilo retórico condoreiro traduz-se na linguagem escrita através dos sinais de pontuação, como as reticências, os travessões e os pontos de exclamação.

Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese (científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal, metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas.

(4) O Teatro Santa Isabel foi, durante muito tempo, o palco do Recife em todos os aspectos: políticos, sociais e culturais. Inaugurado em 1850, foi quase totalmente destruído por um incêndio em 1869. Foi restaurado e reinaugurado em 1876. Na última reforma, mais recente (reaberto em 2002), a arquitectura neoclássica do início do século XIX foi mantida, mas agora aliada à modernidade, com tecnologias que permitiram inovações na estrutura do teatro e no conforto para os espectadores. O Teatro de Santa Isabel é hoje um dos 14 teatros-monumento do Brasil, reconhecido como Património Histórico e Artístico Nacional, título que ganhou em 1949.

(5) Johann Moritz Rugendas (Augsburgo, 29 de Março de 1802 — Weilheim, 29 de Maio de 1858) foi um pintor alemão que viajou por todo o Brasil durante o período de 1822 a 1825, pintando os povos e costumes que encontrou. Rugendas era o nome que usava para assinar as suas obras. Cursou na Academia de Belas-Artes de Munique, especializando-se na arte do desenho.

(6) CÂNDIDO, António – Iniciação à Literatura Brasileira (resumo para principiantes). São Paulo, Humanitas Publicações – FFLCH/USP – Julho 1999. 3ª edição. pp. 47-48.


Bibliografia:


 
Fica aqui o meu modesto contributo para o estudo dum poeta de produção irregular – obras de grande qualidade estética e outras “francamente menores” –, mas não esqueçamos que “não teve tempo para amadurecer a sua escrita”, pois morreu com 24 anos, porém mesmo assim é uma referência da poesia brasileira do séc. XIX.

Apesar dos meus esforços, tive grande dificuldade em fixar algumas datas, através da leitura e consulta da documentação estudada. Deixo a sua correcção aos mais entendidos na sua biografia.


Saudações bibliófilas