"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 23 de outubro de 2010

Poesias Completas de Machado de Assis (1901): Um erro tipográfico célebre




Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis  nasceu no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, a 21 de Junho de 1839 de uma família pobre, estudou em escolas públicas e nunca frequentou universidade. Os biógrafos notam que, interessado pela boémia e pela corte, lutou para subir socialmente procurando uma superioridade intelectual. Para isso, assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crónicas

Foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura brasileira. Escreveu em praticamente todos os géneros literários, pois foi poeta, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário. Testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais de sua época.

A sua extensa obra constitui-se de 9 romances e peças teatrais, 200 contos, 5 colectâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crónicas.


Machado de Assis

Machado de Assis é considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Este romance está incluído ao lado de todas suas produções posteriores, Quincas Borba e Dom Casmurro, conhecidas como pertencentes à sua segunda fase, em que se notam traços de pessimismo e ironia.

A sua primeira frase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, onde se notam as características herdadas do Romantismo, ou "convencionalismo", como prefere a crítica mais moderna

Inspirados na Academia Francesa, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, e o grupo de intelectuais da Revista Brasileira idearam e fundaram, em 1897, com o entusiasmado e apoio Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, com o objectivo de promover a cultura brasileira e, principalmente, a sua literatura. Unanimemente, Machado de Assis foi eleito o primeiro presidente da Academia logo que ela foi fundada, no dia 28 de Janeiro do mesmo ano.

Às 3h20m de 29 de Setembro de 1908 na casa de Cosme Velho, Machado de Assis morre aos sessenta e nove anos de idade com uma úlcera cancerosa na boca; ainda que na sua certidão de óbito relate que morrera de arteriosclerose generalizada, incluindo esclerose cerebral, o que, para alguns, figura questionável pelo motivo de mostrar-se lúcido nas suas últimas cartas.



Rubens Borba de Moraes – O bibliófilo Aprendiz. 1ª edição. Companhia Editora Nacional, 1965, 1ª edição. Ilustrado. Encadernação original brochura. 198 pp

Qualquer bibliófilo sabe que a primeira edição de uma obra é sempre mais valiosa que as outras, apesar de muitas vezes ter sido impressa em papel de pior qualidade ou da má qualidade de sua impressão. O seu valor acaba por ser alto justamente porque são raros e poucos a possuem.

Mas, há casos em que uma primeira edição se torna mais valorizada devido a um erro tipográfico que escapou à revisão do editor ou do autor e foi parar às livrarias. Corrigido o erro nas edições subsequentes, estes exemplares conquistam então o status de raridade bibliográfica. Este é o caso da primeira edição das Poesias Completas de Machado de Assis, publicado em 1901 pela Livraria Garnier.



Machado de Assis – Poesias completas. 1ª edição. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1901. VI, 376 p., 24 p. Frontispício de Machado de Assis. Possui notas, índice e catálogo da Garnier.
Ao organizar este volume das suas Poesias Completas, Machado de Assis reuniu os livros Crisálidas (1864), Falenas (1870) e Americanas (1875), expurgando-os de algumas poesias e acrescentando um novo conjunto, intitulado Ocidentais.

No começo do século XIX quase todos os livros desta editora eram impressos na França, mas, apesar da revisão cuidadosa que era feita nas suas publicações, às vezes escapavam alguns erros. E foi justamente nesta obra, do mais importante autor brasileiro, que escapou um erro gravíssimo: Machado escrevera à página 20, no prefácio, “… cegara o juízo …”, e o tipógrafo francês trocou o e por um a!


Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro tipográfico)

O erro só foi percebido depois que a edição já estava na livraria e alguns exemplares tinham sido vendidos. Para corrigir o erro, um empregado da livraria (Everardo Lemos) sugeriu raspar com cuidado a letra a e escrever a letra e com tinta nanquim.

Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro corrigido à mão)

Depois o editor Garnier providenciou a reimpressão da folha onde aparecia o erro, para substituí-la em todos os exemplares que ainda não tinham sido vendidos…


Machado de Assis – Poesias Completas
(com erro corrigido tipograficamente)

Por causa disso existem três tipos de exemplares da primeira edição das Poesias Completas de Machado de Assis: o primeiro sem a correcção (raríssimo) com a palavra cagara, o segundo com a correcção feita a mão e o terceiro com a folha impressa sem o erro.

O felizardo que possuir na sua biblioteca um exemplar sem a correcção tem em mãos uma obra cobiçada por qualquer bibliófilo digno deste nome.

São estes pequenos – ou melhores grandes pormenores – que fazem a beleza da pesquisa e cobiça bibliófila.


Saudações bibliófilas


Fontes:

Rubens Borba de Moraes – O Bibliófilo Aprendiz, Cia Editora Nacional, 2ª Ed., (1975)


4 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui.

¡Increíble anécdota!
La desconocía por completo.
Efectivamente, tiene todos los elementos para convertirse en un rareza bibliófila. Y es que hay de erratas a erratas
¡Buenísimo!

Saludos

Rui Martins disse...

Estimado Marco Fabrizio,

Obrigado pelo teu comentário.

São estes pormenores que nos deliciam e nos fazem “calcorrear” e vasculhar as estantes dos livreiros antiquários!

De facto é uma peça de grande raridade.

Um forte abraço

Urzay disse...

Caro Rui:

¡Que anécdota simpatiquísima! No tardaron mucho en descubrir la errata, ya que todavía estaba empezando a distribuirse el libro. Me pregunto cuanto tardarían hoy en día. Si en alguna feria del libro me tropiezo con un ejemplar de éstos, ya sé que tengo que mirar la página 20. :-)

Saludos bibliófilos

Rui Martins disse...

Caro Urzay,

De facto é um erro tipográfico bem curioso.

Quanto à rapidez da sua correcção compreenderás a razão da sua pronta descoberta, pois Garnier era muito meticuloso nas suas produções e, não esqueças, que como o livro foi impresso em França, justificava uma atenção redobrada!

As 3 variantes constituem um lote de peças bem apetecíveis, sobretudo a 1ª e a 2ª.

Boa sorte na tua busca!

Um abraço