"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

terça-feira, 29 de junho de 2010

José Lins do Rego – Apontamentos biográficos




José Lins do Rego em 1918

José Lins do Rego Cavalcanti nasceu em 3 de Junho de 1901, em Pilar no Estado da Paraíba, e morreu em 12 de Setembro de 1957 na cidade do Rio de Janeiro.
"Não gosto de trabalhar, não fumo, durmo com muitos sonos e já escrevi 11 romances. Se chove, tenho saudades do sol; se faz calor, tenho saudades da chuva. Temo os poderes de Deus, e fui devoto de Nossa Senhora da Conceição. Enfim, literato da cabeça aos pés, amigo dos meus amigos e capaz de tudo se me pisarem nos calos. Perco então a cabeça e fico ridículo. Afinal de contas, sou um homem como os outros e Deus permita que assim continue." Esta é a auto-descrição de José Lins do Rego, considerado um dos maiores ficcionistas da língua portuguesa.


Mapa do Estado doa Paraíba

Filho do fazendeiro João do Rego Cavalcanti e de Amélia Lins Cavalcanti. Com a morte da mãe, passou a ser criado pelo avô, num engenho de açúcar. Aos oito anos ingressou no Internato Nossa Senhora do Carmo, de Itabaiana, PB, onde estudou durante três anos. Em 1912 passou a estudar em João Pessoa. Nesse mesmo ano, publicou seu primeiro artigo em jornal. Três anos depois mudou-se para o Recife, onde conclui seus estudos secundários. Estudou primeiro no Colégio Carneiro Leão e, depois, no Osvaldo Cruz.


O Engenho de José Lins do Rego

Já nesta altura se revelaram os seus pendores literários. É de 1916, por exemplo, o primeiro contacto com “O Ateneu”, de Raul Pompéia. Em 1918, aos 17 anos portanto, José Lins travou conhecimento com Machado de Assis, através do "Dom Casmurro". Desde a infância, já trazia consigo outras raízes, do sangue e da terra, que vinham de seus pais, passando de geração em geração por outros homens e mulheres sempre ligados ao mundo rural do Nordeste açucareiro, às senzalas e aos negros rebanhos humanos que a escravidão foi formando.


Área de clima semi-árido na Paraíba

Em 1919 ingressou na faculdade de direito do Recife. No ano seguinte, passou a escrever uma coluna literária para o jornal "Diário do Estado da Paraíba". Em 1924 formou-se e, no ano seguinte, casou-se com Filomena Masa Lins do Rego, com quem teve três filhas. Em 1925, Lins do Rego assumiu o posto de promotor público na cidade de Manhuaçu, em Minas Gerais, mas no ano seguinte mudou-se para Maceió, onde começou a trabalhar como fiscal de bancos, cargo que ocupou até 1930.


José Lins do Rego
(Fotografia da Fundação Joaquim Nabuco)

Dois anos depois, José Lins do Rego publicou o seu primeiro livro, "Menino de Engenho". Custeado com os seus próprios recursos, o livro recebeu críticas favoráveis e tornou-se um grande sucesso. No ano seguinte, publicou um segundo romance, "Doidinho". A partir daí, o editor José Olympio propôs-lhe uma edição de dez mil exemplares para o terceiro romance. José Lins do Rego tornou-se um escritor de prestígio, estimado pelo público.
Passou a publicar um romance por ano: em 1934, "Bangüê"; em 1935, "O Moleque Ricardo"; em 1936, "Usina"; em 1937, "Pureza"; em 1938, "Pedra Bonita" e em 1939, "Riacho Doce".


REGO, José Lins do - Riacho Doce (1ª ed,)
(Fotografia: Livraria 1870 Livros)

Nomeado fiscal do imposto de consumo, em 1935, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Voltou a escrever para jornais. Além de grande participação na vida literária, revelou-se um fanático futebolista, tanto é que exerceu vários e importantes cargos no Clube de Regatas Flamengo e na Confederação Brasileira de Desportos. Em pouco tempo, tornou-se uma notável personalidade da vida carioca.

Em 1936, publicou o seu único livro infantil, "Estórias da Velha Totonia", em edição ilustrada pelo artista plástico Santa Rosa.

A partir de então, passou a destacar-se também como cronista. Realizou diversas viagens e viu as suas obras publicadas em vários idiomas
O livro que é considerado a sua obra-prima, o romance "Fogo Morto", saiu em 1942. O autor consagrou-se como mestre do regionalismo. Seu último romance, "Cangaceiros", foi publicado em 1953.


Manuel Bandeira e José Lins do Rego

Em 15 de setembro de 1955 foi eleito para a Cadeira n.º 25 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Ataulfo de Paiva.

No seu discurso de posse, referiu-se ao seu antecessor, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ataulfo de Paiva, como alguém que "chegou à academia sem nunca ter gostado de um poema". A partir desta nota de sarcasmo, os seus discursos da Academia passaram a ser censurados previamente.


José Lins do Rego e Gilberto Freyre

A obra de José Lins do Rego, bastante conhecida, foi adaptada para o teatro, o cinema e televisão. Teve as suas obras traduzidas para diferentes idiomas, entre eles, o russo. Em 1956 Lins do Rego publicou "Meus Verdes Anos", um livro de memórias. No ano seguinte morreu de um problema hepático, aos 56 anos, no Rio de Janeiro.


José Lins do Rego e Graciliano Ramos
na Livraria José Olympio no Rio de Janeiro em 1947

Bibliografia (1) :

Romances:

Menino de engenho (1932)
Doidinho (1933)
Bangüê (1934)
O Moleque Ricardo (1935)
Usina (1936)
Pureza (1937)
Pedra bonita (1938)
Riacho doce (1939)
Água-mãe (1941)
Fogo morto (1943)
Eurídice (1947)
Cangaceiros (1953)
Estórias da Velha Totonia (1936) (2)
Meus Verdes Anos (memórias) (1956)


REGO, José Lins do - Pureza (1ª ed,)

Coletânea de Crônicas

Gordos e magros (1942). Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil.
Poesia e vida (1945). Rio de Janeiro, Universal.
Homens, seres e coisas (1952). Rio de Janeiro, Serviço de documentação do Ministério da Educação e Saúde.
A casa e o homem (1954). Rio de Janeiro, Organização Simões.
Presença do Nordeste na literatura brasileira (1957). Rio de Janeiro, Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde.
O vulcão e a fonte (1958). Rio de Janeiro, O Cruzeiro.
Dias idos e vividos - antologia (1981). Seleção, organização e estudos críticos de Ivan Junqueira., Editora Nova Fronteira.
Ligeiros Traços: escritos de juventude (2007). Seleção, organização e notas de César Braga-Pinto. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.

Infanto-juvenil

Estórias da Velha Totonia (1936). Rio de Janeiro, José Olympio.

Alguma bibliografia passiva on-line:




Consultar ainda:



Dentro da divulgação de escritores brasileiros, iniciada com Graciliano Ramos, aqui fica o esboço do “retrato" de José Lins do Rego.
Sobre a sua obra voltarei num próximo artigo.


Saudações bibliófilas.


(1) Ainda que bastante completa, esta lista não é exaustiva.
 
(2) Optou-se pela grafia original da 1ª edição.

sábado, 26 de junho de 2010

Graciliano Ramos – Características da Obra: aspectos bibliográficos e bibliófilos



Para Marco Pedrosa
pelo seu contributo
que conseguiu estreitar o oceano
o meu agradecimento


Graciliano Ramos

Graciliano Ramos foi um escritor extremamente cuidadoso, quanto à forma de seus livros. Rescrevia os seus livros sem cessar, procurando retirar deles tudo àquilo que considerasse excesso. De estilo delicado Graciliano sempre foi considerado como exemplo de elegância e de elaboração.
O estilo formal de escrita e a caracterização do eu em constante conflito (até mesmo violento) com o mundo, a opressão e a dor são as marcas das suas obras.


O estilo formal de escrita

De maneira geral, os seus romances caracterizam-se pelo inter-relacionamento entre as condições sociais e a psicologia das personagens; ao que se soma uma linguagem precisa , “enxuta” e despojada, de períodos curtos mas de grande força expressiva.


Cahetes (1ª edição)

O seu romance de estreia, “Caetés” (1933), gira em torno de um caso de adultério ocorrido numa pequena cidade do interior nordestino e não está à altura das obras subsequentes.


 S. Bernardo (1ª edição)

“São Bernardo” (1934), uma de suas obras-primas, narra a ascensão de Paulo Honório, rico proprietário da fazenda São Bernardo. Com o objectivo de ter um herdeiro Paulo Honório casa-se com Madalena, uma professora de ideias progressistas. Incapaz de entender a forma humanitária pela qual a mulher vê o mundo, ele tenta anulá-la com seu autoritarismo. O ciúme e a incompreensão de Paulo Honório levam-na ao suicídio. Com este personagem, Graciliano Ramos traça o perfil da vida e do carácter de um homem rude e egoísta, do jogo de poder e do vazio da solidão, em que não há espaço nem para a amizade, nem para o amor. Trata-se de um romance admirável, não só pela caracterização da personagem, mas também pelo tratamento dado à problemática da “coisificação” dos indivíduos.


Angústia (1ª edição)

“Angústia”, é a história de uma só personagem, que vive a remoer a sua angústia por ter cometido um crime passional.

O livro “Vidas Secas” (1) mantém uma estrutura descontinua não-linear, como que reafirmando o isolamento, a instabilidade da família de retirantes. Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia.

Formado por treze capítulos que sem nexo lógico, o enredo de “Vidas Secas” organiza-se principalmente pela proximidade, pelo primeiro: Mudanças – a chegada da família de retirantes a uma velha fazenda abandonada arruinada – e o último, Fuga – a saída da família, que diante de um novo período de seca, foge para o sul.


Vidas Secas (1ª edição)

Além da tortura gerada pela lembrança do passado e pelo medo do futuro, o romance foca outras faces da opressão que se exerce sobre os membros da família.
A questão central do romance não está nos acontecimentos, mas nas criaturas que o povoam nas gravuras de madeira. O narrador vai revelando a sua humanidade embotada, confundida com a paisagem áspera do sertão, neste romance transcende o regionalismo e seu contexto específico – a seca do Nordeste, a opressão dos pobres, a condição animalesca em que vivem e para esculpir o ser humano e universal.


Memórias Do Cárcere: I – Viagens (1ª edição)

Entre suas obras auto-biográficas, destaca-se “Memórias do Cárcere” (1953), depoimento sobre as condições dramáticas de sua prisão durante o governo do ditador Getúlio Vargas. Num dos seus outros livros autobiográficos "Infância", refere-se assim a seus pais: "Um homem sério, de testa larga (...), dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza (...), olhos maus que em momentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura".


 Memórias Do Cárcere: II – Pavilhão dos Primários (1ª edição)

O crítico António Cândido divide a obra de Graciliano em três categorias:

  • a) Romances narrados em primeira pessoa (“Caetés”, “São Bernardo” e “Angústia”), nos quais se evidencia a pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da análise social.

  • b) Romance narrado em terceira pessoa (“Vidas Secas”), no qual se enfocam os modos de ser e as condições de existência, segundo uma visão distanciada da realidade.

  • c) Autobiografias (“Infância” e “Memórias do Cárcere”), em que o autor se coloca como problema e como caso humano; nelas transparece uma irresistível necessidade de depor.  
Numa análise final este crítico afirma:

"(...) no âmago da sua arte, há um desejo intenso de testemunhar sobre o homem, é que tanto os personagens criados quanto, em seguida, ele próprio, são projecções deste impulso fundamental, que constitui a unidade profunda dos seus livros."
Graciliano Ramos é autor de enredos que envolvem a seca, o latifúndio, o drama dos retirantes, a caatinga, a cidade. Seus personagens são seres oprimidos, moldados pelo meio - Luís da Silva, pela cidade; Paulo Honório e Fabiano, pelo sertão.
E, dentro das estruturas vigentes, não há nada a fazer a não ser aceitar a força do "inevitável". Daí Rolando Morel Pinto, em brilhante tese sobre o autor, afirmar que as construções de Graciliano Ramos acabam sempre em palavras de sentido negativo e, principalmente, na palavra inútil:
"Parece que, dentro da posição pessimista e negativista do autor, segundo a qual as pessoas nunca fazem o que desejam, mas o que as circunstâncias impõem, gestos, intenções, desejos e esforços, tudo se torna inútil."
"A única saída seria mudar as estruturas e o sistema que geram Paulo Honório e sua ambição, o burguês Julião Tavares e os prepotentes soldados amarelos, estes últimos símbolo da ditadura de Vargas. "

Do ponto de vista formal, Graciliano Ramos talvez seja o escritor brasileiro de linguagem mais sintética. Em seus textos enxutos, a concisão atinge seu clímax: não há uma palavra a mais ou a menos. Trabalha a narração com a mesma mestria, tanto em primeira como em terceira pessoa.


Memórias Do Cárcere: III – Colónia Correcional (1ª edição)

Finalmente, vamos tentar uma abordagem dos livros de Graciliano Ramos na perspectiva do bibliófilo, ou seja, pela sua procura, como autor de colecção, e raridade (2) das suas obras, pois quanto às suas características literárias já se deu alguma noticia.

No que concerne às edições de Graciliano Ramos, apenas as primeiras edições de cada obra dele atingem cifras altas e mesmo alguma outra edição com características extrínsecas distintas.
Isto deve-se ao facto de ele ainda ser um autor muito lido no Brasil. Os seus livros fazem parte, há anos. de bibliografias de concursos de ingressos nas universidades e ainda fazem parte de currículos de várias disciplinas. Razão pela qual as edições se têm multiplicado ao longo dos anos.

Graciliano Ramos – Cahetés. Rio de Janeiro, Editora Schmidt, 1933, 1ª edição. Encadernação original brochura. 229 pp. (R$ 1.350,00)

Graciliano Ramos – S. Bernardo. Rio de Janeiro, Ariel, 1934. 1ª edição. Encadernação original brochura. 218 pp. (R$ 595,00)

Graciliano Ramos – Angústia. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1936, 1ª edição. Capa de Santa Rosa. Encadernação original brochura. 268 páginas. (R$ 475,00)

Graciliano Ramos – Vidas Secas. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1938. 1ª edição. (nenhum exemplar da 1ª edição encontrado à venda)



Brandão entre o Mar e o Amor (1ª edição)

Aníbal Machado, Graciliano Ramos e Outros – Brandão Entre o Mar e o Amor. Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora, s.d. (1942). 1ª edição. Encadernação original brochura. 154 pp. (R$ 210,00)
Romance escrito por Aníbal Machado, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Raquel de Queiroz.

 
Infância (1ª edição)

Graciliano Ramos – Infância. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1945. 1ª edição. Encadernação original brochura. 279 (3) pp. (R$ 80/155,00)


Histórias Incompletas (1ª edição)

Graciliano Ramos – Histórias Incompletas. Rio de Janeiro, Livraria do Globo, 1946, 1ª edição. Encadernação original brochura. 145 pp. (R$ 220,00)


Insónia (1ª edição)

Graciliano Ramos – Insónia. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1947. 1ª edição. Encadernação original brochura. 188 pp. (R$ 70,00)


 Memórias Do Cárcere: IV – Casa de Correcção (1ª edição)

Graciliano Ramos – Memórias do Cárcere. (póstuma). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1953. 1a.edição. Encadernação original brochura. 4 vols., il. 231, 243, 234 e 164 pp.
Volume I: Viagens, Volume II: Pavilhão dos Primários, Volume III: Colónia Correcional e Volume IV: Casa de Correcção. (R$ 300,00/500,00 – Obra rara)

Graciliano Ramos – Viagem: Checoslováquia – URSS. (póstuma). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, n.d. (1954) 1ª Edição. Edição ilustrada, capa de Cândido Portinari Encadernação original brochura. 200 pp. (R$ 150,00)


Alexandre e outros heróis (1ª edição)

Graciliano Ramos – Alexandre e outros heróis. (póstuma). Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora, 1962. 1ª edição. Capa de Clóvis Graciano. Encadernação original brochura. 184 pp. (R$ 55,00/150,00)


Linhas Tortas (1ª edição)

Graciliano Ramos – Linhas Tortas: crónicas. (póstuma). Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora, 1962. 1ª edição. Capa de Clóvis Graciano. Encadernação original brochura. 282 pp. (R$ 40,00/120,00)
(O livro praticamente reúne toda a produção do autor no género crónicas.)



Viventes de Alagoas (1ª edição)

Graciliano Ramos – Viventes de Alagoas (póstuma). Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora, 1962. 1ª edição. Encadernação original brochura. 184 pp.

Graciliano Ramos – Cartas. (póstuma). Rio de Janeiro, Record, 1980. 1ª edição. Encadernação original brochura. 208 p. il desenhos Cândido Portinari... [et al.]; caricaturas de Augusto Rodrigues, Mendez, Alvarus, fac-síms., retrs. (Obra rara)

Graciliano Ramos – Cartas a Heloísa. (póstuma). São Paulo, SMC. Dep. de Bibliotecas Públicas, 1992. 1ª edição. Encadernação original brochura. 85, (6) pp. : il. retrs. Edição comemorativa do centenário de Graciliano Ramos.

Espero que estes apontamentos sejam de algum proveito para todos aqueles que queiram aprofundar um pouco mais sobre o estudo da sua obra, bem como para os bibliófilos que tenham em apreço a sua obra e este autor seja um dos seus eleitos para coleccionismo.

Para mim, foi muito gratificante a sua realização, pois permitiu-me estabelecer contactos com estudiosos brasileiros e conseguir ampliar um pouco mais os meus conhecimentos.

Saudações bibliófilas.


Bibliografia passiva para consultas posteriores:

Sobre a obra de Graciliano Ramos:

MAIA, Prof. Dr. João Roberto – “Apontamentos sobre a obra de Graciliano Ramos”

MEDEIROS, Ana Vera Raposo de e MACIEL, Sheila Dias – “A Configuração das Memórias em “S. Bernardo” e “Memórias do Cárcere”

Sobre a Livraria José Olympio Editora, que por si só merece um estudo, sugiro a consulta de:

  
Cartaz da Exposição da Livraria José Olympio
(Exposição na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

“José Olympio: uma instituição feita de homens e livros.” – um descritivo da Exposição em curso na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


(1) O romance originalmente chamar-se-ia "O Mundo Coberto de Penas", título do penúltimo capítulo, em referências às penas negras dos corvos cobrindo o chão seco. No texto original está escrito assim. Porém o próprio Graciliano Ramos riscou o título original e escreveu à mão "Vidas Secas".


(2) Os preços apresentados são apenas os encontrados em alguns “sebos” / livreiros-antiquários e, como tal, constituem mera referência para se poder aquilatar da sua raridade. Como o grau de conservação não é sempre o melhor é evidente que para exemplares em muito bom estado os valores deverão ser mais elevados.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Graciliano Ramos – Apontamentos para uma biografia


Para Fabiano Cataldo Azevedo
um professor que o soube ser
o meu agradecimento


Graciliano Ramos

‘‘Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só.’’ - Graciliano Ramos (1892-1953)


Graciliano Ramos
(Assinatura)

Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de Outubro de 1892, na cidade de Quebrangulo, sertão de Alagoas, primogênito dos dezesseis filhos que tiveram os seus pais, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos. uma família de classe média do sertão nordestino.

Passou a sua infância nas cidades de Viçosa, Palmeira dos Índios (AL) e Buíque (PE), sob o regime das secas e das “surras” que lhe eram aplicadas por seu pai, o que o fez alimentar, desde cedo, a idéia de que todas as relações humanas são regidas pela violência.

Em 1894, a família muda-se para Buíque (PE), onde o escritor aprende as primeiras letras.

Em 1904, a família retorna ao Estado de Alagoas e reside em Viçosa. Lá, Graciliano cria um pequeno jornal dedicado às crianças, o "Dilúculo". Posteriormente, redige o jornal "Echo Viçosense", que tinha entre seus redactores o seu mentor intelectual, Mário Venâncio.


Estado de Alagoas - municípios

Em 1905 vai para Maceió, onde frequenta, durante pouco tempo, o Colégio Quinze de Março, dirigido pelo professor Agnelo Marques Barbosa.


Com o suicídio de Mário Venâncio, em Fevereiro de 1906, o "Echo" deixa de circular.

Graciliano publica na revista carioca "O Malho" os seus primeiros sonetos sob o pseudônimo de Feliciano de Olivença.

Em 1909, passa a colaborar com o "Jornal de Alagoas", de Maceió, publicando o soneto "Céptico" sob o pseudônimo de Almeida Cunha. Até 1913, nesse jornal, usa outros pseudônimos: S. de Almeida Cunha, Soares de Almeida Cunha e Lambda, este último só usado em trabalhos de prosa. Até 1915 colabora com "O Malho", usando alguns dos pseudônimos citados e, também. o de Soeiro Lobato.

Em 1910, responde a inquérito literário promovido pelo “Jornal de Alagoas”, de Maceió. Em Outubro desse ano, muda-se para Palmeira dos Índios, onde passa a residir.

Passa a colaborar com o "Correio de Maceió", em 1911, sob o pseudônimo de Soares Lobato.

Em 1914, embarca para o Rio de Janeiro (RJ) no vapor "Itassuoê". Nesse ano e parte do ano seguinte, trabalha como revisor de provas tipográficas nos jornais cariocas "Correio da Manhã", "A Tarde" e "O Século". Colaborando com o "Jornal de Alagoas" e com o fluminense "Paraíba do Sul", sob as iniciais R.O. (Ramos de Oliveira).

Volta a Palmeira dos Índios, depois da morte de três irmãos, vitimados pela peste bubónica, em meados de 1915, onde trabalha como jornalista e comerciante. Casa-se com Maria Augusta Ramos.

Sua esposa falece em 1920, deixando quatro filhos menores.


Palmeira dos Índios (Alagoas)

Em 1927, é eleito prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, cargo no qual é empossado em 1928. Ao escrever o seu primeiro relatório ao governador Álvaro Paes, “um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928”, publicado pela Imprensa Oficial de Alagoas em 1929, a verve do escritor revela-se ao abordar assuntos rotineiros de uma administração municipal. No ano seguinte, 1930, volta o então prefeito Graciliano Ramos com um novo relatório ao governador que, ainda hoje, não se pode ler sem um sorriso nos lábios, tal a forma “sui generis” como é apresentado. Segundo uma das suas auto-descrições, "(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas."

Dois anos depois, renuncia ao cargo de prefeito e muda-se para a cidade de Maceió, onde é nomeado director da Imprensa Oficial e director da Instrução Pública do Estado.

Casa-se com Heloísa Medeiros. Colabora com jornais com o pseudónimo de Lúcio Guedes.

Demite-se do cargo de director da Imprensa Oficial e volta a Palmeira dos Índios, onde funda urna escola no interior da sacristia da igreja Matriz e inicia os primeiros capítulos do romance “São Bernardo”.

O ano de 1933 marca o lançamento de seu primeiro livro – "Caetés" – que já era portador do pessimismo que marcará toda a sua obra. Graciliano começara este romance em 1925. Os relatórios da prefeitura que escrevera no período de 1929-30 chamaram a atenção de Augusto Schmidt, editor do Rio de Janeiro, que o animou a publicar este romance.

No ano seguinte, publica "São Bernardo". Ano em que também faleceu o seu pai em Palmeira dos Índios.


Graciliano Ramos
(aproximadamente 1932)

Em Março de 1936, acusado — sem que a acusação fosse formalizada — foi preso na sequência das perseguições desencadeadas por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de Novembro de 1935. É demitido, preso em Maceió primeiro acaba por ser enviado para o Recife, onde embarca com destino ao Rio de Janeiro no navio "Manaus". com mais 115 presos políticos.

“Quando o prenderam em 1936, em Maceió, Graciliano não era membro do partido comunista. Possivelmente, pelo que se pode inferir das Memórias, e também de Angústia, ele seria procurado por alguns dentre os pouquíssimos membros do partido na capital alagoana. Homem culto, ateu, Graciliano, como afirma em resposta aos já mencionados quesitos, odiava a burguesia e o capitalismo.

Mas não participava de acções políticas práticas. Sua prisão foi inteiramente arbitrária, própria do ambiente da época, imediatamente posterior ao esmagamento dos levantes da Aliança Nacional Libertadora de novembro de 1935. Não é improvável que o escritor tivesse sido vítima de calúnias, de delações de pessoas atropeladas por sua integridade, no exercício das funções de prefeito de Palmeira dos Índios e de director da Instrução Pública do Governo de Alagoas.” (1)

O país encontrava-se sob a ditadura de Vargas e do poderoso chefe da Polícia Política coronel Filinto Müller. No período em que esteve preso no Rio, até janeiro de 1937, passou pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, pela Colônia Correccional de Dois Rios (na Ilha Grande), voltou à Casa de Detenção e, por fim, pela Sala da Capela de Correcção.

Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar “Angústia” em Agosto de 1936. Considerada por muitos críticos como sua melhor obra. é agraciado, nesse mesmo ano, com o prêmio "Lima Barreto", concedido pela "Revista Acadêmica".

Foi libertado em janeiro de 1937 e começa a trabalhar em jornais do Rio de Janeiro. As experiências da cadeia, entretanto, ficariam gravadas numa obra publicada postumamente, “Memórias do Cárcere” (1953), relato franco dos desmandos e incoerências da ditadura a que estava submetido o Brasil.


José Dumont, Carlos Vereza (Graciliano Ramos) e Waldir Onofre
no filme “Memórias de Cárcere” de Nelson Pereira Santos

Em Maio desse ano, a "Revista Acadêmica" dedica-lhe uma edição especial, o número 27 - ano III, com treze artigos sobre o autor. Recebe o "prêmio Literatura Infantil", do Ministério da Educação, com "A terra dos meninos pelados".

Em 1938, publica seu romance mais conhecido e aclamado "Vidas Secas". No ano seguinte é nomeado Inspector Federal do Ensino Secundário no Rio de Janeiro.


Graciliano Ramos - Vidas Secas
(Ilustração de uma família de retirantes)

Em 1940, frequenta assiduamente a sede da revista "Diretrizes", com Álvaro Moreira, Joel Silveira, José Lins do Rego e outros "conhecidos comunistas e elementos de esquerda", como consta da sua ficha na polícia política.

Traduz "Memórias de um negro", do americano Booker T. Washington, publicado pela Editora Nacional, S. Paulo.

Publica uma série de crônicas sob o título "Quadros e Costumes do Nordeste" na revista "Política", do Rio de Janeiro.

Em 1942, recebe o prêmio "Felipe de Oliveira" pelo conjunto de sua obra, por ocasião do jantar comemorativo dos seus 50 anos. O romance "Brandão entre o mar e o amor", escrito em parceria com Jorge Amado, José Lins do Rego, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz é publicado pela Livraria Martins, S. Paulo.

1943 é marcado pelo falecimento de sua mãe, Maria Amélia Ferro Ramos, em Palmeira dos Índios.


Graciliano na Livraria José Olympio
Rio de Janeiro -1942

Lança, em 1944, o livro de literatura infantil "Histórias de Alexandre". O seu livro "Angústia" é traduzido e publicado no Uruguai.

Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil (PCB) de que era secretário-geral Luís Carlos Prestes.

“Em 1945, o partido comunista ganhou estatuto legal e Graciliano filiou-se a ele juntamente com uma constelação de astros da cultura brasileira. Não poucos, nos anos seguintes, afastaram-se do partido. Graciliano permaneceu militante comunista até a morte.” (1)

Nos anos seguintes, realiza algumas viagens à Rússia e outros países do bloco socialista, com a segunda esposa Heloísa Medeiros Ramos, Neste ano são lançados "Dois dedos" e o livro de memórias "Infância".


Graciliano Ramos - Infância
(Ilustração de Darcy Penteado)

O escritor Antônio Cândido publica, nessa época, uma série de cinco artigos sobre a obra de Graciliano no jornal "Diário de São Paulo", a que o autor responde por carta. Conjunto que daria origem ao livro "Ficção e Confissão".

Em 1946, publica "Histórias Incompletas", que reúne os contos de "Dois dedos", o conto inédito "Luciana", três capítulos de "Vidas Secas" e quatro capítulos de "Infância".

Os contos de "Insônia" são publicados em 1947.

O livro "Infância" é também traduzido e publicado no Uruguai em 1948.

Traduz, em 1950, o famoso romance "A Peste", de Albert Camus, cujo lançamento se dá nesse mesmo ano pela José Olympio.


Graciliano Ramos
Retrato por Hélio Pólvora

Em 1951, é eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores, lugar para o qual será reeleito em 1952. O livro "Sete histórias verdadeiras", extraídas do livro "Histórias de Alexandre", é publicado.

Em Abril de 1952, viaja na companhia de sua segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, à Checoslováquia e Rússia, onde teve alguns de seus romances traduzidos. Visita, também, a França e Portugal. Visitas que descreve no livro “Viagem” publicado já postumamente (1954).

Adoeceu gravemente em 1952. A 16 de Junho, regressa já enfermo. Decide ir a Buenos Aires, Argentina, onde se submete a tratamento de cancro do pulmão, em Setembro desse ano. É operado, mas os médicos não lhe dão muito mais tempo de vida.

Graciliano era um fumador inveterado, pois fumava cerca de três maços por dia. Referia mesmo que uma das suas grandes preocupações, enquanto esteve preso, era arranjar “aprovisionamento” regular de tabaco

“Creio que nunca vi Graciliano sem um cigarro entre os dedos, cigarro de fumo forte. Em resposta a uma série de quesitos (Auto-retrato aos 56 anos, por João Condé), informou que fumava três maços por dia. Morreu de câncer do pulmão e cabe supor que em consequência do vício. Nas Memórias, são numerosas as referências à preocupação com a reserva de cigarros, com o estoque disponível, como será possível adquiri-los, enfrentando as condições adversas da vida de prisioneiro.” (1)


Graciliano Ramos

Na passagem de seus sessenta anos é lembrada em sessão solene no Salão Nobre da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sessão presidida por Peregrino Júnior, da Academia Brasileira de Letras. Sobre a sua obra e a sua personalidade falaram Jorge Amado, Peregrino Júnior, Miécio Tati, Heraldo Bruno, José Lins do Rego e outros. Em seu nome, falou sua filha Clara Ramos.

Em Janeiro do ano seguinte, 1953, é internado na Casa de Saúde e Maternidade S. Vítor, onde vem a falecer, vitimado pelo cancro do pulmão, no dia 20 de Março.

Já depois da sua morte, é publicado o livro "Memórias do Cárcere", que Graciliano não chegou a concluir, pelo que ficou sem o capítulo final.

Postumamente, são publicados, alguns já referidos, "Viagem" (1954), "Linhas tortas", "Viventes das Alagoas" e "Alexandre e outros heróis" (1962), e "Cartas" (1980), uma colectânea da sua correspondência, “O Estribo de Prata” (1984); “Cartas à Heloísa” (1992) e “Um Cinturão” (2000).

Os seus livros "São Bernardo" e "Insônia" são publicados em Portugal, em 1957 e 1962, respectivamente. O livro "Vidas Secas" recebe o prêmio "Fundação William Faulkner", na Virginia, USA.

Em 1963, no 10º aniversário da morte de “Mestre Graça”, como era conhecido pelos amigos, é lembrado com as exposições "Retrospectiva das Obras de Graciliano Ramos", em Curitiba (PR), e "Exposição Graciliano Ramos", realizada pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Em 1965 publica-se o seu romance "Caetés" em Portugal.


Graciliano Ramos Caetés
Europaa-América – Portugal
Livros de Bolso n.º 390

O seus livros "Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere" são adaptados para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, em 1963 e 1983, respectivamente. O filme "Vidas Secas" obtém os prêmios "Catholique International du Cinema" e "Ciudad de Valladolid" (Espanha). Leon Hirszman dirige "São Bernardo", em 1980.

Em 1970, "Memórias do Cárcere" é finalmente publicado em Portugal. (2)

Como remate deste artigo, proponho esta última leitura, que saiu publicado no jornal “O Globo”, sobre este escritor, e que me foi enviado por um amigo do Brasil, que demonstra o que acontece muito frequentemente com os artistas, sejam eles escritores ou de outra arte qualquer.

"Graciliano Ramos morreu pobre. Doente. Não conheceu a glória em vida, como Machado de Assis. É bem verdade que, nos meios literários, sempre foi muito respeitado, especialmente pela crítica especializada, que nunca lhe poupou elogios. Quanto ao público leitor em geral, porém, a coisa nem sempre foi assim. As edições de suas obras eram em número normal, jamais alcançando as cifras de Jorge Amado ou de um José Lins do Rego. Seriam, por isso, talvez menos importantes os seus livros em relação aos de seus companheiros de geração? Absolutamente. Vários fatores contribuíram para esse estado de coisas - a própria vida do romancista, a perseguição durante a ditatura Vargas, seu temperamento fechado, arredio, uma certa visão sarcástica da vida e dos homens, a qual fornece uma das constantes dessa obra admirável!.

Depois de morto, Graciliano Ramos iria conhecer a glória, se isso é possível. Com a adoção de "Vidas Secas" pelas escolas, como livro de texto, o romancista teria toda a sua obra reeditada continuamente, alcançando verdadeiros recordes de tiragens. [...]" (3)


 
Bibliografia activa:

Caetés (1933) (Prémio Brasil de Literatura);
São Bernardo (1934);
Angústia (1936);
Vidas Secas (1938);
A Terra dos Meninos Pelados (1939);
Brandão Entre o Mar e o Amor (1942);
Histórias de Alexandre (1944);
Infância (1945);
Histórias Incompletas (1946);
Insônia (1947);
Memórias do Cárcere, póstuma (1953);
Viagem, póstuma (1954);
Linhas Tortas, póstuma (1962);
Viventes das Alagoas, póstuma (1962);
Alexandre e outros Heróis, póstuma (1962);
Cartas, póstuma (1980);
O Estribo de Prata, póstuma (1984);
Cartas à Heloísa, póstuma (1992);
Um Cinturão (2000).

Com este artigo inicio um estudo sobre a personalidade e a obra deste grande escritor brasileiro.
Após a abordagem da sua biografia, seguir-se-á um estudo da sua obra.


Saudações bibliófilas.


(1) GORENDER, Jacob – Graciliano Ramos: lembranças tangenciais. “Estudos Avançados” 9 (23).1995. pág. 323-331.

(2) Com a “abertura marcelista”, e sobretudo após as “eleições de 1969”. alguns "títulos subversivos" de autores brasileiros começaram a ser editados, como é o caso deste.

(3) BAIRÃO, Reynaldo, Jornal “O Globo”, 23-5-76, pág. 8.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Otium Cum Dignitate – Novo Catálogo on-line





A Livraria Otium lançou um catálogo especial, apenas em formato digital, com uma selecção de manuscritos disponíveis para venda.

Inclui peças de colecção desde o século XV até ao séc. XX, em pergaminho e papel, dos mais variados temas.

Reúne um bom conjunto de manuscritos de Eugénia de Melo e Castro de que destaco: CASTRO (E. M. de Melo e) – O RISCO.


CASTRO (E. M. Melo e) – O Risco

Para os leitores brasileiros, em especial, deixo a imagem deste documento precioso e bastante interessante:


COMPRIMICIO Da Irmandade dos Santissimos Coraçoens de Iesus e Maria Erecta na
sua Capela, Titular no Pedrão. Filial da Freguezia de S.Iozê das Itapororocas. Termo
da Caxoeira. Anno de Nosso Senhor Iesus Christo 1797.

Voltam a aparecer mais alguns documentos do General Morais Sarmento constituindo um interessante espólio da sua actividade enquanto Major General do Exército.


Livraria Otium

Segundo informação de Nuno Gonçalves, o seu proprietário, vai lançar em breve mais um boletim bibliográfico, assim como um novo catálogo especial dedicado à arte em livro.

Boa leitura e consulta.

Saudações bibliófilas

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu Saramago!




José Saramago

"Hoje, sexta-feira, 18 de Junho, José Saramago faleceu às 12h30 na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença (1). O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", lê-se num comunicado da Fundação Saramago.


José Saramago

Este dia ficará marcado pelo desaparecimento de um homem vertical e de caracter afável mas sempre coerente consigo mesmo.

Quem teve o privilegio de com ele privar, mesmo o cidadão ou leitor comum, sentia a sua capacidade de comunicar e a sua grande sensibilidade humana

Os portugueses perderam um grande escritor, um dos maiores do século XX, as Letras perderam um artista da palavra escrita e escritor de renome mundial que torna a sua obra património de toda a humanidade.

Alguns daqueles que foram seus detractores hoje louvam-no com rasgados elogios ... a memória é curta como acontece sempre nestes momentos.

Pode gostar-se ou não de Saramago como pessoa, pode-se gostar ou não de Saramago como escritor ... não se pode é ficar indiferente perante a sua obra!
Como singela homenagem nesta data triste para nós portugueses, mas também para a comunidade literária internacional, deixo aqui o que sobre ele escreveu Maria Alzira Seixo (2), pois nunca conseguiria expressar com tanto rgor este quadro:


Maria Alzira Seixo

"O essencial da nossa atenção, (...), concentrar-se-á, (...) sobre os escritos que compõem Deste Mundo e do Outro e A Bagagem do Viajante. Costuma dizer o autor, referindo-se à relação que as crónicas entretecem com a sua restante obra, que «está lá tudo»; e, com efeito, quase tudo, pelo menos, parece já lá estar. Não só no que diz respeito à temática: a relação identidade/alteridade; a articulação entre o homem e a terra; o projecto humano e a sua transposição, ou transcendência; a concepção do homo viator e a sua incidência temporal; não só também no que diz respeito à constelação de motivos preferenciais que preenchem essa temática: a água, a embarcação, a estrela, o silêncio, a pedra, o rumor - mas também nas atitudes dominantes: cepticismo radical no limite do desengano em fulgurações entretecido por um ilimitado entusiasmo na capacidade de construção humana, no projecto que é o sonho; mas também ainda na frase tensa que não se fecha completamente à irrupção lírica, na mordacidade que não exclui a ternura, na ironia que quase sempre traz a cumplicidade do afago.


A arte da palavra escrita

Estes dois livros, de leitura fascinante, põem-se em contacto com esse tempo essencial que a crónica assume (simultaneamente fragmentado e intenso, dada a brevidade contida de cada texto) - «descobre-se que só violentamente se enchem os dias da vida. E então todo o passado aparece sob uma nova iluminação» DMO, 126 -, percebido por uma sensibilidade, toda olhos e inteligência, que capta o sentido das coisas - «Aqui só se fala de simplezas quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias» ou «de verdades que parecem mentiras», B.V., 56- e que se afina de muito perto pela do leitor, quer em atitude de sincronia quer em atitude de provocação - «travo o mais que posso para não me estatelar no tom da gravidade cúmplice, entre cronista e leitor que alguma coisa viveram e que, por isso mesmo, não se tomam demasiadamente a sério», DMO, 79- relatando factos, não tanto pelo amor do relato, mas para fazer vibrar as coisas, o seu sentido, a sua visão, a nossa passagem por elas e o abrir delas em nós, num estado de permanente reconsideração e de descoberta, na abertura de todos os possíveis ao outro lado deles - «cair da tarde (...) gosto de andar pelas ruas da cidade, distraído para os que me conhecem, agudamente atento para todo o desconhecido, como se procurasse decididamente outro mundo», B.V., 99.

Que campos cobrem as crónicas de José Saramago? Os da actualidade (parte-se por vezes de uma notícia nos jornais); os da memória (regressa-se à infância, suas marcas, suas recordações, suas nostalgias); os do ambiente (evoca-se a cidade, outras cidades conhecidas, o campo, os vários tipos de ruralidade); os da tipologia humana (o amola-tesouras, o cego do harmónio, os frequentadores de café, etc., etc.); os de sugestão frásica e vocabular (um verso, uma frase - a sua capacidade evocativa poderão ser matéria para uma crónica); os da cultura (domínio da arte, vultos de escritores, leituras, etc.); miúdas situações do quotidiano anónimo; efabulações de tipo onírico que hesitam entre a vocação para um destinatário infantil e uma acentuada propensão do escritor para os domínios do maravilhoso e do fantástico que mais tarde veremos concretizar-se melhor na sua restante obra. (...)"


José Saramago

A ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, parte ao final da tarde desta sexta-feira para Lanzarote, num avião militar C-295, para ir buscar o corpo do escritor, em representação do Governo português.

Na sexta-feira,  o corpo de José Saramago vai estar em câmara ardente, a partir das 17h00 (hora portuguesa) na biblioteca José Saramago, localizada em Tías, na ilha espanhola de Lanzarote onde o escritor residia desde 1993.

Os restos mortais de José Saramago devem chegar às 12h45 de amanhã ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa.

O corpo de José Saramago vai ser velado, a partir de sábado, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, onde permanecerá até às 12h00 de domingo, saindo depois para Cemitério do Alto de São João, para ser cremado.

Depois das cerimónias fúnebres em Lisboa, as cinzas do escritor poderão ser repartidas entre a sua terra natal, Azinhaga no Ribatejo, e, outra parte enterrada junto a uma oliveira no jardim do que foi a sua casa em Tías, Lanzarote.


José Saramago
Prémio Nobel da Literatura 1998

José Saramago foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1998. Deixa uma vasta obra onde se incluem géneros distintos.

Publicou o seu primeiro livro em 1944 e esteve quase duas décadas sem voltar a publicar. Em 1966 reaparece no panorama literário com um conjunto de poemas.
Conquistou leitores, prémios e distinções em todo o mundo. Uma das suas obras, 'Ensaio sobre a Cegueira' foi adaptado ao grande ecrã pela mão do realizador brasileiro Fernando Meireles. Em Portugal, os seus textos constam nos programas oficiais de Língua Portuguesa nos liceus.


Casados Bicos
Sede da Fundação José Saramago

Criou a Fundação José Saramago, que ocupa a Casa dos Bicos por cedência da Câmara Municipal de Lisboa.

Contrariando o que aqui se escreveu, mas já foi largamente referido pela imprensa, as cinzas de José Saramago ficarão em Lisboa.


Último adeus a Saramago
(Aspecto do Salão Nobre
dos Paços do Concelho de Lisboa)

Com efeito, na mensagem que leu no Salão Nobre dos Paços do Concelho, António Costa, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, recordou a ligação de Saramago à cidade de Lisboa, onde viveu, trabalhou, tendo presidido à Assembleia Municipal. O autarca sublinhou ainda que:

"Lisboa foi uma das personagens mais queridas, mais amadas, em toda a sua obra".
(...)
"As cinzas de José Saramago descansarão na cidade de Lisboa, mas a sua obra é uma obra que é património de toda a humanidade e a sua mensagem, o seu desassossego, continuarão a desinquietar-nos e a desinquietar todos aqueles que lerem a sua obra".


António Costa, Presidente da Câmara de Lisboa,
com o vereador Ruben de Carvalho,
no velório a José Saramago

António Costa revelou o desejo de apresentar a cidade de Lisboa como última morada ao Prémio Nobel da Literatura, depois de ontem Pilar del Rio, viúva do escritor, ter esclarecido que as cinzas de Saramago iam ficam em Portugal, onde "pudesse de vez em quando depositar uma flor".

O local mais previsível é o Panteão Nacional, onde já repousam outras dez ilustres figuras nacionais.

No entanto, esta deposição das cinzas do escritor só pode ocorrer um ano após a sua morte e por proposta da Assembleia da República.


Saudações bibliófilas

(1) O escritor sofria de leucemia e há várias semanas que não saía de casa.

(2) SEIXO, Maria Alzira- O Essencial sobre José Saramago, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1987, págs. 15-17.