“ Um diário. Uma carta. Ou simplesmente as memórias. Nós
lemo-las com um prazer diferente de uma obra de arte ou mesmo
da arte que está nelas. Não é bem o de saber o que aconteceu,
mas o de estarmos nós acontecendo nisso que aconteceu.
Ou seja, de prolongarmos a nossa vida até lá.”
Vergílio Ferreira, «Escrever»
Vergílio Ferreira
Trago-vos hoje uma notícia, que não sendo propriamente bibliófila, pois é mais bibliómana, se refere a um autor que já teve várias referência aqui e em contextos bibliófilos: Vergílio Ferreira.
Este escritor tem, para mim, um significado muito particular, para além da minha admiração e gosto pela sua vasta bibliografia.
Se por um lado nunca o poderei esquecer como professor de Português no “velho” Liceu de Camões, o seu relacionamento com os alunos bem como o ar, sempre um pouco pensativo, mas que sabia retribuir com simplicidade um sorriso ou um cumprimento, quando se deslocava da sala de aulas para a “sala dos professores”.
Reconheço que, em grande parte, lhe devo o meu gosto pela escrita. com as suas propostas para as “Redacções/Composições” ... lembro-me de um dos temas propostos: “Se eu fosse um banco de jardim...”.
De facto, o que se podia escrever sobre um tema tão vasto!
Vergílio Ferreira - Conversando com os alunos
no Liceu Camões (Lisboa, 1981)
Vergílio António Ferreira nasceu na aldeia de Melo a 28 de Janeiro de 1916 e faleceu a 1 de Março de 1996 em Lisboa. Filho de António Augusto Ferreira e de Josefa Ferreira. Em 1920, os seus pais emigram para os Estados Unidos, deixando-o, com seus irmãos, ao cuidado de suas tias maternas. Frequentou o Seminário do Fundão (1926-1932) e licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1940). Foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país, nomeadamente no Liceu de Camões em Lisboa (veja-se a referência aos professores de Manhã Submersa e Aparição), foi como escritor que mais se distinguiu.
A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois períodos literários: o Neo-realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que marca a transição entre os dois períodos.
Inicialmente neo-realista depressa se deixou influenciar pelos existencialistas franceses (André Malraux e Jean-Paul Sartre), iniciando um caminho próprio a partir do romance Mudança (1949).
Jean-Paul Sartre
É considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, tendo ganho vários prémios; os principais são o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (ganho duas vezes, primeiro com o romance Até ao Fim e depois com o romance Na tua Face), e o Prémio Femina na França com o romance Manhã Submersa. Em 1992, foi galardoado com o Prémio Camões.
O seu nome continua actualmente associado à literatura através da atribuição do Prémio Vergílio Ferreira.
Vem isto a propósito de inéditos que têm vindo a estampa como fruto do seu espólio, legado pela viúva à Biblioteca Nacional, e a propósito do lançamento de mais um volume inédito, que é a sua primeira obra de ficção: “A Curva de Uma Vida”
FEREEIRA, Vergílio – “Diário Inédito: 1944-1949”. Lisboa, Bertrand Editora, 2008. Apresentação de Helder Godinho. Introdução de Fernanda Irene Fonseca. 183(2) + 2 pp. com 4 fotografias do manuscrito em extra-texro (intercaladas entre as pp. 32 e 33. Brochado. Capa cartonada com badanas.
Este título, um diário inédito de Vergílio Ferreira, surgiu no mercado livreiro em 2008..
Os escritos reunidos neste volume são de uma tentativa de diário do autor que corresponde ao período que medeia os anos 1944 e 1949, numa fase de Mudança no seu pensamento e nos seus escritos, numa altura fulcral para o escritor que Vergílio Ferreira veio a ser. É, no entanto, um escrito que Vergílio nunca deu à estampa e a que se refere nos seus diários posteriores (surgidos bem mais tarde) como tentativas falhadas da feitura do registo avulso do dia a dia.
A organizadora do volume, Fernanda Irene Fonseca, na Introdução, que se estende das págs.11-37 faz um estudo de fixação de texto e de análise do mesmo, que o torna de indispensável consulta/leitura.
Refira-se que existe uma 2ª edição integrada no sua “Obra Completa”
FERREIRA, Vergílio – “A Curva de Uma Vida”. Lisboa, Quetzal Editores, 2010. Introdução de Ana Isabel Turíbio. Obra Completa. 54(1) / 94(1) pp. Brochado. Capa cartonada com badanas. (edição em duas: de um lado o texto com aparato crítico, do outro, a novela sem notas)
È a primeira obra (1938) escrita por Vergílio Ferreira. É anterior de um ano ao primeiro romance publicado, O Caminho Fica Longe, concluído em 1939. Encontramos já um dos temas vergilianos: a ausência do pai, que aqui se manifesta pelo desconhecimento da genealogia.
Trata-se de uma edição genética e critica de Ana Isabel Turíbio e Cátia Barroso. A Introdução de Ana Isabel Turíbio constitui um excelente estudo sobre o seu trabalho: “Esperamos que a edição genética da primeira ficção vergiliana, ao permitir a realização do «filme da escrita do texto», seja um contributo para o conhecimento da génese da obra do escritor, em geral, fazendo jus à definição de Ivo Castro: (...)”
O Professor Hélder Godinho também e acrescenta que Vergílio Ferreira "preparou o seu espólio para os estudiosos futuros. Estava tudo muito bem organizado e com anotações.".
Vergílio Ferreira
São dois livros muito importantes, quer para os «arqueólogos da obra» quer para os «leitores apaixonados», mas também para todos os leitores comuns e apaixonados pela obra de Vergílio Ferreira..
Resta agora a sua leitura e as opiniões que sobres eles se escreverão, quanto ao escritor merece um estudo muito mais detalhado, sobretudo com referências às suas obras de maior procura bibliófila ... quem sabe qualquer dia voltaremos a conversar.
Saudações bibliómanas
Bibliografia:
Bibliografia:
Para além da bibliografia passiva sugerida pelo Instituto Camões, no link acima colocado, sugiro como consulta mais acessível:
Ana Isabel TURÍBIO – A preparação do texto em Vergílio Ferreira
As Mãos da Escrita – 25 Anos do Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea
(com alguns documentos manuscritos de Vergílio Ferreira)
(com alguns documentos manuscritos de Vergílio Ferreira)
2 comentários:
Excelente artigo, como sempre.
Como diria o António Lobo Antunes, Vergílio Ferreira andava sempre com cara de quem sofria de hemorróidas.
Para quando a re-publicação dos dois primeiros romances que atingem preços elevadíssimos no mercado bibliófilo?
Deixo aqui um link interessante para um programa sobre o escritor e sobretudo sobre a Aparição:
http://www.youtube.com/watch?v=qqBhh2JnRow
Cumprimentos
António:
Obrigado pelo seu comentário e pelo link, bastante interessante.
Quanto aos livros de Vergílio Ferreira parece-me que este será, para os bibliómanos, mas também para os bibliófilos, um bom ano!
A Quetzal está a editar a “Obra Completa” de Vergílio Ferreira.
Pelo que pude averiguar vai reeditando livros mais antigos com os resultantes do estudo do seu espólio.
Para dia 11 deste mês prevê-se o lançamento de “Promessa”, o único romance completo (1947) que Vergílio Ferreira deixou inédito. A sua importância deriva de ser o primeiro romance de ideias, entre "Vagão J" e "Mudança".... parece ser mesmo uma grande promessa!
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