"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Livros muçulmanos em Portugal


No decurso das minhas anteriores divagações bibliófilas e fruto das minhas modestas pesquisas bibliográficas, referi, dum modo sumário, a história das primeiras impressões e seus impressores em Portugal.
Foi aflorada a questão da inexistência de livros impressos em árabe, quando a sua influência na nossa cultura é bem marcante.

Escola muçulmana

E cito Nuno Crato que diz: «Devemos à civilização islâmica a preservação dos escritos clássicos e a sua transmissão posterior ao Ocidente renascentista. Mas não só. Conhecem-se ainda mal as possíveis fontes de origem islâmica de Francisco Maurolico, Pedro Nunes, Nicolau Copérnico e de outros homens da ciência europeia. Mas as contribuições da ciência árabe no campo das matemáticas, das ciências náuticas e da astronomia deixaram marcas indeléveis. Basta pronunciar a palavra “álgebra”, por exemplo». (1)

Com efeito, só se conhecem livros impressos em árabe a partir do século XVI, de que desconheço a existência de qualquer impressor no nosso país.
No entanto, existe uma vasta produção de manuscritos árabes, escritos a partir do século IX, que certamente circularam no período referido.

O segundo califa de Abbasid, no período de 754 a 775 foi Abu Ja'far Abdallah ibn Muhammad al-Mansur (712 – 775), ou simplesmente Al-Mansur.
No ano 773, Al-Mansur recebeu um hindu erudito, um astrónomo chamado Mankha, que era capaz de falar sobre os céus como se fosse a reminiscência de uma viagem pessoal. Impressionado com os seus conhecimentos, Al-Mansur notou que o mundo islâmico poderia estar a ser muito prejudicado por desprezar o conhecimento acumulado pelas outras civilizações. Quando o astrónomo indiano Mankah presenteou Al-Mansur com uma cópia do «Siddhanta», revelando ao califa a fonte de seu grande conhecimento, Al-Mansur ordenou que os astrónomos persas começassem imediatamente a traduzir este importante texto científico.
Foi o ponto de partida para a tradução dos textos gregos ao saberem que estes eram a origem de grande parte do conhecimento incorporado ao «Siddhanta».

Entre os textos adquiridos no início do século IX pelos árabes estava o «Mathematike syntaxeos biblia ιγ» de Ptolomeu, o maior texto astronómico até então escrito. Os árabes mais tarde deram-lhe um novo nome, «Almagest». A data da sua primeira tradução para o árabe foi, provavelmente, o ano 827.

«Almagest»

De posse do «Almagest», traduzido para a sua língua, os árabes tinham os fundamentos básicos a partir do quais poderiam iniciar a sua própria investigação na ciência astronómica. Com o seu estudo, os filósofos árabes manifestaram um espírito crítico perante a ciência grega. Para eles Ptolomeu não devia ser aceito cegamente.
Foi o grande matemático e astrónomo Al-Kwarizmi (780-850) que recebeu o encargo de verificar e, possivelmente, actualizar o trabalho escrito por Ptolomeu.

Dos seus autores destaco Ibn al-Haytham.


Ibn al-Haytham

Abu Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham (965-1039), conhecido também como al-Basri ou pelo nome latinizado de Alhacen, foi um dos grandes nomes da ciência islâmica. Escreveu mais de 200 trabalhos sobre vários assuntos dos quais 50 sobreviveram (23 são sobre Astronomia).

O trabalho mais importante de al-Haytham foi sobre Optica. O seu livro «Kitab al-Manazir» (Livro de Óptica), escrito entre 1011 e 1021, é considerado como um dos mais importantes tratados de Física escritos até hoje por iniciar uma revolução nesta ciência. Neste livro al-Haytham provou que as propostas de Euclides, Ptolomeu e Aristóteles estavam erradas e desenvolveu a teoria que explica o processo da visão por meio de raios de luz que atingem o olho provenientes de cada ponto de um determinado objecto.

Entre os anos 1025 e 1028 Ibn al-Haytham escreveu o livro «Al-Shukuk 'ala Batlamyus», traduzido como «Dúvidas relativas a Ptolomeu». Nele Ibn al-Haytham criticava muitos dos trabalhos de Ptolomeu, incluindo o «Almagest» e seu livro «Optica». Segundo al-Haytham alguns dos artifícios matemáticos introduzidos por Ptolomeu na sua descrição do universo, em particular o equante, não satisfaziam as exigências de um movimento circular uniforme. Em seguida Ibn al-Haytham propôs o primeiro modelo não-ptolomaico rejeitando os equantes e ecentricos postulados por Ptolomeu, mas continuou a aceitar o seu modelo geocêntrico.

Durante a Idade Média, os livros de al-Haytham sobre Cosmologia foram traduzidos para o latim, hebreu e várias outras línguas. Muitos historiadores consideram-no o maior cientista de toda a Idade Média e que os seus trabalhos permaneceram insuperados por aproximadamente 600 anos até a época de Johannes Kepler.

Espero não os ter maçado muito com estas minhas divagações, mas penso ter sido importante fazer este parêntesis nos meus artigos para se formar uma ideia mais completa da produção literária e das suas raízes.

Saudações bibliófilas

(1) Para leitura e consulta deixo, na integra, a versão pdf do texto de Nuno Crato:

domingo, 16 de agosto de 2009

«Bouwman Oriental Books»


Na sequência dos meus últimos artigos, faço hoje referência a um Livreiro Antiquário, da Holanda, especializado em manuscritos orientais (com um interessante conjunto de livros hebaicos e muçulmanos, aqueles que foram objecto de reflexão e comentários). Pelo que deixo aqui o seu endereço:

Convido-vos a darem uma “espreitadela” pelo acervo desta Livraria...mais que não seja, para se familiarizarem com o tipo de livros objecto das minhas reflexões.
Aqui ficam dois exemplares escolhidos um pouco ao acaso:

Qufic Manuscript, Dalail al-Khayrat, Marocco 1565

Dalail al-Khayrat wa Shawarig al-Anwar, by Muhammad b. Sulayman al-Gazuli (d.870/1465), GAL GII, 252.16th century, Marocco.Collective volume with text in Arabic, paper, 200 fols. (300x200 mm). Maghribi script of calligrahic quality, full leather Islamic binding with blind tooled ornaments. The two usual illustrations of Mecca and Medina (graves and niche) are present here in their schematic form. Various illuminations of openings show the luxurious intentions for this manuscript. Occasional repairs and some damage as a result of ink corrosion.


Toldot Yitzhok

Author: (Kabbalah) R.Isaac b. Joseph Caro
Title: Toldot Yitzhok
Language in hebrew printed book paper
Place/date: Mantua by Vinturin Rufanelli 1558
physical app. Hebrew paper, 81 fols, 292x195mm, old hands, age and damp staining, wide margins. A very good copy bound in later half cloth boards. bibliogr.
Nr. prhebr140

Context: Commentary on the Pentateuch, which includes literal, homiletic, kabbalistic, and philosophical interpretations by R. Isaac b. Joseph Caro (c. 1458 - c. 1535), Spanish scholar who lived at the time of the expulsion of the Jews from Spain in 1492. He was a native of Toledo, where he headed a yeshiva. Several years before the expulsion he moved with his yeshiva to Portugal. When the expulsion of the Jews from Portugal was decreed in 1497 he escaped to Turkey where he became one of the rabbis of Constantinople. There he published Toledot Yizhak (Constantinople, 1518). His book reveals him as a man of very wide culture. Its extreme popularity is evidenced by the fact that four editions were published in the short period of 14 years. In the introduction he describes the many hardships, including the death of his children, which he endured during his wanderings. He adopted his nephew, R. Joseph Caro, the author of the Shulhan Arukh, who frequently mentions him in terms of the highest admiration. He states his desire to settle in Erez Israel but it is not clear whether he was able to fulfill his wish. Only remnants of his other works remain. Three of his responsa appear in the works of R. Joseph Caro (Avkat Rokhel, Salonika 1791, no. 47, 48; Bet Yosef, Salonika 1598, on Even ha-Ezer, end). In his introduction to the latter work R. Judah, the son of R. Joseph Caro, declared his intention of collecting and publishing the rest of Isaac's responsa. Some of them are extant in manuscript (JTS, no. 0348). He also wrote novellae to tractate Ketubbot (Margoliouth, Cat, 535/2–3). His homilies under the title Hasdei David are in manuscript. Remnants of his commentary on Avot are quoted in the Midrash Shemu'el (Venice, 1579) of R. Samuel de Uceda.

Keyword(s) Toldot Yitzhok (Kabbalah) R.Isaac b. Joseph Caro

Espero que a vossa “visita virtual” vos tenha despertado o interesse para este tipo de impressões, quer pela sua beleza estética quer pela excelente qualidade de impressão.

Saudações bibliófilas.

sábado, 15 de agosto de 2009

«Livraria Castro e Silva» - Catálogo n.º 116



Saiu mais um Catálogo, o n.º 116, deste prestigiado Livreiro-Antiquário do qual deixo aqui a versão pdf do mesmo para vossa consulta.
Como sempre, para além de livros menos frequentes, de que destaco um interessante conjunto de obras sobre numismática, contem outros de inegável qualidade e raridade.


http://www.castroesilva.com/catalogos/cat116.pdf

Boa consulta e espero que consigam descobrir algo que vos interesse, senão ... pelo menos, desfrutem do prazer da consulta dum bom acervo de livros.

Saudações bibliófilas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eliezer Toledano - Impressor em Lisboa


No decurso das minhas modestas pesquisas bibliográficos sobre os primeiros livros impressos em Portugal, não consegui deixar de ficar fascinado pelas edições judaicas.
Na verdade é de salientar, que apenas no curto espaço de nove anos, de 1487 a 1496, produziram várias obras, na sua grande maioria de caracter religioso, o que se compreende facilmente pelo espectro da expulsão que sobre eles pairava, e todas elas com grande qualidade tipográfica.
É este fascínio que quero compartilhar convosco...




Mas vejamos o que nos diz Maria Calado (Vice-presidente do CNC) no seu artigo «Rota dos Judeus 2 - Costa de Prata» publicado no «Diário de Notícias» em 1 de Agosto de 2006, sobre a importância cultural dos Judeus no nosso país:

“No séc. XV, Portugal tornou-se o mais importante centro da cultura sefardita. Acolheu, temporariamente, os grandes sábios judeus da época, entre os quais Isaac Aboab, o líder espiritual da comunidade judaica da Península Ibérica, Salomão Ibn Verga, autor de Schébet Yehudah (A Vara de Judá, crónica em que narra a vida dos judeus na península), e Abraão Saba, exegeta, pregador e cabalista. Guedelha Palaçano, que foi rabi-mor no tempo do rei D. Afonso V, ocupou uma posição privilegiada no panorama político e cultural português do século XV, familiarizando-se com os textos clássicos e os valores do humanismo quatrocentista. Escreveu em Lisboa um tratado sobre a Providência Divina, mas a maior parte do seu trabalho foi desenvolvida após a saída do país, em 1483, acusado de participar na conjura para depor o rei D. João II. Viveu alguns anos na Corte de Castela e em 1492 instalou-se em Itália, onde permaneceu até à morte, em 1508. Os filhos de Isaac Abravanel, todos nascidos em Lisboa, foram homens cultos e respeitados pelo seu saber. O mais famoso deles, Judá Abravanel, conhecido como Leão Hebreu, deixou uma importante obra literária e filosófica.
Ainda no domínio da cultura literária, destacaram-se
Eliezar Toledano, Samuel Gacon, Samuel d'Ortas e Abraão d'Ortas, nomes ligados aos primórdios da Imprensa em Portugal. A Samuel Gacon se deve a edição do primeiro incunábulo português, uma impressão do Pentateuco, feita na sua oficina em Faro, em 1487. A oficina de Eliezer Toledano funcionou em Lisboa, produzindo, entre 1489 e 1492, pelo menos oito obras conhecidas em hebraico. Do mesmo modo, em Leiria, a oficina familiar de Samuel d'Ortas e seus filhos também executava trabalhos de impressão. Foi daquele prelo que saiu a primeira edição do Almanach Perpetuum de Zacuto, em 1496.
No campo artístico ficou a dever-se aos judeus o aperfeiçoamento da iluminura. Algumas escolas de copistas instaladas em Lisboa e nas principais cidades formaram grandes artistas que ilustraram algumas das obras de temática judaica e outros manuscritos importantes da época.
Entre os copistas mais importantes encontramos
Samuel de Medina, Eleazar Gagosh e Samuel Musa Filho.”


Tipografia


O «Comentário ao Pentateuco» , do rabino medieval espanhol Moisés ben Nahman (Nahmanides) foi o primeiro livro impresso em Lisboa, igualmente em hebraico, impresso por Eliezer Toledano em 1489, com o patrocínio de David Ibn Yahya. O livro foi produto de vários artesões, que trabalhavam sob a direcção do médico, estudioso e tipógrafo Eliezer Toledano, em cuja casa funcionava a tipografia.
Esta edição da exegese de Nahmanides é um dos primeiros comentários impressos para a Tora. O texto bíblico não é incluído com o comentário, o leitor teria de fazer referência a outro livro para o texto da Bíblia.



Moses ben Nahman [ Nahmanides ], de Gerona, 1194-1270
[ Hidushei ha-Torah ]
Lisboa, Eliezer b. Jacob Toledano,16 Julho 1489


Conhecido como Nahmanides, Moisés ben Nahman nasceu em Espanha e morreu na Terra Santa.
Uma das grandes mentes da erudição judaica durante a Idade Média, foi autor de mais de 30 obras. Este volume, um comentário sobre o Pentateuco, é considerado a sua obra-prima. A primeira edição foi impressa em Roma cerca de 1480. Esta segunda edição foi o primeiro livro impresso em Lisboa.

Conhece-se um exemplar na British Library e outro na Biblioteca de UCLA (este está quase completo, o que é raro para um incunábulo hebraico). Na Biblioteca da UCLA, este é o livro impresso mais antigo na colecção de estudos judaicos.


Pormenor da impressão

O texto hebraico é de uma composição de belas e nítidas letras. O texto da página de título está enquadrado por uma cercadura gravada em madeira, várias folhas apresentam igualmente as inicias enquadradas por gravados em madeira.


Página inicial do «Livro dos Números» – Ba- Midbar – o quarto livro
dos cinco livros de Moisés

ELIEZER B. ABRAHAM IBN ALANTANSI, era proprietário de uma tipografia e médico em Hijar, Espanha. Os livros produzidos pelas prensas de Eliezer são caracterizados pela sua perfeição técnica e bela decoração. Animais finamente gravados, frutos, flores e linhas ornamentais realçavam o fundo preto e, o mesmo equilíbrio entre o preto e o branco, é mantido na composição das iniciais. Estas gravuras em metal são trabalho de Alfonso Fernández de Córdoba, um ourives, cinzelador de caracteres e impressor em Valência.



Bíblia. Pentateuco. Hebreu
[ Hamishah humshei Torah ]
Híjar, Eliezer ibn Alantansi, por Solomon b. Maimon Zalmati, 19 Julho - 17 Agosto 1490



A cidade de Híjar, em Aragão foi, foi depois de Guadalajara, o segundo maior centro de impressão hebraico em Espanha. Esta folha de pergaminho único é um fragmento da primeira edição espanhola do «Comentário a Onkelos de Targum e da Rashi», que acompanham o texto bíblico não anotado (as vogais foram adicionadas, mais tarde à mão, nesta cópia). O último livro datado da tipografia de Híjar, publicada menos de dois anos antes da expulsão, também é o último livro Hebraico datado conhecido como impresso em Espanha.

ELIEZER TOLEDANO impressor, cuja a primeira obra impressa - «Comentário ao Pentateuco», tem a data, no colófon de 16 de Julho de 1489, e mostra como local de impressão Lisboa.
Eliezer como o seu homónimo, era também médico e usava na impressão dos seus livros a cercadura, letras iniciais e tipos de impressão encontrados nas obras da tipografia de Hijar. Torna-se, portanto óbvio, poder assumir-se a identidade destas duas impressoras, especialmente porque a actividade de Hijar, de ELIEZER B. ABRAHAM IBN ALANTANSI, terminou aproximadamente na altura em que se iniciou o trabalho em Lisboa.
A distância entre Lisboa e Hijar é de aproximadamente 400 milhas, com Toledo a meio-caminho; não é surpreendente que o recém-chegado tomasse um nome diferente do que ele tinha no seu local de partida.
Este facto pode ser tido em paralelo com muitos exemplos do Judaísmo Europeu durante a Idade Média até ao final do século XVIII, mas não se pode tomar como facto consumado, enquanto não vierem mais factos à luz das investigações.

Deixo aqui imagens do segundo livro impresso, em Lisboa, por Eliezer Toledano.
Trata-se de um livro de oração:



David b. Joseph Abudarham, de Sevilha, fl., séc. XIV.
[ Perush ha-Berakhot ve-ha-Tefilot ]
Lisboa: Eliezer Toledano, 25 Novembro1489.


Como todos os outros livros, os de oração judeus, foram distribuídos durante séculos na forma de manuscrito, até que edições impressas, no período do incunábulo, foram gradualmente substituindo as cópias manuscritas. O interesse intelectual na liturgia judaica era tal que um comentário sobre o livro de oração foi um dos primeiros livros publicados em Portugal no século XV.



Escrito em 1340, o «Comentário da Abudarham sobre a liturgia completa da Sinagoga», incluindo as regras de intercalação, foi o segundo livro impresso em Lisboa.



Espero que tenham apreciado esta digressão pelos primórdios da impressão em Portugal, e pelas edições hebraicas, tanto como eu gostei de as divulgar.

Para os mais curiosos, e entusiastas sobre a impressão hebraica, deixo aqui dois “links” que me parecem interessantes.

Jewish Publishing:
http://www.nawpublishing.com/expansionpages/ephemera/jewish_publishing.htm

Alphabet, The Hebrew:
http://www.jewishencyclopedia.com/view.jsp?artid=1308&letter=A&search=alphabet

Saudações bibliófilas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O primeiro livro impresso em Portugal (2)


Portugal conhece a Imprensa em 1487.
Durante muito tempo foi considerado com o primeiro livro impresso em português a «Vita Christi», em 1495, até que V. Pina Martins, em 1965, dava a conhecer o «Tratado da Confissom», impresso em Chaves.
Rosemarie Erika Horch, do Brasil, tenta provar que afinal foi o «Sacramental» de Clemente Sanchez Vercial, uma vez que se poderia reconstituir o seu colófon, por informação bibliográfica posterior, e atribuindo-lhe a data de impressão em Chaves a 18 de Abril de 1488.
O «Sacramental», obra pastoral redigida entre 1421 e 1425 em língua castelhana, trata da forma como deve viver o homem medieval, abordando a alimentação, as relações familiares, as relações sociais, a relação com Deus, o trabalho, o descanso, a saúde, a doença e a sexualidade, faz dele um documento indispensável para o estudo da sociedade medieval portuguesa, foi um dos livros mais lidos durante o século XV.
Foi proibido pela Inquisição no século XVI e consequentemente queimado. Teve várias edições impressas em língua castelhana e portuguesa.
O «Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial, obra pastoral redigida entre 1421 e 1425 em língua castelhana, depois dos livros destinados ao ofício religioso, foi o livro mais impresso na Península Ibérica, desde a introdução da imprensa até meados do século XVI.

Das edições em português, duas foram impressas no século XV (Chaves, 1488 (?); e Braga (?), ca. 1494-1500 e duas no século XVI (Lisboa, 1502; e Braga, 1539).

Mas já antes se conhecia o «Pentateuco», de Faro, impresso por Samuel Porteira Gacon em 1487.


«Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial (edição de 1539)
Frontíspicio


«Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial (edição de 1539)
Página interior

Não existe qualquer dúvida de que os hebreus foram os primeiros impressores em Portugal.
Desde 1487, quando se imprimiu, em Faro, o «Pentateuco» hebraico, até à expulsão dos judeus por D. Manuel, I em Dezembro de 1496, imprimiram-se vários livros hebraicos.
O primeiro judeu a fugir de Espanha foi Samuel Gacon que se fixa em, Faro. E a razão é fácil de descobrir. Em Espanha, após a publicação do Manual inquisitorial de Torquemada (1484), advinhou-se a perseguição aos judeus.

Um judeu atento deveria pôr-se a caminho ... e foi o que Gacon fez!

De Sevilha, no sul de Espanha, romou a Faro, no sul de Portugal. Faro era então a primeira povoação portuguesa importante, quase na fronteira, e porto de mar movimentado quer para o comércio com Espanha e o Mediterrâneo quer para o norte de África. Foi por aqui que entraram os impressores judeus, os quais, depois avançaram para Lisboa e Leiria.
Eles procuraram, sobretudo, cimentar a sobrevivência da sua religião e da sua cultura ameaçadas. O tempo de perseguições, que se desenhava no horizonte, não lhes permitiu abrir-se com interesses económicos, facilmente previsíveis, à impressão de obras pragmático-funcionais em latim e em português. A tipografia aparecia como um instrumento de defesa na prática judaizante e de propaganda proselitista; ela funcionava como um talismã esotérico para consumo interno e fortalecimento dos judeus.

No que se refere a Chaves é difícil de se entender. Chaves era e é povoação fronteiriça, mas não foi sede primeira de imprensa em português por ser lugar de passagem e albergaria de peregrinos para Compostela. De facto, o arcebispo de Braga, D. João Peculiar (c.a de 1175) ali construíra uma albergaria para peregrinos de São Tiago. Ora se os livros se destinavam ao clero e não aos peregrinos, tal impressão só se entende pela acção dos arcebispos de Braga. A razão da sua impressão em Chaves dever-se-ia à facilidade de fazer vir ali, mesmo na fronteira, impressores itinerantes de Espanha. Portanto nada custa a aceitar que o arcebispo de Braga por meio dos clérigos da Colegiada de Chaves, criada em 1434 pelo arcebispo D. Fernando Guerra, se tenha servido de impressores de Oviedo (conforme opina o Prof. Dr. José Marques) fazendo-os vir à cidade fronteiriça de Chaves. Deste modo a maior e melhor diocese de Portugal fazia a descoberta da imprensa que, no ano anterior, chegara a Faro, e punha-a, desde logo, ao serviço da religião e da pastoral da fé.

Como já foi dito, os impressores judeus estavam distribuídos por três centros:

Faro(1487-1492):
Samuel Porteira Gacon
«Pentateuco» (1487) e «Talmud» (1492?)

Lisboa (1489-1492):
Elieser Toledano
(judeu vindo de Toledo) – «Comentário ao Pentateuco» (1489); «Comentário à Ordem das Orações» (1490?); «Caminhos do Mundo», «Livro do Temor», «Segredos da Penitência» (1490?): «Pentateuvco» (7 de Agosto de 1491); «Provérbios de Salomão» (1492?) «Isaías e Jeremias» (1492) «Leis da Matança» (1492?)

Leiria (1492-1496):
Samuel d’Ortas
(provavelmente oriundo de França) e seus filhos«Provérbios de Salomão» (25 de Julho de 1497), «Profetas Primeiros» (26 de Janeiro de 1497) e «Caminho da Vida» (12 de Junho de 1495)

Todos estes judeus vêm certamente de Espanha fugidos à Inquisição de Fr. Tomás de Torquemada.(1486) que já em 1484 publicara o 1º código inquisitorial de claro pendor anti-judeu. Aliás, o acontecimento decisivo para a sua vinda para Portugal deve ter sido a perseguição dos Reis Católicos (1487).
O rabi Elieser Toledano foi o tipografo que mais livros imprimiu em Portugal e trás no sobrenome a matriz da sua proveniência. Parece mesmo que estava, desde 1485, ligado aos impressores de Hijar (Aragão).
Todos imprimiram em hebraico e só Abraão d’Ortas imprimiu em latim o «Almanach perpetuum» (1496) do judeu Abraão Zacuto.
É evidente a temática religiosa dos livros impressos em hebraico.

Nos primórdios da imprensa predomina na Europa os incunábulos latinos. Este predomínio do latim explica-se facilmente pelo gosto clássico do Renascimento e pela influência da Igreja que fazia do latim a sua língua oficial. As línguas vernáculas europeias ainda estavam no período de formação e afirmação pelo que não se prestavam para divulgação das ciências do tempo.

Neste capítulo, destacam-se dois impressores alemães, que já imprimiam em latim, João Gherline era um tipografo itinerante que trabalhou em sucessivamente Barcelona 1496, Galiza, Braga, 1492-1494 e Salamanca.
Valentim Fernandes de Morávia, veio de Sevilha (1493) e demorou-se longamente em Portugal. Ao seu serviço terá ido a África e morreu em 1519. Foi o único alemão que adaptou o seu nome ao idioma português. A ele se deve «Vita Christi» de Ludolfo da Saxónia, impresso a expensas da rainha D.ª Leonor, viúva do rei D. João II. É considerado o mais belo incunábulo em língua portuguesa. Em 1512 imprimiu as «Ordenações» do rei D. Manuel I.

«Vita Christi» de Ludolfo da Saxónia

É aqui que nos aparece o primeiro impressor português, Rodrigo Alvares, natural de Vila Real, mas a exercer na cidade do Porto.
A 4 de Janeiro é publicado, no Porto, o primeiro livro totalmente português. Trata-se das «Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto» livro produzido pelo primeiro impressor português: Rodrigo Álvares.
«As Constituições que fez ho Senhor dom Diogo de Sousa», acabadas pelo «mestre de emprentar livros» em 4 de Janeiro de 1497, são uma impressão com 32 fólios.

«Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto»

Os incunábulos portugueses e latinos têm, mais uma vez se deve realçar, um caracter religioso: devocional, litúrgico, moral e jurídico. Só o «Almanach perpetuum» de Abraão Zacuto podia apresentar algum interesse para o espírito geográfico-cientifico que então animava os portugueses.
Quanto aos patrocinadores das edições aparecem bispos diocesanos, os Estudos Gerais e particulares; o rei e a coroa mal aparecem.
A ideologia religiosa promoveu a Imprensa em Portugal, mas também a ideologia religiosa a limitou e cerceou.

No entanto, são deste período, alguns dos exemplares de melhor aspecto e qualidades gráficas que se produziram em Portugal.
Nos finais do século XVI e início do século XVII a Imprensa vai conhecer um período menos opulento.

Bibliografia:

BESSA, Paula Virgínia de Azevedo – «Pintura Mural na Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Meijin»

DIAS, Geraldo A. J. Coelho – «A Ideologia Religiosa e os Começos da Imprensa em Portugal»

Veja-se como complemento e documentação gráfica:
http://tipografos.net/historia/imprensa-em-portugal.html

Saudações bibliófilas.