"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 28 de agosto de 2016

Apontamentos Surrealistas IV: A opinião do Miguel de Carvalho


Depois e ter escrito alguns textos sobre o Surrealismo, cada vez me apercebia mais de que os meus conhecimentos sobre o tema eram manifestamente muito “básicos”, e isto para utilizar uma expressão muito branda.


uma cidade de ideias
de Miguel de Carvalho

Como as dúvidas aumentavam e, sobretudo o receio de estar a transmitir uma ideia errada sobre o tema, optei por pedir o apoio a alguns livreiros-antiquários que me pareciam reunir as condições para o fazer, atendendo aos seus conhecimentos bem como pela sua especialização que se detecta nos catálogos das suas livrarias, sob a forma de uma entrevista que fosse simultaneamente esclarecedora sobre o tema e com se poderia formar uma colecção sobre o surrealismo

Prontamente o meu prezado e estimado amigo Miguel de Carvalho se prontificou a responder.

E é precisamente o resultado dessa entrevista que hoje vos apresento.


Miguel de Carvalho – livreiro-antiquário, artista e poeta.

“Quem escreveu o artigo foi o miguel-autor e não o livreiro livreiro, embora o miguel-autor tenha sido aconselhado pelo miguel-livreiro.
O que quis salientar foi o que realmente interessa a quem entra neste tema
Os livros pelos quais deve consciencializar, o resto é paisagem... o mercado, o futuro, etc ...”
(Miguel de Carvalho)

Mas obviamente que aquilo que se irá ler é de uma importância capital para um principiante – que é o meu caso – e um alerta para os erros que se poderão cometer .

“Lembre-se que quem começa, em especial um menos jovem, deve começar pelo mais acessível para imbuir-se do espírito e não atacar logo pela via do mais caro, pois eu conheço [algumas] pessoas que se diziam bibliófilas do surrealismo com muito dinheiro que se limitaram a comprar apenas como mercado de bolsas de valores.
[Nomeadamente uma delas] …entendia bem o espírito, mas faltava ali algo que ele não dava importância: os textos essenciais do movimento em colaboração com os estrangeiros...que são ESSENCIAIS... as revistam mundiais onde colaboraram os portugueses são CAPITAIS.”
(Miguel de Carvalho)

Claro que só um surrealista assumido e bem imbuído neste espírito poderia ter a frontalidade de responder da forma como o faz.


Monólogos de perder a vista
(Santuário de Nossa Senhora dos Remédios)
de Miguel de Carvalho

E, a este propósito, relembro o seu livro mais recente – Neste estabelecimento não há lugares sentados – que é de uma excepcional beleza poética (na opinião do rui-leitor, nas aqui o rui-bibliófilo não pode deixar de alertar para o facto de o livro se ir tornar numa raridade, pois teve apenas uma tiragem de 250 exemplares (dos quais 15 numerados, assinados, acompanhados pelas três fotografias originais do livro e acondicionado em estojo próprio)



Carvalho, Miguel de – Neste estabelecimento não há lugares sentados. Lisboa, Alambique, 2016. 75 (2) págs. Brochura. Arranjo gráfico de Inês Mateus.

Antes de transcrever a entrevista, quero deixar claro, que todas as notas são da minha inteira responsabilidade, tendo por objectivo facilitar o conhecimento dos textos e das revistas referidos (ainda quede alguns já tenha aqui falado), pois como principiante não tinha uma noção muito correcta da sua sequência e conteúdos (mais uma das minhas achegas histórico-bibliográficas).
Vamos então ler a tal entrevista!

Imagine que sou um coleccionador (não pense em mim concretamente, mas num mais jovem com mais tempo pela frente para reunir uma colecção bem representativa) que se quer embrenhar na literatura surrealista, que autores e/ou livros lhe sugeria?
A qual das gerações daria preferência?
Na sua opinião é uma escola com bom mercado e, como tal difícil, ou poderá ser de aquisição relativamente acessível? (claro que esta questão é de resposta dúbia pois depende de autor para autor…senão menos de obra para obra)
Como interveniente activo (editor e escritor/artista plástico) no processo surrealista com antevê o seu futuro?

A “literatura surrealista” é um termo que me incomoda de alguma maneira pois, além de estarmos a rotular um tipo de cultura, estamos a associá-la através do uso de um adjectivo a uma actividade libertadora que, por si só, recusa o seu encontro com a Literatura - “um dos mais tristes caminhos que conduz a tudo” (André Breton in Manifestos do Surrealismo).


André Breton

A verdadeira voz surrealista privilegia os aspectos anti-literários das actividades literárias. Lembro que os primeiros textos dos surrealistas foram publicados na revista Litterature (1919-1924) (1), título e termo que, por antífrase, serviu para entreter a confusão num meio onde a revista foi o órgão por excelência do dadaísmo parisiense. Deste modo, deu-se à altura lugar ao débito torrencial da escrita automática com o intuito de “limpar definitivamente da imundice literária” (André Breton in Point du Jour).


BRETON, André – Poin du Jour

Assim, passo a falar então de algumas obras produzidas por surrealistas.

Gosto muito do termo “coleccionador” pois implica uma divagação à custa duma viagem interior recorrendo ao estudo e à investigação do tema de interesse. São as viagens interiores que interessam aos surrealistas e a quem tem o surrealismo como projecto de vida. As outras viagens, as exteriores, não passam de distracções e de frivolidades à custa de introspecções simplesmente vangloriadas. Entendo que um coleccionador seja um viajante (às vezes um visionário) cuja embarcação tem um rumo contra a vida quotidiana. Neste sentido, parece-me capital ser o percurso natural dum coleccionador do tema surrealismo o de alguém que entenda e se interesse pelos alicerces estruturais da ideologia: o amor, a poesia e a liberdade. Estes vectores são os que norteiam e magnetizam toda a produção dos autores do movimento. Tratar de ir ao encontro das obras que fizeram a história do surrealismo? Este “posto entre dois impossíveis: o do início e o do fim” (Mário Cesariny in A Intervenção Surrealista).

Claro que existe toda uma produção que visa unicamente o mercado e que são os pesados tomos escritos por historiadores da literatura e da arte entre outros carreiristas do surrealismo. Repare, caro Rui Martins, que falei em mercado. Ao surrealismo não interessa o mercado. Claro que há os “colecionadores” com grande arcaboiço económico e que procuram unicamente as tiragens primitivas e reduzidas; muitos deles, algumas vezes, não passam de tecnocratas dos livros (de cheques, entenda-se). Mas repito que isto nada diz respeito ao surrealismo ou, quando muito, entenda-se que poderá ser uma actividade paralela ao surrealismo (recordo-me das magníficas colecções etnográficas que os surrealistas normalmente reúnem em suas casas). Podem-se adquirir com alguma facilidade nos livreiros as reedições das obras capitais para o entendimento do movimento surrealista. Falo das diversas edições de Os Manifestos do Surrealismo (saiu agora uma reedição muito boa realizada pela Letra Livre em Lisboa) e de toda a monumental obra de André Breton, de Benjamin Péret, entre outros, em edições de bolso, assim como de fac-símiles das revistas que na época eram os instrumentos essenciais para dar a conhecer as ideias, as produções e as participações no debate intelectual que suportaram a ideologia (a título de exemplo: La Revolution Surrealiste (2), Le Surrealisme au Service de la Revolution (3), Minotaure (4), VVV (5), etc…).



BRETON, André – Manifestos do Surrealismo. Lisboa, Livraria Letra Livre, 2016. 358 págs. Brochura. Tradução de Pedro Tamen. Revisão: Andreia Baleiras.

Da produção nacional, para usar como chaves mestras que abrem todas as suas portas, destaco os títulos seguintes: Intervenção Surrealista, As mãos na água a cabeça no mar e Textos de Afirmação e Combate do Movimento Surrealista Mundial de Mário Cesariny, os manifestos Erro Próprio de António Maria Lisboa e Afixação Proibida, os ensaios Para uma Cultura Fascinante e Luz Central ambos de Ernesto Sampaio, O Surrealismo na Poesia Portuguesa de Natália Correia, as antologias Grifo e Surrealismo/Abjeccionismo, as revistas Serpente e Pirâmide e, por fim, o catálogo do Museo do Chiado Surrealismo em Portugal 1934-1952 que, apesar do título, inumera de forma quase exaustiva a produção dos autores nacionais até à actualidade, esboçando muito ao de leve as suas relações com o movimento mundial.


 
CORREIA, Natália - O Surrealismo na Poesia Portuguesa


Surrealismo em Portugal 1934-1952

A partir destas publicações poderá o futuro coleccionador orientar-se com os autores que mais o interessam tendo uma visão generalista e “historiada”, desde as primeiras produções editoriais nacionais com as principais ideias e documentos. Claro que deverá estar o “coleccionador” atento à produção actual nacional e relacioná-la com a actualidade da diáspora que, desde as suas primeiras relações em 1967, através da revista A Phala (São Paulo, Brasil) – título e grafismo sorripiado por um editor nacional de poesia para o seu boletim em 1986 – encorpou e enalteceu o surrealismo mundial e cuja actividade desemboca hoje numa grande concentração de atenções e acções sobre o que se produz em Portugal.

Pede-me o bom amigo Rui Martins o parecer sobre ser uma “escola com bom mercado”. O surrealismo não é uma escola, muito menos um ismo, ou algo que possa ser engavetado numa cascata de vanguardas. É uma ideologia dotada de valores morais, intelectuais, políticos que determinam também comportamentos e exaltações, não olvidando nunca a recusa definitiva a qualquer doutrina, sistema ou poder instituído. Posto isto, dos mercados não sei aferir qualquer consideração. E quanto ao futuro, o Surrealismo é o que será.

Notas:

(1) Revista "Littérature" foi uma revista mensal de que se publicaram 33 números: 20 entre Março de 1919 e Agosto de 1921 e, posteriormente na “nouvelle série” mais 13 números entre Março de 1922 e Junho de 1924.


Capa do número 1 de Littérature (1919)




Algumas das capas de Francis Picabia da revista Littérature (1919-1924)

 Foi uma publicação vanguardista de poesia e ensaio, dirigido por André Breton, Louis Aragon e Philippe Soupault no seu primeiro ciclo; por Breton e Soupault para o início do segundo, quando Breton já tinha rompido com Tristan Tzara (1896-1963) e proclamado no n º 2 de Abril de 1922 o abandono do Dadaísmo; e, finalmente, só por Breton desde o n. º 4 de Novembro de 1922.

(2) La Révolution surréaliste  foi uma revista publicada em Paris pelos surrealistas num total de doze números entre 1924 e 1929.



Pouco tempo depois de publicar Le Manifeste du Surréalisme, André Breton publica o número inaugural La Révolution surréaliste a 1 de Dezembro de 1924.

(3) Le Surréalisme au service de la révolution foi uma revista editada pelo grupo surrealista em Paris, de 6 de Julho de 1930 até Maio de 1933.


Capa do número 1 de Le Surréalisme au service de la révolution (1930)

Foi o sucessor de La Révolution surréaliste (publicado em 1924-29) e antecedendo a publicação de Minotaure (1933 a 1939), após escrever o seu Sécond Manifeste du Surréalisme (1929),


BRETON, André – Sécond Manifeste du Surréalisme

A mudança de título reflecte uma mudança de linha devido a dissensões nascidas principalmente entre André Breton e Louis Aragon, por um lado, Robert Desnos e Emmanuel Berl, por outro lado. As suas divergências, para além de ciúmes por causa de uma mulher, Suzanne Muzard, partilhada durante cerca de dois anos pelo primeiro e o último, deviam-se ao papel dos artistas na revolução comunista e o questionar desta mesma posição causada pelo suicídio de Vladimir Maïakovski em 14 de Abril de 1930. A nova fórmula perde dois terços de seus leitores e as tiragens caiem para um total final de trezentos e cinquenta exemplares. 

O primeiro número de Le Surréalisme au service de la révolution foi publicado em Junho de 1930 (como já referi) e foi seguida por mais cinco números. Entre os seus colaboradores refiram-se: André Breton, Paul Éluard, René Crevel, Tristan Tzara, Salvador Dalí, René Char, Benjamin Péret, Louis Aragon e Luis Buñuel, entre outros.

(4) Minotaure é uma revista de inspiração surrealista que foi publicada entre 1933 e 1939, em Paris, sob o impulso conjunto de Albert Skira e Stratis Eleftheriadis, conhecido por Tériade.


Pablo Picasso, Minotaure no. 1, 1933.

A escolha do título mitológico de Minotaure inscreve-se bem na lógica dos surrealistas, que viam, através dos escritos de Freud uma maneira de fazer um retorno sobre um saber arcaico e impulsivo, o desafio era separar os ensinamentos da razão, ou mesmo dos grilhões do racionalismo.

Enquanto ser híbrido, entre homem e animal, o Minotauro, representa bem este conflito interno entre consciência e animalidade, moderação e monstruosidade.

Foram publicados 13 números, dos quais dois duplos: 3-4 e 12-13.


André Derain, Minotaure no. 3-4, 1933.

Na linha dos Cahiers d'art de Christian Zervos, consagrados à arte contemporânea, Minotaure quis ser uma revista de estética cuidada cujo objectivo era oferecer a um certo número de artistas uma tribuna literária, que publicava teses e obras poéticas, assim como que um espaço de visibilidade, reproduzindo as obras de pintura ou de escultura então ainda pouco conhecidas como as de Alberto Giacometti, Hans Bellmer, Paul Delvaux ou Roberto Matta.


André Masson, Minotaure no. 12-13, 1939

Rapidemente, André Breton e os dissidentes do surrealismo (André Masson et Georges Bataille à cabeça) são contactados pelos dois editores para acordarem um projecto comum apesar das dissensões; no dia 1 de Junho de 1933, ao fim de seis meses de discussões, aparece o primeiro número, com capa de Pablo Picasso.

Pouco a pouco, as publicações alargam os campos de análise da revista à música e à arquitectura, nomeadamente com artigos escritos pelos próprios artistas, como Tristan Tzara (D'un certain automatisme du goût, n.º 3-4), Salvador Dalí (De la beauté terrifiante et comestible de l'architecture Modern'style, nº 3-4) e Roberto Matta (Mathématiques sensibles - Architecture du temps, nº 11).

O preço de venda da revista subiu até aos 25 francos.

(5) VVV foi uma revista dedicada à divulgação do surrealismo, publicado na cidade de Nova York de 1942 até 1944.


Capa do último número desenhada por Roberto Matta.

Refugiado em Nova York desde o mês de Julho de 1941, André Breton tenta refazer um grupo surrealista com outros artistas, refugiados como ele nos EUA, e também com artistas americanos. Tenta editar uma revista conforme ao modelo de Minotaure a maior revista surrealista da época.

Breton, de nacionalidade francesa não podia ser o único director de uma revista, pelo que confiou o papel de director-adjunto ao pintor David Hare

O título VVV escolhido por André Breton é, para ele, uma referência às palavras 'Vitória', 'Ver' e 'Véu' tirados duma passagem “Victory over the forces of regression, View around us, View inside us [...] the myth in process of formation beneath the Veil of happening”  (“A vitória sobre as forças de regressão, ver em torno de nós, ver dentro de nós [...] o mito no processo de formação sob o véu do que acontece”)

Na sua redacção participaram pensadores e artistas como Aimé Césaire, Philip Lamantia, Robert Motherwell, Harold Rosenberg, Roger Caillois e Claude Lévi-Strauss.

Além disso, a revista foi ilustrada por pintores surrealistas como Giorgio de Chirico, Roberto Matta e Yves Tanguy.

A revista teve apenas quatro números em três edições. Na primeira edição de Junho de 1942, cujo conselho editorial é composto por Breton e Max Ernst, aparecem os Prolegômenos a um terceiro manifesto de Breton. A capa desta edição é realizada por Ernst.

No número duplo 2-3, publicado em Março de 1943 (Marcel Duchamp entra para o conselho editorial), sé publicado o texto de uma palestra dada por Breton na Universidade de Yale, em Dezembro de 1942: Surrealismo situação entre as duas guerras.



BRETON, André – Situation du surréalisme entre les deux guerres

No número 4, de Fevereiro de 1944, aparecem os textos de Benjamin Péret La Pensée est UNE et indivible e Pierre Mabille Le Paradis.

Espero que a leitura destes textos seja proveitosa para todos aqueles que se queiram iniciar nesta temática e trazer mais algumas informações a todos os estudiosos da mesma.

Para mim foi uma bela lição que me levou a “desbravar” mais algumas incógnitas e “introduzir-me nos meandros” da evolução, divergências entre os vários artistas envolvidos e ao conhecimento de muitos outros que me eram quase desconhecidos.

Saudações bibliófilas.


Fontes consultadas:

El rebost de Mr. Cairo
Minotaure (revue)
Minotaure (the nonist)
Mirador. Blog de Joan Miró, Cultura y Arte, por Antonio Boix.
La Révolution surréaliste
Le Surréalisme au service de la revolution
VVV

domingo, 21 de agosto de 2016

Notas de leitura: André Breton – Manifestos do Surrealismo.


Na sequência do que escrevi na semana passada proponho a leitura de Manifestos do Surrealismo de André Breton, editados recentemente entre nós, (será uma leitura de férias bem proveitosa para os que se querem iniciar no tema e um revisão para todos aqueles já familiarizados com o mesmo – até porque o livro reúne todos os Manifestos.



BRETON, André – Manifestos do Surrealismo. Lisboa, Livraria Letra Livre, 2016. 358 págs. Brochura. Tradução de Pedro Tamen. Revisão: Andreia Baleiras. Concepção gráfica: Pedro Motta. Capa: Luís Henriques.

Com efeito, a Letra Livre acaba de editar os Manifestos do Surrealismo de André Breton.


Letra Livre – logo

Neste livro, Breton reúne um conjunto de textos; desde o Primeiro Manifesto, publicado originalmente em 1924, até aos textos sobre a posição política do surrealismo, passando pelo incrível «Peixe Solúvel», uma compilação de textos automáticos.

«O homem põe e dispõe. Só a ele cabe pertencer-se todo inteiro, isto é, manter em estado anárquico a faixa cada vez mais temível dos seus desejos. A poesia ensina-lho. Ela traz consigo a compensação perfeita das misérias que suportamos. Ela pode ser uma ordenadora, também, se sob o efeito de uma decepção menos íntima nos lembrarmos de a tomar ao trágico. Venha o tempo em que ela decrete o fim do dinheiro e só ela parta o pão do céu para a terra! Haverá ainda assembleias nas praças públicas, e movimentos em que não esperastes tomar parte. Adeus, selecções absurdas, sonhos de abismos, rivalidades, longas paciências, fuga das estações, ordem artificial das ideias, rampa do perigo, tempo para tudo! Dêmo­-nos apenas ao trabalho de praticar a poesia. Não nos caberá a nós, que já vivemos dela, procurarmos fazer prevalecer o que temos para nossa mais ampla informação?»

E, sobre este assunto, vem a propósito relembrar aquilo que escrevi no meu último post – o principiante deverá adquirir exemplares a preço acessível (traduções, edições de bolso, ou outras) para se documentar e só depois mergulhar na busca bibliófila das raridades que lhe interessem (…e que tenha posses para isso!).


Público – logo

Senão leia-se esta noticia publicada no jornal Público on-line de 22/05/2008 escrito por Luís Miguel Queirós (que pode ser lido na integra aqui):

O manuscrito do Manifesto do Surrealismo, de André Breton, foi ontem vendido num leilão da delegação da Sotheby"s em Paris por 1,917 milhões de euros, ultrapassando largamente as estimativas da leiloeira, que pediu uma licitação mínima de 300 mil euros e previa que o documento pudesse chegar ao meio milhão. Materialmente, o que o comprador - o coleccionador francês Gérard L"héritier, que fundou em Paris um museu privado de cartas e manuscritos - levou para casa foi um conjunto de umas vinte páginas escritas à mão, precedidas por uma folha de título, na qual se lêem, impressas em letras maiúsculas numa etiqueta cor-de-laranja, estas palavras: "André Breton / Manifeste du Surréalisme / Poisson Soluble".

Quando começou a escrever o Manifesto, em 1924, Breton pretendia apenas redigir uma introdução ao volume de textos de escrita automática Poisson Soluble, cuja edição estava a preparar, e daí que, no topo deste manuscrito, surja a palavra Prefácio com um risco por cima. Os dois textos acabaram por ser publicados em conjunto, mas com títulos autónomos, em Outubro de 1924, na editora Simon Kra, de Paris. Essa edição original também esteve à venda no leilão da Sotheby"s e foi arrematada por pouco menos de 80 mil euros. Já o principal dos vários manuscritos que Breton deixou de Poisson Soluble - aquele que terá sido usado para a impressão em livro - foi ontem vendido por 917 mil euros. O conjunto dos manuscritos de Breton, que estavam na posse da família da sua primeira mulher, Simone Collinet, renderam mais de três milhões e setecentos mil euros.”


Salvador Dalí – The Disintegration of the Persistence of Memory - (1952 – 1954)

No ano de 1924, em Paris, foi publicado o Manifesto surrealista – André Breton (1896 – 1966). Praticamente, foi neste movimento que o Dadaísmo se desfez. A pintura surrealista tornou-se mais famosa.
A visão mágica da realidade, a exaltação da irracionalidade, do imaginário, a volta ao mundo dos sonhos e o fascínio pelo ocultismo são características dominantes nessa corrente. No surrealismo, podemos dizer que foi usado o método do automatismo psíquico, que caracterizava para uma livre manifestação da imaginação e do inconsciente.


Pintura surrealista Vladimir Kush

O surrealismo trabalhou e introduziu muitas técnicas, entre elas a fotomontagem e a colagem fotográfica.
Artistas em destaque: Max Ernst (1891 – 1976); René Magritte (1898 – 1967); Joan Miró (1893 – 1983); Salvador Dalí (1904 - 1984).

Para aquelres que ainda estejam indecisos na compra do livro deixo aqui o primeiro Manifesto do Surrealismo (1924) para leitura:



Espero que esta proposta tenha sido do vosso agrado.

Votos de um bom domingo – com ou sem livros (se são companheiros indispensáveis convirá não esquecer que existem outros prazeres que não só a leitura… em especial nesta estação do ano) –  pois também temos as belezas da natureza, o convívio familiar ou com os amigos e um bom dia com Sol para ir à praia!


Saudações bibliófilas.

domingo, 14 de agosto de 2016

Apontamentos Surrealistas III: André Breton – um esboço bio-bibliográfico


Como já se escreveu anteriormente, o movimento surrealista foi fundado em Paris por um pequeno grupo de escritores e artistas que buscavam o inconsciente como um meio para libertar o poder da imaginação.


Sigmund Freud

Desprezando o racionalismo e o realismo literário, e fortemente influenciado por Sigmund Freud os surrealistas acreditavam que a mente consciente reprimia o poder da imaginação, pesando-a com tabus.


Karl Marx

Influenciado também por Karl Marx, que esperavam que a psiquiatria tinha o poder de revelar as contradições no mundo quotidiano e estimular a revolução.

Um dos primeiros documentos sobre a teorização do Surrealismo deve-se a Yvan Goll, que publicou o Manifeste du surréalisme, a 1 de Outubro de 1924, no primeiro e único número de Surréalisme duas semanas antes do lançamento do Manifeste du surréalisme de André Breton publicado pela Éditions du Sagittaire 15 de Outubro de 1924


Manifeste du Surréalisme de Yvan Goll in “Surrélaisme “n.º 1

Estes considerandos são importantes, pois que sem o seu entendimento e estudo, teremos dificuldade em compreendermos a evolução do movimento surrealista português desde as suas origens até às novas gerações, em que o intercâmbio de ideias e actividades com o movimento no estrangeiro é cada vez mais intenso e prolífero.
Confira-se a participação dos nossos autores em revistas estrangeiras a título de exemplo.
È nessa linha que hoje vos vou traçar alguns apontamentos de André Breton.


André Breton em 1924

André Breton é o maior escritor francês de referência no Surrealismo.

Oriundo de uma família da pequena burguesia católica da França, André Breton nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1896 e era filho único.

Criado dentro de uma disciplina rígida pela sua mãe. Viveu uma infância modesta nos subúrbios de Paris –  Pantin (Seine-St-Denis).

Mais tarde, e sob a pressão familiar foi estudar Medicina, o que fez sem qualquer entusiasmo. Nesse meio tempo, André Breton ainda foi convocado para servir o exército francês, primeiro, na artilharia e, depois, como enfermeiro, no decorrer da Primeira Guerra Mundial.
Foi no exército, contudo, que conheceu uma das pessoas mais marcantes de sua vida, o jovem Jacques Vaché.


Jacques Vaché no exército inglês, 1915

Jacques Vaché era um jovem niilista e de espírito sarcástico. Viveu a sua vida intensamente, como uma personagem de um grande romance, e morreu de causas ainda não confirmadas aos 24 anos de idade. Ele não publicou nada de grande repercussão, só teve tempo de deixar algumas cartas de guerra, as quais seriam lidas por André Breton.

No entanto a intensidade da sua forma de viver determinaria uma grande influência crítica e criativa na vida de André Breton.

André Breton teve uma formação cultural muito rica desde cedo. Ainda no liceu onde estudou, no liceu Chaptal, ele recebe uma educação "moderna" (sem latim nem grego), foi introduzido na poesia de Charles Baudelaire e ao confronto que lhe foi apresentado entre positivismo e hegelianos.

Publicou suas primeiras poesias na revista literária do colégio que estudava. Pouco depois, publicou alguns poemas na revista La Phalange. André Breton continuou a ler obras de muitos intelectuais até mesmo durante a guerra, mas foram as ideais do jovem soldado Jacques Vaché que mudariam sua vida.

André Breton porAndré Manuel, 1927

Quando entra em contacto directo com a loucura no Centro de Neurologia de Saint-Dizier, Breton vê algo mais que problemas mentais, percebe fontes de criação.

 De retorno a Paris em 1917, ele encontra Pierre Reverdy, com cuja revista, Nord-Sud, colabora e conhece pessoalmente Guillaume Apollinaire, escritor francês que foi criador do termo surrealismo e é considerado um dos mais importantes activistas culturais da vanguarda francesa no século XX.


Un cadavre, tract page 1.
Au centre: photomontage dû à Jacques-André Boiffard. Paris, 15 janvier 1930.
© Bibliothèque Kandinsky, Musée national d'art moderne, Centre Pompidou.

Envolto por um rico mundo cultural desde a infância, André Breton desenvolve contactos com a intelectualidade artística francesa e mesmo europeia. Em 1918, Breton envolve-se num projecto desenvolvido em parceria com Philippe Soupault, um dos iniciadores do dadaísmo na França e fundador do surrealismo, e com Louis Aragon, outro poeta e escritor francês, que resultaria na publicação de um livro sobre alguns destacados pintores. Todos os autores contribuiriam com seus próprios poemas na obra e Breton faria algumas reflexões sobre a arte. Junto aos mesmos dois amigos, André Breton fundou, em 1919, a revista Littérature e ampliou seu contacto com Tristan Tzara, fundador do dadaísmo, um movimento de vanguarda artística que se utiliza da falta de sentido da linguagem.


Pintura de caixa-estojo de André Breton ilustrando a poderosa linguagem simbólica e avant-garde de surrealismo e sua ruptura com os estilos tradicionais da pintura.

A partir da década de 1920, André Breton passa a publicar as suas próprias obras e destaca-se como um importante artista francês. Vincula-se fortemente ao surrealismo e é acompanhado por um grupo de outros artistas de enorme qualidade. Breton foi profundamente influenciado pelas ideias de Rimbaud e de Marx, a ponto de se filiar ao Partido Comunista, em 1927, acreditando no ideal de mudar de vida e transformar o mundo. No entanto, foi excluído do partido em 1933


James Sebor - Invisibles Series

André Breton passou a viver da venda de quadros de sua galeria de arte. Mas sua actuação afirmou o surrealismo em todos os campos da arte, disseminando críticas ao entendimento humano. A situação de guerra criada novamente a partir de 1939 e o desconforto de André Breton na França fizeram-no fugir e refugiar-se nos Estados Unidos, para onde foi em 1941.

Só retornou da América depois do conflito, em 1946. Nas suas duas últimas décadas da sua  vida, Breton lideraria um segundo grupo de surrealistas na França.


Breton nos anos de 1960

Faleceu no dia 28 de Setembro de 1966.

Bibliografia:

Ensaios

Manifesto do surrealismo (1924)
O surrealismo e a pintura (1928-1965)
Segundo manifesto (1929)
Antologia de l'humour noir (1940)
Prolegómenos a um terceiro manifesto ou não (1942)
Flagrante delito (1949) (Breton denuncia como falso um suposto manuscrito de Rimbaud)
Do surrealismo em suas obras vivas (1953)

Poesia e textos poéticos

Mont de piété (1919)
Clair de terre (1923)
Nadja (1928-1963)
Os vasos comunicantes (1932)
Point du jour (1934)
Perfume no ar (1936)
O amor louco (1937)
Martinica, Encantadora de Serpentes (1941-1943)
Arcano 17 (1944)
A chave dos campos (1953)

Fontes:

Lembrei-me de dar uma “espreitadela” por algumas livrarias para descobrir algumas das suas obras e é dessa pesquisa que aqui dou notícia.



Librairie Les Feu Follet

Na Librairie Le Feu Follet encontrei algumas obras, cuja lista completa pode ser consultada aqui.




BRETON, André – Les pas perdus. Gallimard, Paris 1924, 12x19cm, broché. [200 €]

Edition originale sur papier courant, il n'a été tiré que 30 grands papiers.
Dos et plats marginalement passés comme généralement, deux manques en tête et en pied du dos.
Exemplaire sans mention d'édition.



BRETON, André –  La force d'attendre. In Clarté N°79 de la 5ème année, Paris Décembre 1925 - Janvier 1926, 24,5x30,5 cm, agrafé. [200 €]



Edition originale, un des 150 exemplaires numérotés sur alfa, seuls grands papiers.
Autres contributions de Marcel Fourrier "De Clarté à guerre civile", Robert Desnos "A vils prix", Jean Montrevel "Parade fasciste", Victor-Serge "La littérature épique de la Révolution russe" et "Chansons populaires russes"...
Le premier plat de couverture du numéro de cette revue titre : Clarté disparaît, la guerre civile lui succède.



BRETON, André – Légitime defense. Editions surréalistes, Paris 1926, 11,5x18cm, agrafé. [250 €]







Edition originale dont il n'a pas été tiré de grands papiers.
Rare et agréable exemplaire.



BRETON, André – Les vases communicants. Editions des Cahiers Libres, Paris 1932, 13,5x18,5cm, broché. [1.500 €]





Edition originale sur papier courant.
Précieux envoi autographe signé de André Breton à Marcel Jouhandeau : "... avec la profonde estime et la vive sympathie d'André Breton."





Quelques repères de lecture et passages soulignés au crayon de papier probablement tracés par le dédicataire en marge de certains feuillets
Papier jauni comme généralement.



BRETON, André –   Misère de la poésie. Aux Editions Surréalistes, Paris 1932, 15x23cm, agrafé. [1.500 €]








Edition originale, un des 20 exemplaires numérotés sur Hollande, seuls grands papiers.
Très bel exemplaire.



BRETON, André –  Point du jour.  Nrf, Paris 1934, 12x19cm, broché. [750 €]





Edition originale pour laquelle il n'a pas été tiré de grands papiers.
Envoi autographe signé de André Breton à Robert de Saint-Jean.



BRETON, André – Position politique du surréalisme. Editions du Sagittaire, Paris 1935, 12x19cm, broché. [150 €]



Edition en partie originale sur papier courant.
Dos légèrement insolé sans gravité, agréable état intérieur.



BRETON, André – De l'humour noir. G.L.M, Paris 1937, 15x19cm, broché. [1.700 €]



Edition originale, un des 15 exemplaire sur Hollande, tirage de tête sous couverture bleue illustrée par Yves Tanguy.






Notre exemplaire comporte bien le texte de Sade et la reproduction du collage de Breton sur les maîtres de l'humour noir avec, au revers, les noms des personnages.
Exemplaire d'une insigne rareté et d'une fraicheur exceptionnelle.



BRETON, André – Limite non frontière du surréalisme. Nrf, Paris 1er Février 1937, 14x23cm, broché. [40 €]






Edition originale.
Autres contributions de P. de La Tour du Pin, P. Drieu la Rochelle...
Agréable exemplaire.





BRETON, André – Dictionnaire abrégé du surréalisme. Galerie des beaux-arts, Paris 1938, 16x25cm, broché. [350 €]













Edition originale dont il n'a pas été tiré de grands papiers.
Riche iconographie, rare et agréable exemplaire.




BRETON, André – Pleine marge. Les pages libres de la Main à plume, s.l. s.d. (1940), 11x14, 5 cm, une feuille rempliée. [120 €]



Edition originale, un des 250 exemplaires sur papier couché de couleur, seul tirage avec 5 Chine et 10 Auvergne.
Bel exemplaire.



BRETON, André – Les manifestes du surréalisme suivis de Prolégomènes à un troisième Manifeste du surréalisme ou non. Editions du Sagittaire, Paris 1946, 12x19cm, broché. [600 €]





Edition en partie originale, un des exemplaires du service de presse.
Envoi autographe signé de André Breton à Roger Lannes.
Agréable exemplaire complet de son prière d'insérer.



BRETON, André – Arcane 17. Editions du Sagittaire, Paris 1947, 12x19cm, broché. [400 €]





Edition en partie originale sur papier courant et sous couverture de remise en vente chez Jean-Jacques Pauvert.
Papier jauni comme généralement.



BRETON, André – Martinique charmeuse de serpents. Editions du Sagittaire, Paris 1948, 14,5x19cm, broché. [400 €]





Edition originale sur papier courant.
Envoi autographe signé d'André Breton au professeur Georges Blin.
Ouvrage orné d'illustrations hors-texte de André Masson.
Papier jauni comme souvent, dos insolé comportant de petites mouillures claires.



BRETON, André –  Poèmes. Gallimard, Paris 1948, 14x20,5cm, relié. [580 €]



Edition en partie originale, un des exemplaires du service de presse.





Reliure en demi chagrin bordeaux à coins, dos à quatre nerfs sertis de filets dorés et orné d'un fleuron central doré, date et filet dorés en queue, plats, gardes et contreplats de papier à effet moiré, couverture conservée.





Envoi autographe signé d'André Breton au professeur Georges Blin : "... affectueux souvenir..."
Agréable exemplaire.


BRETON, André – La lampe dans l'horloge. Robert Marin, Paris 1948, 11x17cm, broché. [580 €]






Edition originale, un des exemplaires numérotés sur alfa, le nôtre non justifié.
Envoi autographe signé d'André Breton au professeur Georges Blin : "... en très vive estime et sympathie..."





Ouvrage illustré d'un frontispice de Toyen.
Agréable exemplaire.



BRETON, André – Anthologie de l'humour noir. Editions du Sagittaire, Paris 1950, 14x22,5 cm, broché. [400 €]





Edition originale sur papier courant.
Envoi autographe signé d'André Breton au professeur Georges Blin : "... en toute estime et amitié..."
Iconographie.



Petites taches de mouillures claires sur le dos insolé.



BRETON, André –  Situation du surréalisme entre les deux guerres. Editions la Revue fontaine, Paris 1945, 15,5x21,5cm, broché. [80 €]






Edition originale typographique.
Deux petits manques en tête et en pied du dos, une claire mouillure en pied du premier plat.



BRETON, André et MIRO, Joan – La clé des champs. Editions du Sagittaire, Paris 1953, 14,5x23cm, broché. [580 €]




Edition originale sur papier courant.
Envoi autographe signé d'André Breton au professeur Georges Blin : "... qui nous a rendu vivant Baudelaire, de tout coeur..."





Couverture illustrée par Joan Miro, iconographie.
Petites décharges de papier adhésif en têtes et en pieds des gardes.



BRETON, André – Manifestes du surréalisme. Jean-Jacques Pauvert, Paris 1962, 13,5x21cm, broché. [450 €]


Nouvelle édition collective pour laquelle il n'a pas été tiré de grands papiers.





Envoi autographe signé d'André Breton à madame Renoux.
Coins et mors frottés.



BRETON, André – Le surréalisme et la peinture. Gallimard, Paris 1965, 21,5x28cm, reliure de l'éditeur. [120 €]







Troisième édition en partie originale.
Reliure de l'éditeur en pleine toile noire, dos lisse, exemplaire complet de sa jaquette illustrée qui ne comporte pas de défaut.
Riche iconographie, agréable exemplaire.



BLANCHOT, Maurice (André BRETON) – Reflexions sur le surréalisme. Manuscrit autographe
1945, 22x11,5cm, 8 feuillets foliotés. [4.000 €]

Manuscrit autographe de l’auteur de 16 pages in-8 publié dans le numéro 8 (août 1945) de L’Arche sous le titre: Quelques réflexions sur le surréalisme.
Manuscrit recto-verso complet, à l’écriture très dense, comportant de nombreux ratures, corrections et ajouts.



Quelques réflexions sur le surréalisme constitue le premier texte important que Maurice Blanchot consacre au mouvement d’André Breton. Il réhabilite le surréalisme qui a mis au centre de son activité la question du langage et de l’expérience – aspects qui ne pouvaient laisser indifférent Blanchot -, sans oublier de faire toutefois les constats suivants : il porte en lui une part d’échec et sa « situation […] reste ambiguë ».

Affirmant désormais de plus en plus ses positions esthétiques, Blanchot reconnait pleinement la valeur poétique et expérimentale de l’écriture automatique, pour sa radicalité même : « L’écriture automatique est […] une machine de guerre contre la réflexion et le langage. Elle est destinée à humilier l’orgueil humain, particulièrement sous la forme que lui a donné la culture traditionnelle. Mais, en réalité, elle est elle-même une aspiration orgueilleuse à un mode de connaissance et elle a ouvert aux mots un nouveau crédit illimité.»



Blanchot poursuit sa réflexion et insiste sur les questionnements des écrivains et poètes surréalistes au sujet du discours : « Le surréalisme a été hanté par cette idée : c’est qu’il y avait, qu’il devait y avoir un moment […] où le langage n’était pas le discours, mais la réalité même, sans toutefois cesser d’être la réalité propre du langage […]. Les surréalistes ont tiré de cette "découverte" de brillantes conséquences littéraires, mais pour le langage les effets sont plus ambigus et plus variés. En ce domaine, ils semblent encore avant tout des destructeurs. Ils sont déchaînés contre le discours ; ils lui retirent le droit à signifier quelque chose ; comme moyen de [ ?] sociale, de désignation précise, ils le brisent férocement. Le langage paraît un peu seul anéanti ou sacrifié, mais humilié. En réalité, il s’agit de tout autre chose et même du contraire : le langage  disparaît comme instrument, mais c’est qu’il est devenu sujet. De par l’écriture automatique, il a bénéficié de la plus haute promotion […]. »
Le texte sera repris dans La Part du feu (1949), non sans que Blanchot ait pris soin d’atténuer les réserves dont il faisait part dans l’article initial.

Première étude monographique d’importance consacrée par Maurice Blanchot à la question du langage surréaliste.


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Mas a esta listagem faltavam entre outras obras, o Manifeste du Surrealisme (1ª edição), pelo que decidi recorrer à AbeBooks e lá a encontrámos assim como outras obras!




BRETON André – Mont de piété. Au Sans Pareil collection "Littérature", Paris (1919). [US$ 2,989.79]




Item Description: Au Sans Pareil collection "Littérature", Paris, 1919. Broché, couverture illustrée. Book Condition: TRES BON ETAT. Derain (illustrator). In-8. EDITION ORIGINALE du premier livre de l'auteur, illustrée hors texte de deux dessins inédits de Derain. TIRAGE UNIQUE A 125 exemplaires numérotés. Un des 110 sur Hollande Van Gelder.  René Hilsum qui connaissait André Breton participa en mars 1919 au lancement de la revue Littérature, que le jeune écrivain dirigeait. Il est contacté peu après par le veuf de la soeur de Rimbaud, Paterne Berrichon, qui lui propose un inédit du poète pour le périodique. Grace aux soeurs Granjux, Hilsum peut acheter le précieux autographe et décide avec Breton de créer une maison d'édition où le publier pour rentabiliser son acquisition. Il fonde alors le 2 mai le Sans Pareil, gardant à la collection le nom de la revue. Pressentant le succès du livre qui sort le 15, il édite dans la foulée le premier livre de son ami qui est achevé d'imprimé le 10 juin. Comme l'indique André Breton dans l'exemplaire qu'il offrit à René Gaffé, la couverture initiale du volume devait reprendre le dessin des sacs de café Félix Potin, les titres des poèmes remplaçant les inscriptions géographiques d'usage. Quelques rarissimes exemplaires seulement furent habillés de cette couverture, le reste du tirage portant la même que le premier volume. BEL EXEMPLAIRE conservé dans une chemise et étui titré. Bookseller Inventory # 009167
©Librairie-Galerie Emmanuel Hutin (Paris, France)




BRETON, André – Manifeste du Surréalisme. Poisson Soluble. Aux Editions du Sagittaire, Paris, 1924. [US$ 39,934.23]

Description: 8vo. pp. 190, (6). Cloth-backed marbled boards, leather title label to spine, original orange publisher's wrappers and backstrip retained. First edition of the first Surrealist manifesto with a presentation from André Breton to his future wife Elisa: 'A l'étoile / à l'arcane 17 / par les yeux d'Isis / et cette région de la tempe / où passe dans un éclair / Bonaparte à Arcole, / ELISA / toi qui est l'Acacia et la Rose / mon amour / André / New York 1944'. Breton has also written across pages 24 and 25 'Tu vois, c'est comme si je t'avais vue venir' and drawn arrows to two passages; the first passage reads: 'Tranchons-en: le merveilleux est toujours beau, n'importe quel merveilleux est beau, il n'y a même que le merveilleux qui soit beau' and the second: 'Ce qu'il y a d'admirable dans le fantastique, c'est qu'il n'y a plus de fantastique: il n'y a que le réel.' Also included, loosely inserted, is a copy of Max Ernst's frottage that was used as the frontispiece for the reprint of the manifesto in 1929, inscribed on the verso by Breton: 'Max Ernst, frontispice à la réédition du Manifeste du surréalisme, 1929'. Elisa Claro, Breton's last wife and to whom he presented this manifesto, met Breton in 1943 in New York. Breton had left France for the United States in 1941, increasingly apprehensive at the behaviour of the Vichy government and its attitude to artists and intellectuals. It was under Elisa's influence that Breton wrote Arcane 17 to which he alludes in his presentation and which he ultimately dedicated to her. [Provenance: Sale of André Breton's library: 'André Breton, 42, rue Fontaine', 1st - 9th April, 2003, Livres I, lot 122]. Bookseller Inventory # 30587.
©Sims Reed Ltd ABA ILAB (London, United Kingdom)

O Manifesto Surrealista foi publicado pelo escritor francês André Breton em 1924, e trouxe para o mundo um novo modo de encarar a arte.

Seguido do dadaísmo (movimento que propunha a oposição por qualquer tipo de equilíbrio), o surrealismo impunha o chamado automatismo psíquico, "estado puro, mediante o qual se propunha transmitir verbalmente, por escrito, ou por qualquer outro meio o funcionamento do pensamento; ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral".

Segundo Breton, ele e o escritor Soupault, deram o nome de surrealismo ao novo modo de expressão que tinham a seu alcance, em homenagem a Guillaume Apollinaire.

Neste manifesto, os princípios surrealistas são declarados, tais como a isenção da lógica, a adopção de uma realidade superior, chamada "maravilhosa".

Senão vejamos:

A atitude realista é fruto da mediocridade, do ódio, e da presunção rasteira. É dela que nascem os livros que insultam a inteligência.”

“A mania incurável de reduzir o desconhecido ao conhecido, ao classificável, só serve para entorpecer cérebros.”

“Hoje em dia, os métodos da lógica só servem para resolver problemas secundários”.

“A extrema diferença de importância, que, aos olhos do observador ordinário, tem os acontecimentos de vigília e os do sono sempre me encheu de espanto. (...) Talvez o meu sonho da noite passada tenha dado prosseguimento ao da noite anterior e continue na próxima noite com rigor meritório.”

“Digamo-lo claramente de uma vez por todas: o maravilhoso é sempre belo; qualquer tipo de maravilhoso é belo, só o maravilhoso é belo. (...) Desde cedo as crianças são apartadas do maravilhoso, de modo que, quando crescem, já não possuem uma virgindade de espírito que lhes permita sentir extremo prazer na leitura de um conto infantil.”

“Oxalá chegue o dia em que a poesia decrete o fim do dinheiro e rompa sozinha o pão do céu na terra.”

"Em homenagem a Guillaume Apollinaire, Soulpault e eu demos o nome de "surrealismo" ao novo modo de expressão que tínhamos à nossa disposição e que estávamos ansiosos por colocar ao alcance de nossos amigos”

“O surrealismo não permite aos que a ele se consagram, abandoná-lo quando lhes apetece fazêlo. Ele atua sobre a mente como os entorpecentes e muitos outros de epocas relacionadas

“A mente que mergulha no surrealismo revive, com exaltação, a melhor parte de sua infância.”

"Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares."

"Só o que me exalta ainda é a única palavra: liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano."



BRETON. André – Nadja. Paris, Gallimard, 1928. Broché, 170 x 220 mm, 215 pp. [US$ 6,899.52]

Item Description: 1928. Paris, Gallimard, 1928. Broché, 170 x 220 mm, 215 pp. EDITION ORIGINALE du texte le plus emblématique du Surréalisme. UN DES 109 PREMIERS EXEMPLAIRES réimposés au format in-quarto tellière. "Dans ce "roman" autobiographique, Breton utilise le récit de sa liaison avec l?énigmatique Nadja pour montrer dans quel limite il convient, selon lui, que l?être humain enferme sa conduite «surréaliste» s?il ne veut pas être concrète- ment enfermé comme un fou. Livre ostensiblement narcissique, enrichi de 44 photographies qui sont autant de reflets nécessaires du texte, Nadja propose une série de variations sur les merveilles du hasard objectif et se clôt sur la résolu- tion des difficultés dans l?amour - un des thèmes-clés, souvent ambigus d?ail- leurs, de tous les surréalistes." (En Français dans le texte, n°354). RARE ET RECHERCHE. Bookseller Inventory # 966.
©Librairie le pas sage (PARIS, France)



BRETON, André – Second Manifeste du Surréalisme. Éditions Kra, Paris, 1930. [US$ 2,069.85]



Item Description: Éditions Kra, Paris ., 1930. Softcover. 103 S., kart., unaufgeschnitten, 28,5 x 23 cm. 1. Ausgabe. Vortitel mit Widmung Bretons. Einband mit Randläsuren. Bookseller Inventory # 10831.
©Galerie Buchholz OHG (Antiquariat) (Köln, Germany)

O segundo Manifesto Surrealista foi publicado pelo mesmo escritor em 1930, e tratava mais directamente aos acontecimentos sucedidos depois da publicação do primeiro manifesto, e do esclarecimento da posição política e dos princípios surrealistas. A cumplicidade com os comunistas, e a desconfiança destes e a possível traição que pode ter acontecido por parte de membros que se diziam adeptos do surrealismo, são assuntos tratados nos textos.



BRETON, André – Qu'est-ce que le Surréalisme. Magritte (Cover illustration by). René Henriquez, Bruxelles (1934). [US$ 950.00]



Item Description: René Henriquez, Bruxelles, 1934. Softcover. Book Condition: g to vg. First edition. Quarto (9 3/4 x 6 1/4"). Original illustrated wrappers and title page by Magritte*. André Breton was a major member of the Dada group and the founder of Surrealism. His work "Qu'est-ce que le Surréalisme ?" (What is Surrealism?) is the complete text of a lecture he gave in Brussels on June 1st, 1934 at a public meeting organized by the Belgian Surrealists. Wrappers slightly age-toned along margin. Pages evenly age-toned throughout. Text in French. Wrappers in overall good+ interior in good+ to very good condition. * This 1934 print edition of André Breton's "Qu'est-ce que le Surréalisme?" features a drawing by René Magritte called Le Viol (Rape). Meant to shock and repulse, Magritte's drawing, which eventually became a painting, features a woman's head whose eyes have been replaced by breasts and whose mouth has become a vagina. Bookseller Inventory # 40870.
©ERIC CHAIM KLINE, BOOKSELLER (ABAA ILAB) (Santa Monica, CA, U.S.A.)

Percorremos praticamente toda a obra de André Breton e ficámos com uma boa imagem da mesma.



Quadro de Magrite

Resta agora seleccionar alguns títulos para leitura. E aqui quero frisar um ponto: há vários exemplares da mesma obra e a preços bem diversos – desde o “astronómico” ao quase acessível – mas o que eu quero deixar bem esclarecido é que quando estamos a estudar um tema se calhar não devemos “cometer loucuras de comprar obras a preços quase proibitivos”, pois que aquilo que nos interessa é conhecer e estudar bem o seu conteúdo. (Isto aplica-se ao principiante obviamente...).

Claro que, depois de tomadas as nossas opções coleccionistas, devemos então avançar para as primeiras edições!

Saudações bibliófilas.