"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Bom Ano Novo





Ao virar a página de mais um ano, analisei em retrospectiva os caminhos trilhados por mim e pelos meus outros amigos que mantêm blogues.

Fácil é constatarmos que estes são aparentemente divergentes no seu conteúdo, mas têm em comum um ponto que nos une, quase como um cordão umbilical, o prazer da divulgação do livro – seja ele livro-antigo ou mais moderno – e da sua leitura.

José Mindlin escreveu: "A leitura para mim sempre foi uma fonte de prazer, e gostaria que isso fosse uma coisa generalizada."

É este mesmo sentimento que tentamos colocar nos nossos textos – ainda que a forma de o fazer possa parecer divergente – mas a sua essência parece-me ser esta.


Cena de "Casablanca"
(O meu filme de culto)

Propositadamente não mostrei nem falei de nenhum livro em particular, pois que nesta quadra parece-me que devemos colocar acima de tudo as pessoas – o convívio com as nossas famílias e os nossos amigos – e os fortes sentimentos que nos ligam deixando para segundo plano até mesmo os nossos bem-amados livros!

Mas claro que esta paixão, qual doença crónica e incurável – que até tem alastrado com o aparecimento de blogues de grande qualidade o que saúdo com grande alegria – nos levará inevitavelmente a este tema já no início do próximo ano.



Espero que consigamos continuar a transmitir esta mesma mensagem durante 2011 e que este ano, apesar das grandes dificuldades previstas, traga saúde, alegria, paz e amor para todos nós e as nossas famílias.

Para todos os meus leitores, mesmo os dos mais recônditos lugares, desejo um excelente 2011!

Com amizade.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Feliz Natal





Não quero deixar passar esta quadra natalícia, em que tradicionalmente se fazem votos de Boas Festas, sem cumprir o meu dever… mas seria muito melhor que conseguíssemos que Natal fosse todos os dias!

Quero aqui deixar expressos os meus votos de um Natal Feliz para todos os leitores que tem tido uma paciência infinita de lerem os meus “escritos”; no entanto, não quero deixar de dirigir uma palavra de especial apreço aos amigos que me têm acompanhado e apoiado com os seus comentários, ou muito simplesmente com a sua leitura, desde sempre.

Entre estes, não posso esquecer os amigos Anita, Carlos Fernandez, Diego Mallen, Galderich, Lamberto Palmart e Urzay – deste lado do oceano – Ângelo Giardini, Fabiano Cataldo, Marco Fabrizio Padilla, Marco Pedrosa e Johnson Brito de Lima – do outro lado deste mesmo oceano, que apesar de tão imenso não impede que nos encontremos regularmente diante dos nossos monitores, porque para mim amigo é aquele que sabemos que está.




Com amizade.


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tomás António Gonzaga: conjurado e poeta – esboço bio-bibliográfico




Tomás António Gonzaga

Tomás António Gonzaga nasceu em Miragaia, freguesia da cidade do Porto, num prédio que se encontra hoje devidamente assinalado. Era filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. Ficou órfão da mãe no primeiro ano de vida.


Casa de Miragaia – Porto
Placa evocativa

Mudou-se com o pai, magistrado brasileiro para Pernambuco em 1751 e depois para a Bahia, onde estudou no Colégio dos Jesuítas.

Em 1761, voltou a Portugal para cursar Direito na Universidade de Coimbra, tornando-se bacharel em Leis em 1768. Com intenção de leccionar naquela universidade, escreveu a tese Tratado de Direito Natural (1), no qual abordava o tema sob o ponto de vista tomista, mas depois trocou as pretensões ao magistério superior pela magistratura.

Exerceu o cargo de juiz de fora na cidade de Beja, em Portugal.

Quando voltou ao Brasil, em 1782, foi nomeado Ouvidor dos Defuntos e Ausentes da comarca de Vila Rica, actual cidade de Ouro Preto – Minas Gerais. Residiu numa casa na actual Rua Cláudio Manoel, 61.


Residência onde viveu o poeta na cidade de Ouro Preto


Placa instalada na residência onde viveu o poeta na cidade de Ouro Preto
Fotografia © Ivan Evangelista Jr

Foi aqui que conheceu a adolescente de apenas quinze anos Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, a pastora Marília numa das possíveis interpretações dos seus poemas, que teria sido imortalizada na sua obra lírica (Marília de Dirceu) – ainda que seja discutível essa versão, tendo em vista as regras retórico-poéticas que prevaleciam no século XVIII, época em que o poema fora escrito, é geralmente aceite.

Promovido a desembargador da relação da Bahia em 1786, resolve pedir em casamento Maria Doroteia dois anos depois. O casamento é marcado para o final do mês de Maio de 1789.

Como era pobre e mais velho que ela este enlace teve forte oposição da família da noiva.

Durante a sua permanência em Minas Gerais, escreve Cartas Chilenas (1789) (2), poema satírico em forma de epístolas, que é uma violenta crítica ao governo colonial.


Cartas Chilenas - manuscrito

As Cartas Chilenas correspondem a uma colecção de doze cartas, poemas satíricos que circularam em Vila Rica, poucos antes da Inconfidência Mineira (3) (4). Assinadas por Critilo (leia-se Gonzaga), habitante de Santiago do Chile (leia-se Vila Rica) e endereçadas a Doroteu (leia-se Cláudio Manuel da Costa), residente em Madrid. Critilo narra os desmandos do governador chileno, o Fanfarrão Minésio (leia-se, Luís da Cunha Meneses).

Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira foi fruto de um sentimento de revolta que alastrava há algum tempo. Os bandeirantes paulistas nunca desistiram de encontrar as potenciais minas de ouro. Tanto e tanto trilharam o sertão à sua procura, que acabaram por descobrir uma porção delas. Com este ouro esperavam obter uma melhor qualidade de vida e mais direitos, incluindo obviamente uma maior liberdade.

Mas assim não aconteceu, porque Portugal controlava de maneira rígida esta exploração mineira e para evitar que os bandeirantes se aproveitassem da descoberta das minas tomou medidas drásticas. O povo vivia em completo desespero. Tinha nas mãos uma riqueza maravilhosa, que eram as minas de ouro, mas essa riqueza passava inteira para as mãos de outrem.

A pouca liberdade de que gozavam desapareceu inteiramente. Se alguém abria uma estrada, o governo imediatamente mandava fechá-la sob o pretexto de que, por ela, os brasileiros podiam contrabandear o ouro. Se alguém fundava uma fábrica de tecidos ou de qualquer outro artigo, o governo fechava a fábrica. O Brasil não podia comprar mercadorias senão nas fábricas de Portugal. A imprensa, correio, e até certas profissões, tudo era proibido. O Brasil, para a corte portuguesa, não passava de uma grande fazenda e, como fazenda, tinha que produzir o maior lucro possível. O ouro devia dar para tudo, sobretudo para os reis esbanjarem, para a corte se regalar, para os fidalgos viverem na preguiça.

Mas para se fazer uma revolução era preciso um líder com qualidades excepcionais. Deveria ter prestígio popular, energia, bravura e deveria principalmente ser uma pessoa capaz de sacrificar a própria vida pela causa que defendia.


Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier)

Para fazer a revolução libertadora, a capitania de Minas só necessitava de um chefe, que encontrou na figura carismática de Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier) (5). Tinha o poder de encantar a toda a gente. Principalmente se falava, ou melhor, se discursava. Era orador e orador de palavra fácil, quente, arrebatada.

O primeiro encontro com José Álvares Maciel ocorrera em Setembro de 1788. Tiradentes tinha ido ao Rio de Janeiro tratar de grandes projectos de engenharia. Estava ele no Rio de Janeiro, a tratar desse projecto audacioso, quando José Álvares Maciel chegou da Europa. Maciel, que se formara em Coimbra, voltava da Inglaterra, onde se aperfeiçoara em química. Tiradentes conhecia-o havia muito tempo e daí a razão da sua visita.

Maciel contava, naquela ocasião, apenas vinte e oito anos de idade. Com essa mocidade sonhava ardentemente, sobretudo tinha a cabeça cheia de sonhos patrióticos. Os Estados Unidos acabavam de sair do domínio da Inglaterra, proclamando-se país independente e republicano. Esse acontecimento que, de facto, sacudiu a Europa, havia deixado uma impressão violenta no espírito de Maciel. Ele falava da independência dos Estados Unidos com um entusiasmo de arrebatar.


Álvares Maciel e Tiradentes
Fotografia: Viriato Corrêa

Naquele ano havia chegado a Minas o visconde de Barbacena, como governador. E trazia de Portugal ordens terminantes de lançar a derrama.

A capitania de Minas Gerais estava atrasadíssima no pagamento dos impostos. Só do imposto de ouro devia mais de três mil contos de réis.

A notícia de que Barbacena ia em breve lançar a derrama, espalhou-se rapidamente. Tiradentes percebeu ter chegado o momento de arranjar companheiros para dar o golpe revolucionário. Pobres e ricos iam pagar uma dívida formidável de que não tinham culpa nenhuma. A derrama, portanto, ia desagradar tanto a grandes como a pequenos. Não havia melhor ocasião para levantar estes e aqueles.

Mas, tão forte era a sua força de atracção, com tal convicção expunha as suas razões, com tal sinceridade falava, que conseguiu convencer os homens, não só os mais poderosos, como os mais inteligentes e os mais ilustres da capitania.

Tiradentes, simples alferes, logrou dirigir militares hierarquicamente superiores. Veja-se o caso do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade que comandava o regimento dos Dragões, em Vila Rica, a maior força do exército estacionada em Minas Gerais. Como comandante dos Dragões era comandante de Tiradentes, que fazia parte do corpo de cavalaria daquele Regimento, mas aderiu e seguiu o ideário do alferes.

Ao começar o ano de 1789 a conjuração estava adiantada. Pode-se dizer que quase todas as figuras importantes de Minas faziam parte dela — magistrados, negociantes, advogados, poetas, fazendeiros, sacerdotes e militares

Os inconfidentes (5) reuniram-se na Chácara do Cruzeiro — a bela vivenda do coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, em Vila Rica, capital de Minas Gerais, nos primeiros dias do ano de 1789 para prepara a conjuração.

A reunião prometia ser concorrida, pois já se encontravam lá vários homens importantíssimos da cidade e da capitania. E toda esta gente, uns embuçados e outros não, ao começar a subida da ladeira do morro da chácara, tornava-se mais cautelosa, pois vinham conspirar contra o governo, contra o rei e contra Portugal.


Joaquim Silvério dos Reis
Na reunião da Conjuração
Fotografia: Viriato Corrêa

Nela participaram: o velho Cláudio Manuel da Costa, grande poeta e grande advogado, uma das maiores figuras da cultura de Minas Gerais, o cónego Luís Vieira da Silva, o mais erudito dos padres mineiros daquele tempo, o Dr. José Álvares Maciel, cunhado do dono da casa, que serviu como anfitrião, o poeta Inácio José de Alvarenga Peixoto, que acompanhava duas senhoras – uma, a sua mulher, a ilustre Bárbara Heliodora, e outra, a linda Maria Doroteia Joaquina de Seixas, que ficaria conhecida pelo doce nome de Marília porque assim o noivo, Tomás António Gonzaga, a chamou nos seus versos – o padre Carlos de Toledo e Melo, com o irmão, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo e Pisa, os padres Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues Costa, o coronel Francisco António de Oliveira Lopes e o Dr. Domingos Vidal Barbosa, médico formado em França. Um dos últimos a chegar foi o desembargador Tomás António Gonzaga, só faltava o Tiradentes!

Quando este chegou, todos o cercaram. É um homem de quarenta e poucos anos, moreno, alto, forte, olhos ardentes. A franqueza, a lealdade e a coragem transparecem-lhe na fisionomia.

Conta por onde andou: por S. José do Rio das Mortes, pelo Registro Velho, pelo Campo Alegre dos Carijós, pelas Bananeiras, pela Borda do Campo. Em toda a parte reinava grande entusiasmo pela revolução. Todas as pessoas compreendiam a necessidade de o Brasil se tornar independente. Estas suas palavras entusiasmaram os conjurados.

Os inconfidentes discutiram durante muitas horas. Naquela noite tudo ficou assente.

No entanto, Joaquim Silvério dos Reis, ao julgar-se traído, quando em conversa com o padre Rodrigues Costa lhe asseverou que as suas dívidas à Fazenda Real não poderiam ser perdoadas, decidiu denunciar a conjuração. E se o pensou, melhor o fez, pois que foi contar tudo ao visconde de Barbacena. Contou como fora convidado para a conspiração. Contou como entrara no inteiro conhecimento da trama. Contou como frequentara as reuniões.

O visconde de Barbacena suspendeu o pagamento da derrama e, deste modo, retirou aos conjurados o principal motivo para a revolta e a principal razão do levantamento popular.

Tiradentes viria a ser preso no Rio de Janeiro enquanto Tomás António Gonzaga e outros conjurados seriam presos em Vila Rica.


Tiradentes esquartejado
[Pedro Américo, 1893]

Pelo seu papel na Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira, foi acusado de conspiração e preso em 1789, cumpriu pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e os seus bens foram confiscados.

Ficou, deste modo, separado de sua amada – Maria Doroteia.

Permaneceu na prisão por três anos, durante os quais, teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há registos de assinatura em qualquer uma de suas poesias.


Jornada dos Mártires, por António Parreiras
Retrata a passagem, em Matias Barbosa, dos inconfidentes presos

Em 1792, a sua pena é comutada em degredo, a pedido pessoal de Marília à rainha de Portugal e o poeta é enviado para a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos.

Nesse mesmo ano é lançada em Lisboa a primeira parte de Marília de Dirceu, com 33 liras (nota-se que não houve participação, portanto, do poeta na edição desse conjunto de liras, e até hoje não se sabe quem a teria feito, provavelmente irmãos de maçonaria).

É interessante atentar para alguns aspectos dessa obra de Gonzaga. Cada lira é um diálogo de Dirceu com sua pastora Marília, mas, embora a obra tenha a estrutura de um diálogo, só Dirceu fala (trata-se de um monólogo), chamando Marília em geral com vocativos. Como bem lembra o crítico António Cândido, o melhor título para a obra seria Dirceu de Marília, mas o patriarcalismo de Gonzaga nunca lhe permitiria pôr-se como a coisa possuída.

As liras à sua pastora idealizada reflectem a trajectória do poeta, na qual a prisão actua como um divisor de águas (a segunda parte do livro é contada dentro da prisão).

Antes do seu encarceramento, num tom de fidelidade, canta a ventura da iniciação amorosa, a satisfação do amante, que, valorizando o momento presente, busca a simplicidade do refúgio na natureza amena, que ora é europeia e ora mineira.


Tomás António Gonzaga – Marília de Dirceu
Lisboa, Na Typographia Nunesiana, MDCCXLII [1792]

Depois da reclusão, num tom trágico de desalento, canta o infortúnio, a injustiça (ele se considera inocente, portanto, injustiçado), o destino e a eterna consolação no amor da figura de Marília. São compostas em redondilha menor ou decassílabos quebrados.

Expressam a simplicidade e gracioso lirismo íntimo, decorrentes da naturalidade e da simplicidade no trato dos sentimentos e da escolha linguística. Ao delegar posição poética a um campesino, sob cuja pele se esconde um elemento civilizado, Gonzaga demonstra mais uma vez as suas diferenças com a filosofia romântica, pois segue o descrito nas regras para a confecção de éclogas nos manuais de poética da época, que instruem aos poetas que buscam a superação dos antigos, imitando-os, a utilizações de eu-líricos que se aproximem as figuras de pastores, caçadores, hortelãos e vaqueiros.

Marília é ora morena, ora loira. O que comprova não ser a pastora, Maria Doroteia na vida real, mas uma figura simbólica que servia à poesia de Tomás António Gonzaga. É anacronismo destinar ao sentimento existente entre o poeta e Maria Doroteia a motivação para a confecção dos poemas, tendo em vista que esse pensamento só surgiu com o pensamento Romântico, no século XIX.

É mais admissível a teoria de inspiração no ideal de emulação, que configurava o sentimento poético da época, baseado nas filosofias retórico-poéticas vigentes, em que o poeta, obedecendo a inúmeras regras de escrita, "imitava" os poetas antigos e procurava superá-los.

Se é certo que os menos avisados nos conhecimentos da literatura possam acreditar que o poeta caia em contradições, ora assumindo a postura de pastor que cuida de ovelhas e vive numa choça no alto do monte, ora a do burguês Dr. Tomás António Gonzaga, juiz que lê altos volumes instalados em espaçosa mesa, fazem-no por analisar os poemas com critérios anacrónicos à época, ao analisarem os poemas com pensamentos surgidos após o Romantismo, textos que o precedem.


Cena pastoril
Francois Boucher [1703-1770]

Em Moçambique trabalha como advogado e hospeda-se em casa dum abastado comerciante de escravos, acabando por se casar, em 1793, com a filha dele, Juliana de Sousa Mascarenhas ("pessoa de muitos dotes e poucas letras"), com quem teve dois filhos: Ana Mascarenhas Gonzaga, filha de dona Juliana anterior ao seu casamento com Tomás António Gonzaga, mas a quem este lhe deu o seu nome, e Alexandre Mascarenhas Gonzaga.

Aqui viveria durante quinze anos, rico e considerado, até morrer em 1810, acometido por uma grave doença.

Em 1799, é publicada a segunda parte de Marília de Dirceu, com mais 65 liras.

No desterro, ocupou os cargos de procurador da Coroa e Fazenda, e o de juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que exercia quando morreu). A data de sua morte não é uma data certa, mas sabe-se que ele veio a falecer entre 1809 e 1810.

Gonzaga foi muito admirado por poetas Romantismo/românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves. É o patrono da cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Letras.

As suas obras principais são: Tratado de Direito Natural; Marília de Dirceu (colecção de poesias líricas, publicadas em três partes, em 1792, 1799 e 1812 - hoje sabe-se que a terceira parte não foi escrita pelo poeta); Cartas Chilenas (impressas em conjunto em 1863).

Saudações bibliófilas


Notas:

(1) O Tratado de Direito Natural de Tomás António Gonzaga e o Discurso Político no Período Pombalino: 1750 – 1777 - Rodrigo Elias Caetano Gomes

(2) Cartas Chilenas:

(3) Inconfidência Mineira (in Wikipedia)

(4) História de Tiradentes – Viriato Corrêa

(5) Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier) (1746-1792), é considerado o grande mártir da independência do Brasil. Nasceu na Fazenda do Pombal, entre São José (hoje Tiradentes) e São João del Rei, Minas Gerais. Seu pai era um pequeno fazendeiro. Tiradentes não fez estudos das primeiras letras de modo regular. Ficou órfão aos 11 anos; foi mascate, pesquisou minerais, foi médico prático. Tornou-se também conhecido, na sua época, na então capitania, pela habilidade com que arrancava e colocava novos dentes feitos por ele mesmo, com grande arte. Da sua vida militar, sabe-se que pertenceu ao Regimento de Dragões de Minas Gerais. Tinha o posto de alferes, comandando uma patrulha de ronda do mato, prendendo ladrões e assassinos.

Foi o único condenado à morte por enforcamento, com a sentença executada publicamente a 21 de Abril de 1792 no Campo da Lampadosa.

Outros inconfidentes foram condenados à morte, mas tiveram as penas reduzidas para degredo, numa segunda sentença.

Após a execução, o corpo foi levado numa carreta do Exército para a Casa do Trem (hoje parte do Museu Histórico Nacional), onde foi esquartejado. O tronco do corpo foi entregue à Santa Casa de Misericórdia, e foi enterrado como indigente. A cabeça e os quatro pedaços do corpo foram salgados, para não apodrecerem rapidamente, acondicionados em sacos de couro e enviados para as Minas Gerais, e pregados em pontos do Caminho Novo onde Tiradentes pregara as suas ideias revolucionárias. A cabeça foi exposta em Vila Rica (actual Ouro Preto), no alto dum poste defronte à sede do governo. O castigo era exemplar, a fim de dissuadir qualquer outra tentativa de questionar o poder da metrópole.

Foi elevado posteriormente, pela República Brasileira, à condição de um dos maiores mártires da independência do Brasil e considerado como um dos precursores da República.

(6) Inconfidentes – infiel ao rei, que conspira contra o rei.


domingo, 19 de dezembro de 2010

Os Irmãos Laemmert – os primórdios do livro impresso no Brasil




Retrato de D. João VI por Domingos António de Sequeira
Século XIX [1818-1826]
Óleo sobre tela, madeira entalhada e dourada 131,5 x 111,5 x 8 cm
Fotógrafo: Manuel Silveira Ramos © IMC / MC

Tudo começou no Rio de Janeiro, sede da Corte de D. João VI.

A história do livro no Brasil tem o seu começo quando, em 1808, a corte portuguesa se transfere para o Brasil para se precaver das invasões francesas.

Com D. João VI vêm, além de seu séquito, o primeiro prelo, de madeira e fabrico inglês e a Biblioteca Real.

D. João VI ordenou a instalação da Imprensa Régia. No entanto, “Quem quisesse publicar alguma coisa percorreria um longo caminho” (Isabel Lustosa), pois essa imprensa funcionava sob uma poderosa censura. A imprensa brasileira de então não era sinónima de liberdade ou de manifestação da opinião pública. Era proibida a impressão fora das oficinas da corte e publicava-se apenas o que era autorizado: o que não ofendia o Estado, a religião, os costumes.

Todo o original deveria ser enviado ao ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, donde passava para o Desembargo do Paço e finalmente chegava à Mesa Censória.


Gazeta do Rio de Janeiro
Setembro de 1808 - n.º 1

Da Imprensa Régia saiu o primeiro jornal brasileiro, a Gazeta do Rio de Janeiro, em 10 de Setembro de 1808, que só imprimia notícias de interesse do governo. Nesse mesmo ano surgiu em Londres, para fugir à Censura, O Correio Braziliense, do jornalista Hipólito José da Costa.


O Correio Braziliense
Junho 1808 - n.º 1

Depois de revogada, pelo decreto de 2 de Março de 1821, a proibição de se imprimir, multiplicaram-se os jornais, folhetos, revistas. Surgiu a primeira revista, As variedades ou ensaios de literatura em 1812 na Bahia. Em 1822, ano da Independência do Brasil, já havia 53 jornais em circulação.

Tomás António Gonzaga – Marília de Dirceu
Rio de Janeiro, Na Impressão Regia, 1810

O primeiro livro que se publicou foi Marília de Dirceu de Tomás António Gonzaga em 1810. (1) Nas Cartas Chilenas - conjunto de poemas que circulam anonimamente em Vila Rica, entre 1787 e 1788 -, os seus versos assumem um tom satírico. Aponta as irregularidades do governo de Luís da Cunha Menezes, configurando o ambiente de Vila Rica (actual Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil) ao tempo da preparação política da Inconfidência Mineira.


Tomás António Gonzaga – Cartas Chilenas
Rio de Janeiro, Eduardo & Henrique Laemmert, 1863

O Brasil desta época vivia sob forte influência cultural da França. Nesse contexto dois nomes se destacam e têm extrema importância para a cultura livreira do país: Laemmert e Garnier. Eram duas casas editoras que importavam muitos livros franceses para uma elite rica e culta. Enquanto essa pequena parcela gozava da mais refinada cultura, o restante dos brasileiros, cerca de 84% da população, não sabia ler.

A primeira a chegar foi a Livraria Universal fundada em 1833 por Eduard Laemmert, a quem, cinco anos mais tarde, se juntou o irmão Heinrich. Esta foi tão bem sucedida que logo abandonou o perfil exclusivo de loja para se tornar também editora. Em 1837 Eduard comprou três impressoras, viajou a Paris para aprender tipografia e em 2 de Janeiro de 1838 inaugurou a Typographia Universal. O negócio progrediu a tal ponto que a facturação cresceu trinta e uma vezes em apenas vinte anos.


Eduard Laemmert


Heinrich Laemmert

Os negócios com livros prosperavam. Almanaques, clássicos da literatura, dicionários, colecções, obras técnicas e académicas; os irmãos Laemmert são justamente considerados os responsáveis pelas primeiras publicações da qualidade do Brasil. (2)

Num enorme casarão da rua dos Inválidos trabalhavam, em 1859, cento e vinte pessoas, que imprimiam mil folhas por dia. Na oficina de encadernação, outros cinquenta homens produziam cinco mil livros encadernados por mês, além de catorze mil brochuras. Elogiada pelos operários e com os méritos reconhecidos pelo próprio imperador (que em 1862, fez uma visita oficial à casa), a Typografia Universal baseou muito do seu êxito no Almanaque Laemmert – nome pelo qual ficou conhecido o Almanaque administrativo, mercantil e industrial da corte e província do Rio de Janeiro.


Almanak Laemmert (1844)

Nascido como uma despretensiosa folhinha literária em 1839, bem mais completo que os concorrentes, não tardaram a cobrir notícias de todo o Império, e em 1875 saiu com 1700 páginas.

Embora o Almanaque fosse a imagem de marca da editora, outros livros contribuíram para o êxito da Livraria Universal. A maioria eram guias de bolso que ostentavam títulos de grande apelo popular, como Dicionário de medicina doméstica, Sucintos conselhos às jovens mães para o tratamento racional de seus filhos (ambos de Theodore Langgaard, médico dinamarquês radicado no Brasil), Colecção completa de máximas, pensamentos e reflexões, do marquês de Maricá, e Selecções de poesias dos melhores poetas brasileiros desde o descobrimento do Brasil. Obras técnicas e académicas também tinham vez, como Navegação interior do Brasil e Estudos de literatura contemporânea.


Johann Wolfgang Von Goethe (1775)

Os Laemmert publicavam ainda livros traduzidos do francês, mas o seu forte foram os originais alemães. Editaram Goethe (Amorosas paixões do jovem Werther) e foram pioneiros na literatura infantil, com As viagens de Gulliver, Contos selectos das mil e uma noites e Aventuras pasmosas do celebérrimo Barão de Münchausen, alguns traduzidos por nomes famosos como Capistrano de Abreu e Olavo Bilac.

Outro campo no qual a Universal se aventurou, embora pouco, foi o dos livros didácticos Por que me ufano do meu país de Afonso Celso (1900), escrito para celebrar os quatrocentos anos do descobrimento do Brasil, teve a primeira edição esgotada em alguns meses e tornou-se leitura obrigatória nas escolas secundárias.




Affonso Celso – Porque me ufano do meu paiz.
Rio de Janeiro/São Paulo, Laemmert & C. Livreiros-Editores, 1905.
3ª edição revista. Brochura, 202 págs.

A Livraria Universal fechou suas portas em 1909, logo depois do incêndio que lhe destruiu a biblioteca e os arquivos. Em 1910, os direitos de publicação dos livros foram negociados com a Francisco Alves, e o Almanaque foi vendido ao português Manuel José da Silva.

Em 1942, outro incêndio pôs um ponto final na trajectória do mesmo. A tipografia, com o nome de Gráfica Laemmert, continuou a funcionar e voltou a editar em 1970. Mas, dos Laemmert, só guardou o nome.


Baptiste Louis Garnier

Ao lado dos irmãos Laemmert, dividia o mercado de livros a Livraria Garnier, de seu fundador e editor, Baptiste Louis Garnier. Garnier editou clássicos estrangeiros e foi um dos primeiros a editar os autores brasileiros. Foi responsável também pelo lançamento de romancistas brasileiros, como José Veríssimo, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Bernardo Guimarães, Sílvio Romero, João do Rio, Joaquim Nabuco. Baptiste Louis adoeceu e seu irmão, Hippolyte, assumiu a editora. Personalidade reservada e pouco ousado, Hippolyte não arriscava seu nome em autores desconhecidos. A sua política de compra definitiva de direitos de autor beneficiou a empresa, mas prejudicou autores que se iniciavam na vida editorial. Entre eles, Machado de Assis, de quem foi o primeiro e principal editor e de quem comprou, a preços ínfimos, os direitos de autor de todas as suas obras.


Livraria Garnier

Enquanto Laemmert editava publicações populares e manuais, em parque tipográfico situado na rua dos Inválidos, Garnier sofria uma certa discriminação por enviar para Paris as obras que editava. Além da sua política de compra definitiva dos direitos, Garnier, era, também por isso, visto com um “editor às avessas”: não incentivava a produção local de livros.


Livraria Garnier

Em busca de novos mercados, outros livreiros-editores emigraram para o Brasil na primeira metade do XIX.


Notas:

(1) Tomás António Gonzaga (Dirceu) (Porto,1744- Moçambique,1810)
Embora português de nascimento, Tomás António Gonzaga viveu no Brasil parte de sua infância. De volta a Portugal, formou-se em Coimbra, mas a partir de 1782 passou a exercer em Vila Rica o cargo de ouvidor.


Tomás António Gonzaga

Aos 40 anos de idade praticamente, Gonzaga apaixonou-se por uma adolescente de 17 – Maria Doroteia Joaquina de Seixas. A família da jovem opunha-se ao namoro. Quando o poeta já vencia a resistência da família, foi preso (1798) e enviado para a ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, como participante da Inconfidência Mineira.

Os últimos dezassete anos de sua vida passou-os no degredo, em Moçambique, casado com a filha de um comerciante de escravos. Gonzaga nunca se casou com Maria Doroteia, mas esse namoro tornou-se o primeiro mito amoroso de literatura brasileira e inspirou algumas das suas mais belas obras líricas.

(2) O Almanaque administrativo, mercantil e industrial do Rio de Janeiro para o ano de 1850, indicava a existência dos seguintes mercadores de livros:

- Agostinho de Freitas Guimarães e C., rua do Sabão, 26
- Albino Jordão, vende, compra e troca livros e toma a comissão de obras novas, rua do Ouvidor
- Crémiére, rua da Alfândega
- Désiré Dujardin, livraria bela-francesa, - rua do Ouvidor
- Eduardo & Henrique Laemmert, Livraria Universal, ruada Quitanda
- Firmin Didot Irmãos, rua da Quitand
- Garnier Irmãos, rua do Ouvidor
- Gerard e de Chirten, rua da Quitanda
- Junius Villeneuve, rua do Ouvidor
- Luís Ernesto Martin, Livraria Portuguesa, rua dos Ourives
- Mongier, rua do Ouvidor
- Serafim Gonçalves Neves, rua da Quitanda
- Soares e C., rua da Alfandega
- Souza e C., rua dos Latoeiros.


Fontes consultadas:

HALLEWELL, Laurence – O livro no Brasil. São Paulo: Edusp/T.A.Queiroz, 1985.
Jangada Brasil – Almanaque Suplemento de Variedades – Janeiro de 1999 – n.º 05


Saudações bibliófilas.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Livraria Castro e Silva: Catálogo 125 – Dezembro de 2010





12. ENCADERNAÇÃO ARTÍSTICA. SEC. XIX. EM VELUDO BROCADO. ROQUETE (José Inácio) LIVRO DA MISSA E DA CONFISSÃO com os Officios dos Domingos e principaes festas do anno. As Vesperas, e outras Devoções. Edição feita sobre a do Prior d’Abrantès. Revista, emendada e augmentada. Por Um Lente de Theologia. Approvado por S. E. R. o arcebispo primaz de Braga. Moré, Livreiro-Editor. Porto. Coimbra. [Imp. Bourdier et Cie]. 1857. Paris. De 12x9 cm. Com 574 pags. Encadernação artística em veludo azul bordado com fio de ouro (a cheio) na lombada e nas pastas com motivos florais. Em super-libris: cruz bordada na pasta anterior e monograma de posse 'J. F. S. C.' bordado na pasta posterior. Corte por folhas dourado: Ilustrado com frontispício policromado e restantes gravuras extra texto gravadas em chapa de cobre assinadas H. Bomtamps e Vanloo. Obra em português - impressa em Paris - e com aprovação do Arcebispo Primaz, em Braga, a 27 de Dezembro de 1857. Inocêncio IV, 373: “Creio que a 1ª edição é de 1846”. Encadernação artística bordada ao estilo e na técnica dos paramentos eclesiasticos dos séculos XVII e XVIII.


Catálogo 125 – Dezembro de 2010

Acabei de tomar conhecimento do Catálogo 125 – Dezembro de 2010 desta livraria-antiquária, localizada na Rua do Loreto, 14 – 1200-242 Lisboa, que como sempre apresenta um conjunto interessante de livros com maior relevância no livro antigo.

Aqui ficam alguns exemplares que reflectem um carácter mais ilustrativo do que qualitativo.



3. AZEVEDO FORTES. (Manuel) O ENGENHEIRO PORTUGUEZ: DIVIDIDO EM DOUS Tratados. TOMO PRIMEYRO, QUE COMPREHENDE A GEOMETRIA PRATICA sobre o papel, e sobre o terreno: o uso dos instrumentos mais necessarios aos Engenheiros: o modo de desenhar, e dar aguadas nas plantas Militares; e no Apendice a Trignometria rectilínea. TOMO SEGUNDO, QUE COMPREHENDE A FORTIFICAÇAÕ regular, e irregular: o ataque, e defensa das Praças; e no Appendice o uso das Amas de guerra. OBRA MODERNA, E DE GRANDE UTILIDADE para os Engenheiros, e mais officiaes Militares: tirada dos mais celebres Authores, e dos Diários das ultimas guerras da Europa. Composta Por MANOEL DE AZEVEDO FORTES. LISBOA OCIDENTAL: Na Officina de MANOEL FERNANDES DA COSTA. M. DCCXXVIII.-M. DCCXXIX. (1728-1729) 2 tomos In 8.º de 21x15 cm. Com [Vol 1]: (lxiv) - 537 [aliás 533] - (3 brancas) - 12 estampas desdobráveis. [Vol 2]: (xvi) - 492 [aliás 494] - (2 brancas) - 22 estampas desdobráveis. Encadernações da época inteiras de pele com ferros a ouro nas lombadas. Exemplar com boas margens e que no primeiro tomo apresenta junto ao pé uma mancha marginal antiga, entretanto desvanecida. O primeiro tomo ilustrado em anterrosto com uma gravura de página inteira representando o retrato do autor assinado «Quillard pinxit de Rochefort Sculp 1729» e 12 estampas com instrumentos e plantas de praças-fortes desenhadas por Paulo Farinha Lopes e abertas por Rochefort abridor do rei e da Academia Real. O segundo tomo ilustrado em anterrosto com uma gravura de página inteira representando a cidade de Albuquerque ao fundo e em primeiro plano os Generais P. Carle, o Conde das Galveias e o Conde de Vila Verde, assinada «de Rochefort fecit 1729» e 24 estampas com canhões e plantas de praças-fortes, desenhadas por Paulo Farinha Lopes e abertas por Rochefort abridor do rei e da Academia Real. Inocêncio V, 369. “MANUEL DE AZEVEDO FORTES, Cavalleiro da Ordem de Christo, Sargento mór de batalha, e Engenheiro mór do reino; Academico da Academia Real de Historia, etc. - N. em Lisboa no anno de 1660; e fez os seus estudos nas Universidades de Hespanha e França, onde adquiriu amplos conhecimentos não só nas sciencias exactas e naturaes, mas até na theologia. M. a 28 de Março de 1749. - Para a sua biographia vej. o Elogio historico, por José Gomes da Cruz. – E O Engenheiro portuguez, dividido em dous tratados. Tomo I, que comprehende a geometria pratica sobre o papel, e sobre o terreno: o uso dos instrumentos; o modo de desenhar e dar aguadas nas plantas militares: e no appendice a trigonometria rectilinea. Lisboa, por Manuel Fernandes da Costa 1728. 4.º de LXII 537 pag. com onze estampas e o retrato do auctor. Tomo II. Que comprehende a fortificação regular e irregular, o ataque e defensa das praças; e no appendice o uso das armas de guerra. Ibi, pelo mesmo 1729. 4.º de XII 492 pag., com um frontispicio gravado, e vinte e duas estampas. Obra magistral, bem escripta e coordenada, e que formava um tractado de fortificação e de ataque e defensa de praças, tão completo como os melhores que até áquelle tempo se haviam publicado nos paizes mais cultos da Europa. Estes livros, juntamente com a Logica racional, serviram por muitos annos de instrucção e premio aos discípulos que mais se distinguiam na eschola militar da engenharia: e essa circumstancia serve para explicar o motivo de apparecerem ainda muitos exemplares enquadernados com apuro notavel, e até as vezes com luxo.”



16. HISPANO. (Pedro) PETRII HISPANI SVMMVLAE LOGICALES CVM VERSORII PARISIENSIS CLARISSIMA EXPOSITIONE. Paruorum item Logicalium eidem Petro Hispano ascriptum opus, nuper in partes ac capita distinctum. Nouissima hac editione summa cura, ac diligentia à quampluribus erroribus castigata. Duos demum Indices nunc primum excogitatos, quórum alter singulorum textuum ac capitum, alter verò, eorum, quae in totó opere scitu digna habentur, imprimi curauimus. Venetiis, M. D. CIII. [1603]. Apud Petrum Ricciardum. In 4º (20x15 cm) com [xxiii]-574 pags. Encadernação da época em pergaminho flexível. Ilustrado com capitais maiúsculas e vinheta alegórica na folha de rosto. Obra impressa a duas colunas e contendo 3 índices remissivos. Esta SUMULA LOGICALES de Pedro Hispano (Papa João XXI de origem portuguesa) é a versão mais conhecida adoptada pelas escolas de parisienses, contendo uma exposição claríssima, juntamente com pequenos apontamentos da Pequena Lógica do mesmo Pedro Hispano que incidem nas várias partes dos diferentes capítulos. A presente edição, reunida com o maior cuidado e diligência na eliminação dos numerosos erros das anteriores, contém 2 índices nunca antes elaborados. Um índice (colocado no início da obra) é um sumário dos 7 tratados que comentam a lógica de Aristóteles. O outro índice refere-se aos assuntos dos pequenos apontamentos de lógica (Parvorum Logicalum ou Pequena Lógica de Pedro Hispano) apresentados na parte final da obra (a partir da página 482) no seguimento aos referidos tratados comentando Aristóteles; e ainda um índice com um novo elenco dos conceitos filosóficos.Binding: contemporary flexible vellum. Copy handled and with slight water stains. This SUMULA LOGICALES of Pedro Hispano (Portuguese Pope John XXI) is the best-known version adopted by the schools of Paris, containing a crystal clear display, along with an abridgement of logic (Little Logics) written by Pedro Hispano that focus on various parts of different chapters of the main treatises or commentaries on Aristotle. This edition, which met with the utmost care and diligence in the elimination of numerous errors of prior editions, contains 2 new indexes of 3 placed at the beginning of the work. An index is a summary of the seven works that touch on the logic of Aristotle. The second index refers to the issues of Little Logics of Pedro Hispano (Parvorum Logicalum) located at the end of the book (from page 482 on); and a third index with a new set of philosophical concepts.



18. IMHOF. (Jacob Wilhelm) JACOBI GUILIEMI IMHOF STEMMA REGIUM LUSITANICUM, SIVE HISTORIA GENEALOGICA FAMILIAE REGIAE PORTUGALLIAE. A prima origine usque ad praesens aevum deductae et narratione rerum in Portugalliae à condito regno gestarum, ac factorum memorabiliorum illustratae INSIGNIUMQUE ICONIBUS EXORNATAE. Amstaelodami, Apud Zachariam Chatelain, juxta curiam. ANNO MDCCVIII. [1708]. De 37x25 cm. Com 72 pags. Encadernação da época cartonada. Profusamente ilustrado com diagramas genealógicos no texto e brasões de armas das descendências da Casa Real portuguesa em linha recta e também nas linhas colaterais. Obra contém as linhas colaterais dos reis de Portugal, nomeadamente: Casa de Bragança (Oropesa, Sarria, Cadaval, Veragua [descendência de Cristóvão Colombo], Odemira, e Vimioso), Casa de Lencastre (Aveiro, Abrantes e Avis), e Vária (descendentes identificados e não entroncados); Condes de Villar do Prado; e Sousas (Marqueses de Minas e Marqueses de Arronches). A página 29 apresenta o entroncamento de Cristóvão Colombo (descobridor das Índias Ocidentais, Almirante Maior e Vice-Rei das Índias) na família real portuguesa com o título de Duques de Veragua e Marqueses da Jamaica. O esquema genealógico final (pag. 72) apresenta a descendência de Colombo em igualdade com outras descendências colaterais. Cada capítulo da obra apresenta os esquemas genealógicos, um texto de exegese histórica, comentários retirados de outras obras de referência cuja bibliografia se encontra colocada em rodapé. Imhof Jacob Wilhelm (1651-1728) autor de várias obras genealógicas entre as quais “Recherches Historiques et Genealogiques des Grandes d'Espagne. Amsterdam, 1707”.Binding: contemporary cardboard. Work on the Portuguese Royal Family tree and its genealogical history. Profusely illustrated with diagrams and coats-of-arms of the Portuguese Royal House and their collateral relatives (straight line and side lines of descent). Such collateral lines of the kings of Portugal are comprehensive to: House of Braganza (Oropesa, Sarria, Cadaval, Veragua [descent of Christopher Columbus], Odemira and Vimioso), House of Lancaster (Aveiro, Abrantes and Avis), and Various (descendants identified and not stalked); Condes de Villar del Prado, and Sousa (Marquis of Minas and Marquis of Arronches). Page 29 shows the intersection of Christopher Columbus (discoverer of the West Indies, Admiral and Viceroy of the Indies) in the Portuguese royal family with the title of Duke of Veragua and Marquis of Jamaica. The final pedigree diagram (p. 72) presents the descendants of Columbus on a par with other collateral descent. Each chapter of the book presents: a genealogical diagram; a text of historical exegesis; commentaries taken from other reference works whose bibliography is placed below. Jacob Wilhelm Imhof (1651-1728) was author of several genealogical books including 'Recherches Historiques et des Grandes Genealogiques d'Espagne. Amsterdam, 1707. '

Espero que a sua consulta vos seja de alguma utilidade.

Saudações bibliófilas.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Librairie Le Feu Follet – Catalogue Ancien et Moderne Décembre 2010




Catalogue Ancien et Moderne Décembre 2010

Proponho-vos hoje a consulta do Catalogue Ancien et Moderne Décembre 2010 da Librairie Ancienne Le Feu Follet, localizada no 31 rue Henri Barbusse 75005 Paris.

Aqui fica a citação final deste precioso Catálogo, para meditarmos um pouco:

"J’aime les hommes, non pour ce qui les unit mais pour ce qui les divise, et des cœurs, je veux surtout connaître ce qui les ronge."

Guillaume Apollinaire

Deste bom conjunto de livros destaco, de acordo com a mesma, estes dois exemplares :


Jules BARBEY D'AUREVILLY – Les diaboliques
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Jules BARBEY D'AUREVILLYLes diaboliques. Dentu, Paris, 1874, 12x19cm, relié.
Edition originale dont il n'a pas été tiré de grands papiers.


Jules BARBEY D'AUREVILLY – Les diaboliques
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Reliure en plein maroquin chocolat, dos à quatre nerfs sertis de filets à froid orné de trois séries de septuples caissons à froid avec, pour le central, incision de maroquin cerise, date en queue, incision d'une pièce de maroquin cerise avec le titre de l'ouvrage doré en tête du premier plat, encadrements de septuples filets à froid, avec pour le central, incision de maroquin cerise, sur les gardes et contreplats de papier moiré rouge, couvertures et dos conservés (dos à la date de 1875), tête dorée, étui bordé de maroquin chocolat et intérieur de feutre châtaigne, élégante reliure signée de Le Douarin.


Jules BARBEY D'AUREVILLY – Les diaboliques
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Très bel exemplaire, exempt de rousseur, parfaitement établi.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Denis DIDEROTLa religieuse. Chez Buisson, A Paris, 1796, In 8, (4) 411 pp., relié, tirage de tête.
Edition originale, rare, à l'instar de toutes celles de cet auteur.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Deux éditions ont paru à la même date chez le même éditeur, la seconde fut en réalité imprimée en Angleterre alors que la véritable originale fut réalisée d'après le manuscrit possédé par les frères Grimm. Tchemerzine II, 965.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Reliure aux armes frappées sur les plats du baron Le Caron de Fleury, dont la riche bibliothèque fut vendue le 30 mai1908.

Plein Maroquin rouge de la fin du XIXe signé Thierry. Dos à nerfs orné. Triple filet d'encadrement sur les plats ; riche dentelle intérieure douée de multiples roulettes. Infimes frottements.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Très bel exemplaire dans une condition désirable.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

L'origine de ce roman célèbre est une plaisanterie assez cruelle faite par le salon de Mme d'Epinay et qui venait d'acueillir le marquis de Croismare en son sein ; Ce dernier s'occupait d'un procès concernant une jeune fille qui avait été placée dans un couvent contre son gré. Diderot fut chargé d'écrire les lettres de cette jeune fille au marquis, et de lui faire croire à son évasion.


Denis DIDEROT – La religieuse
©Librairie Ancienne Le Feu Follet

Ces lettres constituèrent La religieuse. Le roman restera inachevé et Diderot n'a guère envie, par prudence, de le publier. En 1780, il modifie son manuscrit, le corrige, et comme de nombreux manuscrits de l'auteur, ce dernier circule sous le manteau, parmi ses pairs et ses relations. L'œuvre ne paraîtra qu'après sa mort, en 1796; l'odeur de soufre et l'anticléricalisme qui l'habitaient devenant un atout éditorial en cette période révolutionnaire.

Chamo ainda a vossa atenção, pela raridade e qualidade, para  várias obras de André Gide, Victor Hugo, onde se destaca uma carta :

117. HUGO Victor Lettre autographe signée. Lettre autographe signée adressée à messieurs Duquesne frères éditeurs et datée du 14 Juin (1866), Hauteville House 14 Juin 1866, autre.

Alphonse Lamartine, André Malraux, Guy de Maupassant, Arthur Rimbaud e Jean-Paul Sartre, só para referir os mais conhecidos.

A literatura ibérica está bem representada por este livro de Garcia Lorca:

98. GARCIA LORCA Federico Romancero Gitano Revista de Occidente, Madrid 1928, 10,5x16cm, broché sous chemise et étui. Edition originale.

Boa consulta e leitura deste Catálogo, que para todos os amantes e coleccionadores de literatura francesa encerra de facto um excelente conjunto de obras.

Saudações bibliófilas.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Augusto Gil – Balada da Neve




Augusto Gil

Augusto César Ferreira Gil nasceu na freguesia de Lordelo, Porto, a 31 de Julho de 1870; por um acaso, pois a sua mãe  encontrava-se ali acidentalmente. E viria a falecer a 26 de Fevereiro de 1929, em Lisboa.

Passou a infância na Guarda, a "sagrada Beira", de cujo ambiente encontramos reflexos em alguns dos seus melhores versos, e de onde os pais eram oriundos.

Em Coimbra para onde foi cursar Direito na sua Universidade, “havia a mais profunda barafunda no tocante a literatura” – como ele próprio o documenta – desde as lufadas da escola romântica às constantes e curtas novidades “que vinham de França, em caixotes, mensalmente: instrumentismo, simbolismo, decadentismo, neo-religiosismo…”.

Começou a exercer advocacia em Lisboa, mais tarde ingressou no funcionalismo público, onde chegou a ser director-geral das Belas-Artes.


Augusto Gil – O Canto da Cigarra: Sátiras às mulheres.
Lisboa: Empreza d'A Lanterna—Escriptorios, 1910.
In 8º, 148 [3] págs.

Na sua poesia notam-se influências do parnasianismo (sobretudo nos primeiros livros) quer de João de Deus e do seu domínio do soneto, quer de Cesário Verde no tom realista da descrição urbana e no coloquialismo; percebe-se igualmente alguma assimilação dos processos simbolistas (nomeadamente de Verlaine e de Eugénio de Castro). Influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo-romântica nacionalista.

Com efeito, deste encontro de tendências ressalta a sua característica mais pessoal: uma sensibilidade tipicamente portuguesa, de um lirismo terno e suave, atravessando, por vezes, de um humor agreste e sarcástico, traduzido em várias formas de ironia e auto-ironia.

Pode-se afirmar que foi melhor versejador do que poeta, pois é notável a forma e destreza como a quadra popular e o escrúpulo que põe tanto na forma como na metrificação.


Augusto Gil – Avena Rústica
Lisboa, Livraria Guimarães Editora & Cª, s.d. [1927]
1ª edição. In 8º, 126 [1] págs.

As suas produções, entre o sentimental e o naturalista, tornaram-no quase tão popular como Guerra Junqueiro, sobretudo depois da publicação de Luar de Janeiro, livro que teve várias reedições.

Os restos mortais de Augusto Gil repousam num jazigo localizado logo à entrada do cemitério municipal da Guarda, ostentando dois versos de Alba Plena: “E a pendida fronte, ainda mais pendeu.../E a sonhar com Deus, com Deus adormeceu...”


Bibliografia:

Poesia:
Musa Cérula (1894), Versos (1898), Luar de Janeiro (1909), O Canto da Cigarra (1910), Sombra de Fumo (1915), Alba Plena (1916), O Craveiro da Janela (1920), Avena Rústica (1927) e Rosas desta Manhã (1930).

Crónicas:
Gente de Palmo e Meio (1913).


Augusto Gil – Rosas desta Manhã
Lisboa, s.d. [1930],
1ª edição. In 8º, 166 págs.

Estes dias frios, em que tem nevado um pouco por toda a Europa, trouxe-me à memória este poeta que “conheci” ainda nos bancos da escola, mas sobretudo uma das suas baladas mais famosas – Balada da Neve.

Este poema encontra-se inserido no seu livro Luar de Janeiro editado em 1909.


Augusto Gil – Luar de Janeiro.
Lisboa: Empreza d'A Lanterna—Escriptorios, 1909.
In 8º, 111 [3] págs.

No Prefácio Augusto Gil escreveu a propósito deste livro:

“Áquelles que virem, neste volume de liricas, uma reviravolta effectuada sobre a génese d'O Canto da Cigarra objectarei, com antecipada promessa de facil prova, que os dois livros teem uma tão intima ligação como a existente entre os pontos extremos da curva d'amplitude dum pêndulo.

Aos que me censurem pela circumstancia de não ter logrado, na minha subalterna categoria de poeta menor, firmar-me numa posição d'equilibrio estavel, pergunto, em tom humilde, quem é que neste confuso seculo de latente misticismo humanitario, de demolidora negação e d'anciedade conjunctamente afflictiva e sceptica, terá a coragem de dizer que o encontrou—já não quero como artista, porque a esse as influencias ambientes lhe communicam entre-cruzadas e descoordenadas vibrações—mas na propria e mais serena esphera do pensamento. Se algum de vós me retorquir com o eureka do antigo geometra, ou é um sectario, ou um caturra,— ou um simples.
Sabio, como o de Syracusa, é que não é…
Adeante.

Novembro de (1)909.
O auctor”

Quero aqui deixar também as citações de dois autores, que todos conhecemos, sobretudo Paul Verlaine, que tanta influência teve entre nós, com que Augusto Gil antecede a dedicatória do livro.

Que ton vers soit la bonne aventure
Éparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym,
Et tout le reste est litterature.

Paul Verlaine


"Et c'est pourquoi ce livre-ci (qu'il était peut-être bon d'écrire) nous savons, toi et moi, a quels mystérieux balbutiements le réduirait le tête-à-tête — et tout ce que je n'ai pas dit, qu'il ne fallait pas dire. Et tu sais combien de pages menteuses devront, pour des motifs de faiblesse personnelle ou de nécessité invencible, accompagner la bonne page, celle que ce livre encore annonce et ordone — tu sais, tu comprends et tu pardonnes…"

Charles Morice.


Luar de Janeiro

E, aqui vos deixo este poema para leitura, no aconchego da lareira, esperando que ninguém vos bata à porta para interromper a sua leitura.


BALADA DA NEVE


Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.


É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...


Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.


Fui ver. A neve caía


Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!


Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...


 Fico olhando esses sinais



Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...


E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...


Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...


E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.


Espero que tenham gostado desta evocação.

Saudações bibliófilas.