"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Camilo Pessanha – Vénus




O Nascimento de Venus – Alexandre Cabanel (1863)

Como remate das nossas conversas sobre Camilo Pessanha vou-vos apresentar um dos poemas incluídos em «Clepsidra» (1)“Vénus” – e da forma como se conseguiu a sua versão integral.

Na “Nota Explicativa” de «Clepsidra». Lisboa, Editorial Ática, 1945. 2ª edição. 128 (1) pp. escreve João de Castro Osório:

“Datados de «Macau – 1899» e publicados no jornal«O Portugal», de Lisboa (Número de 29 de Abril de 1900) são dois Sonetos intitulado, conjuntamente, «Vénus», de a «Clepsidra» só havia recolhido o segundo, também escrito «de memória» pelo Poeta.
O primeiro foi, bem mais tarde, republicado como inédito na revista «A.B.C.» (de 25 de Maio de 1926).
Tive a satisfação de reencontrar a sua versão publicada em 1900 e formando um díptico perfeito (realização que Camilo Pessanha parece ter estimado em especial) e em verdade respondendo ao outro Soneto. Da Vénus triunfante surgindo das águas, que no livro, o precede.
(...)
Em tudo quanto deixou escrito ou publicado foi sempre necessária a intervenção de outrem para o levar à concretização ou, melhor, exteriorização da sua obra.
Ainda nas vésperas do seu embarque estabeleci com ele uma lista dos poemas que me faltavam recolher,
Ei-la:

Dos Sonetos:
1º - Um Soneto a completar a invocação da Vénus desfeita nas águas (e é o que já referi como anteriormente publicado)
2º - Soneto que chamava de «Olvido»
3º - Um segundo Soneto sobre o tema o «Fonógrafo».”


O Nascimento de Venus - Alessandro Botticelli


VÊNUS

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!

Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.


Vê-se o fundo do mar, de areia fina...


II

Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
¬ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
¬ Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivém desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...


Róseas unhinhas que a maré partira

Espero que a leitura tenha sido do vosso agrado.
Com esta “pincelada” final julgo ter deixado bem vincada a imagem do Homem e do grande Poeta que o foi.
Quanto ao seu valor bibliófilo aguardemos a III Parte do Leilão da Biblioteca do Dr. Laureano Barros, já em Maio, a realizar pela «Livraria Manuel Ferreira» (2), que inclui grandes raridades suas ... a ver vamos quanto à sua procura e cotação.


Saudações bibliófilas.

(1) Convém aqui recordar que, sob o ponto de vista bibliófilo, a melhor edição é indiscutivelmente a primeira; no entanto, sob o ponto de vista literário, e para o estudo das suas poesias, a segunda é a melhor (pelo menos é esta a minha opinião)

(2) Aqui se dará notícia detalhada sobre os Catálogos deste Leilão, como já vem sendo hábito.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

1º Aniversário da «Tertúlia Bibliófila» – uma reflexão



“Acompanhando os livros vivemos as épocas
e vemos os personagens cujos nomes estão ligados a essas obras”
D. Manuel II



D. Manuel II

No dia do 1º aniversário deste blog, que pacientemente vou gerindo, escrevendo sobre os meus gostos literários e bibliófilos, sem descurar a referência, tanto quanto para isso “tenha engenho e arte” os elementos de história da impressão e do livro assim como dos eventos que dêem a conhecer a nossa riqueza bibliófila, quero prestar homenagem a alguns nomes marcantes da nossa bibliofilia e historia do livro.

Creio que a nossa bibliografia e história do livro estão um pouco mal estudadas, ainda que, em termos de bibliografia, tenhamos boas “ferramentas”.

Em relação à bibliografia do livro antigo, é mandatório referir-se o nosso rei D. Manuel II, então exilado em Inglaterra, pois que com ele teve uma das suas maiores expressões.

O seu trabalho «Livros Antigos da Biblioteca de Sua Majestade Fidelíssima» (três tomos publicados em Londres entre 1929 e 1932, o ultimo já postumamente), foi considerado, na época, de grande mérito, mesmo internacionalmente (como atesta a sua correspondência com Edgar Prestage e Maurice Ettinghausen).


«Os Lusíadas» de Luis de Camões
Lisboa : em casa de Antonio Gõçaluez, 1572. - [2], 186 f. ; 4º (20 cm)
Edição conhecida por edição "Ee"

Trata-se de um trabalho composto por textos críticos de grande rigor bibliográfico e simultaneamente um admirável enquadramento histórico-cultural de todas as obras analisadas.

Pode mesmo ser considerada como uma das primeira obras de História do Livro, e refira-se que quer na Europa quer na América, esta estava ainda nos seus primórdios quando se publicou o 1º tomo em 1929.



Diogo Barbosa Machado

Conjuntamente com «Biblioteca Lusitana» de Diogo Barbosa Machado e o «Dicionário Bibliográfico Português» de Inocêncio Francisco da Silva, de que já se deu aqui notícia, constitui uma das pedras angulares para o seu estudo.


Diogo Barbosa MACHADO.— BIBLIOTHECA LUSITANA. Tomo I (ao Tomo IV). Coimbra. Atlântida Editora.
MCMLXV (a MCMLXVII). 4 Vols. 20x28 cm. E. (1)


Edição fac-similada, conforme a primeira, publicada em 1741.Verdadeiro monumento da investigação bibliográfica portuguesa, reproduzida da original, sob os cuidados do competentíssimo Prof. Doutor Manuel Lopes de Almeida.
Trata-se, ainda hoje, de obra de consulta obrigatória para livreiros alfarrabistas, estudiosos e bibliófilos

Cabe aqui fazer referência também a José Vitorino Pina Martins, que se pode considerar como o nosso primeiro historiógrafo do livro. (2)

Com efeito, foi durante a sua estadia em Itália entre 1948 e 1955, como leitor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Roma «La Sapienza», que este se iniciou nos mistérios da História do Livro.



José Vitorino Pina Martins

Como afirma Artur Anselmo, outro nome a recordar e a ler obrigatoriamente, no seu livro «Estudos de História do Livro»: “Uma visão globalizante dos problemas do livro, apta a captar não só os traços marcantes da sua individualidade exterior mas, principalmente, tudo o que nele é fermento de vida e de cultura, eis a linha orientadora daquilo que se tem convencionado chamar «História do Livro»”



Artur ANSELMO – “Estudos de História do Livro”.
Lisboa, Guimarães Editores, 1997. 1ª edição. 189 (1) pp.

Resta-me agradecer a todos aqueles que tem tido a paciência de lerem, e de comentarem, os meus “ensaios” e “propostas de estudo”, pois estes artigos não passam disso mesmo.


Saudações bibliófilas

(1) Cortesia da Livraria in-libris.

(2) Não quero deixar de manifestar aqui o meu pesar pela morte do Prof. Dr. Pina Martins, no mesmo dia em que lhe rendia a minha sincera e reconhecida homenagem pelo seu trabalho de investigação.
Mais do que uma perda para a bibliofilia, pois será um vazio difícil de preencher, é sobretudo uma grande perda para a nossa cultura.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Camilo Pessanha e a revista «Centauro»




Camilo Pessanha

Entre aqueles que viram em Camilo Pessanha um poeta notável, contam-se nomes como Fernando Pessoa e Luís de Montalvor, a quem este poeta misterioso deixa um grupo de poemas para se publicarem na revista Centauro, periódico de vanguarda vindo a lume, em número único, no ano de 1916. (1)


Revista "Centauro" (2)

Com efeitos, foi na revista «Centauro» dirigida por Luís de Montalvor e da qual apenas saiu um único número em Outubro de 1916 que apareceu o primeiro conjunto de poemas de Camilo Pessanha impresso.
A revista abre com a "Tentativa de um ensaio sobre a Decadência", onde Luiz de Montalvor apela para uma recuperação do simbolismo, cuja breve explicação baseia numa teoria dos símbolos, bebida em Maeterlinck, movimento literário enaltecido por conter uma "teoria de libertação", "um fundo espiritual poético e misterioso", mais adiante identificado como "flôr da arte decadente": ser-se decandente "É ser-se, enfim, andrógino e equívoco de qualquer maneira. É ser-se, enfim, todos, sem ser o que todos são, [...] Só são decadentes os que receberam o mandato de Deus e da Beleza [...]".


Luis Montalvor

É neste contexto que é feita a publicação dos poemas inéditos de Camilo Pessanha (posteriormente recolhidos em Clepsidra, 1920), como expressão mais pura do simbolismo português. Nela colaborarão Alberto Osório de Castro (Quatro Sonetos), Fernando Pessoa (Passos da Cruz, 14 sonetos), Raul Leal (A Aventura de um Satyro ou a Morte de Adonis, conto), Júlio de Vilhena (Ultima Nau) e Silva Tavares (Poemas da Alma Doente).
Luís Felipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, conhecido por Luis de Montalvor, nasceu em Cabo Verde a 31 de janeiro1891 e faleceu em Lisboa a 2 de março de 1947. Foi um poeta modernista; um dos fundadores da revista "Orpheu" (1915); cria a revista "Centauro" (1916) e a editorial "Àtica", em 1930, revelando-se um inovador nas artes de impressão, pois rapidamente esta editora se impôs no panorama nacional pelo aspecto gráfico das suas edições e pela criteriosa selecção dos seus títulos.

Em 1942 iniciou a publicação das Obras Completas de Fernando Pessoa.



Edições Atica

Como já aqui se disse, «Clepsydra» abre com “Inscrição” :

Eu vi a luz de um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...

Neste poema, vêem-se, perdidos, um país (Portugal) e o poeta (Camilo Pessanha) que canta a decaída da pátria.

Talvez nunca um movimento literário – o simbolismo – se tenha adequado com tanta precisão ao estado de espírito de um indivíduo e ao plano do contexto em que este se inseria. Portugal, na passagem do século XIX ao XX, ainda não se recuperara dos efeitos nocivos do Ultimatum inglês.

A imersão do povo português num pessimismo reflectiu-se, certamente, na literatura, e estes versos de Camilo Pessanha são uma ilustração perfeita desse estado da “alma lusa”


«Clépsidra». Lisboa, Ática, 1945.

Este outro soneto (3) que publico, mostra um dos traços mais caros à lírica de Pessanha: a riqueza de imagens. Num turbilhão que parece ser o resultado de alucinações - decorrentes do ópio? -, vêem-se figuras que, uma vez unidas, criam um panorama ao mesmo tempo raro e aliciante. Ansiar por tudo, mas muito pouco conquistar; tudo querer e, no entanto, só insucessos alcançar. Projectado na voz enunciadora do soneto, Camilo Pessanha parece mesmo expor o seu drama pessoal de uma forma pouco convencional.

Este, talvez o factor que mais seduziu os seus contemporâneos e as gerações posteriores.

Uma precisão despida de compostura é a forma encontrada, pelo poeta, para se expressar ... e nessa arte foi “mestre”.


... leões alados

Tatuagens complicadas do meu peito:
Troféus, emblemas, dois leões alados...
Mais, entre corações engrinaldados,
Um enorme, soberbo, amor-perfeito...

E o meu brasão... Tem de oiro, num quartel
Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela,
Em campo azul, de prata o corpo, aquela
Que é no meu braço como que um broquel.

Timbre: rompante, a megalomania...
Divisa: um ai, - que insiste noite e dia
Lembrando ruínas, sepulturas rasas...

Entre castelos serpes batalhantes,
E águias de negro, desfraldando as asas,
Que realça de oiro um colar de besantes!


Paisagem chinesa ... o fascínio do Oriente

É na China que Camilo Pessanha passará os seus últimos dias. A sua farta barba está cada vez maior e desgrenhada; a sua magreza, cada vez mais mórbida; o seu vício pelo ópio, cada vez mais forte. Os seus últimos anos são marcados pela obscuridade e pela decadência moral. Ainda que, aparentemente, querido pelos nativos, o seu círculo de amizades é muito reduzido. A frequência a prostíbulos não cessa e o organismo de Pessanha, minado pela tuberculose, não pode ser senão vencido. Em 1 de março de 1926, vem a falecer.


Camilo Pessanha com João Pereira Vasco em Macau

Assim como os poemas compostos pelo autor, também a vida de Camilo Pessanha se mostra intrigante. Não se sabe se pela distância da metrópole, não se sabe se pela personalidade enigmática do poeta, a verdade é que, em torno dele, criou-se uma mitologia pessoal que amplifica e distorce os factos. Dele diz-se que, no período final da vida, não raro recebia despido os conhecidos. Afirma-se, também, que vagava pelas ruas de Macau tal qual um mendigo, com a roupa rota e vários traços de sujidade.

Mas a “história” mais notória acerca de Pessanha, no entanto, é a de que nunca pusera um verso lírico no papel.

A sua própria editora, Ana de Castro Osório, chegou a afirmar em entrevista: "Camilo Pessanha nunca escreveu um só dos seus versos. Compõe-nos nas suas horas de inspiração, e guarda-os na memória."

No entanto, hoje sabe-se que isto não corresponde à verdade. Ainda que pudesse não manter muitos dos originais que compunha, o grande número de variantes que se encontram dos poemas resulta, provavelmente, desse facto, mas Pessanha escrevia os seus textos. Os manuscritos que se encontraram e as folhas avulsas que por Lisboa circulavam são prova disso.


«Camões» Textos de Camilo Pessanha
e Wenceslao de Moraes

Além de se destacar como poeta criador, tem-se, também, um Pessanha que se deslumbra diante das simultâneas opulência e singeleza da cultura oriental. Inspirado por uma tal simpatia, compôs textos esparsos (estudos sobre artes plásticas e poesia, bem como traduções) que viriam, postumamente, a ser reunidos num volume: «Leituras Chinesas – Kuok Man Kau Fo Shü». Mas é, de fato, a sua poesia que desperta o interesse da crítica e da historiografia literárias.
Desde o primeiro momento, pode dizer-se, os seus textos poéticos foram o foco de uma quantidade considerável de estudos críticos (geralmente, sob o tema da brevidade). Equívoco justificável. Pelas inovações que propõe, a lírica do poeta foge aos padrões convencionais da produção portuguesa até então. Espelhos de angústias, os seus poemas reflectem o hermetismo das imagens e mesmo da estrutura embaça e amplifica o universo que se apresenta - muito próximo do onírico, podemos mesmo dizer. A evasão simbolista (a ansiar um lugar indefinível) encontra eco na proposta estética do poeta, ele próprio a perseguir um mundo pouco palpável.

Aqui fica mais uma “porta entreaberta” para a visão deste poeta, hoje ilustrado com alguns dos seus versos, que tem muitas outras, por onde se pode entrar, para se fazer vários estudos sobre si.


Saudações bibliófilas.

(1) Outros projectos tinha, mas como sempre, as ideias cruzam-se ao sabor da minha imaginação e, como tal, parece-me que este artigo tão envolto em simbolismo será uma boa forma de comemorar o primeiro aniversário do blog já a 28 deste mês...espero que gostem, tanto ou mais do que eu.

(2) Montalvor, Luís de, pseud., dir.; Centauro, ed. com. Ed. facsimilada A. 1, n. 1 (Out./Dez. 1916) Lisboa : Contexto, 1982. 25 cm Facsimile da edição de Lisboa : Lemos de Napoles, 1916

(3) Publicado pela primeira vez na revista Centauro, sob o título "Tatuagens" .

domingo, 25 de abril de 2010

Bibliofilia ... sempre viva e activa!



 
Biblioteca Joanina
da Universidade de Coimbra

Como pausa de reflexão, enquanto vou organizando outros projectos, que estão ainda e só na minha imaginação, hoje dou-vos apenas notícias dum conjunto de eventos bibliófilos.

As feiras, ou exposições, são um dos pólos de contacto com os nossos confrades, enquanto que os catálogos de livrarias são o suporte de informações sempre úteis para ampliar e aprofundar os nossos conhecimentos.



A Livraria Manuel Ferreira comercializa «O Porto do Romantismo» de Artur Magalhães Basto, um dos trabalhos  mais importantes do autor, figura de relevo na história da Cidade Invicta.



Trata-se de um livro de inegável interesse para todos os estudiosos do Romantismo e do século XIX tão fecundo em acontecimentos na nossa história.



A Livraria Antiquária do Calhariz lançou o seu «7º Boletim Bibliográfico».
Pela sua raridade e interesse bibliófilo chamo a atenção para estes títulos:



74. BIBLIOGRAPHIA PORTUGUEZA E ESTRANGEIRA. Publicação Mensal. Ernesto Chardron, editor. 1º Anno – 1879 ao 4º Anno – 1883. Porto, 1879-83. In-8º 48 fasc. em 4 vols. E.
Rara e valiosa publicação do final do séc. XIX, com a descrição das obras publicadas na época, colaborada pelos mais ilustres escritores da época além de artigos de jornais periódicos com críticas literárias e catálogo com as obras da editora de Ernesto Chardron. Colecção completa composta por 12 números por cada ano, com encadernação própria editorial, inteira de tela com a silhueta de Camilo, um dos seus mais assíduos colaboradores.
MUITO RARO.



385. [MIRABEAU (Vicomte de)] – LA MORALE DES SENS, ou L’Homme du Siècle, Extrait des Mémoires de Mr. le Chevalier de Bar. *** Rédigés par Mr. M… D. M. Londres, 1792. In-8º 244-VI pp. E.



Rara segunda edição deste clássico da literatura erótica do séc. XVIII, atribuída ao Visconde de Mirabeau, figura emblemática da revolução francesa, mas que mais tarde se veio a considerar ser de autoria do seu irmão mais novo. Ilustrada com oito gravuras de cariz erótico, aguareladas à mão. Por aparar. Algumas folhas apresentam leves manchas de água na margem superior. Ex-líbris de Andrade e Silva. Encadernação modesta, da época em meia de tela.
MUITO RARO, PRINCIPALMENTE POR APRESENTAR AS GRAVURAS.



531. SEM RAZÃO // DE // ENTRAREM EM // PORTUGAL // as tropas Castelhanas Como Amigas, e razão de serem recebidas como Inimigas. MANIFESTO Reduzido as Memorias presentadas de parte a parte. Anno de 1762. Impresso em Madrid. De ordem daquella Corte. Nas duas línguas Portugueza, e Castelhana, e Reimpresso em Lisboa Na
lingua Portugueza. S.d. S.l., In-8º II-55-I-8-6-6-4-3-I-3-I-3-I-16 pp. E.
Valioso documento histórico sobre as difíceis relações existentes entre Portugal, França, Grã-Bretanha e Espanha que viriam a dar origem ao Tratado definitivo de paz e união entre as quatro coroas, assinado em Paris a 10 de Fevereiro de 1763. Encadernados juntamente estão vários documentos, decretos, pastorais e uma acta do parlamento inglês, todos dentro desta conjuntura, impressos durante o ano de 1762. O número de documentos que vem apenso a esta obra é superior ao referenciado no Inocêncio (VII-163). Encadernação recente a imitar pergaminho. Exemplar em excelente estado de conservação.
MUITO RARO.



A In-libris vai, mais uma vez, estar presente na XVI FEIRA DE ANTIGUIDADES E LIVRO ANTIGO a realizar no Edifício da Alfândega do Porto de 5 a 9 de Maio próximo.

Convite

Apresentará para venda uma selecção de livros de Literatura, História, Arte, Agricultura, Etnografia, Botânica, Teatro, entre outros temas que, como sempre, será capaz de cativar a nossa curiosidade.



A Librairie Le Feu Follet propõe o seu Catálogo de Abril e, não posso deixar de referir este acontecimento para os amantes da bibliofilia francesa, uma reedição do Clouzot.


Marcel CLOUZOT
Le Guide du Bibliophile français. XIXe siècle.
Paris, Giraud Badin, 2010, 13x21cm, brochado.

"Nouvelle édition de la célèbre bibliographie de Marcel Clouzot des auteurs du XIXe contenant tous les ouvrages littéraires français plus ou moins recherchés de la majorité des bibliophiles. En plus des informations caractérisant l'édition originale et les principales éditions illustrées, (grands papiers, pagination, nombre de figures...) l'auteur ajoute de précieux renseignements sur la rareté réelle des livres et l'intérêt des différentes éditions. Régulièrement citée par les libraires, cette bible des bibliophiles était devenue presque introuvable depuis de nombreuses années. Un outil indispensable.”


O “catalogue d’Avril 2010” apresenta um excelente conjunto de livros com dedicatórias, que fará as delícias de qualquer coleccionador de literatura francesa.



Albert Camus – La peste. Paris, Gallimard, 1947, 12x19cm, broché.
Edition originale, un des exemplaires du service de presse.
Rare et précieux envoi de l’auteur à son ami "Jean-Pierre Vivet, son vieux frère, Albert Camus" qui participa avec lui à l’aventure du journal Combat.

Como podem ver temos muito por onde espraiar a nossa análise e contactos assim o tempo o permita.

Saudações bibliófilas

domingo, 18 de abril de 2010

Camilo Pessanha – «Clepsydra» o apogeu do Simbolismo Português

Para Maria Alzira Seixo
 Pelo muito que me ensinou
e tem para me ensinar.


 
 Camilo Pessanha
Fotografia com dedicatória a Luís Nolasco

Falar e escrever sobre Camilo Pessanha é ainda hoje um pouco tortuoso, porque, em relação à sua vida, as cartas da sua correspondência pessoal são poucas, os testemunhos de terceiros são confusos e pouco confiáveis, em função das suas muitas inimizades em Macau, e o campo aberto à imaginação pelo consumo do ópio e pela concubinagem pública com duas chinesas transformou-se terreno para todo o tipo de especulações, algumas das quais tiveram mesmo importância na recepção, interpretação e divulgação da sua poesia.


Camilo Pessanha
Furtado & Reis, fotógrafo

Camilo de Almeida Pessanha nasceu em Coimbra, na freguesia da Sé Nova, no dia 7 de Setembro de 1867. Filho de Francisco António de Almeida Pessanha (estudante de Direito) e de Maria do Espírito Santo Duarte Nunes Pereira (governanta da casa de seu pai). Foi registado como filho de pai incógnito.


Charles Baudelaire

Nasce no ano da morte de Charles Baudelaire, que dez anos, com a sua «teoria das correspondências» tinha lançado as bases do simbolismo francês na obra «Les Fleurs du Mal»


Charles  Baudelaire – «Les Fleurs du Mal».
S. e., s. l., s. d., 18 pp. (paginadas de 1079 a 1093 + 3 pp.).
Edição pré-original publicada na «Revue des Deux Mondes» junho de 1855

Viveu com os seus pais em Coimbra, nos Açores – onde o pai exerceu advocacia – e em Lamego.

Em Lamego no ano de 1878 termina a instrução primária, e em 1884 completa o curso liceal, no Liceu Central de Coimbra, ingressando posteriormente na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Aqui se manterá até terminar o curso.

Neste ano de 1884, ano da sua admissão na Universidade de Coimbra, foi perfilhado pelo pai.

Camilo teve quatro irmãos. Por ordem de nascimento: uma irmã, chamada Madalena, que faleceu com 5 aos de idade, em 1875; um irmão, chamado Francisco, nascido em 1872 e falecido em 1948; uma segunda irmã, nascida em 1875, de nome Madalena da Purificação; e um segundo irmão, Manuel Luís, que nasceu em 1878.

Uma terceira irmã do poeta – provavelmente meio-irmã por parte do pai –, chamada Madalena da Paixão, nasceu em, 1887 e era ainda viva em 1967.


Coimbra – Aspecto do rio Mondegovendo-se um dos barcos típicos do Mondego

Aqui toma contacto com as novas ideias literárias, originárias de França, veiculadas pelas revistas “Boémia Nova” e “Os Insubmissos”. No entanto, não tomou qualquer parte activa na sua redacção.

Durante o período académico publicou poemas e outros escritos em revistas e jornais como “A Crítica” ou o “Novo Tempo”, embora tenha oferecido a maioria dos seus poemas.

Os seus poemas, escritos em folhas soltas e oferecidos a pessoas amigas, dispersaram-se ou chegavam mesmo a perder-se, sem que o autor se desse ao cuidado de guardar cópias, sendo no entanto capaz de reproduzi-los de memória quando desejasse.

Influenciado a princípio por Cesário Verde e Pierre Balayet, acabou por ser fortemente influenciado pela poesia de do poeta francês Paul Verlaine e tornou-se o mais puro dos simbolistas portugueses.

Refira-se que a sua intervenção neste período, e talvez a mais significativa, foi um artigo sobe o livro do poeta António Fogaça, a quem reprova a ausência de plano compositivo e a facilidade da estruturação do volume em duas partes, agrupando de um lado os poemas de forma livre e de outro os sonetos.

A vida boémia que fez durante o seu percurso académico, em nada contribuiu para a melhoria da sua débil constituição física. O absinto era a sua bebida favorita e foi acometido por várias crises nervosas.

Em 1890 António Nobre, Alberto de Oliveira, Júlio e Raul Brandão formam no Porto o grupo dos «Nefelibatas», ao qual Eugénio de Castro (que publica nesse ano Oaristos) e Pessanha aderem momentaneamente.

Aliás Camilo Pessanha foi sempre um pouco relutante nas adesões aos movimentos culturais da época, tal pode ser explicado pela sua insegurança, orgulho, apatia e a debilidade constitucional

A 11 de janeiro deste ano a Grã-Bretanha impõe a Portugal o Ultimatum, com as graves repercussões políticas daí subsequentes.


Coimbra – Universidade

A vida de estudante não parece ter sido fácil. Demorou sete anos para terminar o Curso de Direito.

Como já se disse, viveu em Coimbra com a mãe e os irmãos, visto o pai estar colocado, como juiz em Vila Pouca de Aguiar, donde enviava os parcos recursos para a subsistência da família.

Após a reprovação no 4.º ano, que frequentara em 1887-1888, terá mesmo interrompido os estudos devido a uma muito provável crise nervosa. No entanto, não são de excluir as carências financeiras da família e a necessidade de conseguir recursos para a sua ajuda.

Em 1888, a mãe e a restante família, deixam Coimbra para ir viver com o pai, primeiro em Marco de Canaveses e depois em Monção, enquanto Camilo vai viver para casa de um amigo do pai.

Em junho de 1891 termina o curso de Direito.

António Nobre publica «Só» em Paris.

Em meados de 1893 vive grande aflição para conseguir emprego. Ingressa na magistratura, ocupando o lugar de subdelegado do procurador régio em Mirandela, Trás-os-Montes. Cargo que desempenha por curto espaço de tempo, ao que parece por não se submeter ao que considerava práticas corruptas da magistratura local.

Ainda neste ano, parte para Óbidos como advogado. Presta concursos e tenta conseguir um lugar de professor e de escrivão do Notariado Apostólico.

Nesta cidade, aproxima-se de Alberto Osório de Castro, cuja irmã, Ana de Castro Osório desperta sentimentos amorosos no poeta, levando-o a pedi-la em casamento, no qual ela declina.


Praia Grande - Macau
Imagem da época em que Pessanha aqui viveu

Para alguns biógrafos terá sido o amor não correspondido, a desilusão que a vida de província lhe havia provocado e as humilhações sofridas por Portugal no campo político que terão levado Camilo a mudar o rumo da sua vida; enquanto, que para outros, como Paulo Franchetti, advogam que esta mudança se deveu apenas aos falhanços de conseguir um posto de trabalho em Portugal e às várias hipóteses e tentativas de emigração.

Já em 1891 tentara ir para Timor e em 1892 tentara conseguir um cargo em Angola ou de exercer a advocacia em Damão.

Finalmente, em agosto de 1893, é aberto um concurso para seleccionar professores para o recém-criado Liceu de Macau. Camilo Pessanha apresenta-se como candidato e é aprovado e nomeado como professor de Filosofia Elementar.


Camilo Pessanha em traje de mandarim

Em 19 de fevereiro de1894 embarca para a China, onde permanecerá até à sua morte.

Desempenhou outras funções em simultâneo com a docência, tendo sido advogado, conservador do registo predial (1900) e juiz substituto do tribunal da comarca.

Durante três anos foi companheiro de Wenceslau de Moraes.


 Wenceslau de Moraes

Após a sua emigração os cinco primeiros anos – entre 1895 e 1899 – são dos mais produtivos, pois escreve vinte dos cerca de cinquenta poemas conhecidos.

Em Macau, adquire o gosto pelo coleccionismo de objectos raros e curiosidade pela língua e literatura chinesa. O contacto com a cultura chinesa fez com que escrevesse vários estudos e fizesse traduções de autores chineses.


José Vicente Jorge

Pessanha teve um mestre de língua chinesa e um amigo, o sinólogo José Vicente Jorge, tradutor da Embaixada de Portugal em Pequim, Chefe da Repartição de Expediente Sínico em Macau, grande coleccionador de Arte Chinesa e autor do livro «Notas sobre a Arte Chinesa», que o introduziu no conhecimento da Arte e da Literatura chinesas e com quem publicou um livro de «Leituras Chinesas – Kuok Man Kau Fo Shü».


Camilo Pessanha e José Vicente Jorge
«Leituras Chinesas – Kuok Man Kau Fo Shü»

Os seus conhecimentos de língua chinesa permitiram-lhe traduzir as «Elegias Chinesas», sempre com a reconhecida ajuda do seu “querido mestre José Vicente Jorge, que a emendou em alguns pontos, aproximando-a mais da intenção original”.

Sobre esses mesmos conhecimentos esclarece Danilo Barreiros que Pessanha saberia cerca de 3.500 caracteres chineses.

No que respeita à Arte Chinesa, Pessanha coleccionou um apreciável conjunto de peças que adquiriu durante a sua longa estada em Macau e que ofereceu a Portugal, estando agora depositadas no Museu Machado de Castro, em Coimbra.


Raro par de vasos com tampas em porcelana Chinesa de exportação
decorados em esmaltes da paleta "wucai" (cinco cores) com cena doméstica.
C. 1640, reinado Chongzhen, dinastia. Ming

Como em tudo, os conhecimentos de Pessanha sobre a Arte Chinesa foram sempre muito contestados.

No seu ensaio «Camilo Pessanha, José Vicente Jorge e as Elegias Chinesas», escreve Danilo Barreiros: “... é de referir ter sido publicado em 7 de Fevereiro de 1915 no semanário O Progresso o seguinte convite: “O Governador da província de Macau e D. Berta de Castro e Maia têm a honra de convidar as pessoas das suas relações a visitar hoje, pelas 16 horas, no palácio do Governo, a exposição de preciosidades chinesas da colecção do Exmº. Sr. Dr. Camilo de Almeida Pessanha”. O malogrado governador Carlos da Maia, pessoa de grande cultura e bom gosto, jamais promoveria esta exposição se as peças apresentadas o não merecessem.”


Um prato em porcelana Chinesa de exportação (Companhia das Índias)
Decorado em esmaltes da paleta Família Rosa
com cena doméstica de uma senhora e dois meninos,
c. 1730, reinado Yongzheng, dinastia Qing.

Teve uma vida intima atribulada, dividida entre o consumo demasiado de ópio e a relação com uma companheira chinesa que lhe deu um filho – João Manuel de Almeida Pessanha – nascido em 1896.


Paul Verlaine

Neste ano morre Paul Verlaine (tido como autor de cabeceira de Pessanha) que em 1874 publicara «Romance sans paroles», onde dissera que “ de la musique avant toute chose”. É esta tendência para a música que cultivou na sua obra poética. Pessanha “o único verdadeiro simbolista da literatura portuguesa e, em absoluto, um dos maiores interpretes do simbolismo europeu” nas palavras de Barbara Spaggiari, privilegiou o significante em relação ao significado, a melodia, assim como a sugestão, a sensação difusa, a imaginação e o fascínio pelo hermetismo e pela magia verbal na sua obra.


Paul Verlaine
Manuscrito autografo de ''Désappointement''
Publicado em 1913 na ''Biblio-sonnets''.
O último poema escrito antes da sua morte

As poucas viagens de Camilo a Lisboa tiveram como objectivo uma possível recuperação do seu estado de saúde, uma vez que, se encontrava viciado em ópio.

A facilidade e a conveniência das licenças médicas eram um dos atractivos da vida nas colónias.

A primeira ocorreu de agosto de 1896 a fevereiro de 1897, quando regressou de licença.
Terá feito uma possível tentativa de recuperação da degradação física para a qual caminhava pelo sua vida desregrada com o consumo de ópio.

Em 1899 alguns poemas seus são publicados na revista “Ave Azul” e em jornais de província, na sequência da segunda estadia entre outubro de 1899 a maio de 1900.

Regressou a Portugal entre setembro de 1905 e janeiro de1909, pelo que assistiu ao regicídio de D. Carlos I e do príncipe herdeiro.

Voltará pela última vez em setembro de 1915 (e aqui ficará até março de 1916), ano da publicação dos dois primeiros números da revista “Orpheu”.
Durante estes períodos conviveu com intelectuais destacados e firmou a sua imagem de poeta singular, sendo já, na década de 1910, bastante conhecido, apesar de ter publicado muito pouco.

Em 1916 recebe uma carta de Fernando Pessoa onde este manifestava admiração pela sua poesia, até então nunca editada, pedindo-lhe a publicação de alguns poemas na revista Orpheu n.º 3 (o que nunca irá acontecer).


Fernando Pessoa

“Há anos que os poemas de V. Ex.a são muito conhecidos, e invariavelmente admirados, por toda Lisboa. É para lamentar – e todos lamentam – que eles não estejam, pelo menos em parte, publicados. Se estivessem inteiramente escondidos da publicidade, nas laudas ocultas dos seus cadernos, esta abstinência da publicidade seria, da parte de V. Ex.a, lamentável mas explicável. O que se dá, porém, não se explica; visto que, sendo de todos mais ou menos conhecidos esses poemas, eles não se encontram acessíveis a um público maior e mais permanente na forma normal da letra redonda, (...) é porque muito admiro esses poemas, e porque muito lamento o seu caracter de inéditos (quando. Aliás, correm, estropiados, de boca em boca os cafés), que ouso endereçar a V. Ex.a esta carta, com o pedido que contém”


Mário de Sá-Carneiro

Também Mário de Sá-Carneiro já se manifestara, em 1914, em entrevista ao jornal “Republica”, sobre a inexplicável ausência de edição da obra de Pessanha: “a minha vibração emocional, a melhor obra de arte escrita dos últimos trinta anos (...) é um livro que não está publicado – seria com efeito aquele, imperial, que reunisse os poemas inéditos de Camilo Pessanha, o grande rimista” .

No ano do suicídio deste poeta, a 26 de abril de 1916, Luís de Montalvor publica quinze poemas de Pessanha no n.º 1 da revista “Centauro”.

Quanto ao seu desempenho profissional em Macau, os seus contemporâneos dividem-se: alguns descrevem-no como jurista brilhante, professor excepcional, patriota apaixonado e orador imbatível; outros, como um desregrado, incapaz de resistir à concupiscência oriental, por de mais achinesado para poder manter-se dignamente como funcionário colonial ou professor.

Mas a poesia de Camilo Pessanha, que foi de grande influência para a geração dos poetas modernistas, só será conhecida pelo público português a partir de 1920, quando Ana de Castro Osório, com base nos autógrafos que Pessanha lhe deixa em 1916, durante a sua última estadia em Lisboa, acrescidos de vários poemas dispersos que Pessanha distribuíra por amigos e conhecidos, compõe a 1ª edição de «Clepsydra» editada pela Lusitania.


Camilo Pessanha – «Clepsydra»
Lisboa, Edições Lusitânia, 1920. 1ª edição
In 8.º de LXXII págs. inums.

A esta 1ª edição vão suceder-se mais duas que lhe darão a sua forma actual:

«Clépsidra». Lisboa, Ática, 1945.
Editado por João de Castro Osório, que insere uma nota explicativa à 2.ª edição, esta Clépsidra é ampliada em vários poemas, percebendo-se desde logo que para o editor, o livro de Camilo Pessanha não constituía uma unidade, mas seria o volume onde caberiam todos os poemas que se encontrasse do poeta. Uma reimpressão desta 2.ª edição sai em 1956.



«Clepsidra e outros poemas». Lisboa, Ática, 1969.
Editado, novamente, por João de Castro Osório, esta 3.ª edição traz mais do que os poemas de Pessanha. João de Castro Osório publica as "Elegias Chinesas", um conjunto de traduções que Pessanha fez do chinês. Publica também o ensaio sobre o livro de Alberto Osório de Castro, «Flores de Coral» redigido pelo amigo Camilo Pessanha.

Ao título «Clepsydra» atribuem-se muitas e variadas origens, no entanto, a mais considerada é a que remete para Baudelaire, no seu poema «L’horloge» e ao verso ”La gouffre a toujours soif; la clepsydre se vide” .


Camilo Pessanha – «Clepsydra»
Poema manuscrito «Rufando apressado» com o local e data,
mencionados no fim , da seguinte forma: «De memoria. Lx., Jan. 15, 916».
BNP Esp. N1/1

A clepsidra é tomada como um objecto que participa das noções concreta e abstracta de tempo. O tempo das clepsidras é um tempo linear, angustiante, que marca o seu escoar.
No livro existe um plano teórico que faz reconhecer desde “Inscrição” (poema de abertura) até “Poema final” (em que o eu esgotou a sua vida, entrando na morte) uma unidade.

Ao longo desta obra, são visíveis os quatro grandes temas característicos do simbolismo: a dor, a solidão, a morte e a fuga para o nada. O termo decadência encontra-se presente no pessimismo de Pessanha, na sua angústia e saudosismo. Esta corrente reage contra o materialismo, procurando a espiritualidade, a imaginação e o ideal.

Após agravamento do seu estado de saúde, acaba por falecer vítima de tuberculose pulmonar no dia 1 de Março de 1926, encontrando-se sepultado no cemitério de S. Miguel Arcanjo em Macau.


Camilo Pessanha – “China : estudos e traduções”
Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1944
1ª ed. XII, 131, [4] p.

Espero ter conseguido mostrar, com este artigo, a dimensão de um autor, “maldito” para uns e idolatrado por outros (quer na sua época quer mesmo hoje) e como a qualidade da obra nem sempre é proporcional à quantidade.
Sem dúvida, a obra poética de Pessanha, na sua escassez material, é o fruto mais puro e ponderado do simbolismo português, marcou uma posição nunca suplantada por nenhum dos outros poetas simbolistas, e pode ser colocado ao lado dos grandes simbolistas europeus.

Os seus poemas simbolistas influenciaram largamente a geração modernista de Orpheu, desde Mário de Sá-Carneiro até Fernando Pessoa e mesmo de outros poetas mais contemporâneos.

Uma coisa é certa, depois de ter escrito este artigo sobre Camilo Pessanha, as dúvidas sobre a sua vida ainda persistem, senão mesmo adensaram-se ... só ficou uma certeza: a qualidade de da sua obra!

Saudações bibliófilas



Bibliografia activa:

Clepsydra (1920); China. Estudos e Traduções (1944); Clepsidra (1945); Clepsidra e Outros Poemas (1969).

Bibliografia passiva:

Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Coordenação de Eugénio Lisboa. Mem Martins, Publicações Europa-América, 1994. Vol. III. pp. 54-57.
FRANCHETTI, Paulo “O Essencial sobre Camilo Pessanha”. Lisboa, INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2008. Colecção “Essencial” n.º 96. 112 pp.

Documentos:

Camilo Pessanha na BNP
Camilo Pessanha – “Palavras à Solta” n.º 13 – Ano 1 Quinzena 2 Maio 2007_8
Camilo Pessanha no inclinar da «Clepsydra»