"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Camilo Pessanha – Vénus




O Nascimento de Venus – Alexandre Cabanel (1863)

Como remate das nossas conversas sobre Camilo Pessanha vou-vos apresentar um dos poemas incluídos em «Clepsidra» (1)“Vénus” – e da forma como se conseguiu a sua versão integral.

Na “Nota Explicativa” de «Clepsidra». Lisboa, Editorial Ática, 1945. 2ª edição. 128 (1) pp. escreve João de Castro Osório:

“Datados de «Macau – 1899» e publicados no jornal«O Portugal», de Lisboa (Número de 29 de Abril de 1900) são dois Sonetos intitulado, conjuntamente, «Vénus», de a «Clepsidra» só havia recolhido o segundo, também escrito «de memória» pelo Poeta.
O primeiro foi, bem mais tarde, republicado como inédito na revista «A.B.C.» (de 25 de Maio de 1926).
Tive a satisfação de reencontrar a sua versão publicada em 1900 e formando um díptico perfeito (realização que Camilo Pessanha parece ter estimado em especial) e em verdade respondendo ao outro Soneto. Da Vénus triunfante surgindo das águas, que no livro, o precede.
(...)
Em tudo quanto deixou escrito ou publicado foi sempre necessária a intervenção de outrem para o levar à concretização ou, melhor, exteriorização da sua obra.
Ainda nas vésperas do seu embarque estabeleci com ele uma lista dos poemas que me faltavam recolher,
Ei-la:

Dos Sonetos:
1º - Um Soneto a completar a invocação da Vénus desfeita nas águas (e é o que já referi como anteriormente publicado)
2º - Soneto que chamava de «Olvido»
3º - Um segundo Soneto sobre o tema o «Fonógrafo».”


O Nascimento de Venus - Alessandro Botticelli


VÊNUS

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!

Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.


Vê-se o fundo do mar, de areia fina...


II

Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
¬ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
¬ Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivém desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...


Róseas unhinhas que a maré partira

Espero que a leitura tenha sido do vosso agrado.
Com esta “pincelada” final julgo ter deixado bem vincada a imagem do Homem e do grande Poeta que o foi.
Quanto ao seu valor bibliófilo aguardemos a III Parte do Leilão da Biblioteca do Dr. Laureano Barros, já em Maio, a realizar pela «Livraria Manuel Ferreira» (2), que inclui grandes raridades suas ... a ver vamos quanto à sua procura e cotação.


Saudações bibliófilas.

(1) Convém aqui recordar que, sob o ponto de vista bibliófilo, a melhor edição é indiscutivelmente a primeira; no entanto, sob o ponto de vista literário, e para o estudo das suas poesias, a segunda é a melhor (pelo menos é esta a minha opinião)

(2) Aqui se dará notícia detalhada sobre os Catálogos deste Leilão, como já vem sendo hábito.

1 comentário:

Galderich disse...

Venus es quizá la gran protagonista de la poesia de todos los tiempos... como en estos poemas.

Sobre las ediciones de libros de tu comentario, todas son importantes. La primera por su antigüedad, y las otras a veces por su calidad, ilustraciones, textos pulidos por el escritor o estudiosos, estudios... esta es la gracia de la bibliofília: todo puede ser interesante!