"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 11 de outubro de 2015

Um apontamento breve – editoras, capas e livros



Alegoria

No último post fiz uma referência a uma excelente capa do último livro de Mário Cláudio, mas sempre houve belos trabalhos de grafismo e ilustrativo na concepção das capas.

Se é certo que algumas editores mantem um certo monolitismo na sua realização: a Gallimard e a Calmann-Lévy são bem um exemplo disso mesmo:


SARTRE, Jean-Paul – Les Mots
(Éditions Gallimard)


BALZAC, Honoré de -  Lettres à L'Etrangère
(Calmann-Lévy, Éditeurs)

No entanto, outras há que se esmeram na concepção das mesmas entregando os trabalhos a artistas de renome.

No Brasil a Livraria José Olympio éum bom exemplo.


Graciliano Ramos - Vidas Secas (1ª edição)
(Livraria José Olympio Editora)

No último “O alfarrabista em sua casa” da In-Libris vamos encontrar dois bons exemplos:



8150. CORREIA (Natália).— O ENCOBERTO. (Lisboa. 1969). 13,5x21 cm. 122-IV págs. Brochura. Peça de teatro, invulgar nesta sua primeira e cremos que ainda não repetida edição.



Livro que foi apreendido pela censura que na conclusão do seu relatório afirma o seguinte: “(...) Julgo ser de proibir por inconveniência política e ser pornografica.”



7700. PEDRO (António).— PROTO POEMA DA SERRA D'ARGA. Cadernos Surrealistas. (Imprensa Libanio da Silva. Lisboa. S.d. 1948). 14,5x21 cm. 14-II págs. Encadernado.



Da badana: “Filológicamente, amador é o que ama. Na linguagem corrente também, e opõe-se a profissional. Amor e profissão, quando se juntam, dão consequentemente Profissão de Amador e Amor de Profissional. A primeira confusão dá de comer aos críticos e às galerias de arte, quando as há; a segunda faz nascer os homens de letras, os artistas profissionais e as prostitutas. (...)"

São extremamente RAROS os exemplares deste poema surrealista de António Pedro.

Encadernação com lombada e cantos em pele. Conserva a capa da frente da brochura.


Da Cólofon - novidades destaco este exemplar pela capa, mas também para demonstrarcomo um bom descritivo pode ser uma mais-valia na divulgação de uma obra, como é o caso desta, de um autor desconhecido para uma maioria significativa dos leitores.



371 - Brederode, Martinho de – SUL. Lisboa. Typografia Castro Irmão. 1905. 174 págs. 23cm. Brochura.

Nascido em 1866, de família flamenga em Portugal desde os finais do século XVII, habilitado com o Curso Superior de Letras, diplomata.

O seu primeiro trabalho de maior fôlego, sob o pseudónimo de Marco Sponti, foi A morte do amor, 1894, romance na senda queirosiana, mas que integra favores ao simbolismo (e outros testemunhos há na sua obra com a mesma marca), de Mallarmé e de Verlaine – Verlaine cujo Colóquio Sentimental logo traduziria em Charneca, 1896. Ganhava corpo, assim, a sua actividade poética – breve, aliás – na qual Sul é ponto alto, senão culminante: ensaiando conciliar as mensagens de Cesário e de António Nobre, evoca o Alentejo, Lisboa, as Águas Livres, Queluz, Sintra e a Pena, o Algarve, e feiras, procissões, pregões, e a lavadeira saloia, a rendeira de Peniche, ciganos e varinas…

Mas Sul é também, pode dizer-se, o produto derradeiro da sua obra: pouco mais produziu, ocupado nos afazeres de chancelaria, que terminou em Bucareste, onde faleceu em 1952, na qualidade de ministro aposentado, nomeado em 1919.

Exemplar brochado. Miolo em excelente estado de conservação. Contém uma assinatura de posse a lápis na folha de anterrosto de Fernando Brederode Santos, conhecido jornalista e sobrinho neto do autor.

Edição muito cuidada e de elevado apuro gráfico. Capa ilustrada a cores.


Librairie Henri Leclerc

Aqui ficam estas reflexões/apontamento para vossa consideração. Muito mais se poderia escrever (mas muito já ficou descrito ao longo dos muitos posts deste blogue...que tal uma pesquisa?)

Saudações bibliófilas.

sábado, 3 de outubro de 2015

Mário Cláudio: um apontamento bio-bibliográfico a propósito de um trabalho de Miguel de Carvalho



Mário Cláudio distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela 2014
pela Associação Portuguesa de Escritores (APE)

 O escritor Mário Cláudio, distinguido em de 15 Julho de 2015 com o Grande Prémio de Romance e Novela 2014, pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) (1) (2), por causa de Retrato de Rapaz, publicado em 2014, editou um novo romance, intitulado Astronomia, na editora D. Quixote.


CLÁUDIO, Mário – Astromonia

A obra estará dividida em três partes, intituladas "Nebulosa", "Galáxia" e "Cosmos", referentes às três fases fundamentais da vida do protagonista: a infância, a idade adulta e a velhice", explica a editora.
Este livro, que ficciona a vida de Giacomo, discípulo do pintor renascentista Leonardo da Vinci, é o segundo de uma trilogia de novelas dedicadas a relações entre pessoas de idades distintas.


CLÁUDIO, Mário – Boa noite, Senhor Soares

Esta trilogia foi iniciada em 2008 com Boa noite, Senhor Soares, no qual é revisitado o semi-heterónimo Bernardo Soares, de Fernando Pessoa, e a relação com António, "moço de escritório", e concluída este ano com O Fotógrafo e a Rapariga, sobre o escritor Lewis Carroll e Alice Lidell, que inspirou Alice no País das Maravilhas.


CLÁUDIO, Mário – O Fotógrafo e a Rapariga

Mário Cláudio está entre os escritores mais premiados da literatura portuguesa, escritor prolífico, metódico e rigoroso, pesquisador de estilos e investigador da «portugalidade», serve-se dos mais variados géneros literários – poesia, romance, teatro, conto, crónica, novela, literatura infantil, ensaio, biografia –, embora confesse sentir-se mais à vontade na narrativa ficcional, sobretudo o de cariz histórico. Na sua escrita e oralidade denota, uma religiosidade abnegada de cunho católico e barroco.

É um leitor compulsivo e cronista de costumes, escreveu inúmeros textos de opinião e conferências, mas também séries documentais para a televisão. Fez traduções, organizou antologias e comunidades de leitores, prefaciou inúmeros novos autores e colaborou dispersamente em mais de meia centena de diferentes jornais e revistas, nacionais e estrangeiros, nos últimos 30 anos, tendo-se ainda empenhado na homenagem e divulgação de importantes figuras da cultura portuguesa (Nobre, Camilo, Aquilino, Eça), a par de algumas profissões institucionais ligadas à Cultura, em especial a literária.


Mário Cláudio

Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos. Filho único, foi primeiro instruído por um professor particular, tendo prosseguido os estudos, até à conclusão do liceu, sob a rígida batuta dos padres do Colégio Almeida Garrett (actual Teatro do Bolhão, no Porto).

Começou o curso de Direito em Lisboa e terminou-o em Coimbra (1966), onde viria a diplomar-se novamente, em 1973, com o Curso de Bibliotecário-Arquivista. Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, Ciclo de Cypris, publicado no ano seguinte.

Pouco depois de assumir a direcção da Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, tendo obtido o título de Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais (1976), pela Universidade de Londres, defendendo uma tese que seria parcialmente publicada com o título Para o Estudo do Analfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, o único livro que assinou com o seu nome civil. Ainda durante a década de 70 publica dois livros de poesia, um romance, uma novela, um livro de viagens em colaboração e uma antologia de textos sobre Gaia.

Pertenceu sucessivamente à Delegação Norte da Secretaria de Estado da Cultura, ao inacabado Museu da Literatura e à direcção da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.

Em 1985, iniciou-se como professor na Escola Superior de Jornalismo do Porto e, actualmente, é professor convidado da Universidade Católica do Porto e da Fundação de Serralves.

Em 1984, por convite de Vasco Graça Moura, escreve Amadeo, biografia do pintor futurista Amadeo de Souza-Cardoso (3).


Amadeo no seu atelier, Rue Ernest Cresson, 20, Paris, 1912


Les Faucons   (Os falcões), 1912
Tinta-da-china sobre papel, 27 x 24,3 cm

Que Mário Cláudio consideraria como uma «psico-socio-biografia», e início da premiada Trilogia da Mão, na qual o escritor abordou a vida e obra de outras duas figuras artísticas nortenhas, a violoncelista Guilhermina Suggia (Guilhermina) e a barrista Rosa Ramalha (Rosa). Através dos três artistas, tipificou distintos estratos sociais (aristocracia, burguesia, povo) e o «imaginário nacional», entre o virar do século XIX e meados do século XX. Nesta primeira trilogia, o autor romanceia o próprio processo de biografar, através de uma escrita fragmentada, mais sensorial que objectiva. Aliás pode-se afirmar, para usar as palavras do autor: «toda a biografia é um romance».

Em 1984 foi distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE precisamente pelo romance Amadeo.


CLÁUDIO, Mário – Amadeo

Seguiu-se a publicação de um segundo tríptico (A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins e O Pórtico da Glória), onde a História volta a cruzar a ficção, mas desta feita incorrendo na autobiografia familiar.


CLÁUDIO, Mário – A Quinta das Virtudes

Entre 2000 e 2004 publicou uma outra trilogia, composta por Ursamaior, Oríon e Gémeos, e que é descrita pelo autor como relacionada com «situações de alguma marginalidade» e «discurso problemático com o poder», transversais a três gerações de personagens, uma por volume.


CLÁUDIO, Mário – Oríon


 
CLÁUDIO, Mário – Gémeos

O autor está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata.

Foi condecorado com a Ordem de Santiago de Espada.

Em 2004, pelo conjunto da obra literária, foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa e em 2008 recebeu o Prémio Vergílio Ferreira.

Já conquistou por duas vezes o Prémio PEN Clube Português de Novelística, assim como o Grande Prémio de Crónica da APE e o Prémio Fernando Namora com o romance Camilo Broca.


CLÁUDIO, Mário – Camilo Broca

Em 2013, a antiga escola primária de Venade, localidade do concelho de Paredes de Coura, foi reconvertida num Centro de Estudos Mário Cláudio, criado a partir do arquivo doado pelo escritor.


Centro de Estudos Mário Cláudio (Paredes de Coura)

Chegados a este ponto, pergunta-se: o que é que o Miguel de Carvalho tem a ver com o assunto?


Miguel de Carvalho – artista plástico/livreiro-antiquário

A capa do livro foi concebida por Rui Garrido com base numa collage de Miguel de Carvalho – No Princípio Não Era O Verbo.


Miguel de Carvalho - o artista a trabalhar
(©Fotografia de mdc no Facebook)

Dentro do estilo a que já nos tinha habituado, e das quais partilha algumas no Facebook, conseguiu realizar um trabalho que permitiu  a realização de uma capa com um excelente grafismo e que em muito valoriza esta obra.




Bom agora resta-nos comprar,  ler o livro e apreciar mais de perto esta pequena obra de arte. (Quando digo pequena refiro as dimensões que não a sua alta qualidade)


Fotograma do filme Documental sobre o escritor Mário Cláudio.
Realizado por Jorge Campos e produzido pela Vigília Filmes

Bibliografia:

Ficção

Um Verão Assim (1974)
As Máscaras de Sábado (1976)
Damascena (1983)
Improviso para Duas Estrelas de Papel (1983)
Amadeo (1984)
Guilhermina (1986)
Duas Histórias do Porto (1986)
A Fuga para o Egipto (1987)
Rosa (1988)
A Quinta das Virtudes (1990)
Tocata para Dois Clarins (1992)
Trilogia da Mão (1993)
Itinerários (contos, 1993)
As Batalhas do Caia (1995)
Dois Equinócios (contos, 1996)
O Pórtico da Glória (1997)
O Último Faroleiro de Muckle Flugga (1998)
Peregrinação de Barnabé das Índias (1998)
Uma Coroa de Navios (1998)
Ursamaior (2000)
O Anel de Basalto e Outras Narrativas (narrativas, 2002)
Oríon (romance, 2003)
Gémeos (romance, 2004)
Triunfo do Amor Português (2004)
Camilo Broca (2006)
Boa Noite, Senhor Soares (2008)
Retrato de Rapaz (2014)
O Fotógrafo e a Rapariga (2015)
Astronomia (2015)

Poesia

Ciclo de Cypris (1969)
Sete Solstícios (1972)
Étimos e Alexandrinos (1973)
A Voz e as Vozes (1977)
Estâncias (1980)
Terra Sigillata (1982)
Dois Equinócios (1996)
Nas Nossas Ruas, ao Anoitecer (2001)
Os Sonetos Italianos de Tiago Veiga (2005)

Teatro

Noites de Anto (1988)
A Ilha de Oriente (1989)
Henriqueta Emília da Conceição (1997)
O Estranho Caso do Trapezista Azul (1998)

Outras

Meu Porto
Fotobiografia de António Nobre
A Cidade num Bolso
Pintor e a Cidade
Páginas Nobrianas
Júlio Pomar - Um Álbum de Bichos

Espero ter despertado o vosso interesse para este conceituado autor português bem como para a análise da estética, grafismo e autoria das capas das obras que nos passam pelas mãos, que por vezes “ficam um pouco ao lado”.

Saudações bibliófilas

Notas:
(1) O Grande Prémio de Romance e Novela da APE foi criado em 1982 e teve, nesta 33.ª edição, o apoio da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, do Instituto Camões e da Sociedade Portuguesa de Autores.
(2) Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol foram os quatro outros autores distinguidos por duas vezes com este prémio da APE.
(3) Amadeo de Souza-Cardoso – Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Amadeo_de_Souza-Cardoso


Fontes consultadas:
DGLAB – Direcção Geral Livro dos Arquivos e das Bibliotecas
Màrio Cláudio – Wikipedia:
Mário Cláudio – Portal de Leitura: