"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 10 de outubro de 2010

Apontamento de leitura – um livro a não perder!



Jacques Bonnet – Bibliotecas Cheias de Fantasmas.
Lisboa, Quetzal Editores, 2010. Colecção “Testos s Breves”.
Tradução de José Mário Silva. 163 (2) pp. Brochado.
ISBN: 9789725649060

Foi colocado à venda nas livrarias, no dia 8 de Outubro. Bibliotecas Cheias de Fantasmas de Jacques Bonnet (1), traduzido por José Mário Silva, o novo título da série “textos breves” da Quetzal Editores.
Tive a sorte de “descobrir” este livro, numa das minhas visitas às livrarias – como “bom bibliómano” – e confesso que iniciada a sua leitura só parei quando o li todo!

“Tem medo de morrer durante o sono esmagado pela sua biblioteca? A acumulação de livros coloca a existência da sua família em risco? Arruma os livros por tema, língua, autor, data de edição, ou formato, ou segundo um critério que só você conhece? Poderemos pôr lado a lado na estante dois autores irremediavelmente desavindos? São muitas as questões que envolvem esta espécie em vias de extinção: os bibliófilos que, além da paixão pela posse de livros, têm a obsessão pela leitura. “ (2)

Trata-se de um ensaio onde Jacques Bonnet, ao recordar a forma como chegou a certos livros, revela alguns aspectos da sua personalidade, como a perseverança e a extrema atenção aos detalhes e onde analisa as bibliotecas como seres vivos à imagem da nossa complexidade interior, compondo um labirinto do qual poderemos não conseguir sair.

Na verdade, os milhares de páginas que ocupam as nossas estantes estão povoadas de fantasmas que, uma vez encontrados, nunca nos largarão, pois ali estão os séculos que nos precederam.

Com base neste pressuposto, discorre sobre os problemas que se nos deparam no decurso da nossa actividade de bibliómanos ou leitores compulsivos, mais ao primeiro do que ao segundo, e também ao bibliófilo, nas tês grandes fases das sua actividade:

o início – como, e porquê, comecei a ler e a reunir livros?

a acumulação dos mesmos que vão progressivamente invadindo a nossa casa, como hera que se enrola a um tronco e vai crescendo sem destino – procurando apenas os espaços livres e acessíveis, chegando mesmo a interferir na nossa vida – onde os guardar?

e, finalmente, o problema mais momentoso: a sua classificação e arrumação – o quebra-cabeças de todos nós – tais as inúmeras possibilidades!


Jacques Bonnet – Des Bibliothèques Pleines De Fantômes.
Denoel, 2008. Colecção: “Médiations”. 138 pp.
ISBN: 9782207260548
(edição original)

O ensaio de abertura aborda o célebre episódio em que Fernando Pessoa se candidatou ao lugar de conservador-bibliotecário do Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, em finais de 1932. Como se sabe, o poeta acabaria por ser recusado, em favor de um «pintor obscuro».

Mas traz-nos outras histórias como a de Antoine-Marie-Henri Boulard (1754-1825), que encheu nove prédios, adquiridos expressamente para receberem os seus 600 mil livros – após a sua morte, ao venderem a colecção, os filhos inundaram o mercado, baixando durante muitos anos os preços nos alfarrabistas.

Ou a de Charles-Valentin Alkan, pianista virtuoso que morreu esmagado por uma estante, em 1888, o que o habilita ao estatuto de «santo mártir» dos bibliófilos. Ou a daquele condenado à guilhotina que continuou a ler enquanto o conduziam ao cadafalso e, chegada a hora, marcou a página onde estava, antes de entregar o pescoço à lâmina.

Sinceramente penso que é um livro fascinante para quem tenha a paixão do livro e da leitura. Como Jorge Luis Borges escreveu (e Bonnet cita-o): “A leitura de um livro de Cervantes, de Flaubert, de Schopenhauer, de Melville, de Whitman, de Stevensonou  ou de Spinoza é uma experiência tão forte como viajar ou estar apaixonado”

Saudações bibliómanas.


(1) Jacques Bonnet é um editor e tradutor francês, além de bibliófilo e uma autoridade quando se trata de livros raros. Bonnet é considerado, juntamente com Umberto Eco, José Mindlín ou Alberto Manguel, um dos maiores especialistas em bibliofilia e teoria da leitura.

(2) Texto da contracapa.

4 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui.

Muchas gracias por la recomendación. Con la probada que nos ofreces, bastó para ponerlo en la lista de pendientes.

Saludos bibliófilos

Unknown disse...

Amigo,

Te deixo, com todo o prazer, a indicação do livro O Grande Mentecapto, do escritor brasileira Fernando Sabino. Comtemporaneo e distante de teu perfil, porém com todo o valor e prazer de se conhecer um pouco do Brasil.

Adorei o blog.

Grande abraço.

Társis

Rui Martins disse...

Tarsis,

Obrigado pelo seu comentário de elogio ao blogue.

Quanto a “O Grande Mentecapto” de Fernando Sabino, confesso desde já o meu desconhecimento, mas andei a indagar sobre o livro e o autor e parecem-me deveras interessantes.

Tratava-se de um grande leitor e admirador de escritores portugueses.

Para os menos avisados, como é o meu caso, aqui fica a sua sinopse:
” O livro narra as aventuras de Geraldo Viramundo, espécie de Dom Quixote brasileiro, que percorre Minas Gerais. O início do livro mostra que Geraldo foi um menino como qualquer outro, tivera suas maluquices e peraltices, porém a história ganha mais vida quando ele faz uma aposta com seus amigos dizendo que conseguiria fazer o trem parar em seu município, visto que Rio Acima (a cidade do menino) não era parada dele. A partir das consequências desta aposta é que a história de Geraldo Viramundo se desenvolve.

Um grande abraço

Rui Martins disse...

Meu estimado amigo Marco Fabrizio,

Sinceramente gostei deste livro, não sendo de modo algum um estudo profundo de alta bibliofilia, faz-nos repensar sobre os problemas que se nos colocam no nosso dia-a-dia de bibliómanos e bibliófilos.

Vale a pena ler na minha modesta opinião.

Um abraço