"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vamos tomar um café ... e conversar sobre Saramago





José Saramago

Na sequência do pequeno artigo «José Saramago – Apontamentos para um estudo bibliófilo» que publiquei decidi solicitar a opinião de vários livreiros-antiquários, com quem tenho algum contacto, para com eles trocar impressões, já que não podendo ser em redor duma mesa,  a saborear um café, ou melhor ainda no espaço acolhedor de uma das livrarias, que o fizesse, ao menos, virtualmente.

Nesse sentido coloquei-lhes quatro questões, solicitando-lhes que me enviassem a sua opinião.
1) Saramago é um autor com aumento de procura para coleccionismo bibliófilo?
2) Quais as obras mais procuradas?
3) Quais as obras mais raras e como as cotaria para efeitos de venda?
4) Deseja acrescentar alguma opinião pessoal, nomeadamente alguma critica ao meu trabalho? (1)


Edição do livro «Levantado do Chão»,
comemorativa dos dez anos da atribuição do
Prêmio Nobel da Literatura a José Saramago (2)

Como já esperava, só alguns tiveram a gentileza, ou disponibilidade, de me responder, e como agradecimento público, aqui ficam os seus depoimentos, que julgo trazerem mais matéria para reflexão do que conclusões irrefutáveis,
(Aliás nem era esse o meu propósito!)

Registo as respostas de Adelino Correia Pires de “d’outo tempo – livros e manuscritos”, Catarina Rodrigues da «Livraria Antiquária do Calhariz». Herculano Ferreira da «Livraria Manuel Ferreira» e Miguel de Carvalho da «Livraria Alfarrabista Miguel de Carvalho».

Vejamos então, enquanto vamos saboreando, e conversando, o tal cafezinho ... a imaginação tudo realiza assim a nossa vontade o conseguisse!


“d’outo tempo – livros e manuscritos”

Vejamos a opinião de Adelino Coreia Pires

1- É notório um acentuado interesse pelo autor e pelas suas obras.
2- Naturalmente que as mais procuradas pelos bibliófilos são as mais difíceis de obter, ou seja, as primeiras edições dos primeiros livros (“Terra do Pecado”, “Os Poemas Possíveis” e “Provavelmente Alegria”).
3- Penso que ainda será prematuro atribuir uma cotação a cada uma das obras. Nota-se alguma disparidade nos preços praticados o que denota que ainda se estará numa fase de indefinição do futuro preço de referência.
Penso no entanto que, no futuro, “Os Poemas Possíveis” cotar-se-ão algo acima do “Provavelmente Alegria”. Uma outra obra de difícil obtenção será “Moby Dick em Lisboa”, 1º número da «Colecção 98 Mares», editado no âmbito da EXPO 98."
4- Para os Saramaguianos, há no entanto muito a percorrer: para além dos livros referidos, as inúmeras crónicas escritas nas diversas publicações em que colaborou, tudo o que traduziu, tudo o que prefaciou.


Livraria Antiquária do Calhariz

Catarina Rodrigues, cuja Livraria está sobretudo vocacionada para o livro antigo, não quis, no entanto, deixar de me transmitir a sua opinião:

“Realmente gostaria muito de o ajudar, mas de facto o Saramago não é um autor com grande procura na nossa livraria, no entanto, tenho em conta que as obras mais cotadas sejam as primeiras, já que as mais recentes têm edições muito grandes. Mesmo em leilões não é um autor que atinja grandes valores ou que tenha grande procura, mas como lhe digo não tenho grande experiência com as obras de Saramago. Se calhar em outras livrarias alfarrabistas haja mais procura, mas também não tenho grande procura por parte de colegas.
Julgo não ter sido de grande ajuda neste ponto, mas de qualquer forma disponha sempre.”


Sala da Livraria Alfarrabista de Miguel de Carvalho

Claro que o Miguel de Carvalho, que faz o favor de me considerar dentro do grupo de seus amigos, e com quem é sempre um prazer renovado ter uma troca de opiniões, mesmo só por email, respondeu duma forma frontal como é uma das suas características. Pena que não tivesse sido no interior da sua Livraria, enquanto cavaqueávamos e folheávamos alguns livros ... o café esperaria um pouco!
Revejo, sempre com alguma nostalgia, o Mondego e a sua Coimbra cantada e encantada.

1.- Saramago é um polo de bibliofilia crescente nos últimos 4-6 anos.
2.- são as obras mais procuradas na minha casa: “Poemas Possíveis”, “Provavelmente Alegria”, “Terra do Pecado”.
3.- as três anteriores e respectivamente 150 € - 60 € - 400 €. Referente a esta ultima, “Terra do Pecado”, houve um empolamento provocado pela teimosia entre dois bibliófilos num leilão recente que levou a ultrapassar a barreira dos 1000 €. Mas trata-se de um incidente pontual e que nada dita o valor de mercado da obra, embora de tendência marcadamente crescente. Em minha modesta opinião, e na linha que tenho vindo a defender e a perceber o quanto justo o mercado paga, creio que o seu valor deverá rondar os 350 € e os 500 €.


Sala da Livraria Manuel Ferreira

Como amigo de longa data, e profissional competente, Herculano Ferreira deu-me o seu parecer. Muito gostaria que esta troca de opinióes tiovesse sido na sua  Livraria no Porto, onde rodeados de belos exemplares podendo sentir o prazer de manusear obras de raridade inquestionável e menos discutíveis do que estas, teríamos seguramente temas para esta e outras conversas:

“Em resposta ao seu estimado email, indicamos que de facto José Saramago é neste momento um autor procurado para coleccionismo bibliófilo, sendo “Terra de Pecado”, “Memorial de Convento”, “Levantado do Chão” e “Manual de Pintura e Caligrafia” as obras mais procuradas.”.


Sala da Livraria Olisipo

O meu estimado amigo e, porque não admiti-lo, “mestre” nestas andanças bibliófilas José Vicente da «Livraria Olisipo» não quis deixar de me dar a sua preciosa avaliação do “fenómeno” bibliófilo que Saramago constitui presentemente.

“No ponto de vista comercial, considero o José Saramago um fenómeno de vendas e o preço dos seus livros, especialmente os publicados antes do ciclo Editorial Caminho, estão num crescendo constante no mercado livreiro e nos leilões. Mesmo as primeiras edições da Caminho, embora com tiragens muito grandes, estão hoje bastante valorizadas. Indico abaixo os livros que considero os mais raros do autor e que atingem hoje preços muito altos:

«Terra do Pecado»
«Poemas Possíveis»
«Provavelmente Alegria»
«Manual de Pintura e Caligrafia»

Uma referência a um conto de Saramago, intitulado «O Embargo», publicado como brinde de natal da Editorial Estúdios de Cor em 1973 e que raramente é mencionado na sua bibliografia.”


A conversa, apesar de tudo, já vai longa e as questões estão já “em cima da mesa”. Caberá a cada um dos intervenientes – bibliófilos e livreiros – reavaliarem o mercado e a sua dinâmica, pois só deste modo se conseguirá estabelecer as cotações mais correctas (se tal se pode conseguir alguma vez...) para as peças mais raras e procuradas, pois estas não oferecem quaisquer discussões.


Terra do Pecado (3)

Como em qualquer tipo de comércio, claro que o mercado bibliófilo, não escapa a uma das leis básicas: a “lei da procura e da oferta”. No entanto convém introduzir aqui um fenómeno típico destes mercados coleccionistas – as “modas de cada época”, pois, quer queiramos quer não, há determinados acontecimentos, por vezes alheios ao próprio mecanismo do mercado, que inflaccionam ou deflaccionam determinado autor, tipo de impressão ou encadernação.
(Restam sempre os intemporais ou os grandes clássicos, mas nesta galeria não cabem assim tantos autores ou obras)

Apesar de tudo, julgo ser interessante debruçarmo-nos sobre a análise deste autor consagrado, idolatrado por uns e menos apreciado por outros (mas só se assumindo como pessoa interveniente se podem gerar estes tipos de atitudes!), numa visão bibliófila, pois serve, como linha orientadora, para outras análises que se queiram fazer  (4)

Espero ter-lhes dado matéria para reflexão, pois que para mim o assunto estará sempre aberto, até porque Saramago é um tema que nunca se esgota.


Saudações bibliófilas


As Opiniões Que o DL Teve

(1) Omiti deliberadamente a resposta à questão 4), por parte dos meus estimados amigos Herculano Ferreira e Miguel de Carvalho, por conterem avaliações do Blog e não do texto sobre Saramago, que me parecem desajustadas, para além de excessivamente elogiosas para o meu modesto contributo geral.

(2) Edição apresentada a 20 de novembro de 2008 em Lisboa no Teatro de São Luís.
Com dez pinturas de Armando Alves e uma série de fotografias sobre o Alentejo, o livro contém ainda uma carta de Pilar del Río, mulher do escritor, intitulada “Levantar-se do chão” . A edição da Modo de Ler e da Portugália Editores foi coordenada por José da Cruz Santos.

(3) Registe-se, a título de curiosidade, a opinião de José Saramago sobre “Terra do Pecado” no «Independente», Lisboa, 17 de Maio de 1991:
«Escrevi o meu primeiro livro aos 25 anos, em 1947. Chamava-se a Viúva. Foi publicado pela Minerva, mas o editor achou que "a viúva" não era um título comercial e sugeriu que se chamasse Terra do Pecado. Pobre de mim, queria era ver o livro editado e assim saiu. De pecados sabia muito pouco e, embora a história comporte alguma actividade pecaminosa, não eram coisas vividas, eram coisas que resultavam mais das leituras feitas do que duma experiência própria. Não incluo na minha bibliografia, apesar de os meus amigos insistirem que não é tão mau como eu teimo em dizer. Mas como o título não foi meu e detesto aquele título... Acho que é por isso que resisto a aceitá-lo. Um dia, quem sabe se não reconhecerei a paternidade uma vez que há por aí exemplares. Ainda outro dia encontrei um, numa dessas bancas em segunda mão, e paguei por ele oito contos. Com desconto, porque o homem reconheceu-me e abateu-me quinhentos escudos. Um preço completamente disparatado e exorbitante.»

(4) Outro exemplo passível de estudo similar será Luiz Pacheco e da sua editora “Contraponto”, do qual têm aparecido verdadeiras “avalanches” de livros e documentos manuscritos nos leilões mais recentes.

3 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui.

Dicen que cuando se quiere informar bien, debe preguntar a los expertos. Por eso gusto la manera en que realizaste el ejercicio.

De alguna forma confirman lo que en la entrada anterior comentabas sobre precios, tirajes y calidad de la obra. Por eso las primeras obras en ediciones cortas se cotizan mejor.
Creo que la mayoría de los autores escriben sus mejores libros, antes de ser famosos o reconocidos. De Saramago no lo puedo confirmar. He leído solo unas dos o tres de sus obras.
La que me gusto fue el "Ensayo sobre la ceguera". Hace como siete años mientras Saramago visitaba México, casualmente coincidí con él, y con la sencillez que le caracteriza tuvo la bondad de dedicarme su libro.

Saludos bibliófilos.

Anónimo disse...

Em primeiro lugar parabéns pelo seu Blog que é claramente uma mais valia de informação neste vazio cibernetico sobre a bibliofilia.
Em relação ao seu trabalho sobre Saramago acompanho com muita curiosidade pois possuo toda a obra em 1ª edição. Concordo com os exemplos dados e chamo a atenção para o livro "poemas possiveis" cuja tiragem, conforme copia do contrato de Saramago para a sua publicação (ver imagem desse contrato no livro cronobiografia) foi de apenas 750 exemplares. Por ultimo acrescentar um livro que não é referido, muito por desconhecimento do mercado, e que é sem duvida dos mais raros e valiosos - "A estatua e a pedra". Além de ser um belissmo album bilingue com execelente execução gráfica, teve uma tiragem de apenas 1000 exemplares (350 dos quais numerados)e que practicamente não chegaram ao mercado portugues. Pedro Justo.

Rui Martins disse...

Caros amigos

Para mim a bibliofilia não é só possuir bons livros, e sobretudo raros, mas também, e senão a sua vertente mais fascinante, a troca de impressões entre os bibliófilos, com os livreiros e a visita às suas livrarias, as “grandes cotadas das nossas caçadas”.
O estudo das edições, das suas tiragens e tentar estabelecer a raridade de uma obra, mais do que o preço que possa atingir num dado momento, é um trabalho que deve merecer todo o nosso empenho.
Saramago, e espero que o autor me perdoe a utilização do seu nome, serviu-me para ensaiar uma abordagem um pouco diferente do coleccionismo e tentar trazer para o diálogo alguns dos interessados.
(Pena que poucos tenham saído dos seus esconderijos...)

Como sempre Marco o teu estímulo é inesgotável, mais uma vez o meu obrigado e as minhas felicitações pelo teu exemplar.
(É um belo livro! E o teu está enriquecido com a dedicatória do Saramago)

Caro Pedro Justo julgo não merecer a maioria dos seus elogios, embora, a minha forma de estar seja um pouco diferente daquela que habitualmente se encontra; no entanto, fico-lhe muito agradecido pela sua colaboração.
A porta está sempre aberta ... nem é preciso bater, basta entrar! O meu obrigado!
O seu depoimento acaba por dar razão ao que o Adelino Correia Pires afirma quando diz que “Poemas Possíveis” deverá ultrapassar o valor de mercado actual de “Provavelmente Alegria”, visto ser mais raro.

As minhas saudações bibliófilas.