"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 22 de abril de 2011

João da Costa – um impressor francês em Portugal: Apontamentos a propósito de uma marca de impressão




Marca tipográfica de Nicolau de la Coste e de Jean de la Coste
(associados em Paris)

Já referi este impressor anteriormente, no apontamento sobre Jean de la Coste de Lesné.

Hoje vou tentar esboçar alguns apontamentos sobre o seu filho Jean de la Coste, que ficou conhecido entre nós por João da Costa.

Sobre a estadia de João da Costa em França, antes de vir para Portugal, pouco, ou mesmo nada se sabe, pela escassez de registos biográficos.

Estamos apenas seguros da sua estadia já em Portugal quando Jean de la Caille cita o seu nome na Histoire de l’Imprimerie et de la Librairie.

Terá vindo para Portugal em 1650, ainda que a primeira referência à sua residência em Lisboa seja de 1659, com registo no livro manuscrito da Irmandade de do Bemaventurado S. Luiz Rei de França (datado de 9 de Março de 1659), mas curiosamente, nesse mesmo livro, e com data de 4 de Fevereiro de 1657, aparece um assento da lista dos subscritores e quantias destinadas a “uma lâmpada de prata” que a Irmandade resolvera mandar fazer “pera honra de deus E da nossa Capela”, surge o seu nome e com a quantia importante de 7.000 réis. Este documento prova que a 4 de Fevereiro de 1657 já se encontrava a residir entre nós.

Ora o que terá feito João da Costa nos primeiros anos da sua estadia em Portugal até ao início da sua actividade como livreiro-impressor em 1662?

Temos duas hipóteses: ou nos primeiros tempos, não trabalharia tipograficamente por sua conta, e exerceria em oficina alheia esta actividade; ou viria para Lisboa estabelecer-se primeiro como livreiro, e só mais tarde assentaria anexa à tenda dos livros a oficina de impressão.

Esta segunda hipótese parece ser a mais plausível.

A este propósito Venâncio Deslandes afirma que “Joáo da Costa teve por sócio na sua tenda de livreitro ao Chiado a Jacques Schuartz. Assim consta em documento autêntico existente no Cartório do Museu Platino em Anvers”


Documento comprovativo da actividade de livreiro

Terá estabelecido a sua oficina na Rua da Figueira (actual Rua da Anchieta), conforme nos diz o Visconde Júlio de Castilho na pág. 170, vol. VI de Lisboa Antiga.

Casou-se em 1666 com Arcangela de Sousa natural de Carnide, deste casamento nasceu apenas uma filha – Luisa Maria da Costa.

Ainda que nas primeiras impressões, como é o caso desta, impressa ainda em vida de seu pai, aparece um tipo de vinheta tipográfica como é o caso de: NOTICIAS/CVRIOSAS;/E NECESSARIAS/DAS COVSAS DO/BRASIL./ Pello P. SIMAM DE VASCONCELLOS/da Companhia de Iesvs, /Natural da Cidade do Porto, Lente que foi da sagrada Theologia./& Provincial naquelle Estado. / /EM LISBOA. /na Officina de IOAM DA COSTA. Anno 1668. / / COM AS LICENÇAS NECESSARIAS. /


NOTICIAS/CVRIOSAS; /E NECESSARIAS/DAS COVSAS DO/BRASIL


Descritivo

Encontra-se posteriormente, uma vinheta ornamental muito empregue por João da Costa nas suas impressões.

O conjunto é composto num rectângulo, com cerca de 142x23 mm, gravado em madeira, com um escudete no centro, no campo do qual se ergue uma palmeira e, por detrás do caule da mesma, se desdobra uma fita com as palavras CVRVATA RESVRGO como divisa, ladeando o escudete, simetricamente dispostos, irrompem dois vistosos festões de flores e frutos; estes dois festões, seguros na extremidade periférica por um anjo, prendem-se de modo entrelaçado, pela outra extremidade ao rebordo do escudete; cada um dos anjos segura com uma das mãos o exuberante festão e, com a outra, empunha um farto ramo de frutos e folhedos; toda esta composição é encaixilhada por uma cercadura granulada.


Marca tipográfica de Augustin Courbé

Augustin Courbé (que teve actividade florescente em Paris no século XVII) (1) adoptou por marca tipográfica um escudo eliptiforme, em cujo campo se ergue esta mesma divisa: CVRVATA RESVRGO. Terá saído daqui a ideia que inspirou João da Costa a copiar esta divisa? Nunca se saberá.

Aliás João da Costa utilizou muitos dos elementos decorativos, capitulares ornadas (de vários tipos), cabeções e vinhetas tipográficas que se podem encontrar nos trabalhos deste impressor francês.

Veja-se, a este propósito:
LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE. /CINQUIESME EDITION. /Reueué, corrigé & augmentée. /Vinheta tipográfica/A PARIS:/Chez Avgvstin Covrbé, dans l apetite/Salle du Palais, à Palme. / / M.DC.LVI./AVEC PRIVILEGE DV ROY./


LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE.

In-4.º de 709-210 pág. Numeradas, precedidas de 32 inumeradas (na última destas, um retrato do autor, gravado por Nantueil em chapa de cobre, seguidas por 17 que também não apresentam numeração.


LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE.

Mas porquê João da Costa adoptou esta marca? A resposta não parecer ser muito clara, pois já na época havia alguns preceitos sob este assunto (vinham ainda muito longe os direitos de autor!)


Cabeção de Les Œuvres de Monsieur Voiture

Acontecia, no entanto algumas vezes, nas oficinas de impressão, passarem a figurar como simples elementos decorativas (sem a mínima intenção de marca distintiva) gravuras que noutras oficinas haviam anteriormente representado marcas tipográficas de impressores ou de livreiros.

Estas marcas passavam, habitualmente, de um para outro livreiro, ou de um para outro tipógrafo, lealmente, francamente, legalmente, quer por sucessão hereditária (e este era o processo mais natural), quer por aquisição da loja ou da oficina, quer por aquisição do material, quer inclusivamente por empréstimo.

Mas já Ribeiro dos Santos reconheceu e afirmou esse mesmo facto, quando na Memória sobre as origens da Typographia em Portugal no Século XV (pág. 75 do Tomo VIII das Memórias de Litteratura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciências de Lisboa) escreveu: “E estas Divisas, e Marcas, ou erão originaes dos Impressores, isto he de sua própria invenção, ou herdadas, ou também adoptadas das mesmas Officinas, que compravão”

Analogamente, Delalain, na pág. XIV do Inventaire des Marques d’Imprimeurs et de Libraires de la Collection du Cercle de la Librairie (2), escreve: «Ajoutons que toutes les marques ne sont pas originales ; on les voit se répéter soit dans le même pays, soit dans d’autres pays. On observe aussi qu’il y a échange ou emprunt de marques; et, plusieurs fois, sur des ouvrages portant un nom de libraire ou d’imprimeur déterminé, se trouve une marque que appartient notoirement a un autre dont il pouvait être le correspondant ou le dépositaire,»


Gravura adquirida em França por João da Costa

A marca tipográfica que João da Costa usou, com o escudo elíptico da palmeira e a divisa CVRVATA RESVRGO, poderia ter resultado do facto da aquisição em França do material tipográfico da Oficina Courbé, pelo que passou a usar nas suas impressões em Lisboa (sem qualquer motivo intencional) aquele ornato gravado, da mesma forma como usou cabeças ornamentais em que figuravam as armas reais de França, estas inquestionavelmente provenientes da Oficina de Courbé. Nalgumas impressões o A de Augustin aparece claramente apagado (intencional ou não é assunto por esclarecer)


Cabeção decorativo adquirido por João da Costa em Paris

A corroborar esta hipótese refira-se que entre 1630 e 1662 foi o período em que Augustin Courbé exerceu a sua actividade de livreiro-impressor em Paris, desconhecendo-se impressões posteriores.

Ora é precisamente no ano de 1662 que se inaugurou em Lisboa a longa série de publicações, pelas quais se distinguiu o impressor João da Costa, que acumulava com a actividade de livreiro.


Vinheta gravada em Portugal ao tempo de João da Costa
e muitas vezes usada nas impressões deslandesianas

A marca tipográfica de João da Costa adquirida em França, que é o objecto deste texto, aparece toscamente imitada (com algumas modificações) numa outra chapa que figura frequentemente nas impressões deslandesianas. Nesta as principais modificações  em relação à que João da Costa terá adquirido na Oficina Courbé, podem resumir-se em três: redução das dimensões, por modo que a chapa imitativa corresponde a cerca de dois terços da chapa imitada; supressão da divisa Curvata Resurgo no escudo elíptico da palmeira; supressão do escudete inferior e consequentemente da sigla.

Esta surge ainda no tempo de João da Costa no livro:



Outro exemplo é



BARRETO, João Franco. – ORTOGRAFIA // DA // LINGVA PORTVGVEZA // PER // ... // Em Lisboa. Na Officina de Ioam da Costa. M.DC.LXXI. In-8º de [16], 279 págs. Primeira edição.

A impressão é em caracteres redondos intervalados por grande abundância de tipo itálico; oferecem rubricas por letras alfabética os cadernos, e reclamos as páginas. Duas iniciais floreadas, diversas cabeças ornamentais, entre elas a que representa o escudo das armas reais portuguesas ladeado por figuras femininas, cornucópias e serpentes, grande número de remates decorativos e, é como remate decorativo que aparece na página 8 das preliminares, que figura a vinheta da palmeira sem letra.


Mercúrio Portuguez com as novas do anno de 1667

Teve igualmente papel importante na impressão de “Mercúrio Portuguez”, que começara a circular em Janeiro de 1663, pois que de Julho de 1666 até Janeiro de 1667, saíram dos seus prelos os fascículos respectivos. Os restantes (Fevereiro a Julho) estamparam-se todos (uns com designação de oficina, e outros sem ela) em casa de António Craesbeck de Mello.

Imitando Courbé ou João da Costa, houve no séc. XVIII um impressor espanhol que adoptou por insígnia a palmeira com o respectivo letreiro. Trata-se de Dionísio Hidalgo com oficina em Toledo.

Aliás a palmeira é um emblema que os livreiros-impressores frequentemente adoptaram para suas insígnias.

Como curiosidade refira-se que um dos primeiros a utilizá-la, foi Jean Gérard (Joannes Gerardus), que floresceu em Genebra no séc, XVI. Usou por insígnia uma palmeira, de cujos ramos está suspenso um menino.

Espero com estes apontamentos ter despertado a vossa curiosidade para este tema sempre apaixonante para qualquer estudioso bibliófilo.

Do que li fiquei com mais dúvidas do que certezas, mas ainda bem que assim foi, pois outros, mais habilitados do que eu, terão um vasto campo de pesquisa.

Saudações bibliófilas.


Notas:

(1) De Augustin Courbé diz Jean de la Caille na pág. 274 da sua Histoire de l’Imprimerie et de la Librairie: «Il prenoit la qualité d’Imprimeur & Libraire de Monseigneur le Duc d’Orleans, et avoit pour marque un Palmier, et pour devise ces paroles: Curvata resurgo : faisant allusion à son nome.»


(2) Delalain, M. P. – Bibliothèque Technique du Cercle da la Librairie – Inventaire des Marques d’Imprimeurs et de Libraires de la Collection du Cercle de la Librairie. Par … Deuxième édition, revue et augmentée. Paris, Au Cercle de la Librairie, de l’Imprimerie de la Papeterie, du Commerce de la Musique et des Estampes, 1892. In 4º de XXVIII – 357 pág. numeradas ; no texto várias reproduções em fac-simile.



Fonte consultada:

Xavier da Cunha – Impressões deslandesianas : divulgações bibliographicas –  Lisboa: na Imprensa Nacional, [1895], (1896). - 2 vols. Volume I, Capítulo VIII, pág. 338 [350] -387 [405], pág. 397 [415] a 406 [423], 421 [438] a 422 [439] e 449 [465] a 451 [469].




2 comentários:

Unknown disse...

Muito obrigada. Os seus artigos estão me ajudando muito.

PHILO Librorum disse...

Muito rico o texto, grato.