"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Les mazarinades – algumas notas a propósito de um opúsculo




Cardeal Mazarino
Quadro a óleo de Pierre Louis Bouchart

Sob esta designação agrupam-se todos os folhetos e panfletos impressos e distribuídos em França durante o período turbulento da Fronda (1648-1653) (1) da nobreza, liderada pelo príncipe Luis II de Bourbon-Condé, o grande Condé, e Armand de Bourbon-Conti, príncipe de Conti, contra o Cardeal Mazarino e o poder real – no período da menoridade de Luís XIV e regência de Ana de Áustria.


Le Grand Condé
Quadro a óleo de Justus van Egmont

No sentido estrito, uma “mazarinade” significa um panfleto contra o cardeal Jules Mazarin (ou Giulio Mazarini ou Mazzarini pela sua origem italiana) (2), ainda que por detrás desta mesma designação se inclua uma grande diversidade de publicações.

Esta designação aparece, pela primeira vez em 1651, num poema satírico de Paul Scarron, intitulado precisamente “Mazarinade”.


Paul Scarron

Uma pequena parte destas publicações, defende a política do cardeal. A mais célebre intitula-se Jugement de tout ce qui a esté imprimé contre le cardinal Mazarin, depuis le sixième janvier jusques à la déclaration du 1er avril 1650 escrita por Gabriel Naudé. Este opúsculo é uma apologia do Cardeal na forma de diálogo entre Saint-Ange (Naudé) et Mascurat (o editor Camusat).

 
Gabriel Naudé
(estampa do século XIX, baseada na de Claude Mellan)

Todavia na sua grande maioria atacam tanto o cardeal Mazarino como todas as outras personalidades envolvidas na Fronda.

Compreendem discursos, cartas (autênticas, falsas ou desviadas), poemas, diálogos, histórias, documentos oficiais, canções, tratados políticos…


Mazarinade sous forme de placard illustré.
©Bibliothèque Mazarine (M. 15042)

 
Mazarin (désigné par les initiales C.M.: Cardinal Mazarin),
banni par la Justice et la Fronde, quitte le roi.
(M. 1542, bois gravé n. º 1)
©Bibliothèque Mazarine (M. 15042)

Podem assumir a forma de cartaz panfletário para ser colado nas paredes, impressos para serem distribuídos nas ruas, panfletos, de poucas ou várias páginas, ou mesmo cópias manuscritas. Todas estas formas tinham por objectivo defender, contar ou comentar os acontecimentos que se desenrolavam.

Ainda que a maioria seja anónima, ou escritas sob a cobertura dum pseudónimo, algumas “mazarinades” são subscritas por grandes escritores da época como Marc-Antoine Girard de Saint-Amant, Jean Loret, Jean-François Sarrasin, Guy Patin, Barthélemy de Laffemas, Olivier Patru, Cyrano de Bergerac, Jean-François Paul de Gondy, cardeal de Retz, ou François duque de la Rochefoucauld entre outros.


François duque de la Rochefoucauld

Refira-se que Cyrano de Bergerac começou por escrever sete “mazarinades” contra Mazarino, como o Ministre flambé, antes de tomar o seu partido na Lettre contre Les Frondeurs de 1651.

A produção destes impressos acompanhava a intensidade do momento, mas, longe de serem produções de ocasião eram muito frequentemente impressas por profissionais.

Apesar da conjuntura económica lhes ser desfavorável, estas publicações, que não necessitavam de grandes exigências na qualidade de impressão e, como tal, de baixo custo, associadas ao facto de serem impressas e distribuídas com grande rapidez, representavam um lucro fácil e garantido para os impressores-livreiros.


Cyrano de Bergerac
Museu Carnavalet – Paris

Nove em cada dez “mazarinades” foram impressas em Paris. Outros lugares tiveram alguma importância na sua impressão como Bordéus, Aix-en-Provence e Rouen. Existem algumas edições impressas no estrangeiro (caso da Holanda por exemplo).

Os vendedores ambulantes desempenharam um papel muito importante na sua difusão, pois foram o elo entre o impressor e o público, permitindo deste modo que elas se espalhassem por todo o reino de França.

Apesar do seu carácter efémero, os estudiosos admitem que grande parte da produção foi preservada, exceptuando-se as folhas volantes e cartazes.

A relativa ausência de perseguição contra os panfletários permitiu coligirem-se várias publicações em forma de livro habitualmente in 4º pequeno. Muitas destas obras têm como indicação de local de impressão Antuérpia (Anvers) ou Bruxelas (Bruxelles), na maioria muito incorrectas, sob o ponto de vista tipográfico, apesar de algumas estarem ornamentadas com gravuras.


Recueil de plusieurs pièces curieuses,
contre le Cardinal Mazarin (1649)

Apesar do aparecimento, na forma de colectâneas em livro, ser muito precoce, como já se viu, continuaram a publicar-se várias destas colectâneas posteriormente.

 
Choix de mazarinades (3)
Société de l'histoire de France; C. (Célestin) Moreau
Paris, Chez Jules Renouard et C.e, 1853

A Biblioteca Nacional de França, as Bibliotecas do Arsenal e de Sainte-Geneviève possuem significativos acervos. A Biblioteca Mazarino possui a maior colecção do mundo, com mais de 12.000 espécimes, dos quais grande número em duplicado. Faltam-lhe, no entanto, as “mazarinades” publicadas na província, nomeadamente em Bordéus. A Biblioteca de S. Petersburgo possui 137 grossos volumes de “mazarinades” contendo perto de 6.000 espécimes.

Ainda que os exemplares avulsos, sobretudo bem conservados, sejam documentos com grande interesse bibliófilo e histórico; são as colectâneas de várias “mazarinades”, em livro,  aquelas que têm maior procura.

Claro que estes conjuntos são bastante raros e cobiçados pelos coleccionadores.

Vem tudo isto a propósito dum exemplar que possuo e que vos quero apresentar, não tanto pelo seu valor, mas sobretudo por se inserir nos esboços de estudo dos tipógrafos portugueses do século XVII que delineei, onde a influência francesa é grande, e por alguns dos elementos presentes neste opúsculo serem muito semelhantes aos usados entre nós.

Já se disse que muitos dos cunhos foram importados, nomeadamente de França, pelo que este facto não será de espantar.

Repare-se tanto na vinheta tipográfica – em forma de vaso de flores – na página de título e no cabeção que surge no início do texto e poder-se-á constatar as já referidas similaridades.






Vejamos então este exemplar:



LE PASSEPORT// ET// L’ADIEU// DE MAZARIN.//EN VERS BURLESQUES.//A Paris// Chez Claude Huot, ruë Saint Iacques,// Proche les Iacobins, au pied de Biche.// MDCXLIX [1649]// AVEC PERMISSION. Opúsculo completo in 4º de 12 pags. Pequena anotação manuscrita na página de título. Manchas de água desvanecidas. Nunca encadernado (folhas sem sinais de corte).



















Espero que esta minha incursão pela bibliofilia francesa – pela qual tenho uma paixão bem assumida – tenha trazido alguns elementos que vos possam ser úteis e de interesse.

Esta temática das publicações, editadas durante os  períodos de crises políticas, é fascinante e de pesquisa inesgotável para o bibliófilo. E se esse bibliófilo também for um apaixonado pela temática histórica, então terá toda uma vida de procura garantida … mas nunca terminada!

Saudações bibliófilas.


Notas :

(1) Consulte-se em Wikipedia – Fronde (histoire):

(2) Consulte-se em Wikipedia – Jules Mazarin :

(3) Texto disponível em:


Fontes consultadas:

Bibliothèque Mazarine – Les mazarinades

Wikipedia – Mazarinade


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