"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Jean de la Coste de Lesné ou João da Costa o Velho? – Um tipógrafo português do Século XVII




 
Practica Medica
(Vinheta tipográfica)

Jean de la Coste de Lesné e Charlotte Charlier tiveram dois filhos: Jean de la Coste (ou João da Costa como ficou conhecido em Portugal) e a filha Charlotte de la Coste, que pelo seu casamento tomou o nome de Charlotte de la Caille. (O facto de os primeiros nomes serem idênticos aos dos pais era muito comum nessa época).

O Dr. António Ribeiro Santos (1), para distingui-los, visto usarem o mesmo nome, chamou ao pai “João da Costa o Velho” e ao filho “João da Costa o Novo”, no entanto e na opinião de Xavier da Cunha, isso seria um aportuguesamento de Lesné (ou l’Aisné como também aparece referência).

Este que veio para Portugal em 1666, por convite do filho, onde acabaria por morrer em Lisboa em 1671. (2)

Da sua estadia em Portugal atesta a sua assinatura num registo manuscrito pertencente ao Arquivo da “Irmandade do Bemaventurado S. Luís Rei de França”, datado de 22 de Julho de 1668. (3)


Cópia do manuscrito


Assinatura de Jean de la Coste

Poderá perguntar-se se este impressor, neste curto período de estadia, terá exercido a sua actividade em Portugal. Xavier da Cunha refere a existência de, pelo menos duas obras, que embora impressas em latim, terão saído dos seus prelos: uma em 1667 e a outra em 1668.

A questão que se coloca, é se teria estabelecido uma oficina própria em Lisboa, pois que deste facto não há qualquer referência, pelo que estes dois livros poderão representar apenas, na sua actividade, um acidente esporádico.

É mesmo possível que estes mesmos livros representem “uma galante deferência do filho para com o pai, um delicado sentimento de cordialidade filial, um requinte de respeito e amor, um pretexto para bibliograficamente ficar um testemunho da colaboração do pai na tipografia lisbonense, um desejo enfim de vincular ostensivamente o nome dói pai à oficina do filho.” (4)

Atente-se agora nas obras sobre as quais tenho escrito:


Controvérsias Philosophicas
(Descritivo)
 
Practica Medica
(Descritivo)

Estas duas obras, aparentemente impressas pelo velho João de la Coste, têm um ponto em comum, pois que ambas representam um testemunho de consideração pelo Dr. Tomas Rodrigues da Veiga.

A Practica Medica é uma obra póstuma que o impressor quis salvaguardar do esquecimento e a segunda – Controversias Philosophicas – é uma apologia escrita por Manuel Reis Tavares, seu grande admirador, contra as impugnações que lhe fizera o Dr. Bento Vasquez Matamoros, Professor catedrático de Osasuna.

Perante este dados, Xavier da Cunha aventa a hipótese, apesar de nas Controversias Philosophicas não existir referência de editor, mas na Practica Medica aparecer claramente o nome do livreiro José Ferreira, “de que em poder do Dr. Manuel dos Reis Tavares (admirador de Tomas Rodrigues da Veiga) existisse porventura o manuscrito inédito de Practica Médica.
Editor das duas obras poderia ter então sido o próprio Dr. Tavares, que na mesma oficina as fizesse ambas estampar.” (4)

Mas perante a designação do impressor Ex Typographia Ioannis A Costa Senioris, talvez não seja esta a verdadeira chave de resolução do problema.


Ex Typographia Ioannis A Costa Senioris

De referir que a vinheta ornamental que figura no frontispício da Practica Médica (e que representa uma elegante jarra com flores) é exactamente a mesma que se observa no rosto das Controvérsias Philosophicas.


Practica Medica
(Frontispício)

Resumindo toda esta argumentação poderemos afirmar, sem grande margem para erro, que as duas obras referidas, ainda que sejam referidas como impressas na Ex Typographia Ioannis a Costa Senioris, foram compostas e estampadas na oficina do seu filho João da Costa.

Todos os elementos tipográficos e decorativos, nelas patentes, são absolutamente os mesmos utilizados por este nas impressões daquele período.

Veja-se apenas esta obra como comprovativo desta argumentação – Notícias Curiosas, e Necessárias do Brasil pelo Padre Simão de Vasconcelos

 

Notícias Curiosas, e Necessarias do Brasil
pelo Padre Simão de Vasconcelos

 

Notícias Curiosas, e Necessarias do Brasil
pelo Padre Simão de Vasconcelos
(Descritivo)

Pode-se afirmar que João de la Coste terá auxiliado o filho, com os seus conselhos de conhecedor da arte de impressor, e que tenho sido ele próprio a compor e a imprimir na oficina deste as Controversias Philosophicas e a Practica Medica, e que a designação de Typographia Ioannis a Costa Senioris signifique apenas o prelo que o velho impressor superintendia ou que por suas próprias mãos trabalhava na oficina do filho, prelo que poderia ter trazido da sua actividade em França, mas seguramente hão teve oficina própria em Lisboa.

Por outro lado, em face destas duas impressões, em que figura o nome de João de la Coste, deve-se concluir perante a uniformidade de assinaturas, já referida na “Irmandade do Bemaventurado S. Luís Rei de França”, que a designação de João da Costa o Velho é errónea, pois que este nunca aportuguesou a sua assinatura, quando muito tal designação justifica-se apenas para os diferenciar.

Espero que estes breves apontamentos sirvam como estímulo, para que após a consulta deste tipo de obras, possamos tirar algumas conclusões, ou apresentar as nossas dúvidas, de modo a partilhar estas mesmas com os nossos leitores para que estes  possam trazer mais elementos ao seu esclarecimento… eu tive apenas este propósito.

Saudações bibliófilas.


Notas:

(1) in Memória da Typographia Portugueza do Seculo XVI, incluída no Tomo VIII (Parte I) das Memórias de Literatura Portugueza, publicada pela Academia Real das Sciências de Lisboa. Lisboa, Na Officina da mesma Academia, M.DCCC.XII. in 4º, com o apêndice “Lista dos Impressores do Século XVI”

(2) Jean de la Caille afirma: “Jean qui fut s’établir à Lisbonne … où il attira son père qui y mourut en 1671"

(3) Xavier da Cunha – Impressões deslandesianas : divulgações bibliographicas / Xavier da Cunha. - Lisboa: na Imprensa Nacional, [1895], (1896). - 2 vols. Volume I pág. 324.

(4) Xavier da Cunha – Impressões deslandesianas : divulgações bibliographicas / Xavier da Cunha. - Lisboa: na Imprensa Nacional, [1895], (1896). - 2 vols. Volume I pág. 330.



Fonte consultada:

Xavier da Cunha – Impressões deslandesianas : divulgações bibliographicas / Xavier da Cunha. - Lisboa: na Imprensa Nacional, [1895], (1896). - 2 vols. Volume I, Capítulo VII, pág. 320-337.

1 comentário:

Bach disse...

Rui:
Tu comentario e muito interessante. A veces os bibliofilos temos que fazer labores detectivescas, que sao muito divertidas.
Saludos.