"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A visão de Fabiano Cataldo sobre João do Rio




João do Rio

João do Rio é o pseudónimo literário de Paulo Barreto (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto). Foi jornalista, cronista, contista e teatrólogo. Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de Agosto de 1881, na rua do Hospício, 284 (actual rua Buenos Aires, no Centro do Rio) e faleceu na mesma cidade. Paulo Barreto era obeso, sentiu-se mal durante todo o dia 23 de Junho de 1921. Ao apanhar um táxi, o mal-estar aumentou pelo que pediu ao motorista que parasse e lhe trouxesse um copo de água. Antes que o socorro chegasse, no entanto, ele faleceu, vítima de um enfarte do miocárdio fulminante.

Era filho de educador Alfredo Coelho Barreto e de Florência Cristóvão dos Santos Barreto. Adepto do Positivismo, o pai  baptizou-o na igreja positivista, na esperança de que o pequeno Paulo viesse a seguir os passos de Teixeira Mendes.

Mas Paulo Barreto jamais levaria a sério a igreja comtista, nem qualquer outra, a não ser como tema de reportagem.


João do Rio

Eleito para a Academia Brasileira de Letras na sua terceira tentativa, em 7 de Maio de 1910, Paulo Barreto foi o primeiro a tomar posse usando o hoje famoso "fardão dos imortais". Foi eleito para a Cadeira n.º 26, na sucessão de Guimarães Passos, onde foi recebido em 12 de Agosto de 1910, pelo académico Coelho Neto.

Fez os estudos elementares e de humanidades com o pai. Estudou Português no Colégio São Bento, onde começou a exercer seus dotes literários, e aos 15 anos prestou concurso de admissão ao Ginásio Nacional (hoje, Colégio Pedro II). Aos 16 anos, ingressou na imprensa.

Em 1 de Junho de 1899, com 18 anos incompletos, teve seu primeiro texto publicado em A Tribuna, jornal de Alcindo Guanabara. Assinado com seu próprio nome, era uma crítica intitulada Lucília Simões sobre a peça Casa de Bonecas de Ibsen, então em cartaz no Teatro Santana (actual Teatro Carlos Gomes).


Avenida Central no início do século XX
(cenário ideal para o "dândi" João do Rio)

Por esta época, estava no jornal Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio e o seu grupo de colaboradores. Surgiu então o pseudónimo de João do Rio, com o qual se consagraria literariamente. Seguiram-se outras redacções de jornais, e João do Rio notabilizou-se como o primeiro homem da imprensa brasileira a ter o senso da reportagem moderna.


O Momento literário

Começou a publicar as suas grandes reportagens, que tanto sucesso obteve no Rio e em todo o Brasil, entre as quais As religiões no Rio e inquérito Momento literário, ambos reunidos depois em livros ainda hoje de leitura proveitosa, sobretudo o segundo, pois constitui uma excelente fonte de informações acerca do movimento literário do final do século XIX no Brasil.

Nos diversos jornais em que trabalhou, granjeou enorme popularidade, sagrando-se como o maior jornalista de seu tempo. Usou vários pseudónimos, além de João do Rio, destacando-se: Claude, Caran d’ache, Joe, José António José.

Como homem de letras, deixou obras de valor, sobretudo como cronista. Foi o criador da crónica social moderna brasileira. Como teatrólogo, teve grande êxito a sua peça A bela madame Vargas, representada pela primeira vez em 22 de Outubro de 1912, no Teatro Municipal. Deixou obra vasta, mas efémera, que de modo algum corresponde à imensa popularidade que desfrutou em vida.


Crónicas e Frases de Godofredo de Alencar

Quando faleceu, era director do diário A Pátria (chamado ironicamente de A Mátria por seus detratores), que fundara em 1920. No seu último "Bilhete" (secção diária que mantinha naquele jornal), escreveu: "Eu apostaria a minha vida (dois anos ainda, se houver muito cuidado, segundo o Rocha Vaz, o Austregésilo, o Guilherme Moura Costa e outras sumidades)..." O seu prognóstico ainda era optimista, pois não lhe restavam mais que alguns minutos quando escreveu aquelas palavras. O seu corpo ficou na redacção de A Pátria, exposto para homenagem pública.

O enterro realizou-se com cortejo de cerca de cem mil pessoas. Na Academia, que então ficava no Silogeu Brasileiro, na praia da Lapa, Carlos de Laet pronunciou o discurso de adeus.

As preferências sexuais de Paulo Barreto desde cedo constituíram-se em motivo de suspeita (e, posteriormente, de troça) entre seus contemporâneos. Solteiro, sem namorada ou amante conhecida, muitos de seus textos deixam transparecer uma inclinação homo-erótica bastante explícita. As suspeitas praticamente se confirmaram quando se arvorou em divulgador na terra brasileira, da obra do "maldito" Oscar Wilde, de quem traduziu várias obras.


Oscar Wilde – Salomé
(tradução de João do Rio)

Obras: As religiões do Rio, reportagens (1905); Chic-chic, teatro (1906); A última noite, teatro (1907); O momento literário, inquérito (1907); A alma encantadora das ruas, crónicas (1908); Cinematógrafo, crónicas (1909); Dentro da noite, contos (1910); Vida vertiginosa, crônicas (1911); Os dias passam, crónicas (1909); Dentro da noite, contos (1910); Vida vertiginosa, crónicas (1911); Os dias passam, crónicas (1912); A bela madame Vargas, teatro (1912); A profissão de Jacques Pedreira, novela (1913); Eva, teatro (1915); Crónicas e frases de Godofredo de Alencar (1916); No tempo de Wenceslau, crónicas (1916); A correspondência de uma estação de cura, romance (1918); Na conferência da paz, inquérito (1919); A mulher e os espelhos, contos (1919).

Vêm estes apontamentos breves a propósito de um dos últimos trabalhos publicados por Fabiano Cataldo de Azevedo: A doação da biblioteca João do Rio ao Real Gabinete Português de Leitura: aspectos de uma história pouco conhecida, publicado em Perspectivas em Ciência de Informação, vol. 15, n.º 3, p. 233-249, Set./Dez. 2010. (1)


A doação da biblioteca João do Rio ao Real Gabinete Português de Leitura:
aspectos de uma história pouco conhecida

Nas palavras do seu autor: “Expõe resultado de investigação acerca da origem da Biblioteca Paulo Barreto (João do Rio) no Real Gabinete Português de Leitura. Como subsídio documental foram utilizados farta documentação pouco conhecida pela comunidade científica. A abordagem se insere no âmbito de Formação e Desenvolvimento de Coleções, uma vez que conhecer a história das coleções que compõem uma biblioteca favorece a compreensão de sua história. Objetiva oferecer elmentos para estudos acerca do escritor e jornalista. Reconstrói e relata todo o processo de doação e recepção dos livros do escritor fluminense utilizando fontes manuscritas e impressas. Apresenta amostragem de autores presentes na coleção, analisa a forma de organização do acervo e infere que a disposição adotada atualmente é a mesma privilegiada por seu primitivo possuidor. Considera que a biblioteca recebida representava a soma de dois acervos anteriormente formados por razões diversas.”

Proponho-vos para leitura mais este tema, objecto das minhas divagações e incursões pelo mundo do livro, e para divulgação de alguns aspectos menos conhecidos da literatura em português.

Saudações bibliófilas.



Notas:

(1) Existe uma primeira versão: A doação da Biblioteca João do Rio ao Real Gabinete Português de Leitura publicado na Revista Convergência Lusíada, 24 do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro – Centro de Estudos. 2º Semestre – 2007. p.317-320.

Pela importância da maioria dos textos incluídos nesta revista, com destaque para o trabalho Pensar para além das etiquetas por Vanda Anastácio, deixo aqui o link para vosso acesso:


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