Para um amigo
de Beja
Livraria Nova-Ecléctica - Lisboa
No campo editorial, perspectivam-se alguns lançamentos interessantes de que destaco: «Poemas Portugueses – Antologia da Poesia Portuguesa do séc. XIII ao XXI» (Porto Editora), sob coordenação c de Jorge Reis-Sá e Rui Lage (por se tratar de um título português, mas estão na forja, várias traduções para serem lançadas neste mês). (1)
Aproveito, enquanto todos nós fazemos as nossas contas e elaboramos as nossas estratégias coleccionísticas, para reflectir um pouco sobre a estrutura e objectivos deste Blog, passados que são seis meses sobre o seu nascimento.
Esta reflexão é fruto duma crítica que me foi feita sobre a apresentação visual do mesmo, e tenho pena que mais não surjam.
Passo a explicitar o porquê daquilo que aqui se encontra, não porque isto seja importante para meu “ego”, que é bem pequeno, mas por facilitar a sua compreensão e, deste modo, a própria evolução do mesmo.
Assumo ser uma atitude de risco, pois outros com maior capacidade e formação do que eu próprio, já disseram quase tudo ... mas eu gosto de correr riscos!
No século XIX, pelo qual tenho uma paixão muito especial, há alguns escritores que me fascinaram sempre: Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Almeida Garrett (os mais conhecidos), mas também o Luz Soriano e o Joaquim Martins de Carvalho (estes pelos seus escritos históricos).
Todos se prestam a reflexões bibliófilas e a pequenas anotações históricas (para mim claro!) que os insiram nos eventos seus contemporâneos da nossa História, como eu gosto de fazer, e como já se aperceberam certamente, quer pelos artigos quer pelos comentários.
Escolhi o Camilo por questões sentimentais.
António Gedeão
«Pedra Filosofal»
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarela voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
In «Movimento Perpétuo», 1956 (3)
“A Pedra Filosofal” é um poema que me fascinou desde que o li pela primeira vez.
Resume em minha opinião toda a nossa história duma maneira notável!
E, para mais, tem outro aspecto curioso para mim : “Como é que um “sujeito” – Rómulo de Carvalho – que me “moeu o juízo” com os seus tratados de Físico-Químicas durante os meus estudos liceais, consegue escrever poemas tão belos e sentidos?”
(Opinião suspeita visto gostar muito de poesia!)
3) Quando citei a frase do Miguel de Sousa Tavares, que encontrei ao ler “Rio das Flores” (4), não é tanto pela admiração pelo Homem (ainda que goste bastante de algumas coisas que escreveu como “Equador”, “Rio das Flores” e “No teu deserto – Quase Romance») mas pelo significado da frase que sinto-a como algo inquestionável nas minhas entranhas enquanto cidadão do Mundo. Com efeito a liberdade só se deve temer por ela se poder tornar um vício!
«Rio das Flores»
José Gomes Ferreira
Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?
Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.
(Era uma revistazinha escrita e policopiada por nós: eu, o Fernando Baptista e o Costa Martins – o “núcleo duro” – no âmbito das chamadas “Actividades Circum-Escolares!”)
actual «Escola Secundária de Camões»
Talvez a opção pela frase de Miguel de Sousa Tavares não seja a mais feliz, mas na altura em que elaborei o visual inicial do Blog foi o que tinha mais á mão (“preguicite” intelectual!).
Nunca pretendi, ou gostei, de “atropelar alguém”, nem mesmo intelectualmente! Gosto sempre de escutar antes de me pronunciar, aceitar as críticas ... mas gosto, e julgo saber fazê-lo, de lutar por aquilo em que acredito!
Pois, e passe o chavão da frase, “a minha liberdade termina, quando começa a liberdade da outra pessoa!”
Lisboa, Por Pedro Crasbeeck, 1614
É esta a principal razão do atraso dum artigo sobre Pedro Craesbeeck, prometido há algum tempo, e ainda não publicado.
De facto, este está delineado há cerca de dois meses, mas pesquisas posteriores fizeram-me repensá-lo, a aquisição de um livro impresso por ele, assim como outros que consultei, trouxeram novos elementos.
E, para complicar a situação, comprei recentemente um folio com duas leis impressas por António Craesbeeck de Mello em 1668 que me fez reavaliar a sua sequência posterior (existe, apesar de tudo, alguma sequência depois de encetado um assunto).
Entretanto vou escrevendo “livremente” o que me dita a minha inspiração de momento, o olhar mais atento sobre algum dos meus exemplares e. porque não, a recordação duma conversa com alguém que me trouxe reminiscências de tudo aquilo que aqui se faz.
Saudações bibliófilas
(1) «Os Meus Livros» n.º 81 – Ano 7 – Novembro 2009. pp. 71
Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo. A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990). Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia. Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção.
Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973). Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.
(4) «Rio das Flores» - Miguel Sousa Tavares: Sevilha, 1915 – Vale do Paraíba, 1945: trinta anos da história do século XX correm ao longo das páginas deste romance, com cenário no Alentejo, Espanha e Brasil. Através da saga dos Ribera Flores, proprietários rurais alentejanos, somos transportados para os anos tumultuosos da primeira metade de um século marcado por ditaduras e confrontos sangrentos, onde o caminho que conduz à liberdade parece demasiado estreito e o preço a pagar demasiado alto. Entre o amor comum à terra que os viu nascer e o apelo pelo novo e desconhecido, entre os amores e desamores de uma vida e o confronto de ideias que os separam, dois irmãos seguem percursos diferentes, cada um deles buscando à sua maneira o lugar da coerência e da felicidade.
Rio das Flores resulta de um minucioso e exaustivo trabalho de pesquisa histórica, que serve de pano de fundo a um enredo de amores, paixões, apego à terra e às suas tradições e, simultaneamente, à vontade de mudar a ordem estabelecida das coisas. Três gerações sucedem-se na mesma casa de família, tentando manter imutável o que a terra uniu, no meio da turbulência causada por décadas de paixões e ódios como o mundo nunca havia visto. No final sobrevivem os que não se desviaram do seu caminho.
(5) Deixo aqui, por curiosidade, a lista de alguns dos alunos famosos ligados às Letras deste Liceu: Mário de Sá-Carneiro, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, Rómulo de Carvalho (também conhecido como António Gedeão), Mário Dionísio (no qual também foi professor), Jorge de Sena, José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira (no qual também foi professor), Fernando Namora, Urbano Tavares Rodrigues, Almeida Faria, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Manuel Lopes Fonseca (mais conhecido por Manuel da Fonseca), Manuel dos Santos Lima, João Aguiar, Baltazar Lopes da Silva, José Gomes Ferreira e Eduardo Prado Coelho.
4 comentários:
Estimado Rui.
Qué rápido pasa el tiempo, felicidades por el primer semestre de tu blog, el cual se ha convertido en un espacio necesario y na excelente fuente para aprender de libros y autores portugueses.
Saludos bibliófilos.
Artículo genial por el que pasas de un lugar a otro con tu estilo narrativo.
Me gustó el tema de la censura (¡todos tenemos un pasado!) y sigue con tu blog que divulga y nos informa sobre la bibliofilia portuguesa y sus literatos.
Estimados Galderich y Marco Fabrizio
Obrigado pelos vossos comentários, como sempre exagerados.
Neste momento, para mim o Blog representa tão somente um espaço aonde pretendo reflectir com os meus leitores sobre a tipografia e a imprensa em Portugal e, obviamente, sobre livros e escritores. Chamar a atenção para o valor, ou não, a técnica e os tipos duma encadernação. Colocar algumas das muitas dúvidas que se nos põem enquanto bibliófilos com um pouco mais de experiência.
Mas aqui, reside talvez a principal diferença em relação a outros congéneres: falo mais de autores e livros menos conhecidos, mas importantes na época, e mesmo ainda hoje, que os podem tornar apetecíveis para um “bibliófilo principiante” sem que o seu preço o desanime logo ao primeiro contacto!
A razão da divulgação de livrarias e livreiros-antiquários, insere-se, como já disse, nesta perspectiva: facultar a informação onde se podem encontrar alguns dos livros e autores propostos bem como ser atendido “com uma palavra amiga e um bom conselho”.
Em relação aos grandes clássicos, da nossa literatura, têm aqui o seu lugar, não cometeria esse sacrilégio, mas mais numa vertente histórica e bio-bibliográfica do que falando isoladamente dum livro.
Tenho orgulho em dizer que nós portugueses temos livros duma beleza tipográfica capaz de ombrear com qualquer outro impresso noutro país... que já viram exemplos e verão mais ainda!
Mas, para além de não ter conhecimentos para tanto, também não é esse o propósito que me move prioritariamente. (Aliás, para isso, existem outras e bem completas fontes de informação!).
Penso que se conseguir atrair mais um, ou dois novos bibliófilos, se sentir que os ajudei, o meu Blog terá toda a razão para continuar a existir, mas se este for “uma montra ou estante” de livros por onde passam os meus exemplares ou livros raros, não tem razão para continuar ... os vossos Blogs preenchem bem esse espaço e com muito maior qualidade do que eu alguma vez conseguirei.
Bem hajam pelo vosso apoio
Saudações.
PS: Perdoem-me a extensão do comentário, mas gosto de reflectir convosco e este é mais um tema de reflexão do que um simples comentário: que futuro se reserva para quem se inicie agora na bibliofilia? Se calhar terei de (re)voltar a esta questão.
Caro Rui,
muito obrigado pela dedicatória. Adorei ver as suas palavras, desta vez ilustradas pelas imagens e textos. Gostei também muito do comentário que fez a este mesmo artigo. Bem haja, e que tenhamos muitos anos de Tertúlia. Como já lhe tenho dito, tenho aprendido muitíssimo aqui. Por isso e por tudo o mais, o meu agradecimento.
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