"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

quarta-feira, 24 de junho de 2009

José Agostinho de Macedo



Com base na obra, «Biographia do Padre José Agostinho de Macedo» por Joaquim Lopes Carreira de Mello, vou apresentar-vos um dos escritores mais controversos da literatura portuguesa do século XIX, como preâmbulo de um artigo sobre um folheto que adquiri recentemente: «O Novo Argonauta» (mas a ele voltaremos na altura).

Trata-se de um escritor controverso, pois foi elogiado por uns, como se pode ver pela simpatia que transparece desta obra, e combatido, ferozmente, por outros.
Homem de uma grande instabilidade, tanto literária, pois com Bocage, de quem mais tarde foi inimigo figadal, fundou a Nova Arcádia e usou o nome de Elmiro Tagideu, transformou-se num autor panfletário em defesa dos ideais absolutistas, ainda que com uma conduta de vida pessoal bastante questionável. tinha também, no campo literário, como uma das suas características, o contínuo trabalho de refundição dos textos; assim como nas opiniões políticas, mas cedo aderiu ao miguelismo e defendeu em muitos panfletos violentos as doutrinas absolutistas.
Talvez esta instabilidade se enquadre no contexto geral da História de Portugal pois ele viveu a ida da Corte para o Brasil, as Invasões Francesas, a intromissão inglesa na governação do Reino, a Revolução Liberal de 1820 e a Guerra Civil. Só para citar os factos mais salientes.
No tocante à obra referida, se o texto deve ser lido com cuidado, pela posição parcial do autor, o «catalogo alfabético de todas as suas obras», que o completa, é de uma importância inquestionável.
Mas passemos ao texto em questão.



José Agostinho de Macedo

José Agostinho de Macedo natural de Beja, onde nasceu no dia 11 de Setembro de 1761, e foi baptizado na Igreja Paroquial do Salvador, no dia 1 de Outubro do mesmo ano, foi o filho primogénito de Francisco José Tegueira, primeiro marido de Angelica dos Serafins Freire, o qual era filho de Pedro Nogueira Sobrinho, e Rosa Maria, naturais da cidade de Beja, a mãe era filha de Manuel Baptista Freire, e Ana Rosa, naturais da cidade de Lisboa.
Seu pai, que era ourives, queria que este filho, dando-lhe uma boa educação, não precisasse de seguir a mesma vida, segundo os usos, ou mania em Portugal, e como descobrisse nele uma extraordinária vivacidade, e sinais de talento, procurou dar-lhe os primeiros rudimentos da língua materna, pelo que o entregou a um seu amigo, de apelido Mendes, também ourives, quando José Agostinho já contava onze anos de idade.
Os progressos de José Agostinho causaram assombro nos mestres, e nos condiscípulos inveja, não deixando algumas vezes de excitar a indignação dos primeiros, e o ódio dos segundos com suas respostas, e ditos impróprios daquela tenra idade, principalmente um dia, em que se fazia a leitura de Camões, ele, cheio de ousadia, disse — Camões não presta — O seu mestre repreendeu-o, mas como ele insistisse, castigou-o, por tamanha blasfémia literária.

Como era usual na altura, a clausura monástica era um seguro asilo, onde a mocidade podia servir a Deus, a si, e aos outros, e facilmente subir ás mais altas dignidades, fosse qual fosse o berço em que o homem nascesse; ou, quando menos, um meio de fugir aos perigos, e incómodos da vida, pensou o pai, que tal vida convinha ao seu filho, cujos talentos cada dia se manifestavam de um modo extraordinário, e por isso, após frequentar em Beja os estudos necessários, para entrar na religião, tomou o habito de Santo Agostinho, dos Eremitas Calçados no Convento de Nossa Senhora da Graça, na cidade de Lisboa.
Nesta Ordem professou; e foi sacerdote com o nome de Fr. José de Santo Agostinho. Ali fez admirar os seus talentos, e algumas vezes tirou os padres de certos embaraços, como foi na ocasião da morte do conde de Vila Verde, que era descendente do grande Afonso de Albuquerque, ao determinar que este fosse enterrado na mesma sepultura do seu imortal ascendente, na Igreja do Convento onde este jazia, mas que pela nova forma que se lhe dera em consequência dos danos sofridos pelo terremoto do 1 de Novembro de 1755, tinha-se perdido a sua localização; declarando José Agostinho, onde esta se achava.
Pregava na sua Ordem com grande aplauso dos religiosos, e admiração de todos, mas, fazia-se admirar mais pelos seus talentos naturais, do que pelo seu estudo assíduo, também se fazia aborrecer pelo seu desmedido orgulho, e pelas suas leviandades e travessuras, praticadas, tanto no Convento da Graça em Lisboa, como no Colégio de Coimbra.

Como em toda a parte, se encontra quem alimente o maledicência, Fr. José encontrou na sua Ordem um companheiro, que se não tinha o seu talento, tinha contudo mais ideias para fomentar os tumultos com que constantemente afligiam a comunidade.
Tão indigno confrade, foi Fr. Francisco, natural da Vacariça; porém, como tais excessos não se poderiam tolerar numa casa particular quanto mais numa corporação religiosa, o prelado, que tinha estrita obrigação de os reprimir foi por isso obrigado, por vezes, a aplicar a estes perturbadores da comunidade as penas consignadas no Estatuto da Ordem; mas tais castigos aplicados a um caracter orgulhoso pelo talento como o de Fr. José, levaram este mancebo ao extremo de não poder suportar o jugo daquele sagrado Instituto; infeliz, porque nem mesmo aquelas cadeias, poderam prender o seu génio inquieto, que o levaram ao excesso de deixar a sua Santa Comunidade apostatando.
A apostasia não podia livrar Fr. José duma justa perseguição dos seus confrades, a quem faltava um irmão que era preciso conduzir ao seio da família pelos laços da religião, e que poderia ainda corrigir-se, e assim aproveitarem-se os talentos superiores dum mancebo, que poderia ser um dia o emblema da Ordem e da Pátria.
Mas melhores conselhos, ou pelo menos mais prudentes, prevaleceram nos conselhos da Comunidade. Deixaram de perseguir Fr. José de Santo Agostinho e deram-lhe a sentença de expulsão perpetua da Sagrada Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho.
Quanto a Fr. Francisco não se sabe se foi também expulso, é porem certo que apareceu secularizado e que até o fim da sua vida, foi um homem duma vida muito desregrada.

Na vida secular. Fr. José de Santo Agostinho, tomou o nome de Padre José Agostinho de Macedo.
Macedo já não sofria a justa perseguição que se fazia ao apostata, mas sofria a perseguição da indigência, com que lutava, indigência que emanava do desprezo publico. Tão severa lição, dada pela Providencia a um indivíduo que conhecia o seu talento, mas que acabava de ser assim levado á humilhação, fê-lo pensar, e mudar de vida; para deste modo, poder entrar na sociabilidade dos homens. Mudou efectivamente de sistema, e começou a ser mais considerado. Durante o período de grande miséria foi socorrido pelas Religiosas Trinas do Rato, que foram quase exclusivamente, quem lhe mataram a fome, pelo que se compreende a razão porque ele tinha tanta afeição por aquela Casa; era em dever de gratidão, e a que só uma alma totalmente pervertida poderia faltar.

Mais comedido, Macedo começou a ser aceite no círculo dos homens de letras, e como era dotado de muita finura, e via que para não voltar á indigência, não tinha remédio se não aproveitar o seu engenho, devorou quantos Santorais, e Sermonarios encontrou, leu os Escritores Eclesiásticos, os Concílios, Historia Eclesiástica, Santos Padres, Escritura etc., tornou-se num bom pregador.
Mas sobretudo o meio mais eficaz que empregou para adquirir os conhecimentos sólidos com que enriqueceu o seu espírito, foi a amizade, e relações com distintos oradores, poetas, sábios, e literatos do seu tempo, que eram alguns, e com grandes méritos, pois bem sabia que valia mais uma conferencia com tais homens; do que muitos anos de estudo; e como tinha grande memória nada lhe escapava do que eles diziam, e consultava os autores por eles citados, correndo todas as bibliotecas de Lisboa; ouvia os grandes oradores, com muita atenção, com maior desejo de os exceder do que de os imitar.


                                                                        Vinheta tipográfica - Armas do Reino - na página de título
 MELLO, Joaquim Lopes Carreira de – BIOGRAPHIA DO PADRE JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO.
Seguida d'um catalogo alfabetico de todas as suas obras.
Porto, Typ. De Francisco Pereira d’Azevedo, Rua d'Almada n.º 388, 1854

Deste forma e, ajudado pelo seu engenho e arte, despido de todo o acanhamento em publico, começou a subir ao púlpito com tanta prontidão, e falar com tanto aplauso do auditório, que em breve se tornou célebre pelos seus discursos sagrados, que causavam mais admiração por serem improvisados do que pelo desempenho.
Na Quaresma, chegou a pregar seis, sete, e oito vezes, no mesmo dia, de forma inteiramente diferente, e, às vezes, sobre o mesmo assunto.
Quando o elogiavam nalguma Igreja, costumava dizer: “são fornadas”; como tais se podem chamar os sermões que pregou em 1820, e depois em 1823 e seguintes.
Um orador de mérito tão elevado não podia ficar no esquecimento dos homens protectores dos génios transcendentes, e Monsenhor Rebelo obteve-lhe do Príncipe Regente – o futuro D. João VI – a nomeação de Pregador Régio, por carta de 8 de Novembro de 1802.
No espaço de vinte e nove anos, muitas vezes teve a honra de pregar diante de Suas Majestades e Altezas.

Foi também nomeado Censor Régio do Patriarcado, lugar de grande consideração e respeito. A ultima graça régia que teve foi a de substituto do Cronista-Mor do Reino por decreto de 21 de Junho de 1830, como se pode ver do seguinte documento:

«Eu El-Rei. Faço saber aos que este Alvará de assentamento virem que por parte do Padre José Agostinho de Macedo Me foi apresentado um Alvará passado pela Meza do Dezembargo do Paço em 14 de Junho do corrente anno, pelo qual Fui servido Nomeal-o Substituto Chronista do Reino com o ordenado de 300$000, o qual Alvará lhe foi dado pela dita Meza em vista do Decreto de 21 de Junho do anno proximo passado. E pedindo-Me o sobredito agraciado lhe mandasse passar o presente a fim de poder haver aquelle vencimento pela estação competente: Em consideração, pois, e Attendendo ao que Me foi presente em informação do Escrivão da minha Fazenda, sobre o que respondeo o Conselheiro Procurador da mesma; Hei por bem que o sobre-mencionado Padre José Agostinho de Macedo tenha e haja, com o logar de Substituto Chronista do Reino, de seu assentamento em cada um anno 300$000, assentados e pagos pela Folha dos ordenados da Alfandega Grande d'esta cidade, com o vencimento do dia da mercê em diante. Pelo que mando aos Ministros Conselheiros do Conselho da Fazenda lhe façam assentar nos competentes Livros a referida addição, para annualmente hir na respectiva Folha, e ser-lhe pago como dito fica. Por quanto pagou de Novos Direitos 30 reis que foram carregados ao Thesoureiro d'elles a fl. 61 do livro 4.º da sua Receita, como constou d'um Conhecimento em forma registado a fl. 136 V.º do Livro 104 do Registo geral dos mesmos direitos, que se rompeo ao assignar d'este que valerá posto que seu effeito haja de durar mais d'um anno, sem embargo da ordenação em contrario e se cumprirá, indo por Mim assignada, tendo passado pela Minha Chancellaria, e sendo registada nos livros d'ella, Mercês e Fazenda. Lisboa 18 de Agosto de 1831.—REI—Doutor Diogo Vieira de Tovar e Albuquerque—João Manoel Guerreiro d'Amorim. Manoel Xavier da Gama Lobo o fiz escrever.—Domingos Antonio Barboza Torres a fez. De feitio e registo 800 reis. Passou-se por Despacho do Tribunal do Conselho da Fazenda de 11 de Agosto de 1831. Antonio Gonçalves Ribeiro. Gratis. Pagou 30 reis e aos officiaes nada por quitarem. Lisboa 10 de Setembro de 1831. Como Vedor José Bravo Pereira.»

Se o Padre Macedo não tivesse saído da sua Ordem, talvez tivesse feito melhor figura, onde tinha todos os elementos para a elevação, que na vida secular, e apesar de todos os seus esforços, sempre se lhe mostrou avessa. Os monarcas tiveram-no em toda a consideração, e premiaram o seu talento até onde a moral permitia que fosse, mas nunca o propuseram para o episcopado, que eram os desejos de José Agostinho.

O desembargador João da Cunha Neves e Carvalho Portugal, que, aquando da sua estadia em França, ouvira dizer ao cura de S. Tomas de Aquino (que aprendeu o português para ler as obras do bispo D. Jerónimo Osório), que o poema filosófico «A Meditação» era obra acabada, opinião partilhada por muitos outros literatos franceses.

Esta obra não foi uma produção de momento, como aquelas tão frequentemente saídas da pena de José Agostinho, e assim o parece demonstrar o original do dito poema, que existe na Torre do Tombo, e que tem no fim a seguinte nota, com a mesma letra, e que é a do autor:

«Foi começado este poema em 2 de Dezembro de 1793, e concluido n'este estado de possivel perfeição em que aparece a 5 de Janeiro de 1810»—Dedicado á Universidade de Coimbra com a data de 13 de Janeiro de 1810.

José Agostinho de Macedo, faleceu em Pedrouços, depois de uma doença prolongada de bexiga, ás 11 horas da manha do dia 2 de Outubro de 1831, tendo sido assistido pelo padre Manuel Barreiros, prior de S. Domingos de Benfica.

Jaze na Capela de S. Nicolau de Tolentino, da Igreja do Convento de Nossa Senhora dos Remédios das Religiosas Trinitárias, no sitio do Rato, em Lisboa.

D. Miguel, que então ocupava o Trono Português, mandou-lhe fazer o enterro e que este fosse em coche da Casa Real.
Este monarca, por quem Agostinho Macedo tanto dirimiu em polémicas em sua defesa, recebeu a chave do seu caixão, e, por sua ordem, se lhe tirou o molde em cera, para se lhe levantar um busto.

Ricardo Raimundo, que tinha sido o censor das obras de José Agostinho, escreveu o seu elogio necrológico.


                                                                                        José Agostinho de Macedo

Mas se por um lado, houve quem quisesse deprimir o seu talento como homem que pertence á nossa Historia política e cultural, também houve quem lhe fizesse justiça, entre estes citaremos o Dr. António Manuel do Rego Abranches, homem, que em política foi oposto a Macedo, mas que na pequena biografia que serve de introdução ao Catalogo das obras do padre diz:

"Hum sentimento de patriotismo em fazer conhecer as muitas obras impressas de José Agostinho de Macedo nos incitou a imprimir o presente Catalogo por não haver impressa alguma noticia exacta das suas producções litterarias, nem ao menos Catalogo das que correm impressas, de que o titulo mesmo de muitas d'ellas he ignorado existindo apenas essa diminuta resenha publicada na nova edicção do Motim Litterario pelo auctor da Biographia historica e Litteraria, que não quiz dar-se a trabalho pensando talvez não tornar elle o Traductor da Batrachomyomachia alguma cousa mais em Philologia nem mais lhe auctorisou o vislumbre de renome, e d'aura popular.1 Com o nome de Fr. José de Santo Agostinho foi sacerdote professo da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho calçados, da qual secularisando-se voltou ao seculo. Foi Prégador Regio, Censor do Ordinario, Academico da Arcadia de Roma com o nome entre os seus Alumnos de Elmiro Tagideo, homem de talento, grande memoria, e vasta erudição, em fim um sabio, de que seus escriptos são o elogio."

Além de muitos panfletos como o famoso «Os Burros» (1827), escreveu toda uma série de poemas de tema filosófico, de que se destacam: «Contemplação da Natureza» (1810), «O Novo Argonauta» (1809), «O Motim Literário em forma de Solilóquios» (1811), «A Meditação» (1813), «Newton» (1813), «Cartas Filosóficas a Ático» (1815), «Viagem Extática ao Templo da Sabedoria» (1830) «A Criação» (1845)
O seu grande cometimento literário foi o poema épico «Gama» (1811), cuja 2ª edição, em 1814, se intitulou «O Oriente». É uma tentativa confessada de emendar aquilo que considerava errado em «Os Lusíadas», de Camões, e de fazer justiça a certos heróis que este deixara na sombra.

Para os mais curiosos deixo aqui o “link” para uma das suas obras mais famosas «Newton»:

Saudações bibliófilas

4 comentários:

Galderich disse...

Es curioso como la historia de Portugal y España se tocan constantemente y tenemos momentos iguales y personajes iguales...
Vaya con nuestro siglo XIX!

Veronica Castanheira disse...

Descobri o seu blog hoje e estou encantada com pesquisa e a riqueza das informações históricas. Sou historiadora brasileira e pesquiso a história do livro e das leituras em Portugal no século XIX. Estou no mestrado com o projeto de pesquisa sobre a recepção da obra "História de Portugal", de Alexandre Herculano, em 1846,e sua repercussão entre as elites letradas portuguesas. Apesar da bibliografia sobre este assunto ser bastante extensa em Portugal, aqui, no Brasil, não temos pesquisas sobre o mesmo. Portanto o seu blog será, pra mim, também um objeto de estudo. Parabéns pela iniciativa!

anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
anónimo disse...

Não sei se é para rir ou chorar... Fontes tão inventivas que colocam Agostinho de Macedo em apostasia... Há disso ALGUMA prova?...

É muito grave