"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 29 de novembro de 2009

«Livraria Manuel Ferreira» - 89º Catálogo




Lote 30307

Esta prestigiada Livraria-Antiquária editou recentemente o seu 89.º Catálogo, em formato digital, com a finalidade de facilitar a pesquisa de livros e temas de acordo com as preferências de cada bibliófilo. Aqui fica o link para a versão pdf do mesmo:

Ainda que a grande maioria dos livros seja contemporânea, alguns com boa procura pela sua temática, apresenta igualmente alguns livros dos séc. XVII-XVIII de inegável qualidade e interesse.
Aliás dentro das ofertas que têm aparecido no mercado bibliófilo e que têm correspondido à procura: livros contemporâneos (um grande leque de autores do século XX) e séculos XVII e XVIII.
Do século XIX aparecem mais obras temáticas que propriamente de autor, estão apenas representados “autores menores” (1) e já finisseculares.
Almeida Garrett, Eça de Queirós e Antero de Quental tem aparecido pouco, Camilo Castelo Branco vai sempre aparecendo, tem obra vasta e com alguns títulos não muito raros.
Refira-se a título de excepção o vasto lote de livros de Guerra Junqueiro presente no Leilão da Renascimento (16 títulos!).


Gravura no Catálogo

Espero que possam encontrar algum livro do vosso agrado ... senão ficamos sempre com o aporte de mais informação, como é habitual nestes catálogos, e que nos é sempre tão útil.

Saudações bibliófilas.

(1) Não gosto desta expressão! No entanto cito-o dada a sua utilização generalizada. Em minha opinião o valor de cada autor corresponde ao valor que cada um de nós lhe dá.
Mesmo os “intocáveis” terão seguramente os seus detractores (como sempre ocorreu), basta lembrarmo-nos de Fialho de Almeida e Eça de Queirós e de José Agostinho de Macedo e Luís de Camões.
Daí a riqueza da colecção bibliófila, pois permite tantas formas quanto os gostos de cada um.

António Lobo Antunes no Casino da Figueira da Foz






Conforme já aqui tinha sido anunciado e de acordo com a notícia de «O Figueirense» (1):

“António Lobo Antunes – que esteve no Casino Figueira no passado dia 21, para a gala de entrega dos prémios da Academia Pedro Hispano, que integra – fez o lançamento nacional da sua obra anterior “Arquipélago da Insónia” precisamente no Casino Figueira.
Um ano depois, é com "Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?", o seu 24.º romance, escrito entre 2008 e 2009, que regressa.
O título surgiu durante um almoço com os irmãos e músicos Vitorino e Janita Salomé – também membros da Academia Pedro Hispano e presentes no Casino Figueira no último sábado – em que estes cantaram uma canção que continha em verso este título, que Lobo Antunes diz tê-lo tocado profundamente. "Estes dois versos não me largam (...) Gostava de usá-los como título de um livro: tocaram não sei onde, no mais fundo de mim, e eu comovido como tudo, com lágrimas dentro", escreveu numa crónica na revista "Visão" no ano passado.
A história deste romance gira em volta de uma mãe de uma família alentejana que, à beira da morte, tem a sua vida narrada através de cada um dos seus filhos. Para conhecer amanhã, frente-a-frente com o autor.
A apresentação do livro, de entrada livre, é feita por António Bettencourt, o revisor filológico da obra, na presença do autor. A partir das 17h00. (27-11-2009)



António Lobo Antunes

desloquei-me ao Casino da Figueira da Foz para assistir ao lançamento deste seu último romance, cuja apresentação esteve a cargo do meu prezado amigo António Bettencourt.

Deixo aqui o resumo da apresentação de António Bettencourt (2):

“A memória
O romance desenvolve-se a partir da morte da mãe que suscita a memória dos filhos, marido e criada. Todo o romance é construído a partir destas memória familiares.

A distância
Distância da mãe em relação aos filhos, colmatada em parte por Mercília mas recusada por todos.
Distância dos irmãos uns com os outros, num universo de tensão, repulsa e raiva.

A alienação e busca de afecto
De Ana, pelas droga e degradação.
De João. pela pedofilia e homossexualidade.
De Francisco, pela obsessão de vingança e apropriação dos bens materiais.
Do pai, no jogo.

Um discurso marcado pelo espaço
A quinta como espaço matricial do romance que contamina o discurso de alusões e elementos telúricos.
A presença dos animais como metáfora e metonímia de fantasmas individuais.

A escrita
Polifónica: várias vozes que se entrelaçam numa dominante.
Politópica;: onde os espaços se sobrepõem.
Policrónica: onde vários tempos se diluem.
Emergência do auto-narrador.

O fascínio da escrita de António Lobo Antunes
Escrita ambígua e aparentemente desestruturada a obrigar o leitor a reconstruir interiormente toda a narrativa.”


"Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?"

Terminada a alocução, Lobo Antunes fez uma intervenção, seguida atentamente pela plateia, a que se seguiu uma interessante troca de impressões com a assistência. No final, a tradicional sessão de autógrafos.

Proponho que, para os mais "distraídos" ou para todos aqueles que na altura não poderam acompanhar, e que queiram conhecer um pouco melhor este autor – um dos maiores nomes das letras portuguesas – vejam a entrevista que concedeu a 22 de Outubro na RTP1 a Judite de Sousa em Grande Entrevista com António Lobo Antunes por ocasião do lançamento deste livro. (3)

Saudações bibliófilas.


(1) «O Figueirense» – Director: Joaquim Gil / 27/11/2009 / Ano 91º / Edição N.º 5641
(2) Texto, gentilmente oferecido e assinado pelo autor, com permissão de publicação.
(3) Como curiosidade, refira-se que este livro já vai na 6ª edição.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

«Feira de Antiguidades e Livro Antigo» na Alfândega do Porto



Como já se referiu aqui, este mês tem sido, de facto, bem recheado de eventos bibliófilos e literários.
Assim vejamos, no dia 27 será inaugurada a «Feira de Antiguidades e Livro Antigo» na Alfândega do Porto, a qual decorrerá até 1 de Dezembro.

Estarão presentes estas Livrarias, assim como outras que merecerão certamente a nossa visita e consulta dos seus exemplares, mas que não as refiro apenas por desconhecimento e não por qualquer animosidade pessoal.


«Livraria Manuel Ferreira»



«Livraria Alfarrabista Miguel de Carvalho»


De que deixo aqui o “link” para a sua selecção de livros referente ao mês de Novembro:

«in-libris»


E para remate, no próximo dia 28, o meu estimado amigo António Bettencourt fará, pelas 17h, a apresentação do último romance de António Lobo Antunes: «Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?», com a presença do autor, no Casino da Figueira da Foz, na Sala Figueira.


«Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?»

Bom, penso que apesar de tudo, ainda teremos tempo para conviver com os nossos familiares e amigos e, porque não, deliciarmo-nos com a leitura ou consulta de um dos nossos apreciados livros ... e, quem sabe, se de alguma compra bem recente!

Saudações bibliófilos.

XII Salón del Libro Antiguo – Madrid 2009






Vai decorrer em Madrid, no Hotel Miguel Ángel, de 26 a 29 de Novembro o «XII Salão do Livro Antigo». Neste evento bibliófilo estará presente a «Livraria Castro e Silva» de Lisboa.


31. ENCADERNAÇÃO ARTÍSTICA EM PELE DE PORCO. RETRATO DE CARLOS V. SEC. XVI. Q. AVRELII SYMMACHI VC. P. V. ET COS. ORD. EPISTOLARVM AD DIVERSOS LIBRI X. Sumptib. Heredum Eustathij Vignon. CIC IC IIC. [SIMACO (Quinto Aurélio) EPISTOLARUM AD DIVERSOS em 10 livros. Com um índice pormenorizado. Genebra. 1587]. De 18x12 cm. Encadernação quinhentista inteira de pergaminho rígido de porco com ferros a seco representando os retratos do Imperador Carlos V e do Duque da Saxónia João Frederico, respectivamente na pasta anterior e na pasta posterior, acompanhado de legenda sob os retratados. Exemplar belo da arte de encadernação renascentista.


Fica aqui o seu Catálogo de Livros Raros para consulta e, quem sabe, um bom convite para os nossos vizinhos contactarem, mais de perto, com a nossa bibliofilia.

Saudações bibliófilas.

domingo, 22 de novembro de 2009

Vamos conversar um pouco ...




Paisagem

Nestes dias, já um pouco invernosos, em que ao por do Sol, começa a saber bem ficar em casa, no conforto familiar para um agradável convívio, hoje decidi trocar algumas impressões convosco e divagar um pouco sobre o tema dos nossos encontros / desencontros: a bibliofilia.

Tomando como ponto de partida a análise de alguns pedidos de apoio que tenho recebido de leitores, e vamos lá compreender porquê, pois que, parafraseando Xavier da Cunha na sua «A Bíblia dos Bibliophilos» (1), que pode “este obscurantíssimo autor” contribuir para o ensino da bibliofilia?

Apesar da minha incultura nesta área, vou tentar expor algumas ideias, que me ocorreram na altura, e que com eles as partilhei.

Para se iniciar na “formação bibliófila”, penso que se devem ter em atenção alguns aspectos:

1) Gostar de livros!
Pode parecer uma redundância, mas começa aqui exactamente a verdadeira definição de bibliófilo, pois não o devemos confundir com um bibliómano. Se para o primeiro o livro surge quase como um “objecto de culto”, já para o segundo, a “compulsividade” para a leitura e a posse de todo e qualquer livro é a sua verdadeira paixão!
Para o bibliófilo o livro é também, ou principalmente, um objecto precioso, que implica uma análise “quase devota” das suas múltiplas características: edição, tipo de papel, colação, impressor, tipógrafo ou editora, presença de ilustrações ou não (e de que tipo?), brochado ou encadernado (tipo e qualidade), e isto só para enumerar os aspectos mais conhecidos, que permitem determinar da sua raridade, ou valor intrínseco, “verdadeiro crivo”, e diga-se que bastante fino, pelo qual um exemplar deverá passar para se ajuizar se merece, ou não, ser incluído na sua biblioteca.
Se considerarmos a ”alta bibliofilia” (séc. XV-XVII) com exemplares de uma magnificência incomparável, então o caso ainda se complica mais, pois a sua análise é praticamente só acessível para uma minoria e “bem esclarecida” de bibliófilos dada a sua grande complexidade.


21 – BUFFON (George-Louis Leclerc, comte de). Histoire naturelle, générale et particulière, avec la description du Cabinet du roi. Paris, de l’Imprimerie Royale, 1749-1767. 15 vol. — Histoire naturelle des oiseaux. Ibid., id., 1770-1783. 9 tomes en 10 vol. — Histoire naturelle. Supplément. Ibid., id., 1774-1789. 7 vol. — Histoire naturelle des minéraux. Ibid., id., 1783-1788. 5 vol. — LACÉPÈDE. Histoire naturelle des quadrupèdes ovipares et des serpens. Paris, Hôtel de Thou, 1788-1789. 2 vol. — Histoire naturelle des poissons. Paris, Plassan, 1798-1803. 5 vol. — Histoire naturelle des cétacés. Paris, Plassan, 1804. 1 vol. Ensemble 45 volumes in-4, veau marbré, filet à froid, dos orné de fleurons, pièces rouges et vertes, tranches rouges (Reliure de l’époque).


2) Parecendo um pressuposto simples – qual a dificuldade de analisar um livro? – trata-se do mais difícil de realizar, pois não existe nenhum tratado ou curso que nos ensine tudo isto!
Como podemos então aprender?
A leitura da informação disponível é fundamental, mas, na minha opinião, o contacto e a visita a livreiros-antiquários, bem como as conversas com outros bibliófilos, são talvez o “melhor curso” que se pode frequentar.
Pois só eles nos podem indicar as edições mais procuradas, as melhores, bem como todo um conjunto de “nuances” que não podemos encontrar nos livros.
E aqui, vem a propósito uma conversa, que mantive com um dos meus estimados amigos livreiros, o qual me alertou para um pormenor numa edição dum livro de Ferreira de Castro, mas teve, igualmente, a humildade de admitir que os próprios clientes eram uma fonte de ensinamento, pois pelos seus conhecimentos mais aprofundados sobre os seus autores favoritos lhe davam muitas informações adicionais.
Podemos concluir que numa relação, franca e aberta, a informação funciona nos dois sentidos e só fortalecerá o conhecimento geral aonde todos lucram ... infelizmente isto são pequenos oásis, numa paisagem um pouco desértica.


Catálogo de Leilão
«ALDE - Maison de ventes aux enchères»
Livres ancien et modernes
Vente aux enchères publiques
Le mardi 25 novembre 2008 à 14 h 00

3) A visita de Blogs de bibliofilia, e existem vários de grande qualidade, é outro dos factores a ter em conta, nestes “tempos mais modernos” e em que a informação corre a uma velocidade vertiginosa que nos permite falar simultaneamente com outros apaixonados pelo tema em qualquer recanto do Mundo.

4) Outra fonte de informação são os Catálogos de Livrarias, de Leilões e de Bibliotecas que, pelas descrições dos espécimens bibliófilos (e quanto mais exaustivas forem melhor!).
Outro pormenor, igualmente pertinente, é analisar preços. Ainda que não exista nenhum “preçário”, nem isso seria exequível, podemos ver a margem de flutuação do preço para um determinado exemplar que nos interessa. (quanto ao seu preço em leilão, atenção que outros aspectos se devem considerar, como seja a clássica “teimosia” dos licitadores e acrescentar sempre ao “preço em praça” as comissões devidas!...)

5) Outra forma é visitar “virtualmente” várias livrarias on-line, para além das visitas “reais” sempre mais proveitosas,
Pode, igualmente, ver e comparar-se o preço de obras que possam interessar, para além de ver outras só pelo prazer do seu visionamento ...deliciar o nosso espírito também conta!


Librairie Auguste Blaizot

6) Ainda que possa parecer suspeito, pela minha assumida francofilia em termos literários, temos que admitir que a bibliofilia francesa é a mais avançada do mundo, quer se queira, quer não!
Claro que não é para se tomar como uma verdade absoluta ou para se fazer um decalque exacto das suas ideias, mas para sentirmos, como alguns dos bibliófilos franceses mais famosos, através das suas “estórias”, nos conseguem transmitir todos os sentimentos que atravessam o espirito do bibliófilo, que aconselho a leitura de alguns dos seus textos como, por exemplo, de Octave Uzanne e de Paul Lacroix, dito Jacob. (2)

Bom, já conhecemos alguns dos rudimentos da “arte” e decidimos iniciarmo-nos como bibliófilos.

Noção básica: “Força ... e muita paciência!”
Primeira questão: “Por onde começar?”

A escolha será sempre pessoal, cada um comprará aquilo de que gostar e que lhe der maior prazer, pois a sua biblioteca será certamente um reflexo, e talvez um dos melhores, da sua personalidade!


Livro Encadernado
(belos gravados a ouro)


Mas vejamos por onde poderemos começar:
1) penso que “consultar” alguns livros de séculos e autores diferentes no «Catálogo da Biblioteca Nacional Digitalizada»: http://purl.pt/index/geral/PT/index.html, ou no «Projecto Gutenberg» http://www.gutenberg.org/wiki/Main_Page, igualmente com obras de autores portugueses, poderá ser uma boa ideia para nos abrir algumas pistas.

2) se “formos às compras” o melhor será planificar “uma boa caçada”.
Consultar on-line algumas livrarias, sobretudo daquelas que já conhecemos os seus catálogos por serem bem nutridos e de consulta mais fácil, escolhermos alguns títulos, que queiramos depois avaliar e manusear – prazer insubstituível por qualquer outra forma de avaliação.

3) colocar uma ou duas questões ao Livreiro, por e-mail, parece-me interessante, pois se a Livraria for distante do local de residência pode dispensar-se uma viagem em vão e sempre dá “para tomar o pulso” ao tipo de contacto que nos pode esperar.

4) munidos dos nossos apontamentos, de muito entusiasmo, acautelados quanto aos gastos (a bolsa é sempre mais curta do que a nossa paixão gostaria!) e aí vamos nós para a "caça" – felizmente que aqui não existem armas apenas uma grande sensibilidade de espírito e uma grande dose de paciência.


Fac-símile de impressão (tamanho reduzido)
Ibarra, Madrid. 1772

Para já penso que deixei material com que nos podemos entreter a reflectir e depois:
“Mãos à obra e bom trabalho!”

Saudações bibliófilas.


(1) CUNHA, Xavier da – A Bíblia dos Bibliophilos – Divagações Bibliographicas e Biblioeconómicas pelo Director da Biblioteca Nacional de Lisboa. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1911. 103 pp. Brochado
(2) Consulte-se, para uma primeira visão, os Blogs: «Le bibliomane moderne» e «Blog du Bibliophile».


sábado, 21 de novembro de 2009

Leilão da Livraria «Otium Cum Dignitate»





Esta ainda jovem, mas activa, Livraria Antiquária, de Nuno Gonçalves, vai realizar nos dia 24 e 25 deste mês no Hotel Fénix, mais um dos seus Leilões.



Livraria «Otium Cum Dignitate»

De facto, este mês de Novembro está a ser "explosivo" em acontecimentos bibliófilos, e note-se que a grande maioria nem foi aqui divulgada (só a título de curiosidade refira-se o Leilão efectuado pelo «Palácio do Correio Velho»)


Cartas e manuscritos

Este leilão apresenta um conjunto muito interessante de cartas e manuscritos de várias épocas, com particular destaque para o “Arquivo do General Morais Sarmento”. Todos sabemos que são objectos muito procurados e com coleccionadores bastante fidelizados a este tipo de coleccionismo bibliófilo.


Cartazes

Tem também como curiosidade, o facto de propor para venda um muito interessante conjunto de cartazes de vários tipos. Com interesse para todos aqueles que se ocupam do estudo das ideias (sejam elas políticas ou publicitárias) e sua promoção.



116 - Alexandre (António Franco); Pereira (Hélder Moura; Jorge (João Miguel Fernandes) & Magalhães (Joaquim Manuel). - Cartucho. - Lisboa: ed. autores, 1976. - 21 ff.; 215 mm.
Originalíssima edição limitada contendo poemas “amarrotados” de António Franco Alexandre, Hélder Moura Pereira, João Miguel Fernandes Jorge e Joaquim Manuel Magalhães. Peça de composição artesanal, provavelmente pelos próprios autores, cujos materiais - cartuchos, cordel e chumbos - foram oferecidos pelo Pai de João Miguel Fernandes Jorge. A concepção deve-se a Joaquim Manuel Magalhães. Cada um dos quatro poetas participou nesta publicação com cinco poemas, no total de 20 folhas impressas de um só lado, às quais se acrescentou ainda uma folha de rosto contendo os nomes dos autores, lugar e data de publicação. O papel comummente atribuído ao «Cartucho» é comparável ao de Poesia 61, facilitando a apreensão dos novos caminhos que se desenhavam para a poesia portuguesa na década de 70. O principal impacto do lance vanguardístico de «Cartucho» foi a estranheza que causou aos leitores devido ao amassamento dos poemas. O leitor é desafiado a posicionar-se diante de poemas amarrotados na sequência de uma tradição inscrita na modernidade por Baudelaire. Obra plurisignificativa, o «Cartucho» pode sinalizar correspondência colectiva, depósito de balas de revólver, explosivo, dessacralização, perda de aura do literário, ludismo ou festa (cartucho de fogo de artifício), etc. Famosa ficou a expressão de Fiama tratando a obra como “aquilo”. Objecto não-livro, as folhas amassadas veiculam as ideias de multiplicidade, fluidez, fragmentação, descentramento, escrita em companhia, escrita do prazer. Raríssimo. (1)



2ª Sessão
25 de Novembro
Esta 2º sessão será preenchida com alguns títulos que seguramente atrairão a atenção dos bibliófilos um pouco mais “puristas”



511 - Paula Rego, 1935 “Bait”, Gravura A Água Forte, assinada, edição 53/75, 295x196 mm. The Children’s Crusade / with an introduction by Blake Morrison. - London: Enitharmon Press, 1999. - 46, [2] pp.: il.; 330 mm. Tiragem especial de 75 cópias numeradas e assinadas por Paula Rego e Blake Morrison, ilustrado com 13 trabalhos artísticos de Paula Rego, a cores e a preto. Encadernação editorial em caixa própria; exemplar número 53 de 75.



545 - Raphael Bordallo Pinheiro, 1846-1905 António (O) Maria / Rafael Bordallo Pinheiro. – Ano I, n.º 1, 12 de Junho de 1879 - Ano XIII, n.º 473, 7 de Julho de 1898. - Lisboa: Typ. A Editora, 1879-1898. - 473 n.º em 12 v.: il.; 320 mm. Encadernações recentes reproduzindo as encadernações editoriais.
RARÍSSIMA Colecção completa deste importantíssimo periódico humorístico de Rafael Bordalo Pinheiro. Sobre a sua publicação disse Guerra Junqueiro: “O António Maria [...] são simplesmente a continuação de Fernão Lopes! O Diário do Governo é que é a caricatura. O retrato é o António Maria” [cit. de G.E.P.B., II, 860]



639 - Torga (Miguel). - Ansiedade / Adolpho Rocha. - Coimbra: Imprensa Académica, 1928. - 72, [2 br.] pp.; 195 mm. Brochado em caixa inteira de pele, com ferros a seco na lombada; carimbo de posse a óleo no frontispício; marcas de punções junto ao festo Primeira edição da obra de estreia de Miguel Torga, publicado com o seu nome e afastada da Antologia de 1981, assim como quase toda a sua obra de juventude. É este seu livro o resultado dos contactos literários com o grupo Presença fundado um ano antes por Gaspar Simões, Régio e Branquinho da Fonseca. Exemplar com alguma acidez nas capas de brochura, mas relativamente limpo no texto. RARÍSSIMO e muito valioso. [Não referido por Alberto Serpa ou Almeida Marques]
Boa leitura e consulta. Penso que se encontra sempre algo que nos possa interessar, mas como quase sempre, o principal problema poderá ser o seu preço final, “mas o raro será sempre raro!”

Saudações bibliófilas.

Notas:

(1) Sobre esta obra consulte-se-se PEREIRA, Edgard - Portugal, poetas do fim do milênio, Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999, pp.34-39. (que terá servido de base a este descritivo, na opinião do seu autor, embora não seja uma cópia integral, senão leia-se aqui as páginas citadas no comentário)

Luiz Pacheco (1925-2008)



Convite

O estimado Luís Gomes, proprietário da «Livraria Artes e Letras», por onde passei hoje numa sempre agradável visita e “cavaqueira” bibliófila, falou-me da sua actividade como comissário desta exposição sobre Luiz Pacheco que as Publicações Dom Quixote e a Biblioteca Nacional de Portugal inauguram no dia 26 de Novembro às 17:30 horas.
Nesta evento, que decorrerá na Galeria da BNP, será lançado o catálogo «Luiz Pacheco (1925-2008)» e, pela primeira vez, vai estar reunida quase toda a sua obra impressa.

Aqui fica o convite para uma visita, que se prevê bastante interessante, e, já agora, para aqueles que se interessem por estas coisas de bibliofilia, porque não darem um salto à Renascimento, para assistirem ao leilão, que terá lugar à noite, e poderem tentar adquirir um dos seus livros que estarão em venda.


Luiz Pacheco

Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco nasceu em Lisboa a 7 de Maio de 1925 na freguesia de São Sebastião da Pedreira, numa velha casa da Rua da Estefânia, filho único, no seio de uma família da classe média, de origem alentejana, com alguns antepassados militares. O pai era funcionário público e músico amador.

Desde cedo teve a biblioteca do seu pai à sua inteira disposição e depressa manifestou enorme talento para a escrita. Estudou no Liceu Camões e frequentou o Curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa que não concluiu, sendo admitido em 1946 como agente fiscal da Inspecção de Espectáculos e vindo a tornar-se terceiro oficial dessa instituição.

Começa a publicar a partir de 1945 diversos artigos em vários jornais e revistas, de que se destacam “O Globo”, “Bloco”, “Afinidades”, “O Volante”, “Diário Ilustrado”, “Diário Popular” e “Seara Nova”. Em 1950, funda a editora «Contraponto», onde publica escritores como Raul Leal, Mário Cesariny, Natália Correia, António Maria Lisboa, Herberto Helder, Vergílio Ferreira, etc. Dedicou-se à crítica literária e cultural, ganhando fama como crítico irreverente. Denunciou a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime do Estado Novo

A sua obra literária, constituída por pequenas narrativas e relatos (nunca se dedicou ao romance ou ao conto) tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente "neo-abjeccionista".


Luiz Pacheco – O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor.
Lisboa, Colibri, 1992

Em «O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor» (escrito em 1961), texto emblemático dessa corrente e que muito escândalo causou na época da sua publicação (1970), narra um dia passado numa Braga fantasmática e lúbrica, e a sua libertinagem mais imaginária do que carnal, que termina de modo frustrantemente solitário.

Morre a 5 de Janeiro de 2008, de doença súbita, a caminho do Hospital do Montijo, foi cremado no cemitério do Alto de S. João.

Saudações bibliófilas.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Renascimento, SA – Leilão da Colecção Joaquim Pessoa e outras proveniências




Catalogo do Leilão

Esta prestigiada empresa leiloeira vai realizar mais um importante leilão de livros no dia 26 de Novembro, que inclui algumas das raridades da nosso bibliofilia.
Para consulta, deixo aqui o Catálogo que, como é habitual, resulta da colaboração de José F. Vicente, da «Livraria Olisipo», com esta Leiloeira, na sua elaboração, avaliação e acompanhamento dos seus leilões de livros.



Deixo aqui alguns exemplos de lotes, que chamaram a minha atenção. No entanto não posso de deixar de referenciar a presença de três lotes, que de acordo com os meus gostos pessoais e pela raridade e qualidade dos exemplares, serão um dos pontos altos do leilão. Refiro-me aos lotes 175, 214, 357 e 482. (1)
Eugénio de Andrade, António Botto, David Mourão Ferreira, Daniel Filipe, Herberto Helder, Miguel Torga e J.B. de Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, José de Almada Negreiros, Teixeira de Pascoaes estão muito bem representados, mas talvez a peça mais preciosa seja «Mensagem» de Fernando Pessoa com uma assinatura sua (embora seja curioso referir que tenham aparecido recentemente alguns exemplares desta 1ª edição no mercado).



040 - AVELANEDA, Alonso Fernandez de. - NIEUWE // AVANTUUREN// Van den Vroomen en Wijzen // DON QUICHOT // DE LA // MANCHA, // Oorfpronkelijk in de Spaanche Taal beschreeven // DOOR // ... // TOT AMSTERDAM // Andries Van Damme // 1718. 8º peq. de XVI, 687 págs. Enc.
O autor, desconhecido, usou este pseudónimo e usurpando a ideia de Cervantes, publicou o 2º Tomo, ou Continuação e fim da novela, em Terragona, 1614. Resultado do seu sucesso, publicaram-se várias edições nos Sécs. XVI a XVIII. Esta edição, a segunda holandesa (?), contém o mesmo numero de páginase gravuras que a publicada em Utrecht, 1706. Palau, Tomo III, págs 200 e 201 refere as diversas edições publicadas, omitindo esta. Raríssima. Ilustrada com 16 estampas extra-texto e portada gravada. Encadernação em inteira de
pergaminho da época.




064 - BOTTO, António. - CVRIOSIDADES ESTHETICAS. Com palavras de Junqueiro. Um retrato do auctor e outras referências valiosas. Lisboa. Typographia Libanio da Silva. 1924. In-4º de [14], 25, [8] págs. Enc.
Edição original. Poesia. Rara. Ilustrada com o retrato do autor por Almada Negreiros. Encadernação em inteira de pele,reproduzindo na pasta da frente os dizeres da capa de brochura.
Pequena anotação a tinta no anterrosto



084 - CARTA CONSTITUCIONAL DA MONARCHIA PORTUGUEZA. Decretada, e dada pelo Rei de Portugal e Algarves D. Pedro, Imperador do Brasil aos 29 de Abril de 1826. Londres. Na Officina Typographica de C. Whittingham House, Chiswick. MDCCCXXVIII. In-4º de [4], 76.págs. Enc.
Raríssima edição da Constituição, impressa em Londres. Em muito bom estado de conservação. Este é o exemplar nº 80, destinado a Francisco Vanzeller, Presidente do Memorial apresentadoa S. Magestade a Senhora D. Maria II. Encadernaçã oem inteira de pele com ferros a ouro na lombada, pastas e seixas.




130 - ENCADERNAÇÃO. Bela encadernação do século XIX, em inteira de pele vermelha, com artísticas decorações a ouro na lombada, pastas e seixas, assinada por Giekere Leigsrter. Corte das folhas brunido a ouro. Berlin. 1883. In-16º de XXIV, 199, [1] págs. Enc.
O livro é o texto de Lieder, Mirza-Schaffy. Muito bem conservada.




153 - FERREIRA, José Gomes. - LIRIOS DO MONTE. Lisboa. Orbis. Empresa de Livros e Publicidade. 1918. In-8º de 61, [1] págs. Br.
Primeira edição e livro de estreia do autor. Capas de brochura de Stvart. Muito raro. Numa caixa-estojo em inteira de pele.




173 - GARRETT, J. B. de Almeida. - O ARCO DE SANCT’ANNA. Chronica Portuense. Manuscripto achado no convento dos Grillos do Porto por um soldado do Corpo Academico. I (e II). Lisboa. Imprensa Nacional. 1845 (e 1850). 2 Vols. In-8º peq. Encs.
Primeira edição. Integrada nas Obras Completas do autor. Muito rara. Encadernações mais recentes em inteiras de pele, com decorações a ouro na lombada, pastas e seixas. Sem capas
.



175 - GARRETT, J. B. Almeida. - O CHRONISTA, SEMANARIO DE POLITICA, LITTERATURA, SCIENCIAS, E ARTES. Volume I. [Março, Abril, e Maio.] 1827 (e Volume II. [Junho, Julho, e Agosto.] 1827. Lisboa. Imprensa do Portuguez. 1827. 2 Vols. In-8º Encs. em 1.
Raríssima. Esta interessante publicação saiu sem o nome do autor. De grande importância para a história política da época.
É das espécies mais raras do autor. Inocêncio, Vol. III, pág. 314; Pinto de Matos, pág. 293; A. Fernandes Tomás, 141.
Encadernação da época em inteira de carneira, com pequenos cortes de traça na pasta de trás. O exemplar pertenceu a Lopes de Oliveira que sublinhou a lápis algumas passagens do texto.



214 - HERCULANO, Alexandre. - A VOZ DO PROPHETA. Ferrol. 1836. [Novembro] e Lisboa. Typ. Patriotica. 1837. 2 Ops. In-8º peq. de 35 e 32 págs. Encs. em 1.
RARISSIMO quando acompanhado das duas séries como o presente. Obra de grande impacto na época. Texto de cariz religioso e político, foi publicado anónimo, em defesa do cartismo, a protesto da abolição da Carta Constitucional pelos Setembristas. Contém nos dois opúsculos anotações manuscritas. Encadernação em meia de pele. Conserva a capa de brochura da primeira série.



357 - PESSOA, Fernando. - MENSAGEM. Lisboa. Parceria António Maria Pereira. 1934. In-8º de 100, [2] págs. Enc.



Primeira edição. É, sem dúvida, um dos livros mais importantes da poesia portuguesa. Valorizado com a assinatura de Fernando Pessoa na primeira folha em branco, e datada de 31/1/1935. Encadernação em inteira de pele.



482 - TORGA, Miguel. - RAMPA. Poema de Adolpho Rocha. Coimbra. Edições Presença. 1930. In-4º de [2], 76, [2] págs. Br. Edição original. Segundo livro do autor, publicada com o seu verdadeiro nome. Encadernação em inteira de pele, reproduzindo nas pastas os dizeres das capas de brochura. Pequena assinatura na primeira folha em branco e capas de brochura com pequenos restauros. Por aparar.

Para terminar, fica aqui um conjunto de exemplos dos vários estilos de encadernação que se podem encontrar neste leilão (são muitos e alguns de alta qualidade)

Encadernações



Saudações bibliófilas.


(1) Quero pedir desculpa se algum leitor se sentir melindrado por não ter referido algum autor da sua particular preferência, mas citei aqueles com maior número de obras e, claro, dos que mais me atraem, creiam que, apesar de tudo, tentei ser o mais isento possível...

domingo, 15 de novembro de 2009

Gomes Leal – Apontamentos para um estudo


Para o Miguel de Carvalho
que vende livros,
mas sabe oferecer ideias...



Fotografia de Gomes Leal

António Duarte Gomes Leal nasceu em Lisboa no dia 6 de Junho de 1848, na Praça do Rossio, freguesia da Pena. Filho ilegítimo de um funcionário da Alfândega, com algumas posses, que morreu em 1876, e de Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral Leal.
Viveu com a sua mãe e irmã Maria Fausta – a sua principal fonte de inspiração.

Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não o concluiu. Não se fixou, porém, em qualquer carreira ou profissão que lhe assegurasse uma subsistência regular: no jornalismo, no panfletarismo político, acima de tudo na poesia, aplicaria a sua vocação de boémia e artista. Empregou-se como escrevente de um notário de Lisboa, mas a sua cultura literária foi quase toda adquirida no seu meio de trabalho e nos cafés.

Começou cedo a trabalhar no mundo jornalístico, tendo também feito edição de livros e panfletos. Colaborou com diversos jornais da época, publicando críticas literárias e artigos satíricos. Enquanto crítico, Gomes Leal era já defensor do realismo, mas como poeta era ainda ultra-romântico, o que é bem visível, formalmente, no tom de balada e na exposição narrativa de muitas das suas composições, componente que não deixará nunca de revelar, apesar das vicissitudes e “conversões” do seu percurso literário e pessoal – ou por isso mesmo.

Quando Gomes Leal publica as suas primeiras composições poéticas na «Gazeta de Portugal», a poesia do romantismo em Portugal atravessava um período de radical conflito a nível teórico. Era o período da célebre polemica “Questão Coimbrã” ou do “Bom Senso e Bom Gosto”, provocada por Antero de Quental.
Pode dizer-se que, nessa altura, salvo raríssimas excepções, a poesia em Portugal continuava alheia às influências desse “modernismo” que, no interior do próprio romantismo europeu, Baudelaire proclamara já, genericamente em 1846: “Qui dit romantisme dit art moderne – c’est-à-dire intimité, spiritualité, couleur, aspiration vers l’infini, exprimés par tous les moyens que contiennent les Parts”.
Como aliás já aqui se falou, esta polémica contra Castilho proclama, em 1865, os valores supremos de uma poesia europeia aberta às “imensas criações da alma moderna”

Tudo isto nos permite situar Gomes Leal, nos finais dos anos 60 do séc. XIX, como um herdeiro directo (mas não um imitador ou mesmo um discípulo) dos primeiros românticos portugueses. Mas há também desde o inicio da sua obra, um sentido finissecular baudelairiano que a define essencialmente, tornando-a única.


Lisboa – Praça de Camões em 1868

Gomes Leal estreou-se aos dezoito anos, em 1866, ao publicar a poesia “Aquela Morta”, na «Gazeta de Portugal»; aonde publica igualmente “A gondoleira” a 5 de Novembro de 1867.
Em 16 de Janeiro de 1869, começa a publicar o folhetim "Trevas" na «Revolução de Setembro». Com este trabalho tornou-se conhecido como poeta. É apresentado por Luciano Cordeiro como um dos "poetas Novos", a par de Teófilo Braga, Antero de Quental, Guilherme Braga e Guerra Junqueiro, entre outros.

Na «Revolução de Setembro», publicou vários textos, de características joco-satíricos, dos quais se destacam: “A batalha dos astros” (20 de Abril de 1870); “Descrença” (31 de Agosto de 1870); “Flor de perdição” (2 de Outubro de 1870); “No Calvário” (Outubro de 1870).

O cariz interventivo da sua obra é marcado não só pelos folhetins publicados nos jornais, mas também pela fundação com Magalhães Lima, Silva Pinto, Luciano Cordeiro e Guilherme de Azevedo, em 1872, do jornal satírico «O Espectro de Juvenal».
Em 1873, publica “O Tributo de Sangue” e “A Canalha”; e, em 1874, um ano antes da primeira edição de “Claridades do Sul”, escreve para o «Diário de Notícias» (19 de Maio) “Duas palavras sobre a poesia moderna”, onde reflecte sobre a utilidade que a poesia deve ter face às atribulações morais do final do século.


LEAL, ANTÓNIO DUARTE GOMES – Claridades do Sul.
Lisboa, Braz Pinheiro, 1875. - 281, [12] p. ; 21 cm


No ano da morte de sua irmã (Maria Fausta, sua principal fonte de inspiração) publica "Claridades do Sul" (1875), o seu primeiro livro poético, e nele já se notam os seus ideais anticlericalistas e republicanos, preocupações também presentes em obras posteriores. Apesar de ser ainda ultra-romântico, revela já certos aspectos parnasianos (nomeadamente na versificação e temática), numa "poesia sentimental e sinestésica que canta as contradições de uma existência repartida entre os amores venais e a fantasia estelar e exótica, a indignação causada pelas injustiças sociais e o pessimismo, ora negro ora afectadamente cínico e positivista" (Dicionário da Literatura Portuguesa).

Em 1881 é um dos fundadores do jornal «O Século». Aí publica, por exemplo, “A banalidade nacional irritada” (30 de Janeiro de 1881).

Para celebrar Camões e Bocage, publica o poema em 4 cantos – “A Fome de Camões” – para celebrar o tricentenário do poeta (1880) e “A Morte de Bocage”, (1881). Nestes dois últimos livros reflecte sobre o destino fatal do poeta de missão, com que ele próprio se identificava.

Datam igualmente de 1881 os panfletos poéticos “A Traição” e “O Herege”, pondo em causa o trono na pessoa do rei D. Luís, as Instituições burguesas e a Igreja, o que gerou um verdadeiro escândalo literário e político. Aliás, o primeiro texto leva-o à prisão do Limoeiro, onde escreve uma carta publicada no número comemorativo da Tomada da Bastilha de «O Século» (14/7/1881). A edição do almanaque «O António Maria» de 7 de Julho de 1881 é dedicada por Bordalo Pinheiro a Gomes Leal.


Gomes Leal
Caricatura de Bordalo Pinheiro

Na linha desta "poesia como voz da Revolução" (como o anunciara Antero de Quental nas «Odes Modernas»), os folhetins satíricos "A Orgia" (1882), "A Morte do Atleta" (1883), "A Noviça", e "O Remorso do Facínora"; "A História de Jesus para as criancinhas lerem" em 1883 (tendência agora calma e cristã) ; "Fim do Mundo" (volume com as suas poesias de combate) (1899); "Mefistófele em Lisboa"(1907) e "Retratos Femininos" ( novas sátiras e quadros da vida urbana) .
Outros poemas da sua autoria são “O Renegado: A Antonio Rodrigues Sampaio, carta ao velho pamphletario sobre a perseguição da imprensa” (1881), “O Anti-Cristo” (1884 e 1886), “Serenadas de Hilário no Céu” (1900), “A Mulher de Luto” (1902), “A Senhora da Melancolia” (1910). Publica até tarde. Data de Março de 1915 o poema “A Dama Branca” que vem a lume na Águia.


LEAL, ANTÓNIO DUARTE GOMES Fim de um Mundo : Sátyras Modernas.
Porto: Livraria Chardron, 1899 ~ Com ano 1899 no rosto e 1900 na capa ~ Brochura original ~ XVII+436p+1fb ~ 19x13x3cm. 1ª edição

A partir de “Anti-Cristo” (1886), e com “A Mulher de Luto”, depois da sua viagem a Madrid em 1878, por ocasião do casamento de Afonso XII, (1902), a poesia de Gomes Leal torna-se mais negativa, de uma certa inspiração ocultista, provavelmente devido à decadência física e moral sofrida pelo poeta.

A sua poesia oscila entre os três grandes paradigmas literários do final do século XIX: romantismo, parnasianismo e simbolismo. De 1899 a 1910, compõe e publica quase diariamente.

Quando a mãe morre, em 1910, converte-se ao catolicismo, o que tem influência na sua escrita, mudança que se manifestou na sua obra, em livros como "A Senhora da Melancolia".


LEAL, ANTÓNIO DUARTE GOMES - A Senhora da Melancolia : Avatares de um Ateu.
Lisboa: Livraria Moderna, 1910 ~ Vinhetas na capa e em fecho de cada um dos poemas ~ Brochura original ~ 23p ~ 21x13x1cm. ~ 1ª edição.

Começa aqui o período mais difícil da sua vida, do ponto de vista económico, foi recolhido em 1913 por uma pessoa piedosa. Dormia de casa em casa, ou nos bancos da praça pública, e chegou mesmo a ser apedrejado pelos garotos da rua, até que Teixeira Pascoaes e outros escritores lançaram um apelo público para que o Estado lhe atribuísse uma pensão. Este objectivo foi conseguido quando o Parlamento votou que lhe fosse atribuída a pensão, no valor de 600$00 reis que, apesar de diminuta, foi o seu sustento até à morte.

A fase final da vida de Gomes Leal foi marcada por um grande fervor religioso, associado à degradação física e moral consequente do seu alcoolismo. Morreu em Lisboa no dia 29 de Janeiro de 1921.

Apesar de se mover literária e pessoalmente nos círculos próximos da Geração de 70, não integra o grupo dos “Vencidos da Vida”, referindo, porém, o apreço que Eça de Queirós e Antero de Quental lhe dedicam, num comentário feito pelo próprio Gomes Leal na obra “A Morte do Rei Humberto” (1900).


LEAL, ANTÓNIO DUARTE GOMES – A Morte do Rei Humberto e os Críticos do "Fim d'um Mundo".
Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1900 ~ Prólogo do Autor ~ Brochura original ~ 102p+1fb ~ 19x13x1cm. 1ª edição

Gomes Leal tem aliás o cuidado de se distanciar das correntes estéticas da altura, fazendo-o nomeadamente na Nota a “Claridades do Sul”, acrescentada e publicada na segunda edição, em 1901. Na Nota a “A Morte do Rei Humberto”, Gomes Leal afirma ter publicado antes de “Fradique Mendes” na «Revolução de Setembro» e assevera ter sido contactado por Antero de Quental para assinar textos daquele pseudónimo (1), o que recusou. Na referida Nota, menciona que Cesário Verde lhe tece louvores à poesia de “Claridades do Sul”.

Esse sentido pós-romântico não se trata evidentemente, e apesar de uma certa herança de Herculano, dum tom funéreo e grandiloquente, nocturno, essa linguagem poética que o próprio Herculano e, antes dele, Bocage, foram buscar a Young e às suas “Nigths”.

Assim, desde o início da sua obra poética, Gomes Leal revela uma curiosa tendência heteróclita. Para essa tendência contribuem, se dúvida, os modelos do romantismo português, paralelamente a modelos estrangeiros, à frente dos quais está Baudelaire.

As marcas de Herculano, também já referidas, no respeitante aos primeiros poemas de Gomes Leal e que se exprimem, em termos de grande exaltação lírica, no folheto que lhe dedica, quando da sua morte: “À memória de Alexandre Herculano (Preito à memória do grande escritor, por ocasião do seu óbito em 13 de Setembro de 1877)”.
Gomes Leal reúne Garrett e Herculano num mesmo preito patriótico, em 1897, num texto em poesia, bastante polémico: “O estrangeiro vampiro. Carta a El-Rei D. Carlos I”.

A perspectiva do poeta enquanto ser incompreendido e infeliz surge em vários textos de Gomes Leal, composições poéticas em que o sujeito lírico se assume como alguém singularmente distante do comum dos mortais. Não se distanciando da visão romântica do poeta, Gomes Leal define-se como um génio inadaptado à sociedade, num misticismo visionário. Inúmeros são os exemplos desta perspectiva do “poeta proscrito e infeliz”, como “Soneto dum poeta morto”, “Aquele Sábio”, “El Desdichado” e “Noites de Chuva” de “Claridades do Sul”.

A filiação de Gomes Leal em Baudelaire é um dos tópicos mais tratados, porque o poeta português se inspirou no mestre das correspondências. De facto, Gomes Leal trabalha com mestria a ideia das “correspondances” do romântico francês nos quatro sonetos de “Claridades do Sul” intitulados “O Visionário ou Som e Cor”.

A partir de “Claridades do Sul”, o sentido heteróclito da poesia de Gomes Leal, quer quanto às múltiplas influências estrangeiras, com predominância para o modelo de Baudelaire assim como a sua visão de radicada na cultura portuguesa mas de que e o poeta depende essencialmente. Só se poderá compreender com uma análise específica da sua relação com os principais representantes da “Geração de 70” e, muito em especial, com a poesia de Antero de Quental.

Num curioso artigo publicado em «O Século» em 1881, Gomes Leal escreve sobre “Os Sonetos” de Antero de Quental: “A nós, só nos recorda os tercetos de Dante, (...), o “Sonho” de Byron, o “Corvo” de Edgar Poe, o “Livro de um fumador de ópio” de De Quincey e os terríveis tercetos de bronze (..) que se chamam as “Trevas” de Teófilo Gauthier”

Deve aqui acrescentar-se um outro modelo fundamental para a Geração de 70: Vítor Hugo e, sobretudo, a sua visão panteísta.
Através da referida influência de Antero, para quem “Les Châtiments” (1853) foram de uma importância relevante, este foi um ponto de partida para muitos dos poemas visionários e misticamente sociais de Gomes Leal.

Outra característica deste poeta, do final do século, prende-se com a preocupação que manifesta em relação aos seus leitores, nomeadamente na Nota à primeira edição e acrescentada na segunda edição de “Claridades do Sul” (1901). Aí debruça-se sobre a tarefa do escritor explicitando que a este compete “trabalhar a sua ideia, lapidá-la, poli-la, desenvolvê-la, facetá-la, de maneira que ela seja como um grande elo em que se vão encatenar um rosário luminoso doutras novas, e que ela saia transformada desse vasto laboratório intelectual, por um processo misterioso semelhante ao que dá a Natureza, transformando da lagarta a borboleta, do carvão o diamante, e da ostra doente a pérola.”

Gomes Leal é considerado um precursor do Modernismo Português, tendo sido referido por Fernando Pessoa como um dos seus mestres. Este dedica-lhe o soneto “Gomes Leal”, publicado pela Ática na edição das Obras Completas de Fernando Pessoa, em 1967.


Gomes Leal
Caricatura


Respondendo ao Inquérito Literário organizado por Boavida Portugal (realizado entre Setembro e Dezembro de 1912 e publicado em 1915), Gomes Leal afirma: “Em mim há três coisas: o poeta popular e de combate, nas sátiras e panfletos; o poeta do sonho e do mistério, na Nevrose Nocturna, nas Claridades do Sul, na Lua morta e na Mulher de Luto; e o poeta místico, na História de Jesus, na Senhora da Melancolia e no segundo Anti-Cristo.”

No número 2 da «ABC – Revista portuguesa» (22 de Julho de 1920), sob o título “O grande poeta Gomes Leal faz a sua biografia ao A B C, publica o soneto autobiográfico”, que transcrevemos, antecedido do seguinte texto:

“Gomes Leal, o poeta ilustre, que é uma glória nacional, quis dar ao A B C uma impressão da sua vida, da sua acção, das suas lutas. Em vez duma entrevista foram aos seus versos lapidares que chegaram a explicar como se passou uma infância, uma velhice e como a velhice chegou com as suas dores a focar essa cabeça coroada de louros. Só Gomes Leal poderia definir o que A B C desejava saber: a vida do primeiro poeta português.”

Outr’ora, outr’ora, em épocas passadas,
Tive uma santa Mãe de ideias maneiras,
Um recto Pai de barbas prateadas,
Tive prédios, jardins, fontes, roseiras.

Nos colégios, nas aulas, nas bancadas,
Não quebrei bancos, não parti carteiras;
Fiz bons exames, contas, taboadas,
Mais tarde amei patrícias feiticeiras.

Fui amigo do Eça e do Ramalho,
João de Deus, mais do excêntrico Fialho,
E tive que emigrar para o estrangeiro.

Chorei, gemi! Qual Dante nas estradas!
E ao regressar, por causas avanças,
- fui por três vezes parar ao Limoeiro.



Com este artigo, ainda que um pouco longo, tentei estabelecer a ligação dos valores que triunfaram na “Questão Coimbrã” e o despontar de novos ideais que se iriam impor na transição do século XIX para o século XX.
Desta análise ressalta um outro aspecto – o definitivo inter-relacionamento do pensamento nas diversas culturas europeias.

Saudações bibliófilas.



Bibliografia activa (alguns títulos):

O Tributo do Sangue (1873)
A Canalha (1873)
Claridades do sul (1875) (2)
A Fome de Camões: Poema em 4 cantos (1880) (2)
A Traição (1881)
O Renegado a António Rodrigues Sampaio carta ao Velho Pamphletario sobre a perseguição da imprensa (1881) (2)
A morte do athleta (1883) (2)
História de Jesus para as Criancinhas Lerem (1883)
Troça à Inglaterra (1890)
A Senhora da Melancolia
(1910)


Bibliografia passiva:

Álvaro Manuel Machado – “Gomes Leal, Baudelaire e o Pós-Romantismo Finissecular”, in Intercâmbio, publicação anual do Instituto de Estudos Franceses da Universidade do Porto, 1992
Álvaro Manuel Machado – Poesia Romântica Portuguesa, Lisboa, ICALP, 1982
Eugénio Lisboa (Coord.) – Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Mem Martins, Publicações Europa-América / IPLL, [1990]. Vol. II, pp.311-313
Francisco da Cunha Leão e Alexandre O’Neill – Gomes Leal, Antologia Poética, Lisboa, Guimarães editores, 1959
Gomes Monteiro – O Drama de Gomes Leal. Com inéditos do poeta, Lisboa, editora Minerva, s/d
José Carlos Seabra Pereira – Decadentismo e Simbolismo na Poesia Portuguesa, Coimbra, Centro de Estudos Românticos, 1975
Ladislau Batalha – Gomes Leal na Intimidade, Lisboa, Lisboa Peninsular editora, 1933
Vitorino Nemésio – Destino de Gomes Leal, Lisboa, Bertrand, s/d


(1) Viria a ser criado por Antero de Quental, Eça de Queirós e Jaime Batalha Reis, a partir de 1869, na «Revolução de Setembro»

(2) acesso ao eBook do «Projecto Gutenberg»