Vamos esclarecer um ponto fundamental: o que é a “Tertúlia Bibliófila”?
Biblioteca de um coleccionador
© Bauman Rare Books
Trata-se de uma experiência para a qual “fui empurrado” pelos meus amigos Lamberto Palmart, Galderich e, sobretudo, Diego Mallen (mais tarde o Marco Fabrizio apoiou-me bastante).
A ideia inicial era publicar “umas coisas” com imagens de alguns livros e falar de alguns escritores portugueses.
Alegoria da Imprensa
Rapidamente me apercebi, que salvo para alguns poucos (onde incluo os bibliófilos pelo menos assim o espero...), os nossos escritores não são assim tão conhecidos lá fora...nem “cá dentro”!
(como poderemos esperar que sejam conhecidos cá! … que raio de política cultural – mais tipo de “folclore cultural” – é esta que não promove nem defende o conhecimento dos nossos autores nem estimula a sua leitura?) (1)
Os escritores são publicados ao sabor dos interesses das editoras visando os lucros esperados para um “público de modas um pouco importadas” e não existe um verdadeiro estímulo cultural e de estudo / divulgação dos mesmos.
Luiz Pacheco
Recordo o que disse o Luiz Pacheco, sempre com o seu espírito crítico/satírico, que “autores como Saramago e Lobo Antunes não precisam de se preocupar em serem cá compreendidos pois escrevem lá para fora para o estrangeiro”... Infelizmente julgo que ele tinha alguma razão.
De facto quem nunca aprendeu a pensar pouco sentido crítico terá!
(política excelente para qualquer governo de qualquer cor partidária!)
Mas voltando ao blogue.
(por este caminho amanhã ainda aqui estou)
Pelo que julguei apreender, decidi mudar um pouco a estratégia.
Seleccionar alguns autores, de que gosto e que tenham algum publico, para falar sobre eles.
Gomes Leal - Caricatura de Bordalo Pinheiro
A selecção ostensivamente deixa os “grandes” de fora, pois não quero que um neófito, ao encontrar um autor ou livro que o entusiasme tenha, ao procurá-lo no mercado livreiro-antiquário, uma grande desilusão ao saber o seu preço.
Camilo Castelo Branco
O Camilo Castelo Branco, figura como autor emblemático desde o princípio, pois é um escritor interessante, que tem um conjunto volumoso de obra publicada, existe muito publicado sobre ele e qualquer um pode coleccioná-lo.
(claro que calma e paciência são sempre fundamentais, mas existem sempre obras em todos os catálogos que leio e recebo... e cito-o apenas como exemplo)
Nesta estratégia, até pelo trabalho de composição em blogue, que é um pouco diferente da forma de escrita em suporte de papel, por exemplo, os textos devem ser médios, ilustrados e que não requeiram consultas frequentes ao que já se escreveu, pois o leitor cansa-se e a mensagem não passa...
Decidi, sempre que os artigos eram demasiado extensos, ou para isso tendiam, dividi-los em vários artigos (cito os casos do Camilo Castelo Branco e do Bocage como mais relevantes) colocando sempre os “links” para os outros textos já publicados.
Livraria Antiquária do Calhariz
Catálogo Leilão 75
Já recebia e comecei a receber notas de divulgação de alguns livreiros-antiquários (uns meus conhecidos... outros nem tanto assim) e assim surgiu a segunda vertente: a divulgação dos eventos bibliófilos – catálogos, leilões e exposições.
O blogue foi-se expandindo, ou melhor aportuguesando e abrasileirando, pois inicialmente era mais virado para o estrangeiro – sobretudo os leitores hispano-americanos.
Refiro o Brasil pois é um local privilegiado na sua leitura (porquê? … ainda não descobri na sua totalidade, mas pelos contactos entretanto criados com alguns estudiosos do livro e da bibliofilia brasileira, noto um maior empenho na divulgação deste importante veículo cultural que é o LIVRO)
Vieram-me então à memória os autores que “me mostraram o Brasil”: Graciliano Ramos, José Lins do Rego, João Guimarães Rosa, Machado de Assis e Castro Alves.
João Guimarães Rosa
Surgem os textos a eles dedicados, que com algum espanto meu, são lidos com bastante entusiasmo sobretudo no Brasil.
De Jorge Amado, do qual li quase toda a sua obra, e que ainda hoje me entusiasma, nunca tive coragem de escrever um texto (a minha timidez é grande!)
Jorge Amado – Capitães da areia.
Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1937.
1ª edição. Brochura. 344 págs. (2)
As editoras fascinaram-me e a importância dos editores franceses no “nascimento” da imprensa no Brasil e daí mais alguns textos.
Auguste Saint-Hilaire – Voyage aux sources du Rio de S. Francisco
et dans La Province de Goyaz
Claro que outros escritores que não de língua portuguesa, e que fazem parte do meu vasto universo bibliómano, também tiveram alguns apontamentos sobre a sua biobibliografia: Charles Dickens, Jane Austen, Ernest Hemingway, por exemplo.
Ernest Hemingway - A Farewell to Arms
New York, Charles Scribner’s Sons, 1929.
First edition, first print.
Copyright 1929, by Charles Scribner’s Sons
Uma terceira vertente surgiu: “As Conversas bibliófilas” onde exprimia o meu sentir pessoal sobre os acontecimentos e sobre eles reflectia.
É neste contexto que escrevi, por exemplo, o texto sobre “A Memória Descritiva”.
Maria Alzira Seixo – “Memória Descritiva.
Da fixação do texto para a edição ne varietur da obra de António Lobo Antunes”.
Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2010.
1ª edição. 179 (2) pág. Brochado
Que me perdoe a Prof.ª Alzira Seixo, mas este não é um livro bibliófilo, mas pela sua grande importância literária e cultural, merecia a sua divulgação, pelo que escrevi o artigo “ao sabor da minha escrita, como gosto de o fazer”, e deixei assim “como quem não quer a coisa” a mensagem (julgo ter conseguido o objectivo)
Ora bem, e voltando ao que me trás aqui, com a minha formação basicamente técnico-cientifica, que sempre rejeitei como formação isolada por falta de uma visão mais abrangente do homem, não tenho qualquer formação literária (tinha apenas como referência um tio que escrevia uns textozinhos...entretanto perdidos)
Claro que desde sempre fui um leitor ávido – um grande bibliómano, que ainda o sou hoje – tenho muita dificuldade em resistir ao fascínio dum livro!
Entretanto conheci o Sr. Magalhães, sempre ele, o Sr. Ernesto da Biblarte e mais um outro, do qual infelizmente esqueci o seu nome, foram as pessoas que me levaram à bibliofilia.
Maquina tipográfica «Express»
Daqui se compreende que tenha grande dificuldade em fazer criticas literárias ou estilísticas, debater um determinado tipo de impressão, conhecer uma edição coeva e as suas variantes, (investigo, procuro e leio para aprender e depois de “digerir o aprendido”, tentar emitir uma opinião, mas sempre receoso de estar a ser incompetente ou, mais grave ainda, injusto para com o autor ou a temática abordada)
Julgo que o blogue atingiu um patamar em que tenho de me esforçar muito, estudar literatura, contactar regularmente os livreiros-antiquários conhecidos, para colher as informações da actualidade, para continuar a garantir a qualidade do que escrevo, senão será melhor tirar umas férias, ou mesmo, fechar a porta!
Num ponto não faço concessão: para mim o autor vem sempre primeiro que a sua obra!
Falarei e mostrarei livros, mas quando sentir que essa obra será devidamente colocada no contexto literário da sua época.
Camilo Pessanha
Fotografia com dedicatória a Luís Nolasco
Todos conhecem o “Amor de Perdição” ou “Os Maias”, mas depois de terem lido e conhecido um pouco mais sobre o Camilo ou o Eça de Queirós, julgo que o reconhecimento destes livros será outro. A “Clepsidra” lida depois de se conhecer um pouco melhor a vida e as atribulações do Camilo Pessanha terá igualmente um outro significado. (3)
Julgo ter dado algumas “boas pinceladas” sobre os nossos séculos XVIII e XIX (admiro este século!)
É neste contexto que surge o texto sobre o Alexandre Herculano – um dos textos mais lidos.
O que escrevi foi sobre o homem, o personagem, que marcou o nosso século XIX e por ele foi marcado. A seguir virão um dia as obras e as primeiras edições.
Alexandre Herculano
Resumindo, pois já me perdi um pouco.
O blogue é feito por um técnico, que não é nem literato nem literário, mas que quer conhecer muito mais sobre os livros, que com modéstia, vai tentando singrar neste campo, sem copiar outros exemplos, mas aprendendo, sempre com simplicidade, com o que se vai fazendo (vejam-se os blogues do Diego Mallen ou do Urzay – um “regalo para a vista” e um “bálsamo para a alma!” – de Le Blog du Bibliophile ou Le Bibliomane Moderne – excelente a entrada de Textor, que acrescentou muito ao trabalho já de si relevante do Bertrand) e dando o seu melhor como pode e sabe, por isto, este espaço é e será sempre modesto... por principio sou uma pessoa simples, ainda que muito teimosa!)
Padre António Vieira – SERMONES // SELECTISSIMI
Marca tipográfica de Hermann Demen
Gosto de escrever pelo prazer do acto em si e pelo que consigo aprender sobre mim e os meus pensamentos.
Os meus escritos são como memórias / lições, mas curiosamente raramente releio o que publiquei!
O acto de criar morreu com a sua nascença outro projecto deve iniciar-se...
E aqui fica a quarta vertente, talvez a mais pessoal do blogue, a sua imprevisibilidade para mim e para os leitores: nunca se sabe o que esperar!
(se calhar terá nascido aqui o artigo para o aniversário do blogue?)
Cartonnages Romantiques, 1840-1870,
un âge d'or de la reliure du livre d'enfant
Bom isto não é nem uma crónica, nem um conto e muito menos um romance, portanto vou terminar, mas antes quero expressar o meu profundo agradecimento a todos os meus leitores e seguidores, pois são eles a “alma viva” deste blogue.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) Claro que há excepções, mas algumas servem “outros interesses”.
(2) Lançado às vésperas da decretação do Estado Novo, em 10 de Novembro de 1937, este livro considerado comunista foi censurado e perseguido, sendo que grande parte da edição foi incinerada.
(3) Que me perdoe José Mindlin – o eminente bibliófilo infelizmente já desaparecido, mas neste ponto discordo dele, pois o livro era sempre o mais importante para si.