"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Literatura de viagens e exploração – um contributo português.



Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens durante a
Expedição Geográfica Portuguesa à África Austral

Ao consultar a última montra da In-Libris não consegui deixar de reparar nestas três obras, que são grandes clássicos na literatura de viagens e exploração africanas conduzidas pelos portugueses – Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto.


Hermenegildo Capelo

Hermenegildo Carlos de Brito Capelo (Palmela, 4 de Fevereiro de 1841 — Lisboa, 4 de Maio de 1917), oficial da Marinha portuguesa e explorador do continente africano durante o último quartel do século XIX. Participou com Roberto Ivens na célebre travessia entre Angola e a costa do Índico.

Assentou praça na Marinha em 1855 terminando o curso 4 anos depois. Em 1860 embarcou como guarda-marinha para Angola a bordo da corveta D. Estefânia, comandada pelo príncipe D. Luís, mais tarde rei, permanecendo durante três anos na estação naval de África Ocidental. Em 1863 regressa a Lisboa e no ano seguinte é promovido a segundo tenente. Nesse ano voltou a África donde regressa em 1866 para voltar logo de seguida a Angola, onde permanece até 1869, altura em que segue para Moçambique, regressando a Lisboa em 1870 para logo partir em Direcção a Cabo Verde. Em 1871 é integrado numa expedição enviada à Guiné e em 1872 vai para a China donde regressa a Lisboa em 1876.


Explorando o continente africano

Brito Capelo, quando da sua permanência em Angola fez o reconhecimento científico daquela zona, facto que o fez ser escolhido, por Decreto de 11 de Maio de 1877, para dirigir uma expedição científica à África Central da qual também faziam parte o oficial da marinha Roberto Ivens e o major do exército Serpa Pinto. Segundo o decreto foram nomeados «para comporem e dirigirem a expedição que há-de explorar, no interesse da ciência e da civilização', os territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique, e estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze, segundo as instruções que receberem autorizadas pelo meu Governo.»1 Sob os auspícios da Sociedade de Geografia, esta expedição tinha por fim «…o estudo do rio Cuango nas suas relações com o Zaire e com os territórios portugueses da costa ocidental, assim como toda a região que compreende ao Sul e a sueste as origens dos rios Zambeze e Cunene e se prolonga ao Norte, até entrar pelas bacias hidrográficas do Cuanza e do Cuango…».

Este objectivo constituía uma vitória de José Júlio Rodrigues sobre Luciano Cordeiro dado que este último tinha lutado por uma travessia de costa a costa, passando pela região dos grandes lagos da África Central.


Rei D. Manuel II

Hermenegildo Capelo foi ajudante-de-campo dos reis D. Luís, D. Carlos e chefe da casa militar do rei D. Manuel II, ministro plenipotenciário de Portugal junto do Sultão de Zanzibar, organizador de uma carta geográfica da província de Angola, delegado do governo num congresso de Bruxelas e presidente da comissão de cartografia. Hermenegildo Capelo foi promovido a contra – almirante em 17 de Maio de 1902 e a vice – almirante em 18 de Janeiro de 1906. Muito dedicado ao rei D. Manuel II, acompanhou-o até à partida para o exílio, em 5 de Outubro de 1910. A 24 do referido mês, tendo pedido a demissão deu por terminada a sua carreira militar.


Roberto Ivens em 1885

Roberto Ivens (São Pedro, 12 de julho de 1850 — Dafundo, 28 de janeiro de 1898), filho de pai inglês e de mãe açoriana, foi um oficial da Armada, administrador colonial e explorador do continente africano, português.

Concluiu o curso de Marinha em 1870, com apenas 20 anos, com as mais elevadas classificações. Frequentou em 1871 a Escola Prática de Artilharia Naval, partindo em Setembro desse ano para a Índia, pelo Canal do Suez, integrado na guarnição da corveta Estefânia, onde é feito guarda-marinha.

A partir de 1872 inicia contactos regulares com Angola. A 10 de Outubro de 1874, completa os três anos de embarque nas colónias: Regressando a Portugal, em Janeiro de 1875 faz exame para segundo tenente fora da barra de Lisboa. Em Abril de 1875, segue na corveta Duque da Terceira para São Tomé e Príncipe e daqui para os portos da América da Sul. Regressando em Abril de 1876, parte no mesmo mês, no Índia, para Filadélfia, com produtos portugueses para a Exposição Universal daquela cidade.

Após o regresso da grande viagem de exploração, Roberto Ivens, por motivos de saúde, abandona o mar, passando a prestar colaboração cartográfica na Sociedade de Geografia de Lisboa e na execução de trabalhos relacionados com África, sobretudo Angola, no Ministério da Marinha e Ultramar.

Foi nomeado, por Decreto de 8 de Maio de 1890, oficial às ordens da Casa Militar do rei D. Carlos. Em 1891 colabora na constituição de um instituto ultramarino do qual viria a ser vogal da direcção. Por Decreto de 20 de Dezembro 1892, foi colocado no quadro da Comissão de Cartografia, como vogal permanente. Por Decreto de 27 de Abril de 1893, foi transferido para o cargo de ajudante-de-campo do rei.

Em 1895 foi feito oficial da Real Ordem Militar de S. Bento de Avis e por Decreto de 17 de Outubro nomeado secretário da Comissão de Cartografia, cargo que manterá até ao ano seguinte. O topo da sua carreira na Marinha foi alcançado a 7 de Dezembro de 1895, com a promoção a capitão-de-fragata.


Roberto Ivens em traje de explorador africano

Por Decreto de 11 de Maio de 1877 foi nomeado para dirigir a expedição aos territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique e estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze. Na mesma data foi promovido a primeiro-tenente.

De 1877 a 1880, ocupou-se com Hermenegildo Capelo e, em parte, com Serpa Pinto, na exploração científica de Benguela às Terras de Iaca. No regresso, recebe a Comenda da Ordem Militar de Santiago e é nomeado a 19 de Agosto de 1880 vogal da Comissão Central de Geografia. Por Decreto de 19 de Janeiro de 1882, foram-lhe concedidas honras de oficial às ordens e a 28 de Julho foi nomeado para proceder à organização da carta geográfica de Angola.


Hermenegildo Capello e Roberto Ivens na ilha da Madeira
©Foto Arquivo Municipal de Mafra

Em 19 de Abril de 1883, é nomeado vogal da comissão encarregada de elaborar e publicar uma colecção de cartas das possessões ultramarinas portuguesas. Por portaria de 28 de Novembro do mesmo ano foi encarregado de proceder a reconhecimentos e explorações necessários para se reunirem os elementos e informações indispensáveis a fim de se reconstruir a carta geográfica de Angola.

Face às mais que previsíveis decisões da Conferência de Berlim era preciso demonstrar a presença portuguesa no interior da África austral, como forma de sustentar as reivindicações constantes do mapa cor-de-rosa entretanto produzido. Para realizar tão grande façanha, são nomeados Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens.


Mapa Cor-de-Rosa representando a pretensão à soberania
sobre os territórios entre Angola e Moçambique

Finda a viagem de exploração, Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo foram recebidos como heróis em Lisboa, a 16 de Setembro de 1885. O próprio rei D. Luís dirigiu-se ao cais para os receber em pessoa e os condecorar à chegada. O rio Tejo regurgitava de embarcações. Nunca se havia visto tamanho cortejo fluvial. Acompanhados pelo rei foram conduzidos ao Arsenal da Marinha para as boas vindas, com Lisboa a vestir-se das suas melhores galas para os receber. Foram oito dias de festas constantes, com colchas nas varandas, iluminação, fogos-de-artifício, recepções, almoços, jantares e discursos sobre a heróica viagem.

Mais tarde, o Porto não quis ficar atrás, excedendo-se em manifestações de regozijo e recepções. E no estrangeiro, Madrid esmerou-se em festas, conferências, recepções e condecorações; em Paris é-lhes conferida a Grande Medalha de Honra.



10397. CAPELLO (H.) & IVENS. (R.).— DE ANGOLA Á CONTRA-COSTA. Descripção de uma viagem atravez do Continente Africano, comprehendendo narrativas diversas, aventuras e importantes descobertas entre as quaes figuram a das origens do Lualuba, caminho entre as duas costas, visita às terras da Garanganja, Katanga e ao curso do Luapula, bem como a descida do Zambêze, do Choa ao oceano. Lisboa. Imprensa Nacional. 1886. 2 vols. 16x24 cm.  XXVII-448 e X-490. E. [Indisponível]




Das mais conceituadas e apreciadas obras de toda a nossa bibliografia africana de viagens, numa esmerada e muito cuidada edição, impressa em excelente papel e enriquecida com numerosas gravuras impressas nas páginas de texto e em separado, além de diversos mapas desdobráveis, a cores.




Encadernações editoriais. As páginas de texto apresentam alguma acidez ocasional e estando os mapas um pouco amarelecidos dada a qualidade do papel.



Muito invulgar quando  inclui todos os 6 mapas originais, como e o caso deste exemplar.



10395. CAPELLO (H.) & IVENS (R.).— DE BENGUELLA ÁS TERRAS DE IÁCCA. Descripção de uma viagem na Africa Central e Occidental. Comprehendendo narrações, aventuras e estudos importantes sobre as cabeceiras dos rios Cu-nene, Cu-bango, Lu-ando, Cu-anza, e Cu-ango, e de grande parte do curso dos dois ultimos; alem da descoberta dos rios Hamba, Cauali, Sussa e Cu-gho, e larga noticia sobre as terras de Quinteca N’bungo, Sosso, Futa e Iácca. Expedição organisada nos annos de 1877-1880. Edição illustrada. Lisboa. Imprensa Nacional. 1881. 2 vols. 14x21 cm.  XLV-379-I e XII-413-I págs. E. [Indisponível]



“(...) Perante a critica vae apparecer um livro, que tem por unico intuito a narrativa succinta dos factos e peripecias succedidos n’uma peregrinação de seiscentos dias, apresentando alguns resultados scientificos, com os quaes, julgâmos, aproveitará a geographia e mesmo a história natural. (...)

Das mais notáveis obras da bibliografia africana portuguesa.



Primeira edição desta notável obra, ilustrada com grande número de gravuras impressas no texto e em separado, mapas em folhas desdobráveis, dois deles de grandes dimensões.



Encadernação editorial gravada a ouro e negro nas pastas e lombadas, denotando algum uso. Assinatura de posse, antiga, numa das páginas preliminares e na folha de rosto dos dois volumes. Muito ligeiro vestígio de humidade nas capas de ambos os volumes.

De raro aparecimento no mercado quando acompanhada dos dois mapas, como é o caso.


Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto

Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto herói nacional português, foi militar explorador do continente africano sub-sahariano entre Angola e a Costa leste de África (Africa do Sul)  e  Governador de Cabo Verde na altura colónia portuguesa.

Nasceu na freguesia e paróquia de Tendais,na quinta das Poldras, concelho de Cinfães, no dia 20 de Abril de 1846, filho do miguelista José da Rocha Miranda de Figueiredo, médico, e de D. Carlota Cacilda de Serpa Pinto. Aos 9 anos frequentou o colégio da Lapa no Porto
Ingressou no Colégio Militar com 11 anos e aos dezassete tornou-se no seu primeiro Comandante de Batalhão aluno.

Serpa Pinto viajou pela primeira vez até à África oriental em 1869 numa expedição ao rio Zambeze. Integrava uma coluna de quase mercenários, cujo objectivo conhecido era o de enfrentar as milícias do Bonga, que já infligira nas tropas portuguesas várias e humilhantes derrotas. Mas Serpa Pinto integra a coluna como técnico, avaliando a rede hidrográfica e a topografia local, pelo que podemos inferir ou suspeitar dos intuitos não apenas bélicos, mas de interesse estratégico no reconhecimento e posterior controlo da região.


Serpa Pinto, explorador em África.

Em 12 de Novembro de 1877 inicia a travessia explora o sul de Angola, integrando uma expedição que partiu de Benguela (Angola) e que contava com a participação de Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo. Por alturas do Bié houve uma cisão no grupo e Serpa Pinto assumiu a travessia solitária do continente Africano numa epopeia de 517 dias   A sua jornada terminou em  19 de Março de 1879 e atravessou as bacia do rio Congo ou Zaire e do Zambeze, Angola e partes das actuais Zâmbia, Botswana, Zimbabwe e África do Sul.numa epopeia que durou 517 dias.

Foi nomeado cônsul-geral para o Zanzibar em 1885 e governador-geral de Cabo Verde em 1894.


Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto

A expedição de Serpa Pinto tinha como objectivo fazer o reconhecimento do território e efectuar o mapeamento do interior do continente africano, para preparar a entrada de Portugal na discussão pela ocupação dos territórios africanos. A «ocupação efectiva», sobre a ocupação histórica, determinada pelas actas da Conferência de Berlim (1884-1885) obrigou o Estado Português a agir no sentido de reclamar para si uma vasta região do continente africano que uniria as provincias de Angola e Moçambique (então embrionárias) através do chamado "mapa cor-de-rosa"; esta intenção falhou após o ultimato britânico de 1890, o «incidente Serpa Pinto», já que nela interveio o explorador, ao arrear as bandeiras inglesas, num espaço cobiçado e monitorizado pela rede de espionagem do Reino Unido, junto ao lago do Niassa (guerra dos Makololos).


Rei D. Luís I

Tanto o Rei D. Luís I, como o seu filho Carlos I de Portugal, nomearam-no seu Ajudante de Campo e o segundo concedeu-lhe, em duas vidas, o título de Visconde de Serpa Pinto [1899].

A cidade de Menongue, no sudeste de Angola, foi chamada Serpa Pinto até 1975 em alusão a este explorador.



10396. SERPA PINTO.— COMO EU ATRAVESSEI ÁFRICA. Do Atlantico ao Mar Indico, viagem de Benguella á Contra-Costa. Atravès Regiões desconhecidas; Determinações geographicas e estudos ethnographicos. Contendo 15 mappas e facsimiles, e 133 gravuras feitas dos desenhos do autor. Londres: Sampson Low, Marston, Searle, e Rivington, Editores. 1881. 2 vols. 15x23cm.  XXIX-336 e VI-340 págs. E. [Indisponível]




Trata-se de uma das mais estimadas e notáveis obras existentes na nossa vasta literatura de viagens em África. Excelente edição, com as gravuras impressas nas folhas de texto e em separado.





Encadernações editoriais, gravadas a negro e a ouro, tendo o segundo volume uma mancha desvanecida de tinta vermelha. Em falta, o mapa final, desdobrável, que deveria estar no primeiro volume. Numa das folhas do primeiro volume apresenta um pequeno rasgão nas margens da folha, não afectando o texto.


Aqui fica este modesto contributo para a memória destes exploradores e sobretudo para a sua obra que trouxe vasto contributo para as ciências da época.

Saudações bibliófilas

Fontes consultadas:

Alexandre de Serpa Pinto – Wikipédia
Associação Cultural Serpa Pinto 
Hermenegildo Capelo – Wikipédia
Roberto Ivens – Wikipédia

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