Antole Louis Garraux
Antole Louis Garraux nasceu em Paris, a 3 de Abril de 1833. Faleceu em 26 de Novembro de 1904, em sua residência, n.º 60, rue du Faubourg Poissonnière, no décimo arrondissement da capital francesa. Era viúvo e teve três filhas: Marie Louise (Madame Servan), Amélie Henriette Aspasie (Madame Fischer) e Sophie Clarisse (Madame Crétenier).
A sua ascendência é desconhecida. O seu nome não figura em nenhum dos volumes das biografias francesas, o que sugere que não pertencera a alguma linhagem aristocrática ou burguesa expressiva. Nasceu em Paris, mas a sua vida até os 17 anos, idade com que emigrou para o Brasil, não mereceu nenhuma linha dos seus biógrafos nem mesmo escrita pelo seu próprio punho.
Supõe-se que tenha sido um funcionário da Garnier em Paris e, como é próprio da juventude, optou por se aventurar no Rio de Janeiro, seguindo os caminhos dos Garnier, particularmente os de Baptiste Louis, em busca de novas oportunidades financeiras. Instalou-se no Rio de Janeiro, supostamente como empregado da Livraria Garnier, donde seguiu para São Paulo como agente de livros franceses, onde logrou tornar-se o maior livreiro da cidade a despeito de outros poucos, mas tradicionais concorrentes, que beneficiavam do comércio regular com alunos e lentes da Academia de Direito.
Apenas com base em suposições, que não permitem traçar uma visão objectiva sobre o seu percurso inicial, pode-se afiançar que, mesmo desconhecendo as origens do seu capital, A. L. Garraux logrou fazer bons investimentos e acumular uma notável fortuna (1). No entanto, não se pode afirmar que A. L. Garraux tenha construído, a exemplo de outros seus compatriotas, um império do livro. Embora tenha deixado grande fortuna para os descendentes, os seus bens estavam muito longe de se equiparar à riqueza acumulada por François Hippolyte Garnier, que se tornou o livreiro-editor francês mais rico do século XIX e ao contrário de Baptiste Louis, fundador da livraria no Rio de Janeiro, A. L. Garraux não fixou raízes no Brasil.
Anatole Louis Garraux, como ele mesmo o atesta, foi um homem rico, tinha hábitos e gostos sofisticados, foi um burguês típico do seu tempo.
Praça da República, São Paulo
(Fotografia: Guilherme Gaensly)
Anatole Louis Garraux fixou-se na cidade de São Paulo no final do ano de 1859. A instalação da Academia de Direito coexistiu com uma série de factores que acenavam para o desenvolvimento económico e social do burgo de estudantes, a partir das décadas de 1860 e 1870.
Convirá a propósito referir-se o que Munhoz da Rocha escreveu sobre o desenvolvimento desta cidade, que se iniciou, mais tardiamente do que noutras cidades brasileiras:
“E é bem significativo que a cidade de São Paulo, ao comemorar o seu quarto centenário, já com os foros da mais populosa metrópole brasileira, só pudesse exibir, ao contrário da Bahia, alguns raros marcos centenários. Suas construções mais antigas, em número reduzido, datam do fim dos oitocentos e do começo dos novecentos, isto é, do início da República, quando São Paulo tomou a dianteira do café e começou a encher-se de fumaças de locomotiva.
A técnica compensou São Paulo do tempo perdido com as dificuldades geográficas.”
A expansão da cafeicultura, a urbanização, a instalação de sectores económicos modernos, como bancos, comércio de importação e exportação, empresas de serviços públicos, transportes marítimos, entre outros, fizeram emergir uma aristocracia cada vez mais alinhada aos padrões de vida urbanos e o aumento das camadas médias mudaram a feição da cidade.
Saliente-se que as actividades culturais e a sua procura incorporaram-se e criaram raízes no seio da cidade e de suas elites, razão que explica a emergência do comércio livreiro na capital.
Deste modo não será de estranhar que A. L. Garraux tivesse optado por esta cidade, em plena expansão, para se instalar e aqui desenvolver as suas actividades económicas e financeiras e agir como o principal agente na capital paulista da expansão do capitalismo editorial francês, tornando-se o maior livreiro da cidade nas últimas décadas do século.
A Revolução Francesa de 1789 continuava a ser um modelo para as gerações vindouras, pelo menos no conteúdo das leituras e no grau de interesse que a França e seus intelectuais passaram a despertar em todo o mundo. Ou melhor, numa fracção significativa do globo sensível às referências francófonas. Com efeito, no século XIX as elites letradas latino-americanas viveram sob a influência “ Iluminismo".
Ao trasladar esse fenómeno para o Brasil, pode-se afirmar, à luz de um homem culto da época, que eram francesas as aspirações dos jovens doutores do Oitocentos, assim como eram nitidamente afrancesadas as referências literárias do século.
As estatísticas apresentam variações ao longo do século, mas o que se observa é uma longa conjuntura de domínio do livro francês no mercado latino-americano, que reproduz uma tendência ascendente desde o Século da Luzes.
No que respeita à produção historiográfica brasileira, torna-se imperiosa a referência a Eduardo Frieiro e ao seu ensaio O diabo na livraria do cônego. (Sobre o cónego Luís Vieira da Silva) (2) onde ele escreve:
“Era um afrancesado? Pode-se admiti-lo. As idéias francesas contagiavam alguns brasileiros seletos daquele tempo. Constituíam, é claro, uma reduzida minoria, mas pode-se admitir, como se tem admitido, que tais idéias influíram no pensamento autonomista dos conjurados mineiros, junto com razões mais fortes, de ordem econômica e afetiva, como o grande receio da derrama, o sentimento nativista e a hostilidade ao português.”
Seminário Episcopal na avenida Tiradentes, São Paulo
(Fotografia: Guilherme Gaensly)
No ramo comercial, actuou como comissário e exportador de todo tipo de artigos de luxo franceses para o Brasil. Dentre os artigos em evidência, destacavam-se: grande sortido de artigos para desenho; papéis finos; envelopes; bengalas; binóculos; bolsas (indispensáveis para senhoras); caixas para jóias, para costura; espelhos, quadros; jarras de cristal, de porcelana, jardineiras e uma infinidade de ornamentos: globos celestes, terrestres, mapas geográficos; tinteiros, sinetes, penas de ouro e de madrepérola; vistas fotográficas, opacas e transparentes; instrumentos para serviços de engenharia; vinhos superiores, charutos – os famosos charutos de Havana anunciados nos jornais, fogos de salão e muitos outros objectos. Eram as “francesias”, que dominavam o imaginário das pessoas da elite da cidade.
Fritzi Scheff [actriz americana] – Folha de papelcom boneca
(podem ver-se vários acessórios de moda feminina)
Mas os livros tornaram-no igualmente conhecido. O “livreiro Garraux”, alcunha pela qual ficou conhecido em São Paulo, deve ser analisado na perspectiva de outros seus compatriotas que iniciaram a sua carreira no início do Primeiro Reinado: Plancher (3), tipógrafo-livreiro protegido por D. Pedro I, e os irmãos Baptiste Louis Garnier e François Hyppolite Garnier, os primeiros mandatários do imperialismo editorial francês na América, pois fixaram filiais em Buenos Aires e na Cidade do México. Todos instalados na Corte do Rio de Janeiro, onde as livrarias floresceram logo nas primeiras décadas do Oitocentos.
Rio de Janeiro - Final do século XIX - Glória e Flamengo
A sua trajectória profissional chama a atenção por duas razões: pelo carácter pioneiro de implantação de uma rede de negócios estabelecida entre as empresas editoriais francesas e o mercado paulista, pois anteriormente a importação de livros dependia do comércio fluminense; e pela recepção de livros franceses, confirmando a proeminência da cultura gaulesa no meio letrado local.
Não foi uma pura concessão ao consumo de produtos importados, marca do gosto de um público burguês sedento por novidades europeias, que orientou a partida do irmão mais novo, Baptiste-Louis Garnier, para difundir o livro francês na América Latina. Para que esse Garnier pudesse emigrar para o Brasil e viesse a ser o “inventor da literatura nacional”, o primeiro a remunerar os escritores e, com isso, ilustrasse a dinâmica difusora de modelos da edição francesa no séc. XIX, os outros irmãos Garnier tiveram de trilhar os primeiros passos de um longo e acidentado percurso comercial em Paris.
Comprar acções da “caminho-de-ferro”, por exemplo, possibilitava dinheiro vivo nas mãos, mas o melhor negócio, em todos esses anos, foi a venda e exportação de livros e estampas pornográficas. O bom negócio do livro obsceno resultou tão importante e lucrativo quanto o acúmulo de capital social de relações representado pela frequência dos escritores a lógica económica e a lógica simbólica equivaliam-se. Mesmo que as estampas fossem impressas nas tipografias da periferia e vendidas nos esconderijos da loja, foi preciso enfrentar a vigilância policial, censura, multas e ameaças de prisão, em especial Pierre-Auguste Garnier, que acabou por se especializar no ramo. Dos três irmãos, Baptiste-Louis foi o escolhido para difundir o comércio ilícito na América Latina.
Perante estes dados, e sabendo-se que Anatole Louis Garraux seguiu na peugada dos Garnier, que ele tenha enveredado pelo mesmo tipo de raciocínio.
Se bem que o comércio de livros correspondesse apenas a uma pequena fracção de um conjunto mais amplo e variado de negócios que A. L. Garraux administrava, este verdadeiro périplo livresco que envolvia a especulação financeira e imobiliária, tinha no comércio de livros proibidos uma fonte de lucros garantido. Estas edições eram maioritariamente compostas por gravuras, livros eróticos, e pornográficos, para um público maioritariamente argentino e brasileiro.
É claro que os negócios da Livraria não se resumem a estas práticas ilegais, Garraux agiu da mesma forma que Baptiste Louis Garnier, o irmão mais novo da família, a venda de um género que circulava em abundância na capital fluminense.
Este facto pode ser constado no Catálogo de 1866. O nome da colecção apresentado neste Catálogo é bastante sugestivo e cede à leitura um tempo para o ócio e o lazer: "Ce que vierge ne doit lire" : 1º Amour d'un page, in-8º broché; 2º Contes vrais; 3º Flagrants délits; 4º Pommes d'Èves; 5º Ce que nous font faire les femmes; 6º L'esprit de reparties; 7º L'Art d'avoir des maitresses; 8º Chansons amoureuses.
Casa Garraux
Aliás, não se tratava de um género legalmente proibido, a exemplo das leis de censura vigentes na França até o final da III República (1940), porém, por razões morais, esta literatura destinava-se a um tipo exclusivo de público: o masculino. Tanto assim que nos catálogos da livraria Garraux esta literatura galante não deve ser procurada nalguma secção camuflada, ou indicativa de leituras masculinas, pois que emparceira pacificamente na secção de belas-letras, ao lado dos grandes escritores.
Como o demonstram historiadores e economistas, no período de 1870 a 1914, as oportunidades são amplas e variadas para investidores e especuladores. A belle époque não significou apenas um dos mais férteis períodos de criação artística – literária e pictórica – no longo século XIX, mas também uma época de oportunidades, neste imenso sistema, que elevou as actividades de comércio – a troca de mercadorias, é certo, mas também a troca de ideias – a escalas até então desconhecidas.
Belle epoque
E que outra mercadoria representaria melhor o espírito da belle époque – do ponto de vista económico e cultural – senão o livro?
Pode-se pois concluir que mesmo ocupando uma parte menor dos negócios de A. L. Garraux, não quer isso dizer que o comércio de livros fosse de somenos importância. Do ponto de vista de mercado, Garraux beneficiou do excedente produzido em França, portanto, da queda do preço dos livros e da sua procura – sobretudo do aumento da procura – deste produto no mercado brasileiro. Tanto é verdade que, apesar da grande diversidade de produtos no seu estabelecimento comercial, Garraux era conhecido como livreiro, ou melhor, como o maior livreiro da cidade. Do ponto de vista qualitativo, os Catálogos da Casa Garraux ratificam o diferencial de sua empresa e a importância que ele atribuía aos livros na lista das suas mercadorias.
Em trinta anos de actividades, a Casa Garraux gozou de total hegemonia no mercado de bens simbólicos paulistas.
Antes de fundar a sua própria livraria, Anatole Louis Garraux instalou um balcão de vendas ao lado da livraria do Pândega, onde vendia exemplares de Le Monde Illustré e de L’Illustration.
Le Monde Illustré (Janeiro de 1895)
L'Illustration (1901)
Em 1863, abriu estabelecimento próprio, a Livraria Académica, no Largo da Sé, n.º 1 (bem próximo da actual rua Quinze de Novembro) e perto da rua da Imperatriz. Tinha como sócios Guelfe de Lailhacar e Raphael Suarèz, este residente em Paris (4), como anuncia o seu catálogo de 1864. Nesta época, ele apresentava-se como agente de Garnier.
Além disso, manteve um escritório de comissão e representação em Paris, nº 3, rue d'Hauteville. Os seus anúncios foram regularmente publicados no Annuaire Firmin-Didot entre 1880 e 1900, quando a empresa anunciou a sucessão para Jablonski, Vogt et Cie. Segundo esse breve anúncio (de uma só linha), publicado sem intervalo nas edições do Annuaire, o empresário fazia remessas de mercadorias para o Brasil e mantinha um escritório para encomendas em São Paulo, certamente na sua livraria.
Vista da rua Direita, tendo ao fundo
as torres da igreja de São Pedro dos Clérigosno largo da Sé,
e o casarão da livraria e papelaria Garraux (1862)
Guelfe de Lailhacar, sócio e amigo confesso, como se pode concluir pela leitura do seu testamento, era livreiro no Recife, na rua do Crespo, n.º 9.
Retenha-se que Recife e São Paulo foram as cidades que desempenharam uma importante função educativa, devido à presença das duas únicas faculdades de Direito no Brasil. Terá sido essa a razão pela qual os livreiros visaram este público e os seus primeiros livros anunciados foram em função do curso jurídico.
A livraria tinha como propostas de trabalho: importação directa com as editoras francesas, devido à presença de um agente fixo em Paris; concorrência com os preços do mercado local e, mesmo, com as livrarias da Corte, como fazia questão de anunciar, inclusive nos jornais; e atendimento personalizado ao corpo académico.
A elaboração dos catálogos era mais complexa, pois não raro as obras listadas vêm acompanhadas de alguma explicação, geralmente, um texto extraído da imprensa, principalmente quando se tratava de uma nova edição francesa. Os catálogos conformavam pequenos volumes em brochura, organizados por domínios temáticos e separados em dois grandes grupos: edições em português e edições em francês. A "parte portuguesa", como era chamada, era a menos extensa. Todos os catálogos apresentavam o mesmo aviso, em português e em francês: "O Catalogo Geral será enviado gratuitamente sobre pedido, a qualquer ponto do Imperio".
A estratégia de divulgação de livros em catálogos era complementada com a publicação de anúncios nos principais jornais do Recife e de São Paulo. A. L. Garraux mantinha anúncios fixos nas páginas dominicais de A Província de S. Paulo.
A Província de S. Paulo n.º1
Como se escreveu, editores e livreiros franceses exerceram hegemonia durante todo o período oitocentista nos países latino-americanos, com notável destaque para a Argentina e o Brasil. Prova disso é a composição dos livros num só Catálogo distribuído pela Casa Garraux, de 1866: a parte “portuguesa”, composta por obras de Direito, Religião, Instrução, Artes e Ofícios, Poesias e Obras literárias, perfaz 1.187 títulos, enquanto a francesa totalizava 5.489.
No início da década de 1870, quando A. L. Garraux aparece consolidado no meio comercial citadino, a sociedade com De Lailhacar cessou. Talvez porque este já se encontrasse, como A. L. Garraux, devidamente instalado no Recife e já não precisasse da ajuda do sócio.
Para se ter uma ideia da sua actividade editorial, analise-se o Catálogo de 1872, onde as antigas colecções ganham um espaço mais expressivo, sugerindo seu êxito editorial na França — por se tratar integralmente de edições francesas — e, possivelmente, no Brasil, uma vez que A. L. Garraux teve importante papel como intermediário entre os livros publicados além-mar e o público local.
Com o desenvolvimento da cidade verificou-se uma mudança do público e, por extensão, das condições do comércio livreiro, que se traduziram nesse novo Catálogo de obras francesas, pelo aumento quantitativo do número de títulos, em relação aos exemplares anteriores e, em termos qualitativos, pela apresentação de outras secções temáticas em concordância com o próprio desenvolvimento da edição francesa. Ou seja, o mercado evoluiu no sentido dos livros de estudos, de conteúdo humanístico ou científico — referindo-se as obras de ciências exactas — e de narrativas ficcionais — romances, novelas, contos, teatros, poesias: 1.253 títulos de Romances, 685 obras de Literatura, 199 títulos de Poesia e Teatro. A literatura estrangeira expressa em língua original (inglês, alemão, espanhol, italiano, latim) figura pela primeira vez nos Catálogos da Casa Garraux, aproximando a livraria de um novo público, não necessariamente francófono, mas atento ao poliglotismo.
Estes elementos fazem com que este Catálogo represente um curioso guia literário do gosto literário da época.
Lembramos que no ano de 1872 A. L. Garraux inaugurava a nova sede da Livraria Académica de A. L. Garraux, num belo prédio com fachada de mármore e amplas vitrinas, na rua do Rosário (actual Quinze de Novembro).
Todas as facilidades que A. L. Garraux encontrou na cidade de São Paulo — uma combinação feliz entre a ausência de um mercado concorrente e o aumento do público leitor — fizeram que a sua livraria passasse a ser reconhecida como superior às do Rio de Janeiro, propaganda que certamente agradava aos paulistas, ciosos em ultrapassar a capital do Império em todas as esferas da vida urbana.
Quanto à possível transmissão da empresa para Henri Michel, em 1876, de quem seria cunhado, uma vez que sua irmã se chamava Louise Julie Michel, divorciada no ano de 1902, parece mais provável que A. L. Garraux tenha transferido a sua livraria para Willy Fischer, ou William Fernand Gustave Fischer, seu genro, casado com a filha do meio, Henriette Aspasie Julie Garraux, o que leva a crer que todas estas primeiras mudanças da empresa se tivessem realizado no âmbito familiar.
O facto é que na década de 1880, a figura de A. L. Garraux torna-se célebre na sociedade paulista.
Em 1898, ele publicou um catálogo de livros sobre o Brasil, intitulado Bibliographie Brésilienne.(5) Aparece estampada no frontispício da edição, ao lado do nome do autor, a seguinte inscrição: “ex-libraire à Saint-Paul (Brésil) ”.
Bibliographie Brésilienne
A bibliografia foi, enfim, dedicada à nação brasileira, como se pode concluir pelas suas palavras:
“Possa este catálogo, que eu dedico à Nação brasileira, ser positivamente acolhido por aqueles que se ocupam da América do Sul, tanto amadores, quanto coleccionadores, bibliófilos, comerciantes, industriais e estudiosos! Possa ele ser útil àqueles que se interessam por este grandioso e rico país! Estes que, juntos, devem formar uma legião, se eu julgá-los por um fato que eu mesmo constatei: nove décimos das obras aqui mencionadas não se encontram mais no mercado livreiro e muitas delas se tornaram extremamente raras”.
Até a década de 1890, quando surgiram os primeiros concorrentes de peso no mercado livreiro local, a Casa Garraux foi o mais importante estabelecimento de livros que a população conhecera.
Retornou para a Paris em meados de 1890 onde faleceu em 26 de novembro de 1904.
A Livraria passou por diversos donos e fechou as portas por ocasião da Revolução de 1930.
Como apontamento final, não quero deixar de referir que José Olympio – esse grande editor e uma das figuras emblemáticas do universo editorial brasileiro – iniciou a sua actividade precisamente na Casa Garraux.
José Olympio. O descobridor de escritores
Sobre este relacionamento, António Carlos Villaça escreveu em José Olympio. O descobridor de escritores:
“Veio de longe, veio de Batatais, perto de Brodósqui, em que nasceu Portinari. Foi protegido e hóspede de Altino Arantes, batatense Ilustre, no porão do Palácio dos Campos Elísios. Trabalhou como caixeiro na Casa Garraux e tinha apenas quinze anos. Era o começo e um destino. Era o seu encontro como livro. Nunca mais se afastaria do livro.”
“Pois agora o menino se lembra de seu padrinho [de crisma – Altino Arantes]. Poderia escrever-lhe. Poderia solicitar-lhe que obtivesse para ele um emprego. Um emprego, por exemplo, na Casa Araújo Costa, conhecidos atacadistas, que costumavam dar casa e comidaaos seus funcionários. Seria um ótimo emprego.
A carta ao padrinho de crisma, Presidente do Estado de São Paulo, foi escrita. Corria o ano de 1918. (…)”
José Olympio
“Em Julho de 1918, o rapazinho chegava a São Paulo. Cena estranha. O coronel Afro, com o uniforme da polícia estadual, acompanha o afilhado de Altino Arantes à presença de Charles Hildebrand, o proprietário da Casa Garraux.
E Hildebrand apresentou o jovem José Olympio a Jacinto Silva, que chefiava a seção de livros de da loja. José Olympio se encontrava fisicamente com o seu destino.”
“Com Jacinto Silva, o menio aprendeu a lidar com os livros. (…)
Anos lentos de aprendizagem cotidiana. O menino descobria os livros. Passou logo a ajudante de balconista. Em 1926, Charles Hildebrand faleceu. E a propriedade da casa ficou com o sócio Fausto Bressane. Este escolheu José Olympio para suceder a Lopes [que substituíra Jacinto Silva após a sua saída], no cargo mais relevante dos auxiliares de Garraux.”
José Olympio deixou a Casa Garraux em 1931 para fundar a sua própria editora.
Esta recolha de apontamentos sobre Anatole Louis Garraux pretende traçar o percurso dos primeiros livreiros-editores brasileiros e a influência do livro e editores franceses nesse mesmo mercado.
Espero, pelo menos, ter conseguido em parte esse objectivo. Embora consciente que muito do trabalho já está feito e publicado; penso, no entanto, que muito ainda haverá para ser estudado e investigado.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) Os bens declarados após sua morte, em 1904, perfazem a soma de 971.880 F. Ou seja o equivalente a mil-réis no valor de 748.348$062,9 arredondando a cifra para um milhão de francos franceses, em 1905, deduz-se o montante de 20 milhões de francos segundo a tabela de conversão para o ano 2000, ou 3 milhões de Euros actuais (cerca de 4 milhões de dólares)!
Perante estes dados, pode-se concluir que Garraux seguiu a tendência dos investidores da sua época. Aplicou a maior parte de seu dinheiro em investimentos de alto risco, no mercado accionista, facto que se pode constatar pela existência de uma série de lotes de acções desvalorizadas ao lado de outras que mostram índices altos de valorização.
Estes investimentos foram em sectores que estavam em franco desenvolvimento nesta nova conjuntura de expansão capitalista: nas empresas de metalurgia; e no sistema de transportes, vias-férreas e fluviais de fundamental importância para o aumento dos circuitos de comércio, como se verificou no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre 1890 e 1914.
(2) Pouco se sabe da vida do Cónego Luís Vieira da Silva, um dos implicados na Conjuração Mineira de 1789. Mas deixou ele quase um milhar de livros, sequestrados pelas autoridades da Devassa. Formavam uma variada biblioteca, admiravelmente seleccionada, como provavelmente não existia outra igual em todo o País, naquela época. Que livros lia o Cônego? Quais eram as inclinações ou direcções do seu espírito, ávido de saber? Eis o que se investiga neste livro, tendo como base a relação dos livros apreendidos, que figura nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, mostrando que Luís Vieira, ainda que pobre e vivendo na longínqua e mal povoada Capitania das Minas Gerais, de onde nunca saíra, achara meios de reunir uma notável biblioteca.
O Cónego era pobre. Toda a sua riqueza estava na bem fornecida biblioteca que conseguira reunir. E provavelmente não ambicionava outra, tão certo é que aqueles que se inclinam ao amor dos livros prezam pouco o dinheiro e os bens deste mundo. Sábio como era, facilmente se consolaria da sua pobreza de intelectual, dizendo a si próprio que um mesmo homem não pode estimar “a pecúnia e as cousas do espírito”, ou, com palavras de um doutor da Igreja, a moeda de ouro e a Escritura.
Luís Vieira da Silva foi um leitor inteligente. Na sua lbiblioteca, excepcional para um Geralista (nome que também se dava ao Mineiro, filho das Minas Gerais), mesmo de boas letras, o antigo e o novo achavam-se bem representados e, em alguns casos, muitíssimo bem representados. Havia ali com que desenvolver integralmente as faculdades intelectuais e formar uma sólida cultura geral.
São evidentes os sinais de apreço à antiguidade clássica e aos melhores clássicos franceses e portugueses. E nota-se também, como era natural, o gosto pela literatura que no século XVIII tomara por toda a parte um carácter científico, filosófico ou utilitário que sufocava o poético, criador e lírico. O influxo francês mostrava-se exagerado. Voltaire era o grande mandarim literário, dentro e fora de França e ainda passava — ele, o Anti-Poeta! — pelo maior poeta lírico e dramático do século. Volumes de Voltaire foram encontrados entre os livros de Luís Vieira, Alvarenga Peixoto e Coronel José Resende Costa. Seu Essai sur la Poésie Épique foi, segundo João Ribeiro, o evangelho de Cláudio Manuel na composição do poema Vila Rica, artificioso e coriáceo exercício poético de um lírico já sem veia.
E, não o esqueçamos, era a época das Arcádias que em Portugal se fundaram à imitação das italianas e tiveram reflexos no grupo literário de Vila Rica.
Dos autores imortais da antiguidade clássica existiam na livraria do cónego: Virgílio, Horácio, Suetónio, Júlio César, Quinto Cúrcio, Ovídio, Terêncio, Catulo, Tibulo, Propércio, Cornélio Nepos, Ausónio, Manílio, Quintiliano, Sêneca, alguns em edições ad usum Delphini, e as orações de Demóstenes em latim.
Dos clássicos portugueses, viam-se os quinhentistas Sá de Miranda, Camões (Os Lusíadas, com as notas de Faria e Sousa), Barros e Diogo do Couto (Décadas) e Diogo Bernardes (O Lima), e o seiscentista Gabriel Pereira de Castro (Ulisséia, ou Lisboa Edificada). Dos setecentistas, Luís Antônio Verney (Obras, Lógica), Dom Antônio Caetano de Sousa (Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Portugal), Padre Antônio Pereira de Figueiredo (Compêndio das Épocas), Francisco José Freire...
Nada sobre o Brasil ou do Brasil. Muito mais tarde é que entraria nos homens ilustrados o apreço pela terra e as coisas brasileiras. Só uma obra de escritor nascido aqui, o Orbe Seráfico de Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão.
Dos clássicos franceses, Corneille, Racine, Bossuet, Voltaire, Fénelon, Montesquieu, Marmontel... Em traduções francesas, Anacreonte, Le Paradis Perdu de Milton, La Méssiade de Klopstock e dois volumes de Mélanges de Littérature Orientale de Cordomi.
(3) O tipógrafo de origem francesa Pierre Seignot-Plancher pode ser considerado um desses primeiros aventureiros no mercado livreiro nacional. A Restauração dos Bourbons iniciou-se em 1815, após a queda de Napoleão, porém a opressão atingia o seu auge com o reinado de Carlos X, em 1824. Num tempo em que era crime vender qualquer escrito de Voltaire, crime maior seria certamente o de quem não só vendia, mas editara as obras completas do abominado polígrafo. Naquele período não havia possibilidades de manter o comércio editorial e o exílio de Plancher foi inevitável. A opção pelo Brasil, provavelmente, deveu-se pela informação da existência de um regime monárquico constitucional. Todavia, ele não poderia supor a metamorfose que sua vida sofreria com a travessia do Oceano Atlântico em direcção à capital fluminense. De plebeu na Europa transformou-se em fidalgo no Brasil.
É verdade que seu nome está profundamente enraizado à história da imprensa periódica: fundou, no ano de sua chegada, em 1824, o Spectador Brazileiro e, pouco mais tarde, em 1827, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Projecto pioneiro, que se tornou célebre não apenas por apresentar um tipo de jornalismo ainda inédito no Brasil, ou seja, textos informativos sobre as coisas do comércio – movimento dos navios, das casas comissárias, esboços estatísticos, legislação – mas também pelo cuidado com que eram feitas as edições, de tal modo que a sua oficina acabou por criar um estilo próprio e foi seguido por outros impressores.
(4) “A presencia permanente em Paris, do nosso socio o Sñr. Raphael Suarez mantendo entre nós relações constantes, estamos habilitados a apresentar aos nossos freguezes as novidades notaveis sobre sciencias e artes, logo depois de sua publicação na Europa. Fiados na benevolencia do Respeitavel Publico os nossos esforços serão attendidos: o único resultado que almejamos sendo de completamente satisfazer as pessoas que se dignão honrar-nos de sua confiança, esperamos que os Nossos Freguezes e em particular o Illustre Corpo Academico se servirão continuar-nos a protecção que até hoje nos tem concedido.” [Garraux, De Lailhacar & Cie, S. Paulo, 15 de Outubro de 1863]
(5) Esta publicação foi alvo de críticas em resenha publicada por Miranda de Azevedo num texto rigoroso, no qual o autor aponta lapsos de A. L. Garraux quanto à pesquisa bibliográfica realizada.
Bibliografia:
DEAECTO, Marisa Midori – Anatole Louis Garraux e o comércio da livraria francesa em São Paulo (1860-1890). Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de Setembro de 2005
FUTATA, Marli Delmônico de Araújo e MIZUTA. Celina Midori Murasse – Pierre Plancher e a ação político - educativa do Jornal do Commercio no final do primeiro Reinado.
GARRAUX, A. L. – Bibliographie Brésilienne. Catalogue des ouvrages français et latins Relatifs au Brésil (1500-1898). Paris : CH. Chadenat, Libraire ; Jablonski, Vogt et Cie., 1898.
GARRAUX, Anatole Louis – Bibliographie brésilienne : catalogue des ouvrages français & latins relatifs au Brésil, 1500-1898. 2.ª ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1962. 519 p.
Elaborada pelo livreiro Anatole Louis Garraux, a Bibliographie brésilienne relaciona obras francesas e latinas relativas ao Brasil desde a descoberta até 1898. Visualização completa:
HALLEWELL, Laurence – O livro no Brasil. São Paulo: Edusp/T.A.Queiroz, 1985.
ROCHA Netto, Bento Munhoz – Presença do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960 Coleção Documentos Brasileiros n.º 104 (Dirigida por Octávio Tarquínio de Sousa). 1º edição. Brochura. VIII (2) 186 (1) pp.
VILLAÇA, António Carlos – José Olympio. O descobridor de escritores. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2001. Capa de Geraldo Jantzen.1ª edição. Brochura. 292 (2) pp. Ilustrado.
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