Homem de uma grande instabilidade, tanto literária, pois com Bocage, de quem mais tarde foi inimigo figadal, fundou a Nova Arcádia e usou o nome de Elmiro Tagideu, transformou-se num autor panfletário em defesa dos ideais absolutistas, ainda que com uma conduta de vida pessoal bastante questionável. tinha também, no campo literário, como uma das suas características, o contínuo trabalho de refundição dos textos; assim como nas opiniões políticas, mas cedo aderiu ao miguelismo e defendeu em muitos panfletos violentos as doutrinas absolutistas.
Talvez esta instabilidade se enquadre no contexto geral da História de Portugal pois ele viveu a ida da Corte para o Brasil, as Invasões Francesas, a intromissão inglesa na governação do Reino, a Revolução Liberal de 1820 e a Guerra Civil. Só para citar os factos mais salientes.
No tocante à obra referida, se o texto deve ser lido com cuidado, pela posição parcial do autor, o «catalogo alfabético de todas as suas obras», que o completa, é de uma importância inquestionável.
Mas passemos ao texto em questão.
Seu pai, que era ourives, queria que este filho, dando-lhe uma boa educação, não precisasse de seguir a mesma vida, segundo os usos, ou mania em Portugal, e como descobrisse nele uma extraordinária vivacidade, e sinais de talento, procurou dar-lhe os primeiros rudimentos da língua materna, pelo que o entregou a um seu amigo, de apelido Mendes, também ourives, quando José Agostinho já contava onze anos de idade.
Os progressos de José Agostinho causaram assombro nos mestres, e nos condiscípulos inveja, não deixando algumas vezes de excitar a indignação dos primeiros, e o ódio dos segundos com suas respostas, e ditos impróprios daquela tenra idade, principalmente um dia, em que se fazia a leitura de Camões, ele, cheio de ousadia, disse — Camões não presta — O seu mestre repreendeu-o, mas como ele insistisse, castigou-o, por tamanha blasfémia literária.
Como era usual na altura, a clausura monástica era um seguro asilo, onde a mocidade podia servir a Deus, a si, e aos outros, e facilmente subir ás mais altas dignidades, fosse qual fosse o berço em que o homem nascesse; ou, quando menos, um meio de fugir aos perigos, e incómodos da vida, pensou o pai, que tal vida convinha ao seu filho, cujos talentos cada dia se manifestavam de um modo extraordinário, e por isso, após frequentar em Beja os estudos necessários, para entrar na religião, tomou o habito de Santo Agostinho, dos Eremitas Calçados no Convento de Nossa Senhora da Graça, na cidade de Lisboa.
Nesta Ordem professou; e foi sacerdote com o nome de Fr. José de Santo Agostinho. Ali fez admirar os seus talentos, e algumas vezes tirou os padres de certos embaraços, como foi na ocasião da morte do conde de Vila Verde, que era descendente do grande Afonso de Albuquerque, ao determinar que este fosse enterrado na mesma sepultura do seu imortal ascendente, na Igreja do Convento onde este jazia, mas que pela nova forma que se lhe dera em consequência dos danos sofridos pelo terremoto do 1 de Novembro de 1755, tinha-se perdido a sua localização; declarando José Agostinho, onde esta se achava.
Pregava na sua Ordem com grande aplauso dos religiosos, e admiração de todos, mas, fazia-se admirar mais pelos seus talentos naturais, do que pelo seu estudo assíduo, também se fazia aborrecer pelo seu desmedido orgulho, e pelas suas leviandades e travessuras, praticadas, tanto no Convento da Graça em Lisboa, como no Colégio de Coimbra.
Como em toda a parte, se encontra quem alimente o maledicência, Fr. José encontrou na sua Ordem um companheiro, que se não tinha o seu talento, tinha contudo mais ideias para fomentar os tumultos com que constantemente afligiam a comunidade.
Tão indigno confrade, foi Fr. Francisco, natural da Vacariça; porém, como tais excessos não se poderiam tolerar numa casa particular quanto mais numa corporação religiosa, o prelado, que tinha estrita obrigação de os reprimir foi por isso obrigado, por vezes, a aplicar a estes perturbadores da comunidade as penas consignadas no Estatuto da Ordem; mas tais castigos aplicados a um caracter orgulhoso pelo talento como o de Fr. José, levaram este mancebo ao extremo de não poder suportar o jugo daquele sagrado Instituto; infeliz, porque nem mesmo aquelas cadeias, poderam prender o seu génio inquieto, que o levaram ao excesso de deixar a sua Santa Comunidade apostatando.
Mas melhores conselhos, ou pelo menos mais prudentes, prevaleceram nos conselhos da Comunidade. Deixaram de perseguir Fr. José de Santo Agostinho e deram-lhe a sentença de expulsão perpetua da Sagrada Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho.
Quanto a Fr. Francisco não se sabe se foi também expulso, é porem certo que apareceu secularizado e que até o fim da sua vida, foi um homem duma vida muito desregrada.
Na vida secular. Fr. José de Santo Agostinho, tomou o nome de Padre José Agostinho de Macedo.
Macedo já não sofria a justa perseguição que se fazia ao apostata, mas sofria a perseguição da indigência, com que lutava, indigência que emanava do desprezo publico. Tão severa lição, dada pela Providencia a um indivíduo que conhecia o seu talento, mas que acabava de ser assim levado á humilhação, fê-lo pensar, e mudar de vida; para deste modo, poder entrar na sociabilidade dos homens. Mudou efectivamente de sistema, e começou a ser mais considerado. Durante o período de grande miséria foi socorrido pelas Religiosas Trinas do Rato, que foram quase exclusivamente, quem lhe mataram a fome, pelo que se compreende a razão porque ele tinha tanta afeição por aquela Casa; era em dever de gratidão, e a que só uma alma totalmente pervertida poderia faltar.
Mais comedido, Macedo começou a ser aceite no círculo dos homens de letras, e como era dotado de muita finura, e via que para não voltar á indigência, não tinha remédio se não aproveitar o seu engenho, devorou quantos Santorais, e Sermonarios encontrou, leu os Escritores Eclesiásticos, os Concílios, Historia Eclesiástica, Santos Padres, Escritura etc., tornou-se num bom pregador.
Mas sobretudo o meio mais eficaz que empregou para adquirir os conhecimentos sólidos com que enriqueceu o seu espírito, foi a amizade, e relações com distintos oradores, poetas, sábios, e literatos do seu tempo, que eram alguns, e com grandes méritos, pois bem sabia que valia mais uma conferencia com tais homens; do que muitos anos de estudo; e como tinha grande memória nada lhe escapava do que eles diziam, e consultava os autores por eles citados, correndo todas as bibliotecas de Lisboa; ouvia os grandes oradores, com muita atenção, com maior desejo de os exceder do que de os imitar.
Na Quaresma, chegou a pregar seis, sete, e oito vezes, no mesmo dia, de forma inteiramente diferente, e, às vezes, sobre o mesmo assunto.
Quando o elogiavam nalguma Igreja, costumava dizer: “são fornadas”; como tais se podem chamar os sermões que pregou em 1820, e depois em 1823 e seguintes.
Um orador de mérito tão elevado não podia ficar no esquecimento dos homens protectores dos génios transcendentes, e Monsenhor Rebelo obteve-lhe do Príncipe Regente – o futuro D. João VI – a nomeação de Pregador Régio, por carta de 8 de Novembro de 1802.
No espaço de vinte e nove anos, muitas vezes teve a honra de pregar diante de Suas Majestades e Altezas.
Foi também nomeado Censor Régio do Patriarcado, lugar de grande consideração e respeito. A ultima graça régia que teve foi a de substituto do Cronista-Mor do Reino por decreto de 21 de Junho de 1830, como se pode ver do seguinte documento:
Se o Padre Macedo não tivesse saído da sua Ordem, talvez tivesse feito melhor figura, onde tinha todos os elementos para a elevação, que na vida secular, e apesar de todos os seus esforços, sempre se lhe mostrou avessa. Os monarcas tiveram-no em toda a consideração, e premiaram o seu talento até onde a moral permitia que fosse, mas nunca o propuseram para o episcopado, que eram os desejos de José Agostinho.
O desembargador João da Cunha Neves e Carvalho Portugal, que, aquando da sua estadia em França, ouvira dizer ao cura de S. Tomas de Aquino (que aprendeu o português para ler as obras do bispo D. Jerónimo Osório), que o poema filosófico «A Meditação» era obra acabada, opinião partilhada por muitos outros literatos franceses.
José Agostinho de Macedo, faleceu em Pedrouços, depois de uma doença prolongada de bexiga, ás 11 horas da manha do dia 2 de Outubro de 1831, tendo sido assistido pelo padre Manuel Barreiros, prior de S. Domingos de Benfica.
Jaze na Capela de S. Nicolau de Tolentino, da Igreja do Convento de Nossa Senhora dos Remédios das Religiosas Trinitárias, no sitio do Rato, em Lisboa.
D. Miguel, que então ocupava o Trono Português, mandou-lhe fazer o enterro e que este fosse em coche da Casa Real.
Este monarca, por quem Agostinho Macedo tanto dirimiu em polémicas em sua defesa, recebeu a chave do seu caixão, e, por sua ordem, se lhe tirou o molde em cera, para se lhe levantar um busto.
Ricardo Raimundo, que tinha sido o censor das obras de José Agostinho, escreveu o seu elogio necrológico.
Além de muitos panfletos como o famoso «Os Burros» (1827), escreveu toda uma série de poemas de tema filosófico, de que se destacam: «Contemplação da Natureza» (1810), «O Novo Argonauta» (1809), «O Motim Literário em forma de Solilóquios» (1811), «A Meditação» (1813), «Newton» (1813), «Cartas Filosóficas a Ático» (1815), «Viagem Extática ao Templo da Sabedoria» (1830) «A Criação» (1845)
O seu grande cometimento literário foi o poema épico «Gama» (1811), cuja 2ª edição, em 1814, se intitulou «O Oriente». É uma tentativa confessada de emendar aquilo que considerava errado em «Os Lusíadas», de Camões, e de fazer justiça a certos heróis que este deixara na sombra.
Para os mais curiosos deixo aqui o “link” para uma das suas obras mais famosas «Newton»:
Saudações bibliófilas