"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 3 de julho de 2016

Apontamentos Surrealistas - I: António Pedro – uma obra multifacetada.

Para uma amiga muito especial

Nestes dias em que está demasiado calor (finalmente) e apetece mais sair e usufruir das belezas da paisagem (campo ou praia conforme os gostos de cada um) do que estar aqui a “ler coisas” que já são muito bem conhecidas pela maioria dos leitores, pensei em escrever um conjunto de apontamentos sobre o Surrealismo (tornando assim a sua leitura mais leve….)


Yvan Goll, Surréalisme, Manifeste du surréalisme,
Volume 1, Numero 1, (1 de Outubro de 1924),
Capa de  Robert Delaunay

Um dos primeiros documentos sobre a teorização do Surrealismo deve-se a Yvan Goll publicou o Manifeste du surréalisme, a 1 de Outubro de 1924, na sua primeira único número de Surréalisme duas semanas antes do lançamento do Manifeste du surréalisme de  André Breton  publicado pela Éditions du Sagittaire 15 de Outubro de 1924.

Yvan Goll (1891 - 1950)

Mas a este assunto voltaremos, aos poucos, conforme for publicando os Apontamentos Surrealistas.


A tentação de Santo António,
Salvador Dalí 

O movimento surrealista foi fundado em Paris por um pequeno grupo de escritores e artistas que buscavam o inconsciente como um meio para libertar o poder da imaginação.

Desprezando o racionalismo e o realismo literário, e fortemente influenciado por Sigmund Freud os surrealistas acreditavam que a mente consciente reprimia o poder da imaginação, pesando-a com tabus.

Influenciado também por Karl Marx, que esperavam que a psiquiatria tinha o poder de revelar as contradições no mundo quotidiano e estimular a revolução.


Trabalho sobre o Surrealismo (Pesquisa)
©UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

A sua ênfase no poder da imaginação colocou na tradição do romantismo , mas ao contrário dos seus antepassados, eles acreditavam que as revelações podiam ser encontradas na rua e na vida quotidiana.

O impulso surrealista para tocar a mente subconsciente, e os seus interesses em mito e primitivismo, passaram a moldar os expressionistas abstractos, que continuam influenciados até hoje.

Hoje ficamos apenas por uns breves apontamentos sobre o António Pedro.


António Pedro da Costa

Pintor, ceramista, poeta, dramaturgo e teatrólogo português, António Pedro da Costa (1) nasceu na Cidade da Praia, Cabo Verde, em 1909. Após ter cursado o Instituto Nun'Alvres, da Companhia de Jesus, em La Guardia, frequentou as Faculdades de Direito e de Letras de Lisboa, e o Instituto de Arte e Arqueologia da Sorbona, em Paris. Espírito multifacetado e aberto a quase todas as experiências da criação artística, distinguiu-se sobretudo nos campos da pintura e do teatro (como dramaturgo e como encenador, nomeadamente no Teatro Experimental do Porto, cuja sala tem hoje o seu nome).

A sua actividade literária, porém, alargou-se à poesia, ficção, jornalismo, e comentário radiofónico, que praticou na B.B.C. durante a 2ª Guerra Mundial.

Fortemente marcado por uma adesão extremamente inteligente ao Surrealismo, de que foi um dos introdutores em Portugal e um dos principais expoentes, António Pedro fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa (1947).

Foi director da revista Variante, colaborador de inúmeras revistas e jornais, organizou o 1º salão de Independentes de Lisboa (em colaboração com Diogo de Macedo) em 1930, e participou em variadas exposições em Lisboa, Paris, Londres, e no Brasil. Como ceramista, desenvolveu apreciável actividade em Moledo e Viana do Castelo.

Algumas das suas obras literárias mais importantes são: Os meus sete pecados capitais (1926), Distância (1927), Devagar (1928), Diário (1929), Máquina de Vidro (1931), A Cidade (1932), 15 Poemas au Hasard (1935), Onze Poemas Líricos de Exaltação (1938), Casa de Campo (1938), Apenas Uma Narrativa (1942), Protopoema da Serra de Arga (1948), Pequeno Tratado de Encenação (1962)



PEDRO (António) — A Cidade. Lisboa: Oficinas Gráficas UP, 1932. In-8ºpeq. de 32 p. – Brochado.
Primeira Edição. Dedicatória do Autor.
Muito Raro.
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos

Interessante Dedicatória do autor, assinada e datada.
Brochado em caixa inteira de pele, decorada a prata e a seco na pasta anterior. Uma das mais raras obras de António Pedro. A obra inclui uma curiosa e interessante inscrição na página com o desenho que António Pedro usou como marca: "a quem saiba ter vinte anos na minha terra e a tenha idade que tiver".
Excelente exemplar.



PEDRO (António) — 15 POÈMES au Hasard. Paris: Édition UP, 1935. [19] ff.: il.; 220 mm. Exemplar n. 146 de 160. Brochado em caixa inteira de pele, decorada a ouro na pasta anterior.
¶ Uma das obras mais raras da bibliografia surrealista nacional. Numa tiragem de apenas 160 exemplares, numerados e assinados, a obra é composta por: Affiche, com as obras publicadas e a publicar de António Pedro, frontispício, 1 retrato, 15 ff. com poemas, dos quais quatro são aquilo que o autor chamou de "poemas dimensionais" e, finalmente, 1 f. com a justificação da tiragem. Chamamos a atenção para esta lista, pois no catálogo de Laureano Barros (n. 4416) apenas se faz referência a 17 ff., a mesma indicação em Almeida Marques, 1542 e, num catálogo da Livraria Burnay de Maio de 2003, n. 526, 18 ff. A obra insere-se num processo de adesão estética ao surrealismo. Realçar que apenas um ano após a publicação desta sua obra, António Pedro publica em Lisboa o "Manifesto Resumo do Dimensionismo" e que tem por base o "Manifesto Dimensionista" publicado em Paris exactamente em 1935. Nesse manifesto António Pedro declara: "A poesia precisa cada vez menos de palavras. A pintura precisa cada vez mais de poesia. Ao encontrarem-se as duas no mesmo caminho nasceu uma nova arte - chama-se poesia dimensional. Ficarão além dela a pintura e a poesia tal como nasceram: uma para os muros e por inteiro, outra, e por inteiro, para a boca das cantadeiras da rua" [Modernistas Portugueses, p. 58]. Obra de extraordinária beleza e de uma grande importância para a história do movimento surrealista português.



¶ bib: Laureano Barros, 4416 [aparentemente incompleto]; Almeida Marques, 1542 [idem]; Marinho, p. 17; Modernistas Portugueses, p. 55ss.
©Nova Eclética – Leilão da Biblioteca René Souto – Surrealismo Português (06/2016) / Comprado por: Gabriela Gouveia – Livros Antigos



PEDRO (António) — ONZE Poemas Líricos de Exaltação e o folhetim. Lisboa; Edições Europa, 1938. In-8ºpeq. de XXX págs. - Brochado.
Primeira Edição.
Tiragem Única de 140 exemplares numerados e assinados.
Muito Raro.
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos

Muito rara e lindíssima primeira edição, de apenas 140 exemplares, numerados e assinados pelo autor. Sendo este no nº 54.
Exemplar com vestígios de antiga etiqueta de numeração, na parte inferior da lombada, sem perda de papel, miolo excelente.

Muito Rara e Bela Peça de Colecção.



PEDRO (António)  Proto Poema Da Serra D'Arga. Cadernos Surrealistas. (Imprensa Libanio da Silva. Lisboa. S.d. 1948). 14,5x21 cm. 14-II págs. Encadernado. (2)
©In-Libris

Da badana: “Filológicamente, amador é o que ama. Na linguagem corrente também, e opõe-se a profissional. Amor e profissão, quando se juntam, dão consequentemente Profissão de Amador e Amor de Profissional. A primeira confusão dá de comer aos críticos e às galerias de arte, quando as há; a segunda faz nascer os homens de letras, os artistas profissionais e as prostitutas. (...)"
São extremamente RAROS os exemplares deste poema surrealista de António Pedro.

Na pintura refira-se: Repasto Imundo (1939), Avejão Lírico, Paz Inquieta , Calor, Cantou um Galo, Intervenção Romântica, A Ilha do Cão (1940), Rapto na Paisagem Povoada (1946), Amanhecer das Virgens (1948).


Sabat Dansa de Roda (1936)


O Avejão Lírico (1939)


A Ilha do Cão (1940)

Muito ficou para dizer, mas estes são pequenos apontamentos para documentar o movimento surrealista em Portugal e a sua interligação com o mesmo movimento no estrangeiro, que como tal espero que tenham continuação.

Espero que tenha despertado a vossa atenção e, em especial, o vosso interesse pelo estudo do tema.

(Eu cá vou rebuscando e consultando e, algumas vezes,  pedindo ajudas a quem sabe muito mais do que eu…também não será difícil!)

Saudações bibliófilas.


Notas:   
       
(1) Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 20 vols., secretariado por MAGALHÃES, António Pereira Dias; OLIVEIRA, Manuel Alves, 1ª ed., Lisboa, editorial Verbo, vol.14, 1973, pp.1588-1589).
(2) Este poema pode ler lido aqui: poesia: antónio pedro / protopoema da serra d'arga

Leituras sugeridas:

LEÃO, Isabel Vaz Ponce de – Uma poética do feio (António Pedro poesia e artes plásticas)

FRANÇA, José AugustoAntónio Pedro Pintor

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