À
memória da minha mãe
José Luandino Vieira
No dia em que se comemora o 41º
Aniversário do 25 de Abril parece-me importante relembrar um escritor
português, que se naturalizou angolano, e que sofreu bem as consequências de
ter escrito e vivido num país onde imperava um ditadura e censura (1) férreas e implacáveis.
Por um lado felizmente, mas por
outro não tanto assim, grande parte da geração que nos governa desconhece o que
foi ter vivido nestes tempos e, como tal, por vezes estas reminiscências não
passam disso mesmo – coisas de “velhotes!”
25 de Abril em cada livro um amigo
José Vieira Mateus da Graça, conhecido por Luandino Vieira, nasceu a 4 de Maio de 1935, em Vila Nova de Ourém,
tendo ido viver para Angola aos três anos com os pais.
Cidadão angolano pela sua
participação no movimento de libertação nacional escolheu o nome de Luandino
como homenagem a Luanda e contribuiu para o nascimento da República Popular de
Angola.
Fez os estudos primários e secundários
em Luanda, tornando-se depois gerente comercial para garantir o seu sustento.
A luta contra a dominação
portuguesa custou-lhe mais de uma década na prisão, onde escreveu boa parte de
sua obra. Entre seus diversos volumes de narrativas, destacam-se os romances A vida
verdadeira de Domingos Xavier e Nós, os do Makulusu.
VIEIRA, Luandino – A Vida Verdadeira
de Domingos Xavier. 2ª Edição. Lisboa; Edições 70, 1975; In-8º de 128 páginas;
Brochado.
Exemplar em bom estado de
conservação
©Livraria Alfarrabista
Liliana Queiroz (12,5€)
VIEIRA, Luandino – Nós, os do
Mokuluso. 1ª Edição. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1974; In-8º de 140 páginas;
Brochado
Exemplar com pequenos danos nas
capas de brochura, extremidades ligeiramente gastas, miolo em bom estado de conservação.
© Livraria Avelar Machado (Lisboa,
Portugal) (38,88€)
Acusado de ligações políticas com
o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foi preso em 1959 pela PIDE
(Polícia Internacional de Defesa do Estado), no âmbito do que ficou conhecido
como "processo dos 50".
Em 1961 voltou a ser preso pela
PIDE, tendo sido condenado a 14 anos de prisão e a medidas de segurança. Em
1964 foi transferido para o campo de
concentração do Tarrafal (Cabo Verde), onde passou oito anos, tendo sido
libertado em 1972, em regime de residência vigiada, passando a viver em Lisboa.
Entre outros prémios literários,
Luandino Vieira venceu o Grande Prémio
de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores (1965), o Prémio Sociedade Cultural de Angola
(1961), o da Casa do Império dos
Estudantes - Lisboa (1963) e o da Associação
de Naturais de Angola (1963).
José Luandino Vieira
A partir de 1972, e já a residir
em Lisboa, Luandino Vieira iniciou a publicação da sua obra, na grande maioria
escrita nas prisões por onde passou.
Regressou a Luanda em 1975, onde
exerceu cargos directivos no MPLA e foi presidente da Radiotelevisão Popular de
Angola. Membro fundador da União dos
Escritores Angolanos - cuja condição sempre reivindicou, apesar de ter
nascido em Portugal - exerceu funções de secretário-geral deste organismo desde
a sua fundação a 10 de Dezembro de 1975 até 1992.
Edifício
sede da União dos Escritores Angolanos, Luanda.
Entretanto, foi-lhe atribuído em
2006 o Prémio Camões, o maior
galardão literário para a língua portuguesa, que recusou "por motivos
íntimos e pessoais" (2), segundo o
que alegou num comunicado de imprensa. Sabe-se por entrevistas dadas sobretudo
ao Jornal de Letras Artes & Ideias que não aceitou o prémio por se
considerar um escritor morto e que como tal o Prémio deveria ser entregue a
alguém que continuasse a produzir.
Luandino Vieira recusa Prémio Camões
Tal facto veio-se alterar, pois O livros dos
rios é um novo romance de Luandino Vieira (o primeiro de uma
trilogia intitulada De
rios velhos e guerrilheiros) editado pela Editorial Caminho em
Novembro de 2006.
O escritor enquadra-se na geração
da Cultura, surgida no final dos anos 50 — para prolongar a acção do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola
(MNIA, 1948) e da Mensagem
(1951-52)—, de que se destacaram, entre outros, António Cardoso, Arnaldo
Santos e Henrique Abranches.
Mas, pela particularidade e projecção da sua obra, Luandino ultrapassa-a, para
se fixar, nas últimas décadas, como uma das maiores figuras de escritor deste
século, em língua portuguesa.
A parte significativa da sua obra
foi escrita nos anos 60, nomeadamente os dois livros mais importantes, Luuanda
e Nós, os do
Makulusu. O primeiro constituiu uma autêntica revolução
literária […]. O segundo, escrito durante uma semana, conforme indicação do
autor, é para ele o texto com o qual mais se identifica em termos pessoais,
quase autobiográficos, podendo ler-se como um testemunho vivencial e uma
análise do colonialismo a partir de uma visão de dentro da sociedade branca.
VIEIRA, José Luandino, (pseud. de
José Mateus Vieira da Graça), 1935- – Duas histórias de pequenos burgueses. Sá
da Bandeira: Imbondeiro, 1961. 27, [1] p. : 17cm ; (2 estampas): Br. :
Ilustrado com 2 linóleos de Luandino Vieira. Pouco vulgar. Muito bom exemplar.
Colecção "Imbondeiro" – 23.
©Artes & Letras
(Lisboa, Portugal) (45,00€)
Vieira, José Luandino – Vidas Novas.
1ª edição. Porto: Afrontamento, 1975. Brochura. 18,5x23cm. 116 páginas.
Ilustrações de José Rodrigues.
© Livraria Avelar Machado (Lisboa,
Portugal) (49,40€)
A sua obra divide-se em duas
fases: a primeira, que agrega as estórias escritas até 1962, ou seja, todas as
incluídas em Vidas
novas, e que ainda se mantêm nos limites do discurso
relativamente clássico, não demasiado afastado em relação à norma do português
europeu e do modo narrativo conforme com o modelo do conto curto à Maupassant: a segunda fase, com a
duração de dez anos, inaugurada pela escrita de Luuanda, tenderá
progressivamente para a destruição da pacatez de leitura, disseminando marcas
de angolanização da língua portuguesa, subvertendo a norma comunicativa do
português-padrão de Lisboa, adoptando gírias, neologizações, tipicismos e
outros recursos, também sintácticos, orais e tradicionais africanos, para
construir uma língua literária propícia ao imediato reconhecimento da sua
diferença. (Pires Laranjeira, Literaturas
Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995,
p.121)
VIEIRA, José Luandino (1935) –
LOURENTINHO, DONA ANTÓNIA DE SOUSA NETO & EU. 1ª edição. União dos
Escritores Angolanos, Lisboa, 1981. Brochura. In-8º (200x140). 1 Vol. de
131-[12] pp.
© CIMELIO
BOOKS (Cascais, Portugal) (20,00€)
VIEIRA; José Luandino – O Livro dos
Guerrilheiros, Narrativas. 1ª edição. Lisboa: Caminho, 2009. Brochura. 109 p.
© Livraria Avelar Machado (Lisboa,
Portugal) (20,57€)
Tal como Guimarães Rosa, começou a usar a designação de estória para as suas
narrativas, mais longas que o conto e menos desenvolvidas que a novela ou o
romance. […]
A estória é, portanto, diferente
da história: misto de mussosso (plural: missosso), fábula ou narrativa moral
africana, tradicional, e pequena epopeia popular à moda do grande mestre
brasileiro de Minas. Esse texto luandino caracteriza-se, na sua génese, por
surgir num espaço de criação de uma linguagem nova, que parte da apropriação da
língua já codificada e estabilizada socialmente (isto é, normativizada pelo uso
erudito do colonizador), para desconstruí-la, por vezes ao nível minucioso da
fonologia, num trabalho de Sísifo contra a montanha intransponível. A língua
literária luandina surge assim na intersecção da língua natural portuguesa com
a língua natural quimbunda, fornecendo aquela sobretudo o espaço lexical e a
estrutura básica, interferindo esta nalguns pontos da sintaxe, introduzindo-se
vocábulos crioulizados, aquimbundados, do quimbundo ou mesmo neologismos, além
de certas nuances (circunlóquios, tautologias, etc.) prolongarem a oralidade
gramatical e expressiva do português. […]
VIEIRA,
José – Luuanda. Luanda; 1963. In-8ºpeq. de 103[3] p. - Brochura.
Muito rara edição deste célebre
livro da literatura angolana e de língua portuguesa, impresso clandestinamente
em Luanda e distinguido com o Grande Prémio de Novelística da Sociedade
Portuguesa de Escritores, atribuição que determinou o encerramento forçado da
Sociedade e a proibição do livro em Portugal.
Dedicatória do autor, assinada e
datada.
Mas voltando ao livro de que vos
quero falar – Luuanda
é um livro de contos do escritor angolano José Luandino Vieira publicado clandestinamente
em 1963 em Luanda (como se disse) e foi apreendido de imediato.
Este livro é constituído por três estórias: "Vovó Xíxi e seu neto Zeca Santos",
"A estória do ladrão e do papagaio" e "A estória da galinha e do ovo".
As estórias de Luuanda
dão-nos a conhecer o espaço angolano no período colonial tardio. Retratam o
quotidiano dos musseques luandenses; as histórias das famílias, o ambiente
caótico, de confusão que a própria arquitectura dos musseques representa. A
relação entre os pretos e os brancos, novos e velhos, comportamentos e ideias,
vêm marcar o início do estabelecimento de uma norma angolana, distinta da norma
portuguesa, na escrita e representação cultural. Tudo o que é retratado reflecte
a imagem do dia-a-dia do povo, sendo os mais velhos vistos como os sábios e os
mais novos como os que ainda estão a aprender.
Para finalmente ser dada a voz
aos angolanos, as estórias são uma mistura de português e inúmeras palavras e
expressões em quimbundo. Só falando a mesma língua dos musseques, o texto teria
acesso aos seus habitantes e seria apreciado na linguagem do povo.
Luuanda mostra-nos
também a influência do português colonizador, sendo o português a língua de
prestígio, utilizada pelas classes sociais mais altas, como patrões e
administradores portugueses, e o quimbundo sendo a língua falada pelo povo do
musseque nos seus contos e conversas. Para além desta nova linguagem, a
comunidade de Luanda é representada também através de crenças e ensinamentos,
sendo a verdade o povo angolano e a mentira representada pela implantação da
lei português, o antigo crioulismo e o racismo existente nos tempos modernos.
VIEIRA, José Luandino, (pseud. de
José Mateus Vieira da Graça), 1935- – Luuanda : estórias. (edição ilustrada por
José Rodrigues). Lisboa: Edições 70, (1972) 187, [5] p. : (25 cm) : [3 Il.] :
Br. Edição de 500 exemplares numerados e assinados pelos autor e ilustrador.
Exemplar nº. 257. Bem conservado, pouco vulgar.
©Artes & Letras
(Lisboa, Portugal) (120,00€)
A estória central do livro, “Estória do
ladrão e do papagaio”, opera uma espécie de passagem entre a
primeira narrativa – em que os protagonistas ainda não despertaram para a
necessidade da militância na luta contra o colonizador – e a última – em que as
personagens vão experimentar o alcance político da prática social solidária.
De um modo bem genérico, é
possível dizer que o texto fala sobre o encontro de três africanos na prisão -
Xico Futa, Lomelino dos Reis e Garrido Fernandes - e sobre o florescimento da
solidariedade entre eles. Vale afirmar que o papel exercido por Xico Futa é
central nessa interacção: ele é porta-voz de ensinamentos preciosos para as
outras personagens e também para os leitores da estória.
Nesse sentido, a “parábola do
cajueiro”, enunciada por Futa, é fundamental para a constituição
de um saber revolucionário. Nessa narrativa de carácter didáctico, a personagem
adverte que é preciso conhecermos a raiz ou o princípio daquilo que mobiliza as
pessoas e as suas acções. Vejamos:
[…]
Sentem perto do fogo da fogueira ou na mesa de tábua de caixote, em frente do
candeeiro; deixem cair a cabeça no balcão da quitanda, cheia do peso do vinho
ou encham o peito de sal do mar que vem no vento; pensem só uma vez, um
momento, um pequeno bocado, no cajueiro. Então, em vez de continuar descer no
caminho da raiz à procura do princípio, deixem o pensamento correr no fim, no
fruto, que é outro princípio e vão dar encontro aí com a castanha, ela já
rasgou a pele seca e escura e as metades verdes abrem como um feijão e um
pequeno pau está nascer debaixo da terra com beijos da chuva. O fio da vida não
foi partido. Mais ainda: se querem outra vez voltar no fundo da terra pelo
caminho da raiz, na vossa cabeça vai aparecer a castanha antiga, mãe escondida
desse pau de cajus que derrubaram mas filha enterrada doutro pau. Nessa hora o
trabalho tem de ser o mesmo: derrubar outro cajueiro e outro e outro... É assim
o fio da vida. Mas as pessoas que lhe vivem não podem ainda fugir sempre para
trás, derrubando os cajueiros todos; nem correr sempre muito já na frente,
fazendo nascer mais paus de cajus. É preciso dizer um princípio que se escolhe:
costuma se começar, para ser mais fácil, na raiz dos paus, na raiz das coisas,
na raiz dos casos, das conversas. (pp. 71-72)
Ao insistir no facto de que devemos reflectir
sobre o cajueiro - imagem das estórias entrelaçadas que conformam e justificam
a realidade - e perseguir o fio da vida - fio das histórias pessoais e
colectivas – Futa aponta para a necessidade de constituirmos a nossa identidade
como sujeitos históricos, afirmando valores fundamentais para a mobilização
popular contra o poder instituído.
Já no final da estória, a
confraternização entre os capianguistas presos afirma a solidariedade tão
necessária para o enfrentar da luta e é aí que a voz do narrador se vai
manifestar pela primeira vez. A sua fala, antes de mais nada, pede um
posicionamento dos leitores, propondo um julgamento estético - e ético - da
própria estória: Minha estória. Se é bonita, se é feia, os que sabem ler é que
dizem (p. 120). Desse modo, “os que sabem ler” ocupam o lugar da audiência dos
antigos “griots” e são convocados a aderir ou não à narrativa e aos seus
ensinamentos.
Luuanda é uma obra
histórica, vista como um autêntico livro de ruptura com a norma portuguesa na
literatura angolana. Pelo seu cariz inovador, mereceu o reconhecimento geral e
foi galardoado com dois importantes prémios – 1º Prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga, atribuído em Luanda em
1964.
Em 1965, o júri da Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu
o Grande Prémio da Novelística a um
jovem escritor, então desconhecido. A obra era o livro de contos Luuanda,
e José Luandino Vieira o seu autor.
Com a particularidade de, na altura da
atribuição do galardão, o autor estar prisioneiro num campo de concentração, a
cumprir uma pena de 14 anos por «práticas terroristas». A publicação do livro
causou uma grande polémica e represálias na época Salazarista.
VIEIRA, Luandino - Luuanda estórias.
2ª Edição. Lisboa; Edições 70, 1972. In-8º de 187 (5) páginas; Brochado
Edição apreendida em Portugal, possui
assinatura de posse, bom estado de conservação geral.
©Livraria Alfarrabista
Liliana Queiroz (25,00€)
Luuanda viria a ser
publicado por Edições 70 em 1972 – a
sua 2.ª edição seria mesmo apreendida e a Editora multada em 30 mil escudos,
por despacho assinado pelo director-geral da Informação. Aliás, a pedido do
Editor testemunhariam neste processo Ferreira de Castro e Jorge de Sena, com
este último a afirmar «o papel primordial no desenvolvimento da literatura
angolana de expressão portuguesa».
Obra ímpar pelo seu estilo – que
inovava no uso da língua, fortemente marcada pelo português falado em Angola,
como afirmaria Augusto Abelaira (Presidente do Júri que votou o prémio), – pela
capacidade de criação literária, pela feitura de um universo novelístico, Luuanda
foi, na altura, o texto que revelou um autor que se conta hoje entre os maiores
da literatura de expressão portuguesa.
VIEIRA, José Luandino – Luuanda. Lisboa: Editorial Caminho.
Outubro 2004. 158 pág. Brochura.
Espero que vos tenhas despertado
o interesse e que sejam tentados a uma leitura (ou releitura) de alguma das
suas obras.
Saudações bibliófilas.
Fontes consultadas:
BEBIANO, Deize Pereira.
“Língua Portuguesa e Identidade Nacional em José Luandino Vieira”. (http://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/291-língua-portuguesa-e-identidade-nacional-em-josé-luandino-vieira)
COELHO, Alexandra Lucas, “Luandino Vieira Quebra um Aparente Silêncio de
Quase 30 Anos” (entrevista ao Suplemento Mil Folhas, Público, 15/12/2006)
GONÇALVES, Adelto – Luandino Vieira e a literatura como
“arma”
ROSA, Patrícia Simões Oliveira, “José Luandino Vieira: A
Palavra em Liberdade”.
SÁ, Ana Lopes de, “Luanda literária a várias cores O tema do
racismo em Luandino Vieira e Uanhenga Xitu”.
SILVA, Patrícia Soares,
José Luandino Vieira: afirmação de uma real identidade angolana. (http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/zips/luandino.rtf)
Notas:
(2) Leia-se Diário de Notícias – Luandino
Vieira recusa Camões por "razões pessoais" (http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=641087)
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