Azedo Gneco
Ao consultar Livreiro Monasticon– LIVROS & Preciosidades – ARTE & Antiguidades encontrei este opúsculo.
GNECCO, Azedo – Definições e Esclarecimentos. Por... Lisboa,
Instituto Geral das Artes Graphicas, Sociedade Cooperativa Limitada, [190-].
In-8º (15cm) de 14, [2] p. ; B. Bibliotheca Socialista, N.º 5.
Raríssimo opúsculo da autoria de
Azedo Gneco, membro fundador do Partido Socialista Português, cuja acção
política e pedagógica não teve divulgação impressa. Tanto quanto foi possível
apurar, não existe bibliografia conhecida do destacado dirigente socialista.
"Convencionou-se chamar
movimento operario ao conjuncto de esforços pela remodelação egualitaria das
sociedades, hoje baseadas na preponderancia do Capital. Este movimento, empírico e apaixonado nos seus primeiros dias, como o fôra durante o largo
periodo da sua gestação, tornou-se ultimamente scientifico, positivo e
tranquillo, tendo adquirido todos os elementos componentes do seu triumpho e da
estabilidade da sua victoria." (excerto do texto, Individualismo e
Socialismo)
Matérias:
-
Individualismo e Socialismo.
- A acção
politica.
- A
Republica Social : palestra.
Exemplar brochado em bom estado de conservação.
Raro.
Sem indicação de registo na BNP
(Biblioteca Nacional), ou em outra qualquer fonte bibliográfica.
[30€]
Azedo Gneco a discursar
[Autor Imagem em domínio público]
Eudócio César Azedo Gneco, mais conhecido por Azedo Gneco, de ascendência italiana, nasceu em Samora Correia
(Benavente) em 1849 e faleceu em Lisboa a 29 de Junho de 1911.
Creio que seja mais conhecido dos
filatelistas do que dos bibliófilos, que é precisamente uma das razxões deste
apontamento.
Foi gravador de profissão,
medalhista e aprendiz de escultor, a partir de 1865 trabalhou como operário
gravador na Casa da Moeda de Lisboa, onde conquistou alguma reputação enquanto
abridor de cunhos e medalhas, mas também, como gravador tipográfico.
São da sua autoria diversos
desenhos de selos, entre os quais o selo para jornais de 2,5 réis (1), um dos mais circulados em Portugal nos finais
do século XIX.
Selo para jornais de 2,5 réis
Da emissão de 1884/87 – D. Luiz I
(novos valores), em que foi utilizado o busto gravado por Eugéne Mouchon, com
cercaduras gravadas por Venâncio Pedro
de Macedo Alves, que só não executou o trabalho da cercadura do selo de 25
reis, que é da autoria de Eudócio César de Azedo Gneco.
Selo 25 réis da série de 1884/87
Para além da sua actividade como
gravador, ao longo da sua carreira dedicou-se a outras actividades, como a
estampagem de tecidos e a galvanoplastia, produzindo trabalhos de reconhecida
qualidade.
Desde cedo revelou interesse pela
política, tendo iniciado a sua actividade política e sindical no Centro Promotor de Melhoramentos das
Classes Laboriosas, no qual ocupou funções de destaque, ao mesmo tempo que
frequentava reuniões de várias sociedades secretas.
Maçonaria
Por volta de 1870 tornou-se
membro da Maçonaria, tendo chegado a venerável da Loja Razão e Justiça, mas
afastar-se-ia a partir de 1873.
Em 1871, na sequência da visita a
Lisboa de três dirigentes socialistas espanhóis, vindos como emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores
(I Internacional), adere às ideias revolucionárias defendidas por aquela
associação.
Fez parte da Federação
Portuguesa, integrando o Grupo da
Democracia Socialista (DS), conhecido pela Secção do Monte
Olivete, o qual deu origem à Associação Protectora do Trabalho Nacional, de
tendência antiautoritária bakuninista.
Mikhail
Aleksandrovitch Bakunin (2)
Após a extinção do Centro Promotor de Melhoramentos das
Classes Laboriosas, em 1872, participou no esforço conjunto com a Fraternidade Operaria (FO), liderada
por José Fontana, tentando levar a cabo em Portugal um trabalho de organização
e teorização revolucionária do proletariado. Com esse objectivo, colaborou
intensamente no Pensamento Social, o
jornal da Fraternidade
Operária.
Aderiu às ideias do Congresso de
Haia (1872) da Associação Internacional
dos Trabalhadores, passando a pugnar pela organização dos partidos
operários nacionais e opondo-se ao anarquismo.
Barricadas erguidas pelos communards em frente à Igreja da Madalena
Comuna de Paris (3)
Com o fracasso das ideias
socialistas após o fim da Comuna de
Paris [A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história,
fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a
invasão por parte do Reino da Prússia] e as tentativas revolucionárias em
Portugal, envolveu-se na organização da Associação
dos Trabalhadores, associação criada por fusão entre a Fraternidade Operária e a Associação
do Trabalho Nacional
José Fontana (4)
(in Cruzeiro, Maria Manuela – Vida e acção de José Fontana
(capa)
BN H.G. 39495 V.)
Em resultado da conjugação de esforços com José Fontana, a Associação dos Trabalhadores conseguiu reunir cerca
de 3 000 sócios, assumindo largamente o papel de liderança do movimento
operário que o Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas havia
ocupado nas décadas anteriores.
Azedo Gneco estabelece contactos
próximos com a Associação Internacional dos Trabalhadores chegando, em 18 de
Março de 1873, a ser eleito secretário-geral da Associação Socialista, a secção
lisboeta da AIT.
Defensor dos ideais
republicanos, foi um dos fundadores do Centro
Republicano Federal, visto considerar que apenas a implantação da República podia abrir
caminho ao avanço do socialismo em Portugal.
Dando seguimento às orientações
do Congresso de Haia, a 10 de Janeiro de 1875, com José Fontana, Nobre França,
José Caetano da Silva, José Tedeschi e António Joaquim de Oliveira, fundou o Partido Socialista Português, aderente à Primeira Internacional, de orientação marxista, mas com forte
presença federalista e proudhoniana.
Proudhon e as suas filhas numa tarde de primavera,
retratados peloseu amigo, o pintor Gustave Courbet, no ano
de 1865. (5)
Durante a década de 1870, Azedo Gneco manteve relações epistolares com
Karl Marx e com Friederich Engels, proximidade que explica a sua adesão às teses do
Congresso de Haia e o facto de ter sido eleito o secretário-geral da secção
portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores.
Karl Marx (6) e Friedrich Engels (7)
No Partido Socialista Português,
particularmente após a morte de José Fontana, assume posição de liderança,
optando pela vertente mais marxista, contrariando o republicanismo, o chamado
possibilismo e, principalmente, o anarquismo, corrente em grande crescendo e
progressivamente dominante nas organizações laborais através do anarco-sindicalismo.
Refira-se que o anarco-sindicalismo
teve forte preponderância no movimento operário dos países do Sul da Europa (em
particular Portugal, Espanha e Itália) ao contrário da vertente mais marxista
das suas congéneres do Norte da Europa.
Manteve-se na liderança do
partido até 1878, mas já não consta nos órgãos directivos de 1879 e 1880, mas as divergências internas que
deram origem à sua saída, levaram a várias cisões do Partido, seguidas de
efémeras recomposições, donde resultou um conturbado debate ideológico que se
prolongaria até finais do século XIX.
Após a cisão originada do
confronto com os ideais possibilistas em 1890, Azedo Gneco, juntamente com Nobre França e Ramos Lourenço, esteve ligado à criação da Liga de Democracia Socialista.
Organizou o Congresso Nacional Operário de 1893 e um Congresso Anticatólico em 1895, eventos que o afirmaram como um
político da extrema-esquerda portuguesa da época.
Em 1896 participa como delegado
português no Congresso Socialista
realizado em Londres. Nessa mesma cidade e ano (os Congressos eram coincidentes
dadas as dificuldades organizativas do movimento operário), participou no Congresso de Litógrafos, em
representação da Liga de Artes Gráficas do Porto.
Regressou à estrutura dirigente
do socialismo português em 1895, já numa facção dissidente, passando em 1905 a
fazer parte da Federação Regional do Sul do Partido Socialista Português, da qual foi dirigente em 1907, 1909 e
1910.
Em 1899 fez parte da missão operária que visitou a Exposição Universal de Paris.
Em 1901 defende a formação de uma
aliança com os republicanos, contrariando a orientação maioritária dos outros
grupos que se reclamavam socialistas. Essa aliança não foi feita, havendo
sempre grande hostilidade por parte do Partido
Republicano Português em relação aos socialistas.
Esse afastamento permitiu que, a
partir de 1907, o Partido Socialista Português se tenha afastado da aliança com
os republicanos, a ponto de receber o apoio discreto do rei D. Manuel II de
Portugal às suas reclamações de melhoria das condições de trabalho do
operariado.
Rei D. Manuel II de Portugal
Após terem sido reveladas as
cartas trocadas com o rei deposto, os socialistas são muito criticados pelos
republicanos e Azedo Gneco, próximo de alguns governantes e figuras destacadas
da monarquia, é particularmente visado. Perante a degradação da sua imagem
pública, opta por um afastamento da política entre 1908 e 1910, num sentimento
de grande descrença nas ideias republicanas e socialistas.
A proclamação da República Portuguesa
A implantação da República
Portuguesa, em 1910, reduz substancialmente a capacidade mobilizadora do
Partido Socialista Português, abatido pela vitória esmagadora do Partido Republicano
Português e pela sua tomada do aparelho do Estado.
A partir de então o Partido
Socialista Português entre em franco declínio, já que os trabalhadores aderiram
em massa aos ideais do anarco-sindicalismo, doutrina que se revigorou e
conheceu os seus tempos áureos durante a Primeira República Portuguesa
(1910-1926).
Azedo Gneco foi por diversas
vezes candidato a deputado, mas nunca conseguiu os votos necessários para ser
eleito.
O Protesto: orgão do Partido Socialista
[Anno II, nº 53 (Agosto.1876)]
O Protesto - Jornal do Partido dos Operários Socialistas
[VIIII Anno n.º 333 (1. Janeiro. 1882)]
Homem das letras e bom orador,
distinguiu-se como publicista e conferencista, produzindo algumas polémicas
relevantes. Foi colaborador assíduo de A Vanguarda, O País e O Século
e um dos fundadores dos jornais socialistas O Protesto (1875) e o Protesto Operário (8), de que foi director. Também dirigiu A Folha do Povo.
Para além daquelas participações regulares, conhecem-se colaborações de Azedo
Gneco em múltiplas publicações periódicas, entre as quais: Actualidade, Rebate,
O
Revolucionário (9), Operário,
Trabalhador, A Federação,
Livre Pensamento, O Primeiro de
Maio, A República Social, A Voz do
Operário, O Pensamento Social e O Bom Senso.
O revolucionario: folha socialista / ed. resp. Paulo da
Fonseca
[Anno I, nº 1 (18 Mar. 1893)]
Escritor panfletário de mérito, foi autor da grande maioria da
propaganda socialista vinda a lume no seu tempo. Era também um dos mais
conhecidos oradores do Partido Socialista, capaz de galvanizar multidões.
Azedo Gneco faleceu a 29 de Junho
de 1911, estando sepultado num túmulo, construído por subscrição pública, no
Cemitério dos Prazeres, junto ao seu camarada José Fontana.
Aqui fica um “pedaço de história”
como resultado de uma modesta pesquisa sobre um opúsculo quase despercebido na
galeria das “montras virtuais” das livrarias-antiquárias.
Continuo a pensar que tão
importante como possuirmos bons exemplares (e como eu gostaria de ter muitos mais na
minha biblioteca…) é sabermos o seu significado – seja ele literário, cultural
ou político – só assim entendo o bibliófilo completo.
(que nada tem a ver com o
bibliófilo investidor!)
Mas nem sempre são os clássicos de quem quase todos já falaram, mas pequenas publicações (muitas vezes simples opúsculos) que nos dão a possibilidade de analisar episódios, ou o pensamento, duma determinada época, na sua forma ainda pura e não interpretativa, pois que para isso teremos os historiadores.
Saudações bibliófilas
Notas:
(1)
Reduzida a franquia dos jornais de 5 para 2.5 reis, estudou-se um novo selo,
que pelo grande consumo previsto, deveria ser emitido mais economicamente do
que os até então impressos em relevo. Assim, foi este o primeiro selo do
Continente Português, impresso sem relevo e pelo sistema tipográfico. O desenho
e a gravura são da autoria de Eudócio César de Azedo Gneco, gravador da Casa da
Moeda. Assim em 1876 foram emitidos 98.327.064 em papel liso fino ou médio em
folhas de 28 selos.
(3) Comuna de Paris – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris)
(8)
O Protesto Operário: orgão do Partido Operário
Socialista. - A. 1, nº 1 (5 mar. 1882) - a. 10, nº 596 (22 abr. 1894). -
Lisboa. - Porto : P.O.S., 1882-1894.[Dirigido por Luís Figueiredo e contando
com colaboradores como Angelina Vidal, Azedo Gneco, Nobre França, Gedes
Guinhones, Fernando Alves, Viterbo de Campos, Manuel José da Silva, Ramos
Lourenço, etc.]
(Versão digitalizada acessível na
BNP em: http://purl.pt/24870)
(9) O Revolucionario:
folha socialista / ed. resp. Paulo da Fonseca. - A. 1, nº 1 (18 Mar. 1893)
-s. 2, a. 4, nº 17 (18 Out. 1896). - Lisboa: P. da Fonseca, 1893-1896. [Órgão
do Partido Socialista Português, ligado à tendência marxistas de Azedo Gneco.
Editor: António Augusto Marques; Dir. Azedo Gneco; Redactor: Sousa Neves;
Colaboradores: Bartolomeu Constantino, Sotomayor Júdice, Angelina Vidal, entre
outros].
(Versão digitalizada acessível na
BNP em: http://purl.pt/24875)
Fontes consultadas:
Almanaque Republicano:
Azedo Gneco – Wikipedia
KULLBERG, Carlos – Selos de
Portugal – Album I (1853/1910)
StampsPortugal
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