No dia do 6º aniversário da
“Tertúlia Bibliófila” vou aproveitar para trocar algumas impressões convosco.
As mãos que manuseiam os livros…
[Gravura de Albrecht
Dürer]
Em primeiro lugar, nunca é demais
referir que sem o vosso apoio – tanto pelo número de leitores, como pelos
comentários deixados ou até por contacto pessoal – não teria a motivação para
continuar com este trabalho.
Deste modo, este aniversário
deverá ser encarado como uma festa de todos nós – os bibliófilos que gostam de
falar sobre livros – mas sobretudo daqueles que vão tendo paciência para me
lerem!
A Libreria Anticuaria La Galatea publicou uma fotografia no Facebook (que com a devida vénia
aqui insiro), que espelha bem o esforço que representa elaborar um simples “escrito”
(nem me atrevo a chamar-lhe artigo), pois que para isso as pesquisas teriam de
ser muito mais abrangentes, cuidadas e, sobretudo, trazerem à luz algo de
novo.
Agradecidos de la vida, con
amigos y libros... Sobre todo buenos amigos...
El profesor Rico ejerciendo de
librero por un día...
©Libreria Anticuaria La Galactea
Como muitos dos meus leitores são de várias nacionalidades e eu,
sempre que possível gosto de ler os escritores estrangeiros nas suas línguas
originais, passaram também por aqui um conjunto interessante de autores estrangeiros
com alguma relevância.
Deixou-se uma “pincelada” numa
tela muito vasta daquilo que se poderia ter escrito, ou dito, sobre estes
mesmos autores.
O leitor
Com efeito, como bibliómano
inveterado, que o sou, delineie alguns dos perfis dos autores que compõem o meu
universo literário – nem sempre coincidente com o vosso (e ainda bem!).
Mas vejamos alguns desses exemplos:
Comecemos com Charles Dickens.
Charles Dickens - uma sessão de leitura
E cite-se uma das suas várias
obras:
Our Mutual
Friend, the last complete novel by Charles Dickens, began serialization in May,
1864
Tivemos também aqui Victor Hugo.
Victor Hugo
HUGO, Victor – Les Châtiments. Nouvelle édition
illustrée. Eugène Hugues,
Editeur, rue Thérèse, 8, Paris, s.d.
(1884). Paris, Typographie A.
Quantin, rue St-Benoit, 7. 1 volume grand in-8 (28,7 x 20 cm) de (10)-335 pages.
Broché, couverture saumon illustrée (vignette sur le
premier plat). Réclame pour l’édition Hugues des Œuvres de Victor
Hugo (détails). Non rogné. Exemplaire sur papier de chine. Quelques légères
colorations par endroit sur les deux plats de couverture. Infimes fendillements
du papier de couverture au dos (brochage très solide). Absolument aucune
rousseur.
Texte encadré d’un
filet noir, les illustrations à pleine page sont comprises dans la pagination.
Les dessins sont d’Emile Bayard, J.-P. Laurens, Férat, Méaulle, Chovin, H.
Vogel, L. Benett, Charles Hugo, Victor Hugo, T. Schuler, Ferdinandus, A.
Lançon, H. Daumier, Lix. D. Maillard, G. Vuillier, A. Marie Chapuis, L.
Mouchot, et C. Guyot.
UN DES 50
EXEMPLAIRES SUR PAPIER DE CHINE (N°20).
Assim como Emile Zola.
Émile Zola
[Portrait d'Émile Zola avant 1880]
ZOLA, Emile - Le Docteur Pascal. Paris, Bibliothèque-charpentier, 1893. In-8° relié 19 X
13 centimètres, demi-maroquin à coins, reliure à la bradel, dos orné
d'ellipses, tête dorée, couvertures conservées.
Reliure signée Ch.
Meunier. (Reliure en très bon état).
Il y
juste une minuscule tâche brune sur le bord de 3 ou 4 pages.
Il y
a bien le tableau dépliant, un portrait et 390 pages.
L'un des 340
exemplaires numérotés sur papier de Hollande, édition originale.
Bel exemplaire.
Une autre édition
est parue la même année.
Os autores portugueses também não foram esquecidos e assim podemos ver
Antero de Quental:
Antero
de Quental
QUENTAL, Antero de – Beatrice. Coimbra; Imprensa da Universidade,
1863. In-4º de 39 [1] pag. - Encadernado. Primeira Edição. Segundo livro de
poemas do autor, e um dos mais raros da sua bibliografia. Publicado dois anos
depois dos "Sonetos". Muito
bonita encadernação com lombada em pele decorada com finos ferros a ouro.
Conserva intactas as capas de brochura. Excelente exemplar. Muito Rara Peça de
Colecção.
Claro que Camilo Castelo Branco não podia faltar.
Camilo Castelo Branco, visconde de Correia Botelho
CASTELO BRANCO, Camilo – BOHEMIA // DO // ESPIRITO // POR //
CAMILLO CASTELLO BRANCO // (vinheta editorial) // PORTO // LIVRARIA CIVILISAÇÃO
// 4, Rua de Santo Ildefonso, 6 // - // 1886. In-8.º gr de 454-I págs. Encadernado.
Compreende ante-rosto com os dizeres BOHEMIA DO ESPIRITO e verso em
branco; frontispício textualmente descrito supra e verso com subscrição
tipográfica TYP. DE ARTHUR JOSÉ DE SOUSA & IRMÃO // Largo de São Domingos,
58 – Nº telephonico, 131; página 5ª com PREAMBULO datada na página seguinte; o
texto propriamente dito inicia-se na página 7 e decorre até à página 454
incluindo as ERRATAS e o INDICE.
PRIMEIRA EDIÇÃO apreciada colectânea de escritos, primitivamente dada a
lume em diversas publicações. BASTANTE INVULGAR. Junto ao frontispício vem um
bom retrato de Camilo.
Encadernação francesa inteira de chagrin azul, com dourados, não
contemporânea. Sem capas de brochura. Bom exemplar, limpo.
Vergílio Ferreira e a minha
ligação ao meu velho Liceu Camões também
não podiam faltar:
Vergílio Ferreira no Liceu Camões (1981)
FERREIRA, Vergílio – Onde Tudo Foi Morrendo. Coimbra;
Coimbra Editora, Ldª. 1944. In-8º de VIII-436 [2] p. Encadernado. Primeira Edição.
Primeira e muito rara edição do segundo livro do autor, da qual
deixamos as primeiras linhas: “"Pela janela
aberta vem a poesia da dispersão. Tudo se calou naquela hora sombria. E longa.
As árvores quedaram-se, transidas de frio, de braços nus erguidos ao céu. Mas o
céu escondera-se porque os ventos lhe tinham desdobrado nuvens espêssas pela
curva abatida. Então os homens ficaram tristes, olhando, em silêncio, a
planície sem fim. Rostos enegrecidos, barba crescendo, negra e negra, sempre
crescendo, olhos necessitados inundando o ar... Pelo céu recôncavo ecoam uivos
fundos de cães que choram lá para as bandas do cabo do mundo. Lamentos de uma
angústia tôrva. Por isso o azul do céu foi sorrir para as terras do Sol. E a
aldeia começou a fugir também para as terras do Sol. Só aquela janela aberta
olha a tristeza das árvores abandonadas e derrama na saleta escurecida a
desolação do Outono.(...)."
Capa de Regina Kaspizykowi,
mulher de Vergilio Ferreira.
Integrada na colecção Novos
Prosadores, que lançou os primeiros romances do neo-realismo português.
Apreendido pela censura política da época.
Excelente exemplar.
Crianças numa livraria.
(será este o futuro da bibliofilia…é nele que temos de
apostar!)
Um outro tema que me tem chamado a atenção é o uso/abuso do termo
RARO.
Vamos falar de raridades….
Com efeito, quando folheamos
catálogos de livreiros-antiquários para venda a preço fixo, ou para um leilão, encontramos
a indicação no descritivo de um determinado livro: RARO.
No entanto, é frequente já termos
deparado com esta mesma classificação noutros catálogos que consultáramos recentemente ou apareceram noutras vendas/leilões, há pouco tempo, e
sempre com esta mesma indicação de raro!
(mas se o livro aparece assim tantas vezes, será que
é mesmo raro ou será uma grande coincidência?)
E isto para não falarmos nos
diversos graus: RARO, MUITO RARO e RARÍSSIMO!
(Nunca me esqueço duma frase do
meu prezado amigo Luís Gomes: “Um livro ou é raro ou não o é!” – e
penso que tem razão apesar da sua simplicidade classificativa)
Mas afinal como se poderá definir
a raridade de uma obra?
Claro que nenhum bibliófilo
português terá escrúpulos em aceitar a raridade desta obra.:
QUENTAL, Antero – SONETOS // DE // ANTHERO// Editor – Sténio //
COIMBRA // Dezembro 1861. In 8º gr. De XII-23-III págs.
É muitíssimo raro (e lá me fugiu
o dedo para adjectivar a raridade!) pois são conhecidos muitos poucos
exemplares e é seguramente uma das mais raras espécies bibliográficas de toda a
literatura portuguesa.
(O último exemplar vendida foi
aquando do leilão da Biblioteca do Dr. Laureano Barros – lote 4955,
ex-Biblioteca de V. Avilez Perez que tinha sido vendido no leilão da mesma por
500$ e já lá vão mais de mais de 40 anos!)
Fiquemos por esta edição, que não é assim tão má:
QUENTAL, Antero de – Sonetos / Antero de Quental.
Porto: Imprensa Portugueza, 1881. - 32, [4] p. ; 19 cm.
(Bibliotheca da Renascença)
Obviamente que se consideram
nesta categoria, como regra geral, todas as primeiras edições de uma obra e, em
especial das primeiras produções literárias de cada escritor.
Também se devem incluir, em minha
opinião, nesta categoria as chamadas edições especiais de tiragem muito
limitada. (Não confundir com tiragens comemorativas que essas são geralmente em
tiragens de maior número de exemplares.)
Tomando como ponto básico a
premissa acima referida, em minha opinião, devem ser incluídas aqui apenas
exemplares cuja edição foi de pequena tiragem (poucas centenas de exemplares),
obras que sofreram processos de destruição (as purgas inquisitoriais ou
políticas fruto da censura religiosa ou política) ou ainda aquelas escassas
edições que o seu autor decidiu destruir posteriormente depois de publicadas e
de que se salvaram pouquíssimos exemplares.
Estado Islâmico incendeia biblioteca de Mossul, queimando 8
mil livros raros
Deste modo, são obras de que são
conhecidos poucos exemplares, ausentes muitas vezes mesmo das instituições
estatais – bibliotecas nacionais ou museológicas.
Mas talvez seja mais prático
ilustrar com alguns exemplos:
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner – Poesia. Edição de autor,
Coimbra, 1944. In-8º de 85-(3) págs. Encadernação inteira em sintético com
dizeres e florões a ouro. Folha de guarda, ante-rosto e rosto com poemas
escritos a tinta (não autógrafos). Foram publicados apenas 300 exemplares.
MUITO RARO.
Primeiro livro da poetisa,
publicado em 1944.
Espero
Espero sempre por ti o dia
inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e
oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.
Livraria Alfarrabista Miguel de Carvalho
Na livraria Livros Antigos de Gabriela Gouveia temos um outro clássico em termos de raridade:
NOBRE, António – Só.
Paris; Léon Vanier, Éditeur. 1892. In-8ºgr. de VI-157-III págs. - Encadermado.
Primeira Edição.
Primeira, mais rara e muito valiosa edição de um dos maiores e mais
queridos livros de Poesia Portuguesa, absolutamente fundamental na história da
Poesia portuguesa de todos os tempos, numa sóbria e esmerada edição em papel de
linho impressa em Paris.
Tiragem limitada a apenas 230 exemplares.
Excelente exemplar. Magnífica encadernação com lombada e cantos em
pele e gravação a ouro. Assinada Fersil Porto.
Ex-libris de Nuno Francisco
Sttau Monteiro Ferreira da Silva, no interior da encadernação.
Conserva as raras capas de brochura com as respectivas badanas e a
lombada em excelente estado, por aparar.
Muito Rara Peça de Colecção.
«A Paródia em Coimbra», caricatura de Rafael Bordalo
Pinheiro
que parece representar o poeta António Nobre rodeado de
símbolos universitários,...
E já agora que estamos em maré de
poesia veja-se este outro exemplar da mesma Livraria:
SÁ-CARNEIRO, Mário de - Dispersão.
12 Poesias por… Lisboa: Em casa do autor, 1 Travessa do Carmo, 1913. In- 4º gr.
de 70[2]p. - Encadernado.
Raríssima e Muito Valiosa
Primeira Edição.
Tiragem única de 250 exemplares.
Obra de extrema importância
na literatura modernista
portuguesa.
Admirável capa de brochura, ilustrada a cores e ouro, por José Pacheco (ilustrador da capa do nº
1 da revista Orpheu).
Capa que tem a particularidade de possuir margens consideravelmente
maiores do que as dimensões do corpo do volume, daí que sejam raros os
exemplares que a mantenham na sua integridade.
Excelente exemplar, com as capas de brochura em perfeito estado de
conservação. Encadernação sóbria inteira em pele, com gravação a ouro na
lombada.
Valiosa Peça de Colecção.
Livraria Livros Antigos de Gabriela Gouveia
Um outro aspecto que não se pode
deixar de considerar é o preço
destas raridades: a obra pode ser mesmo rara, mas o seu conteúdo e qualidade
literária é tão pobre que o valor é quase nulo; enquanto outras obras que levam
a classificação de INVULGAR/POUCO COMUM podem atingir preços muito mais altos,
pois embora existam mais exemplares disponíveis no mercado, a procura é tanta
que o valor sobe em função dessa mesma procura.
Evidentemente que não se trata dos
exemplares referidos acima!
Mas nem só de raridades vivem os
bibliófilos – ainda que sonhem com elas constantemente e muitas vezes na miragem
de uma “descoberta” quase milagrosa numa livrariazita perdida no mapa ou num
livreiro distraído (é tão fácil sonhar…), pois temos muitos outros livros
importantes para ler ou adquirir.
Como disse o meu amigo Eduardo De Blas Duport “!Tantos
libros….! y tan poco tiempo!”
!Tantos Libros...!y tan poco tiempo
©Eduardo De Blas Duport
©Eduardo De Blas Duport
Aqui vos deixo estas reflexões
com um convite à vossa participação na discussão dos temas e espero que para o
ano nos encontremos aqui de novo.
Assim eu continue a ter “alguma arte e engenho!” para ir escrevinhando alguns "textozitos" e
também disposição para isso…pois que esta já me começa a faltar por vezes.
Saudações bibliófilas.