"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 15 de dezembro de 2012

Livraria Castro e Silva – Catálogo n.º 139/ Rare Books Catalog



A Livraria Castro e Silva editou mais um dos seus catálogos onde o livro antigo se encontra sempre bem representado: o Catálogo n.º 139/ Rare Books Catalog.



No entanto e como nota de abertura, num muito interessante conjunto de livros modernos, destaco uma obra que desencadeou grande polémica e foi objecto de actos persecutórios das autoridades da época dado o seu forte cariz de crítica politica e social.

Como se pode ler na descrição de Inocêncio, o livro circulou quase que exclusivamente de modo clandestino, chegando mesmo a aparecer em exemplares manuscritos.



86. ALBUQUERQUE. (António de) O MARQUEZ DA BACALHÔA. Romance. Editor - Antonio de Albuquerque. Imprimerie Liberté. Bruxelles. 1908. De 20x13 cm. Com 352 pags. Brochado. Exemplar da 1ª edição, por aparar, e com folha volante fotocopiada que identifica todas as personagens retratadas na obra.

Inocêncio XXII, 166: 'António de Albuquerque, como usa assinar seus escritos é-segundo informações que tenho-aparentado com famílias nobres do país, porêm não consegui colher notas biográficas a seu respeito.' 'Este livro causou ruìdoso sucesso. Dias antes do seu aparecimento, já era procurado com interêsse. Uma noite fez-se a distribuìção pelas livrarias enquanto o autor transpunha a fronteira. Alguns livreiros suspeitando, talvez, que o livro continha doutrina prevista pela célebre lei de 13 de Fevereiro de 1896, não o aceitaram, e outros o vendiam com precaução. Entretanto o gerente da Livraria Tavares Cardoso, Largo do Camões, expunha-o na montra. No dia imediato foi ali o agente da polícia, que apreendeu um exemplar do livro, voltando no seguinte a convidar o dito gerente a comparecer perante o Chefe Ferreira. Idêntico convite foi feito aos Srs. Joaquim Monteiro, gerente da Parçaria António Maria Pereira, José Pereira, sócio do livreiro José António Rodrigues, e Francisco José Gomes de Carvalho, a quem muitos supunham o editor, ou, pelo menos, que havia cedido a casa para a composição do Marquez da Bacalhoa. A autoridade inquiriu do número de exemplares vendidos e quem havia fornecido um para o Paço. Ouvidas as respostas, aconselhou a que custassem a venda, para o que confiava na probidade dos livreiros. Se porém não acatassem êsse convite mandaria proceder a buscas domiciliárias e apreensão de exemplares. Isto não obstou à continuação da venda clandestina.' na propalada e requestada obra contam-se 'as tropelias de um ministro 'Nunes' durante o reinado do 'Marquês da Bacalhoa', não sendo muito difícil descortinar a que personagens reais correspondiam os nomes postos no livro pelo autor, António de Albuquerque'. Tal exercício da referencialidade efectuou-o Vasco Pulido Valente no início de 1998, ao referir que as personagens são 'o Marquês (D. Carlos, na realidade, proprietário da Quinta da Bacalhoa), a Marquesa (D. Amélia), o conselheiro João Nunes dos Santos (João Franco), D. Álvaro de Luna (Mouzinho de Albuquerque), Maria de Silves (a Condessa de Sabugosa) e a Condessa da Freixosa (a Condessa de Figueiró, a famigerada Pepa Sandoval, amiga da Rainha).


Marca tipográfica de Henrico e Cornelio Verdussen

Mas veja-se então na temática do livro antigo, com um bom lote de livros sobre temáticas variadas e de boa qualidade, alguns dos exemplares que me despertaram a atenção.



6. BELEM, Fr. Jeronymo de. OLIVENÇA ILLUSTRADA PELA VIDA, E MORTE DA Grande Serva de Deos MARIA DA CRUZ, Filha da Terceira Ordem Serafica, e natural da mesma Villa de Olivença, Em que se expendem juntamente particulares excellencias da Veneravel Ordem Terceira da Penitencia, com duas respostas apologeticas em defeza da mesma, e em credito da verdade, CONSAGRADA A’SACRATISSIMA, E DOLOROSISSIMA Virgem Maria nossa Senhora debaixo dos prodigiosos titulos da BOA MORTE, E SALVAÇÃO, Collocada na capella dos Irmãos Terceiros da referida Villa, PELAS MÃOS DO N. REVERENDISSIMO PADRE Fr. JOÃO DA TORRE, Leitor Jubilado, Theologo da Magestade Catholica na Real Junta da Immaculada Conceição, e Commissario Geral da Familia Cismontana da Regular Observancia de N. S. P. S. Francisco, PELO PADRE FR. JERONYMO DE BELÉM, Prégador Jubilado, Penitenciario Geral de toda a Ordem, Examinador das Ordens Militares, Consultor da Bulla da Santa Cruzada, e Chronista da Provincia dos Algarves. Dada à luz pelos Irmãos da Meza da Ordem Terceira de Olivença. LISBOA. Na Officina de MIGUEL MANESCAL DA COSTA, Impressor do Santo Officio. M. DCC. XLVII. [1747]. In 4.º de 20x14 cm. Com [xl], lxxxviii, 375 pags.



Encadernação do século xix, inteira de pele inteira de pele com rótulo vermelho e ferros a ouro na lombada. Ilustrado com belo frontispicio gravado representando a 'Vera Effigies da Venerável Maria da Cruz' na sua reclusão conventual.



Exemplar com mancha antiga de gordura na pag. 85/86 e restauros marginais de amador antigos.



Inocêncio III, 258. “Fr. Jeronymo De Belem, Franciscano observante da provincia dos Algarves. Exerceu na sua Ordem varios cargos, e entre elles o de Bibliothecario do convento de Xabregas, e Chronista da provincia. - N. na villa dos Arcos de Val-de-vez na provincia do Minho em 1692. Ignoro a data do seu falecimento, sendo certo que ainda vivia em 1760.”



20. COMPROMISSO DA IRMANDADE DO SANTISSIMO SACRAMENTO, SITA NA PAROCHIAL IGREJA DE S. CHRISTOVAÕ, FEITO NOVAMENTE NO ANNO DE 1761, e approvado pelo Eminentissimo e Reverendissimo Senhor Cardeal Patriarcha no de 1763. LISBOA: Na Officina de FRANCISCO BORGES DE SOUSA. ANNO DE MDCCLXIV. [1764]. In fólio (de 30x20 cm) com [vii], 87 pags.



Encadernação da época inteira de pele mosqueada, com coifa superior danificada. Ilustrado com vinheta na folha de rosto aberta por Bouteux; e com vinheta e capitular decorativa no início do texto. Inocêncio IX, 82.



22. CRESCENTIO, Pietro. PIETRO CRESCENTIO. Opera d’Agricoltura. Nela quali si cõtiene a che niodi si debbe coltiuar la terra: semiare, iserire le alberi, governar gli giardini e li horti: la propieta de tutti frutti, & herbe: la natura gli aiali: & vccelli ,come aplemente nela tauola p ordie posta si potra vedere. Cõposta p leccellentissimo dottor nela arti Pietro Crescentio citadino di Bologna. Nouamente cõ grandíssima fatica ala sua pristina forma restituitat: e con diligenza STAMPATA. [cólofon] In Venegia per Bernardino de Viano de LexonaVercellence. Ne lãno. M. DXXXVIII. [1538] In 8.º de 15x10 cm. com 391 fólios.





Encadernação do século xix em pergaminho. Traja tipográfica na folha de rosto, gravura de página inteira com retrato do autor e capitulares xilográficas.



31. LAS CASAS, Bartolomeu de. REGIONVM INDICARUM PER Hispanos olim devastarum accuratissima descriptio, infertis Figuris aeneis ad vivum fabrefactis, Authore BARTHOLOMEAO de las CASAS Episcopo Hispano. Editio nova Priori longè correctior. HEIDELBERGAE, Typis GVILIELMI VVALTERI Acd. Typogr. A. S. MDCLXIV. [1664]. In 4.º De 27x20 cm. Com [iv], 112 pags. Ilustrado com um magnífico frontispício gravado e 17 gravuras no texto.



Cartonagem original. Exemplar por aparar. Terceira edição latina da obra, a primeira foi publicada em 1598. A edição original foi escrita em castelhano e impressa em Sevilha no ano de 1552.



Obra fundamental para a história da colonização hispânica da América. O bispo de Sevilha Las Casas foi o primeiro autor a relatar as chacinas dos conquistadores e a defender os direitos dos índios americanos, fundando o conceito a que atualmente chama-mos direitos humanos. Esta obra foi muito divulgada e publicada (de forma interesseira) em países europeus que não descobriram a América, mas que mais tarde a colonizaram.



The first Spanish edition was published in 1552. «This is one of the most gruesome books ever written, and one of the boldest works that ever issued from the press. It gives a short account of the cruelties of the Spaniards in each of the colonies, including Jamaica, Trinidad, Florida, Rio de la Plata and Peru.» Sabin 11285. Palau 1990, II. 83.



39. MANUSCRITO CALIGRÁFICO. SÉC. XIX. Medina e Vasconcellos. (Francisco de Paula) ODE SAPHICA. Offerecida ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Fernando Correia Henriques de Noronha na noite do sempre faustíssimo dia dos seus annos pelo seu humilde servo Francisco de Paula Medina e Vasconcellos. Anno de 1813. De 21x13 cm. Com 4 fólios inumerados. Brochado preservando capas de origem.



Manuscrito a uma só mão (possivelmente a do próprio Medina e Vasconcelos) em exercício caligráfico de grande rigor gráfico na simulação de caracteres tipográficos com capitulares decorativas. Obra escrita, e possivelmente manuscrita, pelo mesmo autor do poema heróico Zargueida ou o descobrimento da Ilha da Madeira. Inocêncio III, 24: 'FRANCISCO DE PAULA MEDINA E VASCONCELLOS, natural da ilha da Madeira, e nascido ao que parece entre os annos de 1766 e 1770. Aos vinte de edade veiu para Portugal, com o intento de seguir não sei qual das faculdades em Coimbra: matriculou-se com effeito na Universidade, porém ao fim de dous annos foi preso, por accusações que lhe fizeram de crimes (diz elle) nem pensados! Depois de anno e meio o soltaram, impondo-lhe a comminação de saír de Coimbra, e não mais voltar á Universidade.



Regressou então para a sua patria, onde já estava em 1793; porém passados annos veiu novamente a Portugal, d'onde voltou outra vez, fazendo ainda depois novas viagens. Tinha sido provido em um officio de Tabellião publico de notas na cidade do Funchal, e ahi vivia casado, e com filhos, quando em 1823 foi preso e processado pela alçada enviada á ilha da Madeira, para conhecer das pessoas, que se haviam distinguido como partidarias do governo constitucional. Alguns soffreram diversas penas, e a Medina coube a de degredo para Cabo-Verde por oito annos. Partiu para o seu destino, mas chegando á ilha de S. Tiago, n'ella faleceu pouco depois em 1824'.
(item já não disponível)



61. SLEIDANUS, Joannis. De Statu religionis et reipublicae, Carolo Quinto Caesare, Commentarii. Addita est apologia ipso authore conscripta. Argentorati. [Estrasburgo W. Rihels Erben] Anno M. D. LVII. [1557] In 4.º de 20x13,5 cm. Com [viii], 491, [xx] fólios.





Encadernação da época em pele de porco com ferros decorativos a secos nas pastas, com fechos metálicos.


Frontispício arquitetónico gravado, capitulares e marca de impressor no cólofon coloridos manualmente na época.




70. VENIO, Otho. THEATRO MORAL DA LA VIDA HUMANA. EN CIEN EMBLEMAS CON EL ENCHIRIDION DE EPICTETO, Y LA TABLA DE CEBES, PHILOSOFO PLATONICO. [Vinheta dos impressores]. EN AMBERES, Por HENRICO Y CORNELIO VERDUSSEN. Año M. D. CCI. [1701]. In fólio (de 35x24 cm) com [xviii]-207-17-[viii]-50-[1] pags.



Encadernação da época em pergaminho flexível com título manuscrito na lombada. Profusamente ilustrado no texto e com uma gravura desdobrável em extra-texto, entre as páginas 2 e 3 da segunda parte da obra “La Tabla de Cebes”, apresentando um rasgo marginal recuperável.



Obra ilustrada com gravuras de emblemática reproduzindo elementos arquitecturais, com motivos sagrados e motivos profanos, acompanhando os comentários às máximas ou motes latinos. Os livros de “emblemática” contendo representações pictóricas cujo significado simbólico é expresso em palavras foram produzidos em grandes quantidades e em vários idiomas durante os séculos XVI e XVII. Nos estudos do Renascimento e do Barroco, os críticos literários e os historiadores de arte reconhecem cada vez mais a importância deste tema: emblema/emblemática. A emblemática fornece pistas importantes e mostra - com brevidade de estilo – a preocupação com a natureza eterna do homem e as suas contradições; o ouvido atento ao discurso oral popular; o desdobramento da personalidade; a loucura; a reflexão sobre a existência humana; a relação entre o homem e a mulher; a luta entre a razão e a paixão; e uma sátira à sociedade, às suas regras e aos seus governantes.



Emblematica engravings with scriptural mottoes in Spanish and in Latim followed by a prose commentary. Emblem books containing pictorial representations whose symbolic meaning is expressed in words were produced in great quantities and in numerous languages during the 16th and 17th Centuries. Today literary critics and art historians increasingly recognize the importance of the emblem in Renaissance and Baroque studies. Emblematica provides important clues and shows - with brevity of style - concern for the eternal nature of man and its contradictions, the attentive ear to the popular speech, the unfolding of the personality, madness, the reflection on human existence, the relationship between man and the woman, the struggle between reason and passion, and to the satire of society and its rules and rulers.



73. VIGIER, Jean. HISTORIA DAS PLANTAS DA EUROPA, E DAS MAIS UZADAS que vem de Asia, de Affrica, & da America. Onde ve se suas figuras, seus nomes, em tempo florecem & o lugar onde nacem. Com um breve discurso de suas Qualidades e Virtudes especificas. Dividida em dois volumes, & acomodada na forma do grande Pinax de Gaspar Bauhino. Por Joaon Vigier, Offerecida Ao Emº. Snor. Cardeal D. Nunno da Cunha Inquisidor Geral &c. EM LION, Na Officina de ANISSON, POSUEL, & RIGAUD. M. DCCXVIII. [1718]. In 8º 2 volumes. de 17x10 cm. com [liv]-866-[lxxx] pags.



Encadernações da época inteiras de pele com ferros a ouro nas lombadas e rótulos vermelhos. Profusamente ilustrado a talhe-doce, em todas as páginas, ao gosto das gravuras botânicas quinhentistas.



Esta edição foi a primeira tradução portuguesa da obra francesa publicada em Lyon em 1670. Este trabalho é fruto da recolha dos estudos dos principais botânicos antigos e modernos, bem como da experiencia do autor enquanto naturalista, farmacêutico, químico, comerciante de drogas, e médico do rei D. João V (1707-1750). Os nomes das várias espécies aparecem em latim, francês, italiano (toscano) e alemão, juntando-se nesta edição as denominações em língua portuguesa que faltavam na edição francesa. A introdução da língua portuguesa nesta edição estimulou o conhecimento e a manipulação por parte dos farmacêuticos e droguistas, e facilitou aos comerciantes as encomendas a partir das colónias portuguesas. Vigier tinha publicado anteriormente a primeira obra portuguesa com técnicas de química farmacêutica intitulada “Farmacopeia Ulissiponense, galeanica e química” que tinha resultado da colaboração com o químico Nicolas Lemery. Pritzel 10768. Inocêncio IV, 53: “JOÃO VIGIER, de nação francez, e n'essa qualidade excluido por Barbosa da Bibl. Lusitana. Veiu para Portugal nos principios do seculo XVIII, e estabeleceu-se em Lisboa com casa de venda de drogas medicinaes, e preparações pharmaceuticas. Naturalisando-se portuguez, adquiriu sufficiente conhecimento e practica da lingua, para n'ella compor as obras seguintes, que publicou com grande proveito da nação, segundo diz Mattos, na Bibl. Cirurgica, discurso 2.º pag. 156. 1393) Historia das plantas da Europa, e das mais usadas que vem da Asia, Africa e da America. Onde se vê (sic) suas figuras, seus nomes, em que tempo florecem, e o logar onde nascem. Com um breve discurso de suas qualidades e virtudes especificas. Em Lion, na Offic. de Anisson, Posuel & Riguaud 1718. 12.° gr. 2 tomos, contendo ao todo 866 pag. de numeração seguida, e quasi egual numero de desenhos das referidas plantas, intercalados no texto. Esta obra gosava, ainda não ha muitos annos, de bastante estimação, e tornára-se tão rara e procurada, que sei de exemplares vendidos até 3:200 réis. Hoje vale muito menos, e creio que o preço regular dos exemplares que apparecem ha sido de 1:200 até 1:600 réis'.



2 volumes. In 8º (17x10 cm) with [liv] -866 - [lxxx] pags. Bindings: contemporary full calf gilt at spines and red labels. Illustrated intaglio, on every page, on the style of 16th century botanical prints. This edition was the first Portuguese translation of the French work published in Lyon in 1670. This study is a collection of studies from the leading botanists (both ancient and modern) as well as the experience of the author as a naturalist, pharmaceutical, chemical, drug dealer, and physician of King John V of Portugal (1707-1750). The names of the various species are in Latin, French, Italian (Tuscan) and German. This issue is updated with the names in Portuguese that were missing in the French edition. The introduction of the Portuguese language in this edition prompted the knowledge and manipulation by pharmacists and druggists, and eased the trading orders from the Portuguese colonies. Vigier had previously published a work in Portuguese about pharmaceutical chemistry techniques entitled “Farmacopeia Ulissiponense, galeanica e química” product from the collaboration with the chemist Nicolas Lemery. Pritzel 10768. Inocêncio IV, 53.

Claro que esta selecção não será propriamente uma “proposta de compra natalícia” mas simplesmente uma divulagação da qualidade tipográfica de alguns dos exemplares seleccionados e de algumas das suas encadernações.

Saudações bibliófilas.


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