"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 24 de novembro de 2012

Palácio do Correio Velho – Leilão 291 “ Ilha da Madeira”



O Palácio do Correio Velho vai realizar mais um dos seus Leilão de Livros, Manuscritos e Gravuras, subordinado ao tema "Ilha da Madeira" nos próximos dias 28, 29 e 30 de Novembro na sua sede situada na Calçada do Combro, 38 A - 1º em Lisboa.

Os lotes estarão em exposição nos dias 26 e 27 de Novembro das 10:00h/13:30h e das 14:30h/19:00h

As três sessões do leilão decorrerão nos três dias referidos a partir das 15:00h.



Leia-se a sua Introdução para se fazer uma ideia da riqueza deste acervo levado à praça.

 
INTRODUÇÃO

O Palácio do Correio Velho tem a honra de apresentar aos seus clientes mais um leilão de livros antigos ou raros, e que sendo de várias proveniências proporcionará certamente satisfação a um leque mais abrangente de bibliófilos, estudiosos ou leitores, pois, no fundo, cada biblioteca ou núcleo de livros que nos chega traz toda uma história e contextualização por vezes tão rica que só quem esmiuçasse obra a obra os seus segredos é que poderia deleitar-se com a plenitude dos conhecimentos que tais livros contém.

Com efeito, para além da mensagem impressa e visível, cada livro traz as pertenças que sofreu ou gozou e é sempre com interesse ou amor que nos debruçamos sobre uma dedicatória, uma assinatura de posse, ou anotações certeiras que vieram enriquecer o livro e a sua irradiação subtil. Não poderemos esquecer então as assinaturas de Andrade Corvo, de Sophia de Melo Breyner para Miguel Torga, ou as cartas autógrafas de Sebastião da Gama para o seu querido amigo Hipácio Dias Alves.

No caso presente deste leilão destacam-se entre os vários núcleos ou rios que fecundam o catálogo, uma vasta colecção de livros respeitantes à Ilha da Madeira, com muitas edições raras e invulgares, numerosas com dedicatórias a Henrique Tristão Bettencourt da Câmara que foi o seu possuidor e que de facto juntou preciosidades madeirenses desde as mais antigas até às dos surrealistas e modernistas e admiramos então as primícias de Herberto Hélder e António Aragão Correia, em obras muito raras como o «Arquipélago» ou o «Areópago». De salientar também um exemplar da raríssima obra de Manoel de Sampaio e Mello: «Novo Methodo de fazer o Açúcar…», Bahia, 1816; do Pe. José Teixeira, a «Historia De Bello Africano», Noribergae, 1580, e de Fernão Mendes Pinto, «Der Wonderlyken Reizen», Amsterdam, 1652, a rara primeira edição holandesa da «Peregrinação». Outro núcleo do qual podemos também nomear o seu possuidor é aquele de obras de humanismo e ensaísmo, de bibliografia e bibliófilia, e que foi pertença de José Vitorino de Pina Martins e de sua mulher D. Prímula Vengiano, pois tendo ambos partido já para o mundo espiritual e a sua valiosa biblioteca de livros antigos sido entregue a uma instituição bancária, a sua filha quis partilhar alguns dos livros que lhes ofereceram, dando uns a pessoas amigas e pondo outros em leilão, de modo a que novas pessoas possam ser fecundadas ou estimuladas pelos veios do Humanismo, da Cultura, hoje em dia tão afectados pelas crises mundiais.


AMORVM (lote 023)

O terceiro núcleo forte deste leilão é uma excepcional colecção de mapas, a maior parte deles de Portugal, da autoria de notáveis cartógrafos dos sécs. XVI ao XIX, todos em excelente estado e bem emoldurados e que se deslocaram de Cascais para a Calçada do Combro donde partirão para enobrecer novos ambientes e paredes onde não deixarão de lembrar a tão vasta dimensão de Portugal.

Muitos outros núcleos poderão ser discernidos dos quais os da Arte, da História, da Literatura, de Cartazes, mas é de um invulgar núcleo, o de Leques, que emerge a peça talvez mais extraordinária e única deste leilão que é um leque enriquecido por poemas de António Nobre e de Alberto d’Oliveira, e desenhado por Jorge Colaço, feito na mítica Cidade - Luz, essa Paris onde o Anto procurava a luz salvífica para a sua atormentadora doença. Peça irisada de cor e de emoção, de graciosidade ou mesmo da sacralidade dos sonhos de amor e de esperança por António Nobre expressados! Mas certamente não poderemos deixar de referir as 50 fotografias do grande fotógrafo J.A.Pereira de Carvalho, acompanhadas de uma aguarela original de Rafael Bordalo Pinheiro que serviu para a capa do Álbum, «Collecção dos Costumes Portugueses», raríssima e neste caso única. Não vamos ocupar mais o tempo dos nossos leitores, pois não há nada como consultar o catálogo e ir manusear, sentir os livros na Exposição, com a intenção de vermos e apreciarmos melhor os que deverão entrar nas nossas bibliotecas e também nas nossas almas. A todos desejamos boas inspirações bibliófilas!

Lisboa, 14 de Novembro de 2012
Isabel Maiorca
Pedro Teixeira da Mota

Deste valioso conjunto apresento apenas alguns exemplos que ilustram bem da sua alta qualidade.



Lote 100
CAMÕES, Luís de – LUSIADAS // DE // LUIS DE CAMOENS, // Principe de los Poetas de España. // Al Rey N. Senõr. // FELIPE QUARTO // EL GRANDE. // Comentadas por Manuel de Faria // i Sousa, Cavallero de la Orden de Christo, i de la Casa Real, // .. // Primero i Segundo Tomo // (gravura reproduzindo o escudo das armas reais) // En Madrid, Por Iuan Sanchez. //... // A costa de Pedro Coello, Mercader de libros//. In-fólio. 2 vols, de 4 tomos de XII fls. prels. e 552 colunas (duas por pág.), o 1º tomo; 652 colunas (duas por pág.) , o 2º tomo que termina com o seguinte registo: En Madrid // por Antonio Duplastre Año MDCXXXIX (1639) .; frontispício e 528 colunas, o 3º, e 670 colunas e 34 págs. inums., com três colunas de impressão, cada, contendo a «Tabla General », além de uma final com a «Adicion // de Lugares notables» (a duas colunas), o 4º tomo. As colunas 1 a 14 do tomo I inserem o «Prologo»; as 15 a 58 a «Vida del Poeta» e as 59 a 99, o «Juizio del poema». Os tomos I & IV têm frontispícios próprios, que abrem cada um dos tomos. Encadernações em carneira mosqueada do séc. XVIII, cansadas nas dobras das lombadas e uma delas com sinais de insectos na pasta. Como de costume há uma acidez generalizada nas folhas, mas de resto bom exemplar. Ex – libris da famosa Hispanic Society of America, que tantos livros catou na Pensínsula, mas também da Livraria Palha, e de outro possuidor.
Os comentários de Faria e Sousa constituem uma obra de grande sabedoria, que ainda não recebeu a devida investigação, valorização e divulgação. Obra muito rara, estimada e procurada.
AZEVEDO - SAMODÃES: nº 534.



Lote 235
FARIA, Manuel Severim de – NOTICIAS // DE PORTUGAL // offerecidas a ElRey N. S.// Dom Ioão o IV// por...Lisboa, Na Officina Craesbeekiana, Anno 1655. In - 8º de VIII - 296 págs. Encadernação inteira de pergaminho mole da época, finamente dourada na lombada e com rótulo vermelho, folhas de guarda, refeitas e já modernas. Frontispício remarginado e algumas poucas folhas com pequenos restauros, de resto bom exemplar. Obra muito importante do humanismo pragmático seiscentista lusitano. No prefácio, escrito em Évora, este chantre e cónego explica a razão da publicação dos onze ensaios seus e dois alheios (um dos quais de João de Barros), destacando-se os escritos sobre a nobreza, a mílicia guerreira, a peregrinação, a população do reino, os cardeais, as naus para a Índia, as moedas (com reproduções), o começo dos estudos e universidades na Península, manifestando assim a sua veia tanto de historiador como de filósofo e economista. Obra muito rara, e em estado belo. INOCÊNCIO: VI, pág. 107.



Lote 354
ILUMINURAFolha de pergaminho, de um Livro de Horas, séc. XV - XVI, im presso, em que a xilogravura foi muito belamente iluminada, como era hábito da época. Com uma cena do Antigo Testamento, provavelmente o Rei Salomão. Emoldurada. Dim.: 13 x 9 cm.



Lote 738
NOBRE, António, & OLIVEIRA, Alberto d’ & COLAÇO, Jorge – LEQUE de dezoito (18) varetas (de 30 cm cada), em madeira, recortadas e pintadas em cor creme, com desenhos recortados e coloridos de borboletas e libélulas, com algumas incrustações. Papel forte, com bordadura exterior filetada a ouro,e aguada a amarelo-ocre que serve de tela para sete (7) desenhos aguarelados de Jorge Colaço, que delineou e assina a obra, em Paris.

Destaque para as figuras de António Nobre, à esquerda e Alberto d’ Oliveira, à direita, o qual diz adeus ao seu grande amigo e companheiro, na partida de Nobre para Paris, e dois (2) poemas, um de António Nobre, e o outro de Alberto d’Oliveira. A «Canção da Felicidade», é de António Nobre, que a assina, datando-a de Paris, 1892, enquanto Alberto d’Oliveira escreve a poesia «Em Coimbra», sem data, mas assinada. Se desconhecemos e é de somenos importância se é original ou não o poema de Alberto d’Oliveira, já o exame do poema de António Nobre revela que ele foi publicado no seu famoso livro, «Só», mas com algumas alterações ou diferenças, abrindo um campo muito valioso para os investigadores da sua vida e obra.De destacar que enquanto o desenho que acompanha o poema impresso na 2ª edição, Paris,1898, mostra a casa que António Nobre idealizou, já Jorge Colaço deu mais enfâse aos aspectos marítimos da «Canção». De destacar que a datação desta peça foi efectuada por António Nobre, em 1892, tornando-se desnecessário os outros fazerem-no. A análise das diferenças entre o poema manuscrito e a versão impressa aponta para o leque ser na verdade a fonte original. Peça única, museológica, de grande beleza, insigne poesia e grande valor histórico e literário, julgamos que desconhecida até hoje.



Lote 773
PINTO, Fernão Mendes – De WONDERLYKE REIZEN van Fernando Mendez Pinto; die hy in de tijt van eenëntwintig jaren in Europa, Asia en Afrika, in de koninkrijken en landen van Abissyna, China, Japon, Tartarien, Siam, Calaminham. Pegu, Martabane, Bengale, Brama, Ormus, Batas, Queda, Aru, Pan, Ainan, Calempluy, Chochinchina, en byna ontellijke andere landen en plaatsen gedaan heeft. t’Amsterdam, Jan Rieuwertsz en Jan Hendriksz, Gedrukt by Pieter La Burgh,1652. Segue-se enc. No mesmo volume: ROE, Thomas. JOURNAEL VAN DE REYSEN ghedaen door den Ed. Heer en Ridder Sr. Thomas Roe, ambassadeur van sijn Conincklijcke Maejesteyt van Groot-Brittanje, afgevaerdicht naer Oostindien aen den Grooten Mogol, ende andere ghewesten in Indien... met copere Figuren (3 e o frontispício)... Amesterdam, Iacob Benjamin, 1656.; Segue-se enc. no mesmo volume: HERBERTS, Th: ZEE- EN LANT-REYSE Na Verscheyde Deelen Van Asia En Africa: Beschryvende Voornamelijck de twee beroemde Rijcken van den Persiaen, en den Grooten Mogul... Overgeset Door L. V. Bosch. Tot Dordrecht, Abraham Andriessz, 1658.



In-4º de (6) - 280,126 e 192págs. Encadernação em pergaminho da época, em estado muito razoável. Folhas de guarda, gravura da portada e frontispício manchados e com restauros. Página final manchada e reforçada de papel no interior. É a primeira edição holandesa da «Peregrinação», com falta das 7 gravuras mas contendo o rarissímo frontispício com a deusa da Fortuna nua derramando os seus bens, e secundada por uma Deusa da abundância e um homem trabalhador ou aventureiro. A 2º obra, as viagens de Roe na Pérsia e na Índia dos Grão-Mogóis, também muito rara, completa com as gravuras e com a portada emblemática. A 3ª obra, das viagens de Thomas Herbert, traduzida também do inglês para o neerlandês, contém as 10 gravuras e a bela portada simbólica. Conjunto de três obras fundadoras do conhecimento do Oriente na Europa, todas elas com profusas referências aos portugueses e a palavras portuguesas. Obras muito raras em 1ªas edições, de impressores diferentes e bem encadernadas num mesmo volume. Ex-libris de Jozé Mello Baêta. Da procurada temática das Viagens ao Oriente.



Lote 888
[TEIXEIRA, Pe.José] – HISTORIA // DE BELLO AFRICANO: // In quo // Sebastia- // nvs, Serenissi - //mvs Portvgalliae // Rex, periit ad diem 4 Aug. // Anno 1578. // Vnà cum // Ortv Et Fami - //lia Regvm, Qvi Nostro // tempore in illis Africae regioni - // bus imperium tenue // runt. Ex Lusitano sermone primò in // Gallicum: inde in Latinum // translata // Per Ioannem Thomam // Freigivm D. // Noribergae. // 1580. //. E na frente da última folha encontra-se o seguinte registo : // Imprimebatur Noribergae in Officina Ca -// tharinae Gerlachin, & Haeredum Io - // Hannis Montani. //.

In - 8º [36 ] fls.inums. Encadernação cartonada, dura e modesta, o exemplar dentro de uma estojo em forma de livro revestido de tela azul, recente. Raríssima edição, ilustrada com um mapa desdobrável do Norte de África e Peninsula Ibérica e outra gravura que mostra a disposição dos exércitos na Batalha de Alcácer - Quibir. O autor da obra, Pe. José Teixeira foi dominicano e partidário de D. António Prior do Crato, mas pouco se sabe da sua vida. No entanto, foi obrigado a exilar -se em França, recebendo, durante o seu exílio, honras e favores de Henrique III de França e da Rainha Catarina de Médicis. O volume ostenta o ex - libris heráldico de James Whatman. O tradutor da obra foi João Tomaz Freigius, filósofo, jurisconsulto e literato suiço,que nasceu em Friburgo em 1545 e morreu de peste em Altorf em 1585. Foi professor de Direito e publicou várias obras e a tradução que acima descrevemos. Freigius é um autor inteiramente desconhecido de Inocêncio. Dos inúmeros catálogos portugueses consultados apenas o de Afonso Lucas (nº452) regista um exemplar da mesma obra e diferenteedição e o da Livraria do Conde do Ameal (nº 979) regista uma obra em seu nome, diversa da que aqui apresentamos. Rarissima obra publicada apenas três anos após a infeliz jornada de Alcácer- Quibir, cujo acontecimento é o seu principal tema. Muito valiosa.



Lote 899
THOMAS, Manuel – INSVLANA // DE // MANOEL // THOMAS. A Ioam Gonçalves da Camara, Conde de Villa Nova da Calheta. Em Amberes, Em Casa de Ioam Mevrsio Impressor, Anno de 1635.

In - 4º de XX - 493 - (3) págs., a última das quais contendo a Errata. Obra raríssima. É um poema heroico em dez cantos de oitavas ritmadas ácerca do descobrimento da Ilha da Madeira, ao estilo dos «Lusíadas», escrito com grande erudição clássica e histórica, além de engenho poético. Bela encadernação original em pergaminho mole. Muito valioso e raro. Bom exemplar, com assinatura coeva, de «A.Rongel».
INOCÊNCIO: VI, Págs.119.

Assim, e quase em simultâneo, temos dois leilões para acompanhar: este leilão do Palácio do Correio Velho e o leilão da Livraria Luis Burnay – Leilão de Livros, Manuscritos, Autógrafos, Fotografias, Desenhos e Efémera .

Quanto a este excelente catálogo deixo-vos o convite para a sua leitura e consulta atentas pois irão descobrir seguramente alguns apontamentos de elevado interesse bibliófilo.

Saudações bibliófilas.



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