Jardim de S. Pedro de Alcântara em Lisboa
No dia em que se celebra o 3º aniversário deste meu modesto blog, quero, em primeiro lugar, agradecer a todos aqueles que de maneira pública ou simplesmente anónima tem a paciência de lerem os meus “escritos”, a todos aqueles que solicitam a minha modesta colaboração/informação na investigação de um qualquer trabalho, que estejam a realizar, ou por simples curiosidade, pois são eles o grande sustentáculo deste meu contributo para a divulgação do livro, de escritores e da sua obra e de alguns dos eventos bibliófilos que se vão realizando.
No entanto, também devo um pedido de desculpas, pois que por questões meramente pessoais, devido à minha actividade profissional e de alguns problemas ocorridos na minha vida privada e familiar, não dediquei muito tempo na elaboração de “grandes estudos” (sempre “toscos” e incompletos pois que para mais não tenho conhecimentos) em detrimento da publicitação de actividades relacionadas com o livro – divulgação de catálogos e de leilões, tanto em Portugal como no estrangeiro, sempre com alguma perspectiva crítica bem pessoal, e como tal sujeita a controvérsia, chamando igualmente a atenção para a qualidade das nossas impressões tipográficas sobretudo na temática do livro antigo.
Outro facto que tem ocupado bastante do meu tempo, foi ter finalmente “descoberto” um programa informático (não será o melhor mas satisfaz bastante) para catalogação da minha biblioteca, que após a mudança de residência se tornava necessário fazer, pois que só com um GPS conseguia descobrir determinadas obras e, por vezes, nem mesmo assim… tarefa “ciclópica” convenhamos!
Nascente do Rio Cuervo , Cuenca, Espanha
Considerando o que Marcia Rodirigues escreveu no se excelente blog Tesouro Bibliográfico no seu trabalho sobre livros raros , transcrevo duas questões/afirmações que me irão servir para a minha reflexão.
1. O que é livro raro?
De maneira bastante simplificada, pode-se dizer que um livro alcança o “status” de raridade bibliográfica quando a sua procura excede a oferta, ou seja, é um livro escasso, difícil de ser encontrado.
A combinação de uma série de fatores contribui para tornar um exemplar único, raro, valioso, porém não existem fórmulas fáceis para a determinação de raridade.
4. Todos os livros antigos são valiosos?
“Um livro não é valioso porque é antigo e, provavelmente, raro. Existem milhões de livros antigos que nada valem porque não interessam a ninguém. Toda biblioteca pública está cheia de livros antigos, que, se fossem postos à venda, não valeriam mais que o seu peso como papel velho. O valor de um livro nada tem a ver com a sua idade. A procura é que torna um livro valioso.” (Rubens Borba de Moraes em “O bibliófilo aprendiz”, 2005, p. 67)
A antiguidade por si só não é suficiente para tornar um livro valioso. A importância do texto, as condições do exemplar e a demanda pela obra determinarão o valor de um livro antigo. No entanto, algumas categorias de livros são geralmente mais procuradas, incluindo todos os livros impressos antes de 1501, os livros ingleses impressos antes de 1641, os livros impressos nas Américas antes de 1801, os livros impressos no oeste do Mississipi antes de 1850, os livros brasileiros impressos no período da Impressão Régia (1808-1822), podendo esse período ser extendido até 1860, devido à demora com que se desenvolveu a imprensa em certas regiões do Brasil (no Rio Grande do Sul, a história da imprensa tem início em 1827, quando surgiu o primeiro periódico gaúcho: o Diário de Porto Alegre).
Vem esta introdução a propósito de alguns exemplos que vos quero apresentar.
Comecemos por O Caminho Fica Longe de Vergílio Ferreira:
FERREIRA, Vergílio – O Caminho Fica Longe. Lisboa, Inquérito, 1943. Biblioteca da Nova Geração. 1ª edição. In- 8º de 316, [2] págs.
Este primeiro romance do autor foi na época proibido pela censura, sendo actualmente de grande raridade..
“O Caminho Fica Longe, primeiro romance de Vergílio Ferreira, é um livro que poucas pessoas leram, porque a sua publicação engrossou, como muitas outras, os anais da Censura. Editado em 1943, foi proibido, pelos censores da época, e os poucos exemplares que chegaram às livrarias, logo foram recolhidos e, por consequência, postos fora do mercado. Só alguns priviligeados o adquiriram a tempo. É um romance que não existe mesmo nas bibiliotecas públicas (a), sendo assim quase inacessível até para os estudiosos que com ele pretendam balizar o percurso romancístico de Vergílio Ferreira.” (1) (2)
Consideremos seguidamente Lírios do Monte de José Gomes Ferreira:
FERREIRA, José Gomes – Lírios do Monte. Lisboa: "Orbis", Empresa de Livros e Publicidade, 1918.- 61, (2)p.; 19cm.- B.rochura. 1ª edição e única, do primeiro livro publicado por este autor, hoje muito rara e procurada. Bonita capa com ilustração de Stuart, impressa a cores.
Lírios do Monte, obra poética publicada pela "Orbis" (Lisboa) em 1918, que marcou a estreia literária de José Gomes Ferreira, que, no entanto, a acabaria por renegar.
Com efeito ele próprio escreveria mais tarde: "Totalmente alheio à revolução do 'Orpheu', lancei para o caixote do lixo público todos os piores desabafos campestres sob o título de 'Lírios do Monte'". Também a critica na sua obra O Mundo dos Outros: "...quando … folheio, colérico, os ignóbeis "Lírios do Monte" sinto ganas de ir à procura de todos os meus antigos professores para lhes pedir explicações e quebrar-lhes a cara! Sim. Quebrar-lhes a cara! Vocês são os responsáveis de tudo: das boninas, dos lírios a rimarem com martírios e de toda a muita ignorância do mundo exterior a empurrar-me para a ilusão de só existir beleza dentro de mim." Chama-lhe "versos campestres de louvor às avenas que nunca tinha ouvido, à Natureza que nunca tinha visto e à Paisagem quase unicamente desvendada em sonhos", dando-lhe mais tarde a classificação de "páginas inspiradas no Parque Eduardo VII"
E, finalmente consideremos Mensagem de Fernando Pessoa:
PESSOA, Fernando. - Mensagem. Lisboa. Parceria António Maria Pereira. 1934. In-8º de 100, [2] págs.
Primeira edição. É, sem dúvida, um dos livros mais importantes da poesia portuguesa.
Claro que destes três exemplos, Mensagem de Fernando Pessoa é sem qualquer contestação possível, o exemplar mais valioso e que qualquer bibliófilo não dispensa de possuir na sua biblioteca, mas veja-se o número de exemplares aparecidos em leilões, ou simplesmente vendidos em livreiros-antiquários, nos últimos dois anos.
Mas se considerarmos o grau de raridade, enquanto número de exemplares disponíveis no mercado biblófilo, os outros dois são seguramente muito mais raros.
Um livreiro-antiquário do meu relacionamento, confidenciou-me, que Lirios do Monte é hoje edição raríssima, da qual em trinta anos de negócio, que já leva, só dispôs de três exemplares para venda.
No que diz respeito a esta obra de José Gomes Ferreira será uma “obra menor” (se se poderá considerar uma qualquer obra de um escritor como tal, pois que cada uma representa um passo na sua evolução para a maturidade), mas esse facto não lhe retira a sua raridade.
Um recanto para meditar…
Quanto a O Caminho Fica Longe, pelas razões apresentadas, é seguramente de elevada raridade.
Mas como o que está actualmente “em moda”, na Literatura portuguesa, é o modernismo (3) – casos de Herberto Helder e Mário Cesariny por exemplo – quem se interessa por obras do neo-realismo (como o livro de Vergílio Ferreira e de tantos outros escritores hoje um pouco caídos no esquecimento).
Bom resta-me agradecer-vos mais uma vez o vosso apoio e deixar a promessa de continuar a publicar, dentro das minhas possibilidades e capacidades, para além das referidas referências a eventos bibliófilos, alguns textos mais elaborados que possam ser de alguma utilidade para os mais inexperientes.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) MENDONÇA, Aniceta de – «O Caminho Fica Longe» de Vergílio Ferreira e o romance dos anos 40" / Aniceta de Mendonça. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 57, Set. 1980, p. 36-44.
http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/do?bibrecord&id=PT.FCG.RCL.2322 (acessado em 28-04-2012)
Revista Colóquio/Letras
(2) Actualmente a BNP possui um exemplar da 1ª edição, que fazia parte do espólio do escritor, com emendas autógrafas e cortes da censura. Com a nota do autor, a lápis, “Os traços a vermelho são cortes da Censura”.
(3) Não se interprete esta afirmação como qualquer sentido crítico,pois que eu também sou um apreciador, mas apenas como um juízo de facto que não de valor.