"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Manuel Maria Barbosa du Bocage



M. M. Barbosa du Bocage

No dia do aniversário do falecimento de Bocage quero aqui deixar um testemunho. Trata-se dum poeta que é um mito, um homem que fez e deixou estória, e que foi objecto de várias anedotas, durante o antigo regime, servindo como escape de libertação da mordaça que nos calava a expressão.

Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765 e faleceu em Lisboa a 21 de Dezembro de 1805.(1)

Foi um poeta português e, possivelmente, o maior representante do arcadismo, ainda que se possa considerar o símbolo deste movimento literário, insere-se já num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico.

Nasceu em Setúbal às três horas da tarde de 15 de Setembro de 1765, era filho do bacharel José Luís Soares de Barbosa, juiz de fora, ouvidor, e depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier l'Hedois Lustoff du Bocage, cujo pai era francês. Teve cinco irmãos.


Livro de baptismos da paróquia de São Sebastião, fólio 176

Apesar do muito que sobre si se escreveu (2), ainda permanecem muitas lacunas a descoberto, pois boa parte da sua vida permanece um mistério. Não se sabe que estudos fez, embora se deduza da sua obra que estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, que estudou francês e também latim.

O seu pai, José Luís Soares de Barbosa, nasceu em Setúbal, em 1728. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, foi juiz de fora em Castanheira e Povos, cargo que exercia durante o Terramoto de 1755, que arrasou aquelas povoações. Em 1765, foi nomeado ouvidor em Beja. Acusado de ter desviado a décima enquanto ouvidor, possivelmente uma armadilha para o prejudicar, visto ser próximo de pessoas que foram vítimas de Pombal, o pai de Bocage foi preso para o Limoeiro em 1771, nunca tendo feito defesa das suas acusações.

Daqui se compreende que a sua infância não foi muito risonha, pois quando estes acontecimentos se desenrolam, tinha apenas seis anos. O seu pai permanecerá preso seis anos. Só após a morte do rei D. José I, em 1777, com a "viradeira", recuperará a liberdade. Voltou para Setúbal, onde foi advogado.

A sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Anne-Marie Le Page du Bocage, tradutora do "Paraíso" de Milton, imitadora da "Morte de Abel", de Gessner, e autora da tragédia "As Amazonas" e do poema épico em dez cantos "A Columbiada", que lhe mereceu a coroa de louros de Voltaire e o primeiro prémio da academia de Rouen. Esta também o deixará órfão cedo, aos dez anos, com o seu falecimento.

A identificação das mulheres que amou é duvidosa e discutível.


Imagem do Lisboa no séc. XIX

Viveu num período em que o ambiente que então se respirava na capital era estreitíssimo e asfixiante. Por um lado, os medos da propagação das doutrinas filosóficas traziam empenhados o tribunal da Inquisição, a polícia e o intendente Pina Manique, seu chefe, na indagação minuciosa dos factos, mesmo os de menor alcance, que cada indivíduo pudesse praticar com intuitos liberais.
Por outro lado não estava ainda extinta a luta dos ódios contra o marquês de Pombal, a quem as famílias dos nobres, por ele castigados, acusavam violentamente, imputando-lhe acções desonrosas, delitos infamantes, e tentando reabilitar-se como inocentes no atentado contra el-rei D. José. Época de incertezas, de dúvidas, de receios e de perseguições

O gosto de então, a moda predominante, eram as canções brasileiras, cantadas à guitarra ou à viola, desde as reuniões de família, até ás orgias dos botequins. Todos os poetas escreviam letras para estas árias, e Manuel Maria, como Bocage era ordinariamente conhecido, não foi dos menos pródigos. Até porque. este sempre sonhava assemelhar o seu destino com o de Camões, de quem só invejava a imorredoura glória do grande épico, comparava a sua mocidade livre com a que ele tivera, e pensava que também este na corte compunha e recitava versos, requestava donzelas, e cantava a Natércia. Camões tinha ido ao Oriente, Bocage foi também.

Possivelmente ferido por um amor não correspondido, assentou praça como voluntário no Exército em 22 de Setembro de 1781 e ai permaneceu até 15 de Setembro de 1783.

Nesta data, foi admitido na Escola da Marinha Real, onde fez estudos regulares para guarda-marinha. No final do curso desertou, mas, ainda assim, aparece nomeado guarda-marinha por D. Maria I.

Em 14 de Abril de 1786, embarcou como oficial de marinha para a Índia, na nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena”, que chegou ao Rio de Janeiro em finais de Junho.


Imagem do Rio de Janeiro, em princípios do séc. XIX

Fez escala na Ilha de Moçambique (início de Setembro) e chegou à Índia em 28 de Outubro de 1786. Em Pangim, frequentou de novo estudos regulares de oficial de marinha. Em 25 de Fevereiro de 1789 havia sido promovido a tenente, de infantaria da 5.ª companhia da guarnição da praça de Damão, onde chegara a 6 de Abril do mesmo ano, mas logo dois dias depois desapareceu, em companhia doutro oficial da mesma praça, indo ter, pela Porta do Campo, a Macau, onde sofreu inclemências, em resultado desta arrojada aventura. Nestas paragens foi ainda mais infeliz do que nas possessões da Índia, e só teve dois homens que lhe valeram: Lázaro da Silva Ferreira, governador de Macau, que o não pronunciou por haver desertado de Damão, e o negociante Joaquim Pereira de Almeida, que recebendo-o e dando-lhe agasalho o apresentou na sociedade macaense. Mas absolvida a culpa, o poeta não descansava com saudades da pátria, dos amigos e dos amores.

Partiu e, em Agosto de 1790, entrava a barra do Tejo. Chegava então a Lisboa o eco da Revolução Francesa de 1789. A liberdade era o hino que se cantava às escondidas por toda a parte, porque a polícia estava cada vez mais intransigente. O poeta cantou logo contra o despotismo, chamando-lhe “sanhudo, inexorável, monstro que em pranto, em sangue a fúria ceva”, mas que “não tiraniza do livre coração a independência”, e compôs muitos sonetos em honra da liberdade.

Ainda em 1790 foi convidado, e aderiu, à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde adoptou o pseudónimo Elmano Sadino Eram estes os sentimentos políticos de Bocage e de todos os sócios da Nova Arcádia, salvas poucas excepções.

No entanto, em 1793, tornou-se seu detractor.. Em todo o tempo que durou esta guerra com os seus colegas, levantada por vaidades de poetas e de literatos, jogaram-se as mais acerbas sátiras e vibraram-se epigramas os mais frisantes. (3)

A década seguinte é a da sua maior produção literária e também o período de maior boémia e vida de aventuras.

Em 1791 publicou o 1.º volume das suas Rimas, os Queixumes do pastor Elmano, e os Idílios marítimos. Em 1799 publicou o 2.º tomo das Rimas, e em 1804, o 3.º tomo.

Como já se referiu, dominava então em Lisboa o Intendente da Polícia Pina Manique, o qual, em 7 de Agosto de 1797, deu ordem de prisão a Bocage por ser “desordenado nos costumes”. Este ficou preso no Limoeiro até 14 de Novembro de 1797.


Bocage perante a Inquisição
«Não sou vil assassino...»

Valem-lhe os amigos que o socorrem e consegue ser despronunciado de delito contra o Estado, sendo entregue à Inquisição, tendo transitado para o calabouço da Inquisição, no Rossio, por erro religioso. Aí ficou até 17 de Fevereiro de 1798, tendo ido depois para o Real Hospício das Necessidades, dirigido pelos Padres Oratorianos de São Filipe Nery, depois de uma breve passagem pelo Convento dos Beneditinos, para uma espécie de cura espiritual no Oratório, donde só saiu, em liberdade, no último dia de 1798, regenerado mas profundamente debilitado. Durante este longo período de detenção, Bocage mudou o seu comportamento e começou a trabalhar seriamente como redactor e tradutor.

De 1799 a 1801 trabalhou sobretudo com Frei José Mariano da Conceição Veloso, um frade brasileiro, politicamente bem situado e nas boas graças de Pina Manique, que lhe deu muitos trabalhos para traduzir.


BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du.
«Poesias Eróticas, Burlescas e Satyricas»
Bruxellas, MDCCCLX
(um dos livros mais proibidos de sempre...)

A partir de 1801, até à morte, em Lisboa na manhã de 21 de Dezembro de 1805, por aneurisma, viveu em casa por ele arrendada no Bairro Alto, naquela que é hoje o n.º 25 da travessa André Valente.

Espero que este esboço vos tenha despertado o interesse para a leitura e o estudo deste controverso poeta.

Saudações bibliófilas

(1) A título de curiosidade refira-se que era primo, em segundo grau, do zoólogo José Vicente Barbosa du Bocage, com vasta e importante obra publicada.

(2) Consulte-se por exemplo:
NORONHA, José Feliciano de Castilho Barreto e – Manoel Maria Barbosa du Bocage. Excertos ... Tomo III. Rio de Janeiro, Livraria B. L. Garnier Editor, 1867. In 4º de 326 pp.

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. - POESIAS DE... Colligidas em nova e completa edição. Dispostas e anotadas por I. F. da Silva. E precedidas de um estudo biographico e litterario sobre o poeta, escripto por L. A. Rebello da Silva. Tomo I (ao Tomo VI). Lisboa, Editor: A. J. Lopes. MDCCCLIII. 6 Vols. In-8º

(3) Veja-se a este propósito:
NORONHA, José Feliciano de Castilho Barreto e – Manoel Maria Barbosa du Bocage. Excertos ... Tomo III. Rio de Janeiro, Livraria B. L. Garnier Editor, 1867. In 4º de 326 pp

4 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui.
Biografía apasionante que de seguro se refleja en la calidad de la obra. Gracias por continuar con la labor de divulgación que nos ayuda a conocer cada día, un poco más de la fascinante cultura portuguesa.

Galderich disse...

Rui,
Estas biografías me fascinan por lo intensas y duras que fueron, luchando contra los elementos.
Veo que la Inquisiçao vuelve a salir... en fin, es lo que tuvo esa época!

Rui Martins disse...

Caros amigos
Intenté escribir un poco sobre el hombre y su época, pero prometo volver para hablar del escritor y sus obras… ¡estas son muy interesantes!
Saludos bibliófilos y Feliz Navidad

Diego Mallén disse...

Amigo Rui: ¡felices fiestas y feliz Año Nuevo que te deseo colmado de venturas y felicidad y repleto de nuevas adquisiciones de libros cautivadores por su contenido, rareza, encuadernación...!

Saludos bibliófilos!!