"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

José Daniel Rodrigues da Costa




José Daniel Rodrigues da Costa

Trago-vos hoje um poeta, José Daniel Rodrigues da Costa (1), que foi uma das grandes vítimas de Bocage, que contra ele escreveu vários sonetos e se contam várias estórias sobre o seu relacionamento.
Aliás, este será o tema da nossa próxima conversa.

José Daniel nasceu em Colmeias – Leiria a 31de Outubro de 1757, donde cedo saiu. Chega a Lisboa aos dois anos de idade, onde falecerá a 7 de Outubro de 1832
Sob o pseudónimo de Josino Leiriense, que usava nas tertúlias da Arcádia Lusitana, Rodrigues da Costa teve uma vida de notoriedade social e intelectual, testemunhadas em várias obras literárias que publicou, quase sempre sob a forma de folhetos, que se vendiam como “livros de cordel” (2).


«Camara optica, onde as vistas ás avessas mostrão o mundo a's direitas»
por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de J.F.M. de Campos, 1824

Uma das mais célebres será «O Balão aos Habitantes da Lua» (1819). Desta obra deixo aqui o seu prólogo:

PRÓLOGO

Com a cabeça lá por esses ares
– Cá por certas razões particulares –,
A fazer um Poema corri pronto,
Mas fiquei ainda mais aéreo e tonto!
E talvez que saísse limitado,
Pelo fazer no ar muito apressado:
Que feito ser não pode com assento
Tudo o que tem no ar o fundamento.
Agora, qual Balão que atrai o povo,
Eu me apresento ao público de novo:
Subindo pouco e pouco sem perigos,
Na lembrança entrarei dos meus Amigos,
Dos meus Apaixonados, meus Leitores,
Dos Assinantes meus e mais Senhores
Que em Belas-Letras são do meu partido,
Que as minhas Obras têm comprado e lido,
A rogar-lhes, pedindo acolhimento,
– Ou me encontrem ou não merecimento –,
Para que o meu Poema gasto seja
E produza uma cousa que se veja.

Ou papel ou metal, tudo convém
Apesar do defeito que ambos têm:
Que o dinheiro papel, que nos consome,
Qualquer vento que vem o leva e some;
E o metal, que em despesas o consumo,
É um ar que lhe dá, torna-se em fumo!

Mas deixando o que já não tem melhora,
Da Máquina tratar pretendo agora.
Notei que ela subiu com gravidez,
Que teve o bom-sucesso nesse mês:
Sem parteira ou parteiro, desovou
E os ares de filhinhos povoou;
Pois viram-se, por ópticas lunetas,
Todos eles tornados em Cometas,
Que eram uns Balõezinhos muito anões
Por cima da Travessa dos Ladrões,
No sítio de Pedrouços, em Almada,
No Rossio, Olarias, na Tapada,
Fora alguns que, segundo o que se pensa,
Ficaram afogados à nascença.
Mas visto que esta mãe em tanta lida
Fora no parto seu bem sucedida...
Que muito que eu também deseje agora

Que este Poema tenha boa-hora!
Não se estranhe a prenhez ver-se hoje em macho,
Que igual sucesso nas Gazetas acho:
Pois já houve um rapaz que, sem defeito,
Lhe tiraram de dentro outro sujeito.

Na verdade me vejo confundido
Do que em Lisboa tem aparecido!
Que se mais dez ou vinte anos aturo,
Ainda espero de ver, eu lho seguro,
Que algum, que venha aqui de engenho e arte,
Tente a terra furar de parte a parte,
Para ouvir os Antípodas falar
E podermos com eles conversar.
Empreende-se ir além das nuvens rotas!
Em vez de botes, navegar em botas!
Uns cumprem o que dizem, outros não,
No entanto, haja prazer, viva a função!

Mas entre tudo quanto se tem feito,
Subir ao ar merece algum respeito:
Pois não é cousa pouca em quem se anima
A andar de guarda-costa lá por cima.
Porém talvez mais útil se fizesse,

Se caça nos piratas dar pudesse:
Ora descendo ao mar, ora subindo,
E onde quer que os achasse, ir-lhes caindo,
Qual falcão, vendo a lebre, aceso em fogo.
Que em cima. como um raio, lhe cai logo,
A dispersar aquela cruel praga
Que o Comércio do mundo estorva e estraga!
Fúrias que de veneno são nutridas,
Que aos Navegantes roubam, tiram vidas.

O meu herói brilhar deve na História
Ir o seu nome ao Templo da Memória;
Confessar lhe devemos a destreza,
O grande arrojo, a impávida afouteza;
E o seu merecimento abalizado
Seja ao Globo em meus versos decantado.


Argumento

Matemáticos pontos combinando,
Tendo por base a grande Astronomia,
Um Génio, que não tem nada de brando,
Projecta ir ver o Sol, fonte do dia:
Em pejado Balão vai farejando,
Subindo mais e mais como devia;
Divisa a Lua, mete-se por ela,
Pasma de imensas cousas que viu nela.


Foi promovido a Major da Legião Nacional do Paço da Rainha. Gozando da protecção do Intendente-Geral Pina Manique empenhado em manter a ordem social e reprimindo os ideais iluministas da Revolução Francesa, que perseguira Bocage como já vimos.
Ontem, como hoje, ter uma “boa protecção” era meio caminho andado para a fama ... se houvesse alguma arte também ajudava!
Atentemos no percurso destes dois homens, enquanto o “protegido” via a sua obra ser divulgada e apadrinhada o “crítico” e, sobretudo, de “ideias arrojadas e perigosas” era, ou tentava ser, repelido. Mas como sempre. a verdadeira arte triunfa: Bocage permanecerá para sempre no universo do nosso conhecimento, enquanto José Daniel Rodrigues da Costa talvez não esteja esquecido precisamente por Bocage ter existido.


«Camara optica, onde as vistas ás avessas mostrão o mundo a's direitas»
por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de J.F.M. de Campos, 1824



Bibliografia activa:
(textos disponíveis on-line na «Open-Library – beta»)

Jantar imaginado, com sobremeza, café e palitos, dado em meza redonda na casa de pasto do Desejo, sendo cozinheiro o Pensamento, e freguezes Gente de diversos paladares por José Daniel Rodrigues da Costa
Na impressão de João Nunes Esteves ..., 1826

Portugal convalescido pelo prazer que prezentemente disfruta na dezejada, e feliz vinda do seu amabilissimo monarcha o Sr. D. João VI. e da sua augusta familia por José Daniel Rodrigues da Costa
Na typografia Lacerdina, 1821

Na chorada perda do excellentissimo senhor D. José Thomaz de Menezes por José Daniel Rodrigues da Costa
Na typografia Nunesiana, 1790

Novidades da corte por José Daniel Rodrigues da Costa
Na offic. de Antonio Rodrigues Galhardo ..., 1777

Gemidos da tristeza na lamentavel perda de S.A.R. o senhor D. José, Principe do Brazil por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1788

Embarque dos apaixonados dos francezes para o hospital do mundo por José Daniel Rodrigues da Costa
Na offic. de Simão Thaddeo Ferreira, 1808

Silva por José Daniel Rodrigues da Costa
Na offic. de Antonio Rodrigues Galhardo ..., 1777

Ecloga, primeira parte, Jozino, e Darcia por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Francisco Borges de Sousa, 1784

Qualidades de amigos e mulheres para o acerto dos homens por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Domingos Gonsalves, 1782

Saudades dos pastores por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Domingos Gonsalves, 1781

Modas do tempo descubertas na quarta parte dos Ópios por José Daniel Rodrigues da Costa
Na offic. de Simão Thaddeo Ferreira, 1788

Egloga a primavera de Portugal reproduzida nos serenissimos senhores Infantes por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Filippe da Silva e Azevedo, 1785

Ecloga, primeira parte por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Domingos Gonsalves, 1780

Ecloga, segunda parte por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Domingos Gonsalves, 1780

O dependente feliz nas desordens da vida por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1782

Jogo dos dotes, para recreio das sociedades, em que se tirão lindas sortes em verso por José Daniel Rodrigues da Costa
S.T. Ferreira, 1802

Camara optica, onde as vistas ás avessas mostrão o mundo a's direitas por José Daniel Rodrigues da Costa
Na officina de J.F.M. de Campos, 1824

Barco da carreira dos tolos por José Daniel Rodrigues da Costa
Typ. de E.J. da Costa Sanches, 1850

Esperança realisada na feliz e desejada vinda do Sereníssimo Senhor Infante Dom Miguel ao Reino de Portugal por José Daniel Rodrigues da Costa
Impr. Regia, 1828

Saudações bibliófilos e votos de um excelente 2010!


(1) Consulte-se: José Daniel Rodrigues da Costa e veja-se o que sobre ele escreveu o nosso bibliógrafo Inocêncio Francisco da Silva.

(2) A designação de “livro de cordel” era dada pelo tipo de cozedura simples no folheto quando apresentava mais que um fólio impresso, e por serem normalmente vendidos em feiras de rua pendurados em cordéis, como num estendal, não de roupa, mas de folhetos. Também, eram vendidos pelos cegos ...

3 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Rui,
Son muy interesante las confrontaciones que se dan entre poetas, parece ser que peleando es cuando aflora lo mejor de su ingenio.

Feliz MMX.

Rui Martins disse...

Marco
Espero que tengas leído algunos de los folletos, pues son importantes para se hacer una idea de este periodo de nuestra literatura.
José Agostinho de Macedo e Luis Raphael Soyé, sobre quien ya escribí, también hacen parte de esta misma época…
Saludos bibliófilos

Galderich disse...

Rui,
Las peleas entre intelectuales se producen en todas las épocas. El pastel es grande y muchos para repartir...
Curioso el prólogo de la Luna y la Camara Optica como literatura de cordel. Un buen folleto con una excelente y bastante exacta representación de lo que eran.
Bon Any!