AMADO, Jorge – O Mundo da Paz. União Soviética e Democracias Populares.
Rio de Janeiro: Vitória, 1951. 410 pags.
Sobre este livro veja-se o que Jorge
Amado escreveu:
“Passei o inverno de 1948-1949 na
União Soviética, a convite da União dos Escritores Soviéticos; visitei nos últimos
dois anos, vários países de democracia-popular: a Tchecoslováquia, a Polônia, a
Hungria, a Rumânia, a Bulgária. Junto neste livro algumas observações feitas
por mim no decurso dessas viagens. Não se trata nem de um livro de ensaios, nem
de um estudo político, tão pouco de um volume de reportagens. São simples notas
de viagem, despretensiosas. Escrevi estas páginas pensando no meu povo
brasileiro, sobre a qual uma imprensa reacionária e vendida ao imperialismo
ianque vomita, quotidianamente, infâmias e calúnias sobre a URSS e as
democracias populares. O povo brasileiro não deseja a guerra e luta contra os
que a querem provocar. Escrevendo este livro, anotações sobre a vida dos povos
soviéticos e dos povos das democracias populares – pretendi colaborar para o
restabelecimento da verdade e para mostrar como o trabalho construtivo da URSS
e das democracias populares interessa ao mundo inteiro, é fator essencial na
defesa da paz. Sentir-me-ei alegre se este meu livro for útil à luta do povo
brasileiro contra o imperialismo ianque, pela sua libertação nacional e pela
paz. Como uma contribuição à luta pela paz eu o escrevi e como homenagem de um
escritor brasileiro ao camarada Stálin, no seu 70º aniversário, sábio dirigente
dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra”
Escrito no Castelo da União dos Escritores Checoslovacos, em Dobris,
de Dezembro de 1949 a Fevereiro de 1950, o livro teve a sua 1ª edição pela
Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1951, 410 páginas e chegou à 5ª edição,
quando o autor não mais permitiu a sua reedição.
Bacharel em Direito, 1935, mas nunca exerceu a profissão de
advogado
Jorge Amado e a sua esposa Zélia Gattai conheceram o território
soviético como convidados da União dos Escritores Soviéticos, entre Dezembro de
1948 e Janeiro de 1949. Os dois viajantes estivam, muito provavelmente, entre
os primeiros brasileiros que visitaram aquele país após a Segunda Guerra
Mundial. Este provável pioneirismo aparece nas memórias de Zélia Gattai, quando
relembrou que até 1948: “pouquíssimos brasileiros haviam visitado aquele país
socialista, e creio que nós éramos os primeiros a ir, depois do rompimento das
relações com o Brasil, em 1947”.
A referida visita ocorreu, contudo, de maneira extremamente peculiar.
Após a perda dos mandatos dos deputados comunistas brasileiros (na sequência
da instauração de Estado Novo por Getúlio Vargas), Jorge Amado exilou-se
voluntariamente na Europa, onde residiu em Paris, e visitou alguns países das
chamadas Democracias Populares e principalmente a União Soviética.
Realizou uma segunda viagem em
circunstâncias completamente diversas. Jorge Amado e Zélia Gattai, na época a
residir na Checoslováquia, tornaram a viajar a pátria soviética em 1951. O
casal Amado embarcou em Praga com o objectivo de gozar um período de férias em Moscovo.
A ideia da viagem partiu do romancista russo Ilya Ehremburg, que sugeriu o
repouso por achar Jorge Amado muito abatido no árduo trabalho de redacção do
seu livro naquele período, Os Subterrâneos
da Liberdade.
Em 1952 Jorge Amado viajou pela
terceira vez à União Soviética. Um companheiro de viagem salientou a
familiaridade de Jorge Amado com os soviéticos e a cordialidade com que era
recebido nas entidades de escritores soviéticos. Ainda residindo na Europa,
viajou com o objectivo de receber o Prémio
Estaline, que lhe fora concedido em Dezembro de 1951.
Jorge Amado em Moscovo
©http://www.falandorusso.com/jorge-amado-na-cidade-do-premio-stalin-da-paz/
Jorge Amado utilizou o seu relato de viagem para produzir uma
imagem da União Soviética como “baluarte
da paz mundial” e de Estaline como um génio que guiava os povos na luta
pela paz. A descrição de Amado sobre o pacifismo soviético pode ser melhor compreendida
se considerarmos as tensões geradas pela Guerra Fria. A manutenção da paz
mundial também foi um tema importante tanto para o mundo capitalista como para os
países de influência comunista.
O discurso contido neste seu relato de viagem, deve ser encarado
como o de um militante político que acreditava naquilo que estava a descrever e
não apenas como um texto produzido por um escritor como instrumento de um
eficiente trabalho de propaganda.
Após os ataques feitos por Nikita
Kruschev a Estaline e à orientação que, sob a sua direcção, o Partido Comunista
adoptou à frente da União Soviética, o escritor brasileiro continuou a defender
o socialismo, porém distanciou-se da política partidária e nos seus livros
deixou de construir personagens com actuação revolucionária partidária. Não voltou
a permitir a reedições de O Mundo da Paz, mas manteve os outros livros
de cariz militante – como Seara Vermelha e
a trilogia Os
Subterrâneos da Liberdade, entre outros, no seu catálogo.
Por causa deste livro, em 1951,
Jorge Amado foi processado por infringir a Lei de Segurança, medida que se
estendeu aos editores e às livrarias que exibiram o livro. Após o retorno de
Jorge Amado ao Brasil, em Maio 1952, foi reactivado o processo contra a
publicação do livro, quando o autor foi defendido pelos advogados João
Mangabeira e Alfredo Franjan.
O juiz arquivou o processo,
alegando que o livro era sectário e não subversivo. Foi traduzido para o checo
e o capítulo Albânia é uma festa veio
a ser lançado em livro separadamente e editado em albanês, eslovaco, francês,
polaco e checo.
Edição, em separado, do capítulo do livro dedicado
a Albânia
Mas vejamos um pouco do seu
enquadramento político, para se ter uma visão mais correcta do significado deste
livro na vasta bibliografia de Jorge Amado.
Jorge Amado
Inicialmente as obras de Jorge
Amado tinham um cunho por demais evidente do seu posicionamento político e
militante na defesa dos mais desfavorecidos e na abordagem de temas com eles
relacionados.
É o período de obras que ficaram
na memória de todos os seus leitores, e que são património da literatura
brasileira, como O
país do carnaval, de 1931, livro que conta a história de um jovem,
Paulo Rigger, perplexo diante das dificuldades do mundo e ainda indeciso quanto
ao caminho a tomar. O Brasil começa a aparecer com mais nitidez no seu segundo
romance, Cacau,
que descreve a dura vida dos trabalhadores das plantações de cacau da vila de
Pirangi, na região de Ilhéus, Baía, de 1932. Em 1934, quando lança Suor,
desloca a análise da vida no campo para as ruas das cidades — no caso, a cidade
de Salvador. O romance conta a vida miserável de moradores de um sobrado do
bairro histórico do Pelourinho. Publicado em 1935, Jubiabá reafirma, ainda com mais força, que o
espírito lutador do brasileiro desemboca, necessariamente, na rebeldia e, logo
depois, no combate e na luta política. No romance, o herói António Balduíno
leva uma vida de malandro típico, boémio e arruaceiro. Em 1936, o romance Mar morto é outro exemplo da relação
íntima entre Jorge Amado e o seu país. Cada vez que escreve sobre si, ele
escreve sobre o Brasil, Nova viragem se dá quando, em 1937, Jorge Amado publica
Capitães da
Areia, livro em que os personagens são meninos abandonados, que
vagueiam pelas ruas da cidade, que lutam para sobreviver.
Escrito em 1943, Terras do
sem-fim faz uma dura descrição da vida miserável nos grandes
latifúndios da Baía. São Jorge dos Ilhéus, de 1944, também trata
das disputas políticas, em um cenário dominado pelo regime de semi-escravidão.
Escreve ainda livros de grande importância histórica, embora de menor valor
literário, como O
cavaleiro da esperança, biografia do líder comunista Luís Carlos Prestes, em que trabalhou
no ano de 1945, durante um breve exílio na Argentina e, depois, no Uruguai. No
mesmo ano, unindo de uma vez a literatura com a política, Jorge se tornou-se
vice-presidente do I Congresso dos Escritores, que fez duras críticas ao Estado
Novo.
Cartaz de propaganda do Estado Novo – Era Vargas
O Estado Novo, ou Terceira República Brasileira, (1) foi o regime político brasileiro fundado por
Getúlio Vargas em 10 de Novembro de 1937, que vigorou até 29 de Outubro de
1945.
Era caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo,
anticomunismo e pelo seu autoritarismo. É parte do período da história do
Brasil conhecido como Era Vargas.
Título de eleitor de Getúlio Vargas
Em 10 de Novembro de 1937, através de um golpe de estado, Vargas
instituiu o Estado Novo num pronunciamento em rede de rádio, no qual lançou um
Manifesto à nação, no qual dizia que o regime tinha como objectivo
"reajustar o organismo político às necessidades económicas do país".
Após a Constituição de 1937, Vargas consolidou seu poder. O governo
implementava a censura à imprensa e a propaganda era coordenada pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Também houve forte repressão ao
comunismo, amparada pela "Lei de Segurança Nacional", que impediu
movimentos revolucionários, como a Intentona Comunista de 1935, durante todo o
período.
1º de Maio – Cartaz propagandístico da Era Vargas
Com o termo da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com os países fascistas
vencidos, o povo passou a criticar mais abertamente o governo ditatorial de Getúlio
Vargas, e em conjunto vários intelectuais, artistas e profissionais liberais
passaram a exigir o retorno da democracia e da liberdade ao país.
O povo pedia a renúncia de Getúlio Vargas, até que, em 29 de Outubro
de 1945, um movimento militar chefiado por generais o afastou do governo.
Manchete sobre Renúncia de Getúlio Vargas
O poder ficou, temporariamente, sob a responsabilidade do Dr. José
Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, pois na Constituição de 1937
não existia vice-presidente. Este permaneceu no cargo durante o período de três
meses, quando então transmitiu o comando ao general Eurico Gaspar Dutra,
Presidente escolhido no dia 2 de Dezembro de 1945.
Manchete do suicídio de Getúlio Vargas
Ainda nesse ano, com o fim do
Estado Novo, tornou-se deputado federal pelo PCB e casou-se com Zélia Gattai.
Cartaz da campanha pelo PCB em São Paulo em 1945
Ainda de acordo com CASTELLO, José – Jorge Amado e o Brasil, transcrevo:
“Essa radicalização política de sua
literatura se prolonga durante o exílio de Jorge e Zélia em Praga, na
Tchecoslováquia, no início dos anos 1950, quando escreveu O mundo da paz, livro de
reportagens sobre o socialismo. Até que, em 1954, pouco depois de publicar os
três volumes de Os subterrâneos da liberdade — romance ambientado na resistência
ao Estado Novo — Jorge viveu um grande golpe pessoal. Naquele ano, durante o XX
Congresso do Partido Comunista Soviético, o secretário-geral do partido, Nikita
Khruchióv (1894-1971), denunciou publicamente as atrocidades cometidas pelo
ditador Iossif Stálin, que esteve no poderde 1922 até 1953, ano de sua morte. A
revelação foi uma grande decepção para Jorge — que em 1951 recebera, em Moscou,
o Prémio Internacional Stálin.
José Estaline (2) em 1945.
Uma radical metamorfose íntima o
afastou então de uma visão internacionalista, pautada pela doutrina do
comunismo, e o aproximou ainda mais do Brasil e da realidade brasileira,
ampliando seu olhar sobre nosso país. Essa reviravolta se refletiu, cinco anos
depois, no romance Gabriela, cravo e canela, livro que marca sua ruptura com
uma visão mais ortodoxa do mundo e que foi um de seus maiores sucessos
internacionais.
[…]
Em 1961, mais próximo ainda das
coisas brasileiras, Jorge Amado foi eleito para a Academia Brasileira de
Letras. Em 1964, com Os pastores da noite, a presença do candomblé e do
misticismo afro-brasileiro se tornam ainda mais presentes em sua literatura. Se
com Gabriela
ele
reforça as tintas no retrato de um Brasil sensual e otimista, habitado por
gente que tem uma alegria absolutamente indiferente às contingências sociais,
em Os pastores ele volta a enfatizar a figura de um país no qual o
espiritualismo e a religiosidade se agigantam. As forças místicas e irracionais
se tornam, em definitivo, mais potentes que as circunstâncias sociais e
políticas. Mas é com a publicação de Dona Flor e seus dois maridos, em 1966, que
Jorge Amado se consagra de vez como o grande retratista do Brasil. Com uma
tiragem inicial de 75 mil exemplares, o romance o consagra também como um
fantástico vendedor de livros
[…]
As traduções no exterior ajudaram a
aproximar as imagens de Jorge Amado e do Brasil. Já em 1937, aos 25 anos, mesmo
ano em que o Estado Novo queimou seus livros em praça pública, teve dois de
seus primeiros romances, Suor e Cacau, traduzidos para o russo.” (3)
Da análise, ainda que muito breve do seu percurso literário e,
sobretudo da sua militância política, poderemos concluir que este livro, era um
“verdadeiro hino panegírico ao estalinismo” já não tinha lugar na sua
bibliografia “oficial”, pois a sua posição política modificara-se e o livro –
diga-se em abono da verdade pobre em estilo – não tinha qualquer razão de ser
reeditado.
Claro que ele reflecte o espírito do militante comunista perfeitamente
enquadrado no espírito vigente nesses anos de apoio incondicional a Estaline e
ao repúdio de todos os seus “detractores”
Mas mesmo os grandes escritores cometem “erros”, e este é, em minha
opinião, o de Jorge Amado.
Mas claro que isso não lhe retira qualquer um dos seus muitos méritos
que o colocam como um dos maiores escritores de língua portuguesa e da América
Latina.
E já que falamos de obras “proscritas” pelos seus autores, convirá não
esquecer que O país do carnaval não foi
o primeiro livro escrito por Jorge Amado, mas sim: “Lenita, novela escrita por Jorge Amado,
Dias da Costa e Edison Carneiro, em sua juventude, publicada em folhetim em
1930 n’O Jornal, de Salvador (4), e um ano depois em volume pelo editor A. Coelho
Branco Filho, no Rio de Janeiro. (…)
AMADO, Jorge et al. – Lenita
©Acervo
da Fundação Casa de Jorge Amado
Durante as atividades desenvolvidas
como pesquisador da Fundação Casa de Jorge Amado no ano de 1989, sendo o
responsável pela localização e coleta de todo material escrito por Jorge Amado
ou sobre ele, com intuito de copiar, fotografar os referidos textos encontrados
nos arquivos públicos ou particulares, além de aquisição das primeiras edições
nos sebos e em poder de colecionadores, para serem encaminhados ao DPDOC
(Divisão de Pesquisa e Documentação) da FCJA, responsável pela guarda,
conservação, organização e divulgação do acervo Jorge Amado, tive a
oportunidade de ter em mãos inúmeros documentos do início da carreira (3(do grande romancista baiano.(…)
Encontrar um exemplar dessa novela
hoje seria um grande achado. É considerada uma preciosidade para
colecionadores. Alguns dos raros exemplares de Lenita ainda sobrevivem na
Bahia, certamente não são muitos. Tenho conhecimento da existência de pelo
menos três exemplares da única edição de A. Coelho Branco Filho, 1931: um
pertencente ao professor e acadêmico Waldir Freitas Oliveira; outro que se
encontra no acervo de obras contemporâneas especiais do CEDIC – Centro de
Documentação e Informação Central sobre a Bahia da Fundação Clemente Mariani e
finalmente a edição pertencente a Jorge Amado que hoje faz parte do acervo da
Fundação Casa de Jorge Amado. Waldir Freitas afirma da existência de mais dois
exemplares da novela, um em poder do médico Newton Bastos, filho do poeta
Elpidio Bastos, membro de grupo modernista baiano – Poetas da Baixinha, e outro
em mãos de familiares do saudoso acadêmico Waldemar Matos.” (5)
Saudações bibliófilas.
Bibliografia consultada:
(e de leitura sugerida pela sua
importância):
(1) O Estado Novo (Brasil) – Wikipedia
(2) Josef Stalin – Wikipedia
(3)
CASTELLO, José – Jorge Amado e o Brasil in Caderno de Leituras
CRISTALDO, Janer – Engenheiros
de Almas - O stalinismo na literatura de Jorge Amado e Graciliano Ramos. 129
pag.
(4) Esta novela foi publicada, em
folhetim, com o título primitivo de “El-Rei...”, n’ “O
Jornal”, da Baía, em Abril de 1930, e assinada com os
pseudónimos GLAUTER DUVAL, JUAN PABLO e Y. KARL, respectivamente, OSWALDO DIAS
DA COSTA, EDISON DE SOUZA CARNEIRO e JORGE AMADO in Acervo da Fundação Casa de Jorge Amado
(5) FRANCISCO, Gil – Lenita, estreia do romancista Jorge Amado in Blogue Jorge Amado (25 de Maio de 2011)
SOTANA, Edvaldo Correa – O relato de Jorge Amado sobre a União
Soviética e a manutenção da Paz Mundial
in ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
http://anais.anpuh.org/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0300.pdf
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