Nas novidades de Outubro de Livraria
do Adro de Miguel de Carvalho, encontrei uma obra que me despertou a
curiosidade.
Trata-se de A
Voz do Propheta de Alexandre
Herculano, pelo que tentei averiguar mais um pouco sobre ela.
Alexandre Herculano
É do resultado deste breve estudo
que aqui deixo alguns apontamentos.
12464. HERCULANO, Alexandre – A Voz do Propheta. Ferrol (no verso Imprenta de Espeleta calle de la Union, Nº 57), 1836 e Lisboa, Typ. Patriótica, 1837. Dois opúsculos in-8º de 35 e 32 págs. Brochuras. Folhas com marens desencontradas.
Raríssimo quando acompanhado das duas partes.
PRIMEIRA EDIÇÃO com capas de brochura.
Preço: 450,00€
Obra de grande impacto na época.
Obra poética em molde de manifesto, influenciada pelas Paroles
d'un Croyant de Lamennaisque
e foi publicada anónimamente,com propósitos panfletários contra a revolução
setembrista chefiada por Passos Manuel.
Como se depreende do título, o
sujeito poético assume-se como Voz da Humanidade, dirigindo-se à Pátria na
qualidade de defensor da Justiça e da Moral.
O primeiro opúsculo tem indicação de ter sido impressa em Ferrol, na
Galiza, o que, segundo os bibliógrafos do escritor, não é seguro que tenha
acontecido.
O Páteo do Gil na Rua S. Bento (já desaparedido)
(onde viveu a família e aqui nasceu Alexandre Herculano)
Aliás, Alexandre Herculano já se interrogara sobre o rumo da
literatura portuguesa quando escreveu, e psso novamente a citar:
“Alexandre Herculano não se furtou a
tomar parte nessa enorme tarefa. De imediato, preocupado com os rumos da
literatura portuguesa, procurou expressar a nova concepção estético-literária
do Romantismo em dois importantes artigos – “Qual é o estado da nossa
literatura? Qual é o trilho que ela hoje tem a seguir?” (1834) e “Poesia:
Imitação – Belo – Unidade” (1835) – ambos publicados no periódico quinzenal O Repositório Literário (1834-1835),
da cidade do Porto.” (1)
Do ponto de vista formal, A Voz do Propheta constitui um dos raros
exemplos de utilização do verso branco ou de prosa bíblica do Romantismo
português.
Gravura alegórica da Carta Constitucional de 1826
“Em
novembro de 1836, com apenas vinte e seis anos de idade, o escritor Alexandre
Herculano de Carvalho e Araújo aparece propriamente para a literatura
portuguesa. Sua estreia literária, marcada por um típico succès de scandale,
deu-se através da publicação da primeira série de textos de um panfleto, de nítido
teor político-messiânico, que ficou conhecido com o sugestivo nome de A voz do
profeta.2 Em fevereiro do ano seguinte, sairia a segunda série3 juntamente com
uma nova edição da primeira série,4como prontamente se apressava em informar ao
público o seguinte anúncio do Diário do Governo, de 21 de fevereiro de 1837:…”
(1)
Esta obra é um ataque panfletário à Revolução de Setembro de 1836. (2)
O movimento teve origem em
Lisboa, onde em Outubro de 1836 desembarcavam os deputados eleitos no Norte.
Por essa altura já tinham sido
publicados vários folhetos e jornais a pregar a revolução e a atacar o governo
cartista, pelo que a população lisboeta, em geral, já tinha tomado conhecimento
do que estava prestes a acontecer e acolheu o movimento de braços abertos.
Quando os deputados desembarcaram, uma enorme multidão foi ao seu encontro.
Capa e primeira página do original da Constituição
de 1822
Pouco depois, gritava-se pela Revolução, pela Rainha e pela Constituição de
1822 e contra o Governo. Isto ocorreu a 9 de Setembro. A Rainha e o Governo,
sem meios para combater a revolução (já que a Guarda Nacional apoiava também
ela própria o movimento), entregou o poder aos representantes do Setembrismo.
Eram eles Vitório de Sousa Coutinho,
conde de Linhares, Sá da Bandeira e Passos Manuel. Nenhum deles tinha
participado na revolução propriamente dita, mas afiguravam-se como os mais
brilhantes e populares defensores das ideias setembristas.
Passos Manuel, o principal obreiro da Revolução de
Setembro.
A Revolução de 9 de Setembro foi uma das poucas revoluções na
História de Portugal que começou como um movimento estritamente civil e
popular, e que só depois recebeu adesão militar, por parte da Guarda Nacional.
“Por
sua conta, os setembristas, como ficaram conhecidos os membros da facção
revolucionária, assim que foram alçados ao poder, com Passos Manuel à frente do
Ministério do Reino, aboliram a Carta Constitucional, impondo ao país a adoção
imediata da Constituição democrática de 1822, o que, de fato, aconteceu ainda
no dia 10. No dia seguinte, a rainha, acompanhada do marido, o Príncipe D.
Fernando, dirigiu-se aos Paços do Concelho para jurar o texto constitucional
que fora restabelecido. Com algumas linhas de dramaticidade literária, Oliveira
Martins (1996, p. 62) observa que “a mão da rainha hesitava, tremia, ao assinar
o papel”, para, em seguida, rematar: “e que não admira. Esse decreto
reduzia-lhe a Coroa a coisa nenhuma; tirava-lhe o direito do veto e todos os
direitos soberanos”. (1)
Rainha D.ª Maria II
Podemos enumerar como causas para
o se desencadear: a miséria de boa parte do povo operário; a dependência em
relação à Inglaterra; a concentração do poder político e económico numa
burguesia limitada, predominantemente rural; o cariz fortemente antidemocrático
do cartismo e da Carta Constitucional; e a revolução em Espanha de 1836, embora
todo o processo político seja muito mais complexo.
Alexandre Herculano
Alexandre Herculano, cartista assumido, não aceitou esta
alteração e: “Será, portanto,
neste conturbado contexto histórico-político da vida portuguesa que o liberal
cartista Alexandre Herculano, descontente com a orientação setembrista,
escreverá e publicará A voz do profeta.
Inicialmente, como era funcionário público, ele se recusou veementemente a
jurar a Constituição vintista, e, como forma de protesto, pediu demissão
sumária do cargo, que ocupava desde 1833, de segundo bibliotecário da
Biblioteca Pública do Porto. Em carta, datada de 17 de setembro de 1836,
ende-reçada a Manuel Pereira Guimarães, então presidente da Câmara Municipal do
Porto, Herculano (s.d, p. 178-179) justifica sua decisão, alegando sua inteira
fidelidade à Carta:” (1)
No entanto, ainda que nunca
aceitasse esta situação, Alexandre Herculano, já instalado em Lisboa,
publicaria A Voz do Propheta.
“Pouco tempo depois, já instalado em
Lisboa, e reiterando o seu descontentamento, Alexandre Herculano apresenta ao
país a primeira série de textos de A
voz do profeta. Pode-se mesmo dizer que esta sua obra inicial se
transformou numa espécie de resposta pública à Revolução de Setembro.
Inspirado, notadamente como modelo literário, nas Palavras de um crente, de Lamennais, que, também em 1836, fora
traduzido em Portugal, com evidentes tintas republicanas, por Antonio Feliciano
de Castilho,8 o texto de Herculano, além de se constituir numa espécie de
manifesto teórico do cartismo, apresenta-se também como uma verdadeira réplica
ao padre francês, sobretudo no que se refere às ideias de povo e de soberania
popular.” (1)
LAMENNAIS – Paroles d’un Croyant. Deuxième édition.
Paris, Renduel, 1834 ; in-8 de 2 feuillets non paginés-237-(1) pages,
demi-reliure de l'époque veau fauve, titre et décor aux fers, faux-nerfs et
frises dorés au dos ; tranches jaspées, gardes de papier à la cuve, couverture
non conservée. (eBay)
Espero, com, estas notas, ter-vos
despertado a tenção para a leitura da obra e sobretudo para o estudo deste
período bem conturbado da História de Portugal.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) MARQUES, Wilton José – Alexandre Herculano e A voz do profeta in
Navegações,
Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 40-47, jan./jun. 2012.
(Estudo de que recomendo vivamente a
sua leitura atenta.)
(2) Revolução de Setembro de 1836 –
Wikipedia.
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