"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 11 de dezembro de 2010

Augusto Gil – Balada da Neve




Augusto Gil

Augusto César Ferreira Gil nasceu na freguesia de Lordelo, Porto, a 31 de Julho de 1870; por um acaso, pois a sua mãe  encontrava-se ali acidentalmente. E viria a falecer a 26 de Fevereiro de 1929, em Lisboa.

Passou a infância na Guarda, a "sagrada Beira", de cujo ambiente encontramos reflexos em alguns dos seus melhores versos, e de onde os pais eram oriundos.

Em Coimbra para onde foi cursar Direito na sua Universidade, “havia a mais profunda barafunda no tocante a literatura” – como ele próprio o documenta – desde as lufadas da escola romântica às constantes e curtas novidades “que vinham de França, em caixotes, mensalmente: instrumentismo, simbolismo, decadentismo, neo-religiosismo…”.

Começou a exercer advocacia em Lisboa, mais tarde ingressou no funcionalismo público, onde chegou a ser director-geral das Belas-Artes.


Augusto Gil – O Canto da Cigarra: Sátiras às mulheres.
Lisboa: Empreza d'A Lanterna—Escriptorios, 1910.
In 8º, 148 [3] págs.

Na sua poesia notam-se influências do parnasianismo (sobretudo nos primeiros livros) quer de João de Deus e do seu domínio do soneto, quer de Cesário Verde no tom realista da descrição urbana e no coloquialismo; percebe-se igualmente alguma assimilação dos processos simbolistas (nomeadamente de Verlaine e de Eugénio de Castro). Influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo-romântica nacionalista.

Com efeito, deste encontro de tendências ressalta a sua característica mais pessoal: uma sensibilidade tipicamente portuguesa, de um lirismo terno e suave, atravessando, por vezes, de um humor agreste e sarcástico, traduzido em várias formas de ironia e auto-ironia.

Pode-se afirmar que foi melhor versejador do que poeta, pois é notável a forma e destreza como a quadra popular e o escrúpulo que põe tanto na forma como na metrificação.


Augusto Gil – Avena Rústica
Lisboa, Livraria Guimarães Editora & Cª, s.d. [1927]
1ª edição. In 8º, 126 [1] págs.

As suas produções, entre o sentimental e o naturalista, tornaram-no quase tão popular como Guerra Junqueiro, sobretudo depois da publicação de Luar de Janeiro, livro que teve várias reedições.

Os restos mortais de Augusto Gil repousam num jazigo localizado logo à entrada do cemitério municipal da Guarda, ostentando dois versos de Alba Plena: “E a pendida fronte, ainda mais pendeu.../E a sonhar com Deus, com Deus adormeceu...”


Bibliografia:

Poesia:
Musa Cérula (1894), Versos (1898), Luar de Janeiro (1909), O Canto da Cigarra (1910), Sombra de Fumo (1915), Alba Plena (1916), O Craveiro da Janela (1920), Avena Rústica (1927) e Rosas desta Manhã (1930).

Crónicas:
Gente de Palmo e Meio (1913).


Augusto Gil – Rosas desta Manhã
Lisboa, s.d. [1930],
1ª edição. In 8º, 166 págs.

Estes dias frios, em que tem nevado um pouco por toda a Europa, trouxe-me à memória este poeta que “conheci” ainda nos bancos da escola, mas sobretudo uma das suas baladas mais famosas – Balada da Neve.

Este poema encontra-se inserido no seu livro Luar de Janeiro editado em 1909.


Augusto Gil – Luar de Janeiro.
Lisboa: Empreza d'A Lanterna—Escriptorios, 1909.
In 8º, 111 [3] págs.

No Prefácio Augusto Gil escreveu a propósito deste livro:

“Áquelles que virem, neste volume de liricas, uma reviravolta effectuada sobre a génese d'O Canto da Cigarra objectarei, com antecipada promessa de facil prova, que os dois livros teem uma tão intima ligação como a existente entre os pontos extremos da curva d'amplitude dum pêndulo.

Aos que me censurem pela circumstancia de não ter logrado, na minha subalterna categoria de poeta menor, firmar-me numa posição d'equilibrio estavel, pergunto, em tom humilde, quem é que neste confuso seculo de latente misticismo humanitario, de demolidora negação e d'anciedade conjunctamente afflictiva e sceptica, terá a coragem de dizer que o encontrou—já não quero como artista, porque a esse as influencias ambientes lhe communicam entre-cruzadas e descoordenadas vibrações—mas na propria e mais serena esphera do pensamento. Se algum de vós me retorquir com o eureka do antigo geometra, ou é um sectario, ou um caturra,— ou um simples.
Sabio, como o de Syracusa, é que não é…
Adeante.

Novembro de (1)909.
O auctor”

Quero aqui deixar também as citações de dois autores, que todos conhecemos, sobretudo Paul Verlaine, que tanta influência teve entre nós, com que Augusto Gil antecede a dedicatória do livro.

Que ton vers soit la bonne aventure
Éparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym,
Et tout le reste est litterature.

Paul Verlaine


"Et c'est pourquoi ce livre-ci (qu'il était peut-être bon d'écrire) nous savons, toi et moi, a quels mystérieux balbutiements le réduirait le tête-à-tête — et tout ce que je n'ai pas dit, qu'il ne fallait pas dire. Et tu sais combien de pages menteuses devront, pour des motifs de faiblesse personnelle ou de nécessité invencible, accompagner la bonne page, celle que ce livre encore annonce et ordone — tu sais, tu comprends et tu pardonnes…"

Charles Morice.


Luar de Janeiro

E, aqui vos deixo este poema para leitura, no aconchego da lareira, esperando que ninguém vos bata à porta para interromper a sua leitura.


BALADA DA NEVE


Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.


É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...


Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.


Fui ver. A neve caía


Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!


Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...


 Fico olhando esses sinais



Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...


E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...


Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...


E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.


Espero que tenham gostado desta evocação.

Saudações bibliófilas.

 

3 comentários:

antonio vasco saraiva da silva disse...

Espetaculo
patrimonio da humanidade
que docura que vontade tao grande de poder mergulhar no infinito no interior do mesmo autor
ande estavas tu senhor no dia em que assim escreves-te
qual a semente que te trouxe a este mundo ao ponto de seres imortal e entemporal
quizera que o tempo te leva-se pelo o sono do tempo , mas aquilo que nos deixas-te se tornou alimento eterno
simples para qualquer corpo e necesario ate mesmo ao espirito do homem
sinto as palavras escritas por ti entrarem nas entranhas rompendo as veias e atingindo o meu simples ser
o que vontade tivera eu um pouco de ti para poder ir mais alem
Faz-me falta senhor a sabedoria das tuas palavras
que sentimento tao doentio e nobre que nos deixa a pensar
que loucura escrita em tao poucas linhas nos deixas-te ficar
quero beber do teu dom , mergulhar o teu ser
Por fim dizer , quero nascer de novo para finalmente te compreender


Vasco
suise

Vascosil@live.com.pt

antonio vasco saraiva da silva disse...

E a guarda quem bem nos une pelo o tempo ja nos marca
ama-la para sempre, ate que a morte nos separe
compreendo a razao da tua balada da neve
quem pode esquecer os invernos desta nossa guarda , em que atraves da luz da candeia e a lareira se meditava
precebo atraves deste, o quanto amor te unia a guarda, pois eu tambem amo esta cidade
e para amar a guarda e preciso vive-la e sentir os invernos de autrora
a neve sera sempre a mais bonita, mas o vento e a chuva como esquecer
a imagem desta crianca descalca nos faz recordar o quanto esta cidade fria tem lutado para aqui chegar
esquecida no tempo , mergulhada no interior deste pedaco de portugal por fezes so com a licidez de certa gente se faz saber lembrar
nao nao estamos assim tao longe e portugal e ja aqui, nao somos de terras de espanha , para de nos as gentes se esquecerem
precisamos mais gentes como augusto gil que com as palavras e um grito de revolta consiga colocar no mapa esta nossa guarda
guarda sempre a bem amada sera sempre lembrada por aqueles que aprenderam a curvar-se perante as intemperes do tempo e nunca a esqueceram
o grande guarda forte fria fiel formosa e farta tras para a nossa gente amor e paz
que o anjo da guarda nao nos abando -ne e apenas nos guarde

Nívia Amaral Mares disse...

Vejam que lindo essa senhora recitando Balada da Neve. Emocionante!! Ela é a poesia!!
https://www.youtube.com/watch?v=o6eC6Pb7eng