Numa das minhas últimas a Lisboa
tive ocasião de passar pela Livraria
Artes e Letras – Avenida Elias Garcia, 153 – A | 1049 - 055 Lisboa | Portugal
do meu estimado amigo Luís Gomes e
conversar um pouco com ele.
Livraria Artes e Letras
Como esta questão de amizade não
se mede pelo número de livros que este nos vende ou que eu lhe compro, mas sim pela
sintonia de ideias que partilhamos (pelo menos é essa a minha opinião), fácil
será perceber-se que se falou de tudo um pouco – projectos futuros que germinam
nos nossos horizontes, experiências gastronómicas… e claro que também de
livros!
Luís Gomes
E já que falamos de livros, como
sempre dou uma espreitadela pelo que ele tem nas estantes do seu bom acervo e
descobri (esta é a grande ilusão de qualquer bibliófilo ter a ideia da
descoberta de um livro numa qualquer livraria!) um livrito curioso:
Alberto Pimentel ― Notas sôbre o
Amor de Perdição. Lisboa, Guimarães & C.ª – Editores (68, Rua do
Mundo, 70) 1915. In-8º de 155, [5] págs. Brochura.
Página de referência à 1.ª edição
"O romance Amor de Perdição,
apesar do pálido conceito que dêle fazia o autor, entrou no gosto público e
criou tão fortes raízes, que ainda agora foi reimpresso pela vigésima-primeira
vez. / Em 1862, logo que êle aparece, a crítica dos homens de letras revela-se
em perfeita concordância com a sôfrega procura do mercado. Vinte e nove anos
depois de ter aparecido, uma empresa literária despende oito contos de réis
numa edição monumental. / Mais tarde ainda, primeiro o drama, em seguida a
ópera, redoiram o Amor de Perdição com uma intensa luz de vida e arte e colhem
triunfos não inferiores aos do livro, nem menos ruidosos e espontâneos. /
Finalmente, as traduções espanholas, italiana e suéca são factos demonstrativos
de que o afecto dos portugueses pelo Amor de Perdição não é devido a uma
especial sentimentalidade caseira que outros povos, da mesma raça latina ou de
raça diferente, sejam incapazes de compreender e repercutir.”
Reprodução de páginas do manuscrito original
Capítulos: «Origens do «Amor de
perdição»», «Dedicatória», «O Prefácio», «Acção e personagens», «Ainda o entrecho
e as figuras», «Sensação causada por este livros – Um inquérito», «As edições»,
«As traduções», «O drama», «A ópera», «Ultima nota».
(Texto
descritivo de outro bom amigo o Gonçalo
Rodrigues)
Livro que me trouxe à memória
quando li pela primeira vez o romance – seguramente há perto de 50 anos!
Sinceramente não me recordo com
uma exactidão precisa de todos os pormenores do enredo, mas sim das suas linhas
gerais, mas lembro-me (a minha memória visual é muito boa…) da capa do livrinho
que li na altura.
Amor de Perdição – Capa da brochura do livro que li
Primeiras edições? O que era isso
nessa época!
Li-a o que me caía entre mãos – o
que me ofereciam como prendas pelo Natal e anos, assim como alguns que me
compravam fora destas datas festivas e muitos outros que os meus colegas e
amigos de infância me emprestavam…sempre fui um leitor bastante ecléctico!
Algumas edições passaram pelas
minhas mãos, claro que também a 1.ª edição, mas nenhuma me fez esquecer aquele
primeiro livrinho que li!
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco,
filho ilegítimo de Joaquim Botelho e de Jacinta Maria,
nasce em Lisboa, a 16 de Março de 1825
Mas voltemos ao Amor de Perdição e relembro convosco o
seu enredo (e esta foi uma forma de o recordar):
Simão Botelho era filho do
corregedor Domingos Botelho, tinha um irmão mais velho, Manuel, com quem tivera
algumas desavenças, e irmãs mais novas. A sua mãe chamava-se Rita e por vezes
tinha uma atitude de soberba.
Capa de brochura de Amor de Perdição
Simão era um jovem que
envergonhava a família porque as suas amizades eram apenas com aqueles que
pertenciam às classes mais pobres e de comportamento duvidoso, o que desgostava
muito a seus pais.
Porém, passado um tempo Simão
mudou totalmente; deixou de sair de casa, as suas más amizades findaram, as suas
desordens também e passava os seus dias em casa junto com a sua irmã Rita.
Capa de brochura de Amor de Perdição
Esta mudança no comportamento
dele devia-se à sua paixão por Teresa Albuquerque, filha de Tadeu Albuquerque.
Simão e Teresa eram membros de famílias rivais, que se tinham apaixonado. Moravam
em casas vizinhas em Viseu. Os jovens apaixonados, logo perceberam a
impossibilidade da realização desse amor por meio do casamento, pois as suas
famílias eram inimigas.
Não demorou a que começassem a
sentir ódio pelos seus pais, no entanto mantêm um namoro silencioso através das
janelas próximas. Ambas as famílias, desconfiadas, fazem tudo para combater
esta união amorosa.
Tadeu de Albuquerque, pai de
Teresa, ao descobrir o romance, trata de prometer a mão de sua filha a seu
sobrinho Baltasar Coutinho. No entanto, a filha negou-se, até pelo facto de o
seu primo a aborrecer muito, pelo que começaram então as ameaças a Teresa,
casava-se ou não seria mais considerada filha, seria mandada para um convento.
Capa de brochura de Amor de Perdição
Na casa de Simão, o pai, muito
irritado com aquela paixão resolve pôr fim ao romance entre seu filho e Teresa,
enviando o jovem Simão a Coimbra para concluir os seus estudos e, deste modo,
pretendia sufocar o amor dos jovens pela distância.
Simão, enlouquecido pela saudade
de sua amada, decide ir a Viseu encontrar-se com Teresa. É hospedado pelo
ferreiro João da Cruz, homem destemido, forte e fiel que devia favores a seu
pai. Após uma tentativa falhada de se encontrar com Teresa Simão sai ferido. O
rapaz busca refúgio na casa de João da Cruz para recuperar, dos ferimentos. Os
amantes ainda mantinham comunicação por meio de uma velha mendiga que passava
com frequência sob a janela do quarto de Teresa. Para castigar a filha, Tadeu
de Albuquerque decide mandá-la para um convento do Porto. Porém Antes a jovem é
recolhida num convento na própria cidade de Viseu, enquanto Tadeu aguardava a
resposta do Porto.
Em Viseu, na casa do ferreiro,
Mariana, filha do ferreiro acaba por se apaixonar por Simão, amor esse que ela
não revela. Amor escondido, platónico e de uma dedicação extrema.
A morte de Baltasar Coutinho – Ilustração de Amor de
Perdição
Simão ao tomar conhecimento dos
factos, fica furioso e, num acesso incontido de raiva, decide tentar raptar
Teresa. O jovem defronta-se com Baltasar, na tentativa de resgatar Teresa.
Mesmo diante de várias testemunhas o jovem Simão atinge Baltasar com um tiro
mortal. Simão é preso e condenado à morte. Porém, devido à interferência do
corregedor Domingos Botelho, pai de Simão, a pena é convertida ao degredo nas
Índias. A sentença do desterro sai, Simão é condenado a ficar dez anos na
Índia.
Teresa começa a ter a sua saúde
abalada, cada vez mais triste e magoada, parece ter perdido a vontade de viver.
Ao embarcar rumo à Índia, Simão
vê, pela última vez no mirante do convento Teresa. Também Teresa contempla o
navio que levava seu amado. Logo após, Teresa morre.
A morte de Teresa de Albuquerque – Ilustração de
Amor de Perdição
Simão, antes de seguir seu
destino, toma conhecimento da morte de Teresa e segue rumo ao degredo. Relê as cartas
de Teresa enquanto o seu corpo é consumido pela morte. Alguns dias após o
início da viagem, Simão adoeceu, tinha febres e delírios, Simão morre.
Mariana, não resistindo à perda
de Simão, no momento em que vão lançar o corpo ao mar, lança-se ao mar também.
É sem dúvida um dos romances mais
românticos e trágicos do romantismo português com o seu enredo shakespeariano a
lembrar o de Romeu e Julieta – sem que
com isto queira tirar o mérito ao ilustre romancista, nem que o livro seja
decalcado deste enredo.
Uma das raras imagens de Ana Augusta Plácido,
depois Pinheiro Alves,
quando era ainda muito jovem.
Foi com Ana Augusta Plácido, que teve o seu grande envolvimento
amoroso, mas, por imposição paterna, esta casa-se com um rico comerciante “brasileiro” que regressa de viagem
(Manuel Pinheiro Alves), o que origina em Camilo uma profunda depressão e
aversão a figuras de portugueses enriquecidos no Brasil que regressavam sem
cultura nem princípios morais, como ele os caricatura em muitas das suas
novelas, apresentando-os como figuras grotescas.
Cadeia da Relação do Porto – Interior
Ana Augusta Plácido deixa o marido para viver com o amante, o que era
nesse tempo um escândalo passível de acção judicial. O escândalo traz notoriedade
a Camilo. O casal, perseguido pela justiça, passa algum tempo fugitivo,
escondendo-se em vários lugares, até que os dois amantes se vêem forçados a
entregar-se à prisão (Ana em Maio e Camilo em Outubro). Acusados de adultério,
ambos, são remetidos para a Cadeia de Relação do Porto.
Cela onde esteve Camilo Castelo Branco
©blog A Vida em Fotos
O cárcere durou um ano e dezasseis dias, período em que recebe a
visita do rei D. Pedro V. Aqui, Camilo ocupou o tempo a escrever, entre outros
escritos, num momento psicológico de alta tensão trágica, em quinze dias, o Amor de Perdição (1862), baseado em
factos reais da sua história familiar – o seu tio paterno Simão António Botelho,
mas largamente coloridos pela mestria da sua pena do escritor – onde a
realidade se confunde com a imaginação do autor que está a viver o que o seu
antepassado terá também sofrido.
in D. Pedro V, Um
Homem e Um Rei (Ruben Andresen Leitão, 1950)
Julgados em tribunal, acabaram por ser absolvidos do processo porque o
marido de Ana Plácido morrera e, portanto, terminara o crime de adultério. Passaram
a viver juntos, finalmente.
Página de Alberto Pimentel ― Notas sôbre o Amor de Perdição.
Claro que não vou deixar passar esta conversa sem uma referência à sua
1.ª edição e à mais bela encadernação que vi (infelizmente só em fotografia)
desta obra importante do nosso panorama literário (hoje um pouco relegada para
seguindo plano, assim como toda a obra deste talentoso escritor)
Castelo Branco (Camilo) – Amor de Perdição (memórias d'uma família).
Porto; Em Casa de N. Moré - Editor. 1862. In-8º gr. de XI, 249 p. il. - Encadernado.
Raríssima primeira edição do mais popular romance de Camillo.
"A novela de paixão amorosa mais intensa e profunda que se tenha
escrito na Península" .
Unamuno.
Chamo especial atenção para a maravilhosa encadernação inteira em
marroquim verde, com lindíssimo e original trabalho a ouro nas pastas, lombada
e seixas. Corte das folhas impecavelmente douradas. (encadernador francês?)
Ex-libris, na folha de guarda, do conhecido bibliófilo Emílio
Monteiro. Sem capas de brochura, e discreta assinatura da época. Muito limpo e
muito bem conservado. Exemplar muito atractivo.
Magnífica Peça de Colecção.
©Gabriela Gouveia
– Livros Antigos (28/05/2015)
E assim desta conversa entre amigos, de um livrito (sem qualquer desprimor
para o livreiro-antiquário), se construiu uma reflexão que muitas vezes fazemos
quando entram nas nossas bibliotecas livros que nos recordam outros.
Saudações bibliófilas com votos de uma boa semana.
Sem comentários:
Enviar um comentário