"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 6 de maio de 2017

Camilo Castelo Branco – Agulha em Palheiro



Retrato de Camilo Castelo-Branco.
CDV, albumina, fotógrafo Horácio Aranha.
Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria

Camilo Castelo Branco é um escritor que está actualmente um pouco arredado dos círculos “intelectuais” do país, mas que tem grande procura entre os bibliófilos tanto pela sua bibliografia activa como pela passiva.


Jaime Nogueira Pinto – A forma das coisas: O saneamento de Camilo
In Sol – edição de 24/06/2011

De facto Camilo Castelo Branco é uma fonte inesgotável de pesquisa e as suas obras espelham bem o séc. XIX no nosso país – onde as cidades do Porto e de Lisboa assim como o Minho e Trás-os-Montes estão muito bem retratados.

Se o podemos considerar pobre em personagens e na descrição das paisagens, no que toca ao estilo esse é inconfundível.


Alberto Pimentel

Senão vejamos o que Alberto Pimentel, grande amigo de Camilo e, como tal, com vasta bibliografia passiva sobre ele, nos diz no PIMENTEL, Alberto ― O Torturado de Seide (Camilo Castelo Branco). Lisboa, Livraria de Manoel dos Santos, 1922.


PIMENTEL, Alberto ― O Torturado de Seide (Camilo Castelo Branco).
Lisboa, Livraria de Manoel dos Santos, 1922.

“Este ilustre seiscentista [Agostinho Fortes] preconizou a obra genuinamente portuguesa de Camilo na conversação que tivemos, não só como iniciador do romance de costumes nacionais, mas também como o mais terso remodelador da língua pátria em obras que foram muitas e muito lidas. […]
Oiço às vezes censurar Camilo, porque as suas personagens são sempre as mesmas.
Mas na sociedade portuguesa de há meio seculo não havia outras, não havia mais nem melhores. Eram o «brasileiro», o morgado, o barão, o negociante e o padre. Do «brasileiro» fez dezenas de caricaturas, todas elas felizes. E havia razões poderosas para lhe dar a preferência, porque o brasileiro era o detentor do ouro que produz escândalos e tragédias, do ouro que compra as consciências e as mulheres.
O que admira é que Camilo pudesse accionar tantos romances com tão poucas personagens.” (1)

“Acusam Camilo de não ter pintado a paisagem. Pois. Algumas vezes a descreveu em poucas palavras, o que representa uma alta qualidade de condensação. […]
A alma de uma nação, seja a nação grane ou pequena, é sempre uma paisagem difícil de reproduzir.
E Camilo soube reproduzir a alma portuguesa em quase duzentos livros, melhor que todos os outros nossos romancistas, melhor que os melhores, acima de todos, sem excepção absolutamente nenhuma.” (2)

Ainda que não seja uma das obras maiores do escritor, apresenta-nos uma das suas características fundamentais: a caricatura e crítica dos preconceitos da sociedade de então.

Agulha em Palheiro é um dos bem tecidos romances de Camilo Castelo Branco, em que estão narradas, à maneira de libelo contra os preconceitos sociais, as peripécias de um jovem que, por ser filho de um sapateiro, tudo faz para dobrar o orgulho de rico fidalgo que não deseja vê-lo unido à sua filha.


CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MORAL NA FICÇÃO CAMILIANA
Tatiana de Fátima Alves Moysés.

“O gosto dominante também é questionado em Agulha em palheiros, na medida em que nele o autor tece comentários sobre o vínculo entre moral e publicidade. No episódio em que a protagonista decide escrever para seu namorado, o narrador encontra a oportunidade de expor o que, de fato, entende por desmoralização:

Ao afirmar que a desmoralização é o escândalo, o narrador corrobora a hipótese de que, nos enredos camilianos, em geral, a aparência e a essência são faces opostas de um mesmo personagem. Pouco importa que Paulina, quando opta por comunicar-se com o namorado, a fim de determinar os próximos passos de sua relação, tenha prescindido do recato e passividade exigidos às mulheres no século XIX. Nesse contexto, basta somente que ela esconda sua essência determinada e aparente uma postura submissa; assim, não exporá a si nem sua família à opinião pública, ávida por recriminar e punir aqueles que rompem as regras estabelecidas. Tal dicotomia culmina em uma dissonância entre os discursos proferidos pelos personagens e seus actos.” (3)


Bibliographias

Serve também para esclarecer um ponto, de que ainda hoje troquei impressões com um bom amigo – o Gonçalo Rodrigues de Bibliographias –  também ele um grande camilianista e com um bom acervo de bibliografia activa e passiva camiliana,  de que os livros de Camilo Castelo Branco, quando em encadernação de época, só excepcionalmente têm capas de brochura e estão sempre mais ou menos aparados.

Claro que em encadernações recentes podemos e devemos ter uma maior exigência…



BRANCO, Camilo Castelo – AGULHA EM PALHEIRO // POR // CAMILLO CASTELLO BRANCO // - // SEGUNDA EDIÇÃO, REVISTA PELO AUTHOR // (Vinheta editorial) // PORTO // EM CASA DA VIUVA MORÉ – EDITORA // 1865 In-8° de 262 págs. Encadernado.



Compreende ante-rosto com os dizeres AGULHA EM PALHEIRO e verso com lista bibliográfica da livraria; frontispício textualmente descrito supra e verso com subscrição tipográfica Typographia de Sebastito José Pereira, // Rua do Almada, 641; página 5ª com dedicatória a António Feliciano de Castilho e verso em branco; página 7 com DUAS PALAVRAS datadas no final da mesma Porto, Janeiro de 1865. O romance propriamente dito decorre da página 9 à página 262 ao longo de XXI capítulos, e uma CONCLUSÃO.



Primeira edição publicada em Portugal, preferível à primeira (Brasileira), que saiu muito incorrecta, por não ter sido revista pelo autor. MUITO RARA. SEM CAPA DE BROCHURA.



Encadernação meia inglesa em pele vermelha, com cantos, e com dizeres dourados na lombada. Miolo muito bem conservado e fresco. Boa e sólida encadernação. Ocasionais picos de acidez.



HENRIQUE MARQUES, 94; MANUEL DOS SANTOS, 59; JOSÉ DOS SANTOS (1939), 8; CONDE DA FOLGOSA, 1109; CAMILIANA (SOARES & MENDONÇA, 1968), 746; ALMEIDA MARQUES, 319.

E com este escrito camilianista me despeço com votos de um bom fim-de-semana.

Saudações bibliófilas.

Notas:

(1) Camilo janotapágs. 62-63.
(2) Uma Carta de Camilo. págs. 102-103.

in:



PIMENTEL, Alberto ― O Torturado de Seide (Camilo Castelo Branco). Lisboa, Livraria de Manoel dos Santos, 1922. In-8º de 221, [3] págs. 

Primeira edição de um dos livros principais da bibliografia passiva camiliana, reunindo em volume uma série de artigos escritos por Alberto Pimentel – uns inéditos, outros antes publicados (e, nalguns casos, revistos para este propósito). Além das histórias e das curiosidades sobre a vida de Camilo aqui reproduzidas pelo amigo, o livro interessa também, acessoriamente, ao estudo do Porto do séc. XIX, descrevendo, em vários passos, aspectos da cidade e da sociedade da época e contando alguns episódios mais castiços; - A Freira de S. Bento…e de Camilo; - O filho mais velho de Camilo; - Camilo janota; - Ainda as «Cem cartas»; - Camilo morto-vivo; - Uma Carta de Camilo; - O incendiário; - Serão Camiliano; - Voltando ao «Amor de Perdição»; - Horas alegres numa casa triste; - Camilo tripeiro; - Camilo minhoto; - Camilo incoercível; - O seu centenário.

Exemplar bem encadernado com lombada em pele gravada a ouro, conservando a capa original.

Este livro pode ser lido (ou consultado) em:


(3) RECORTE – revista eletrônica ISSN 1807-8591 – Mestrado em Letras: Linguagem, Cultura e Discurso / UNINCOR | V. 11 - N.º 1 (janeiro-junho - 2014) – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MORAL NA FICÇÃO CAMILIANA – Tatiana de Fátima Alves Moysés.


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