Retrato de Camilo Castelo-Branco.
CDV, albumina, fotógrafo
não identificado.
Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria
Apareceu recentemente para venda uma das obras mais raras de Camilo
Castelo Branco: Revelações. Não se trata
de um dos seus famosos romances, nas antes de uma obra de intervenção polémica,
em defesa de um amigo, como era seu hábito.
Como é sabido de todos, Camilo
Casrtelo Branco teve voz activa em muitas das mais célebres polémicas da sua época,
como é o caso desta: A "questão
conjugal do barão do Bolhão".
Castelo Branco (Camilo) –
Revelações. Porto; Typ. de J. J. Gonçalves Basto, 1852. In-8º de 64
págs. - Enc. Raríssima Primeira e Única Edição. São raríssimos os exemplares
desta curiosa produção de Camilo, dada a lume sem o seu nome, apenas com o
título ao centro da página que serve de frontispício. As capas de brochura
nunca foram impressas. Edição ainda hoje, única. Publicada sem o nome do autor,
vindo apenas assinada, no fim (pag. 42), com o pseudónimo Voz da Verdade.
Sobre esta obra veja-se o que
está descrito em:
CARVALHO, Miguel de - DESCRIÇÃO BIBLIOGRÁFICA CAMILIANA, de uma
importante e valiosa colecção de bibliografia activa e passiva de Camillo
Castello Branco. Coimbra, Miguel de Carvalho, 2003. In-4º de 141- (1)
págs. Brochado. EXEMPLAR DA EDIÇÃO ESPECIAL limitada a 40 EXEMPLARES, numerados
e rubricados pelo autor. Impressão em papel de qualidade superior, com os
cadernos por abrir e cosidos manualmente. Ricamente ilustrado com reproduções
de frontispícios e encadernações. Apresenta também reproduções fiéis de
diversas páginas das 3 primeiras edições do livro Caleche para distinção
editorial.
“A
primeira página, que representa o rosto do opúsculo, tem apenas os dizeres
REVELAÇÕES. A página 2 em branco; de pág. 3 a 42, encimado pela respectiva
rúbrica, o texto das REVELAÇÕES, que está subscrito no fim: Voz da Verdade; de
43 a parte da 59 DOCUMENTOS JUSTIFICATIVOS (DOCUMENTO N.° 1 a DOCUMENTO N.° 3)
; da outra parte da mesma pág. 59 a parte da 63 O PENSAMENTO REVELADO. (artigo
extraído do Ecco Popular de 23 de Novembro); e da outra parte da mesma página
63 até à final da 64 REVELAÇÕES (artigo reproduzido do Braz Tizana de 24 de
Novembro). No final o registo tipográfico acima descrito.
Diz-nos
José dos Santos (1939) “… As Revelações, que haviam sido primitivamente
publicadas no Nacional e no Ecos Popular, antigos jornais portuenses,
referem-se a umas tão faladas quanto deploráveis e litigiosas questões
familiares entre o então barão de Bolhão e sua esposa; questões essas que
conduziram os dois consortes a uma quebra violenta dos encargos conjugais.
Saíram sem o nome do autor, vindo apenas assinadas, no fim (pág. 42), com o
pseudónimo, que já acima transcrevemos: Voz da Verdade …”.
Edição
ainda a única que conta até hoje. São RARISSIMOS os exemplares desta curiosa
produção de Camilo, dada a lume sem o nome do autor e sem capas de brochura. A
matéria que encerra diz respeito à desavença conjugal do então Barão do Bolhão.”
Solar do Conde de Bolhão - Fachada principal: portal
©http://www.patrimoniocultural.pt/
Sobre o Palácio do Conde do Bolhão (1) leia-se:
“Conforme foi recentemente anunciado,
o antigo palácio do Conde do Bolhão, localizado na zona central da cidade do
Porto, vai ser recuperado e adaptado, a fim de nele se instalarem quatro
companhias teatrais, para além de um centro dramático de formação e produção
teatral. A anunciada reutilização deste palácio trouxe à superfície a memória
de um personagem que, por vários motivos, se tornou celebre na sociedade
portuense de meados do século passado.António Alves de Sousa Guimarães, único
barão e conde do Bolhão,(2) era conhecido na época como possuidor de uma das
mais sólidas fortunas do Porto, surgindo, em 1856, entre os 40 maiores
contribuintes da cidade, ao lado do conhecido capitalista António Bernardo
Ferreira, filho de dona Antónia Adelaide Ferreira, a "Ferreirinha da
Régua". A edificação do seu palácio - considerado uma das mais luxuosas
residências da cidade, com um grande quintal e jardim, que alcançava a Rua de
Fernandes Tomás, onde o seu proprietário também possuía algumas casas - custou
mais de 70 contos de reis, uma quantia apreciável para a época. O título de Barão
do Bolhão foi-lhe concedido em 1851 por D. Maria II, a qual, no ano seguinte,
juntamente com a respectiva comitiva, se hospedou no palácio, por ocasião de
uma visita ao Norte do país. A hospitalidade então prestada à real figura terá
constituído o motivo pelo qual veio a ser recompensado com o título de conde do
Bolhão, por decreto de 1855, assinado já por D. Fernando - em virtude de a
rainha ter morrido em 1853, apenas com 34 anos, durante o parto do seu décimo
primeiro filho, regente na menoridade do futuro D. Pedro V.Ao mesmo tempo que
conquistava a sua nobilitação, Sousa Guimarães perdia no terreno familiar.
Tendo casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral, irmã de um
grande capitalista e nogociante do Porto, vê o seu casamento desfeito em 1852,
quando aquela abandona o lar, acusando o marido de tirania conjugal e maus
tratos físicos. A "questão conjugal do barão do Bolhão", denominação
pela qual ficou conhecido este escândalo, dividiu a sociedade portuense da
época tendo o barão, no entanto, conhecido a solidariedade de algumas figuras
célebres, como Camilo Castelo Branco, seu amigo pessoal. O conhecido
"gazetilheiro" saiu em defesa de Sousa Guimarães, com a publicação no
"Nacional" de um extenso artigo, intitulado "Revelações", o
qual lhe acarretou a fúria dos sobrinhos da baronesa, os irmãos Sousa Guedes,
traduzida numa agressão ao romancista, à porta da sua residência na rua de
Santo António.Não obstante ter ganho notariedade por hospedar a comitiva real -
realce-se que só a partir de 1861 é que os monarcas portugueses passaram a
dispôr, no Porto, de uma residência, o Palácio dos Carrancas, após D. Pedro V o
ter adquirido à baronesa de Nevogilde pela quantia de 30 contos de reis -, o
palácio do conde do Bolhão ficou, no entanto, célebre pelas festas e bailes que
acolheu, promovidos pelo seu proprietário. O sucesso que estas realizações
provocavam na sociedade da época foi diversas vezes enaltecido na imprensa,
nomeadamente pela pena do próprio Camilo Castelo Branco. Após a seperação da mulher,
as festas desapareceram do palácio do magnata, o que levou Camilo, em 1857, a
lamentar-se nas páginas do "Nacional", declarando que, "depois
que se facharam os faustosos salões do Sr. conde do Bolhão, esmoreceu aquele
ânimo largo dos anfitriões que engrandeciam a terra. Quem conheceu, há dez
anos, o Porto, pasma dos sintomas de decadência em que hoje está". É,
aliás, Camilo Castelo Branco quem, num artigo publicado em 1851 no "Jornal
do Povo", nos descreve, do seguinte modo, a faustosidade oriental do
palácio do conde do Bolhão: "Para os que a observam de longe, a fachada do
edifício é pelas proporções grandiosas e formas de capricho uma dessas criações
de Sufflot, no reinado de Luís XV, em que a arquitectura, depurada da insipidez
italiana, ostenta um carácter entre o severo e o risonho - entre a face de um
templo grego e o fronspício gracioso de um castelo na França de Francisco
I". E, prossegue o romancista, numa elogiosa referência ao co-proprietário
da vizinha fundição do Bolhão, que nessa época se encontrava envolvido na luta
pela legalização da Associação Industrial Portuense: "Sobre os cinco arcos
que constituem as cinco entradas, ergue-se o primeiro andar de cinco janelas
rasgadas, terminando em ogivas com os seus parapeitos de gradaria dourada, é de
si tão perfeita obra, que faz gosto admirar ali até que progresso as nossas
fábricas podem ser alteadas, quando as administrações forem presididas por
homens de talento artístico como o Sr. José Vitorino Damásio". Passando à
discrição dos interiores do palácio, Camilo detém-se na sala de visitas -
"Um belo sonho com palácios de fadas; um dourado quiosque para sultanas na
hora da sesta" -, salientando que "o Sr. Resende, distinto pintor
deste país malfadado para o mérito, concebeu e executou na tela que fecha o
fogão desta sala, um grupo de aldeões, que em torno da fogueira, parecem
conversar em santa paz nos trabalhos rústicos do dia seguinte. [...] A sala de
baile é adornada por móveis que reúnem riqueza, simplicidade e delicadeza no
gosto. Antes dos emblemas de dança e música, que portentosamente decoram os
excelentes estuques, é muito para captar o belo fantástico que o Sr. João
Baptista Ribeiro personalizou em alegorias adaptadas ao uso daquele
recinto".
João Baptista Ribeiro
Referindo-se à capela do palácio,
Camilo destaca "os quatro velhos quadros de muito valor", embora
considere que, contrariamente à opinião do seu amigo Sousa Guimarães, que
atribui um deles a Grão Vasco, "ser talvez muito duvidoso julgá-lo tal,
mas por isso, não é menos incontestável o seu grande valor". Quanto ao
quintal, Camilo estima que a "estufa de ferro é a primeira deste
país", salientando que o "asseio nas menores coisas do serviço
doméstico, como cisternas e capoeiras, é mais parte a quinhoar da ideia
luminosa que transluz no todo". No que respeita à história do conde do
Bolhão, desgraçadamente - para além do abandono da mulher e de ter de encerrar
o salão de festas do seu palácio - ver-se-á também a contas com a justiça. Em
1860 foi acusado de traficar moeda falsa para o Brasil, processo do qual veio a
ser despronunciado, não obstante o escândalo permanecer bem vivo na opinião
pública da cidade durante anos. Apesar de ilibado, o conde do Bolhão nunca mais
conheceu os tempos faustosos que o rodearam no passado. Algum tempo depois a
falência bateu-lhe à porta, obrigando-o a ceder o palácio - então avaliado em
27 contos de reis -, incluindo o jardim, quintal e os prédios da rua Fernandes
Tomás, ao seu principal credor, José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela,
que em 1876 já era o seu proprietário.”
Procura dum livro na biblioteca…
Qualquer camilianista gostaria de
possuir esta obra na sua biblioteca, mas para muitos leitores estas intervenções
literárias de Camilo estão um pouco arredadas do seu conhecimento, pelo que me
parece oportuno, e sempre justificado, dar a conhecer um pouco melhor, quem foi
o homem que todos conhecem, mais que não seja pelo sua obra mais lida, embora
não a melhor (mesmo na opinião do autor) Amor de Perdição (memórias d'uma família).
E a propósito não se esqueçam de
visitar a Feira do Livro do Porto de
2015, onde irão encontrar alguns livreiros-antiquários nossos conhecidos!
Cartaz da Feira do Livro do Porto de 2015
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1)
Transcreve-se com a devida vénia, pelo seu mérito, o artigo de José Manuel Lopes Cordeiro inserto no Público
de 04/04/1999: http://www.publico.pt/local-porto/jornal/o-palacio-do-conde-do-bolhao-131723
Brasão de armas do Conde do Bolhão
(2) Fidalgo Cavaleiro da Casa Real (Alv.
18.1.1849). Comendador das Ordens de Cristo e da Conceição. Comendador de
Número Extraordinário da Distinta Ordem de D. Carlos III de Espanha. Comendador
da Ordem de S. Maurício e S. Lázaro, da Sardenha. Capitão do Batalhão Nacional
de Caçadores do Porto. Abastado Proprietário e Negociante de grosso trato da
Praça Comercial do Porto. Fidalgo de Cota de Armas (Alv. 23.9.1848). Títulos,
Morgados e Senhorios 1.º Barão do Bolhão. 1.º Conde do Bolhão. Comendadores da
Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (404) - 10.11.1852.
Falsificador de moeda no Brasil, ilibado em tribunal de segunda instância em
Portugal.
Sem comentários:
Enviar um comentário