"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A “rentrée” de 2015




Com o final das férias começam a reaparecer os catálogos propostos pelas diversas livrarias ou de livreiros-antiquários na sua página da Internet.

Daquilo que tomei conhecimento – que nem uma amostragem se poderá chamar – devo referir que fiquei com a impressão que a próxima época será importante com muitas e boas obras a serem transaccionadas, assim as condições político-económicas o permitam.

Mas vejamos alguns desses exemplos:

Vejamos a Librairie Nicolas Malais e a sua Sélectionde livres & manuscrits - Septembre 2015 de que saliento:



2. RAEMOND, Florimond de. – L'anti-christ et l'anti-papesse. Paris, Abel L'Angelier, 2ème éd., 1599 ; in-4, (14)ff., 485, (17)ff. Veau brun, dos à nerfs orné. Coiffes et coins usés, galeries de vers sur les plats, quelques trous de vers dans les marges, petite déchirure sur la page de titre. [650 euros]

Portrait de Henri IV gravé par Thomas de Leu. Exemplaire réglé.

 Florimond de Raemond (c. 1540-1601) était historien et conseiller au Parlement de Bordeaux. Il fut un ami de Michel de Montaigne et Blaise de Monluc. Cet ouvrage réunit deux textes : « L'anti-christ » qui avait paru en 1597, et « L'anti-papesse » qui fut publié en 1587 sous le titre de l'  « Erreur populaire de la papesse Jane ». La papesse Jeanne est un personnage légendaire qui aurait accédé à la papauté sous le nom de Jean VIII, entre les pontificats de Léon IV et Benoît III, de 852 à 855. L'imposture aurait été révélée lorsqu'elle aurait accouché en public au cours d'une procession solennelle, sur le trajet du Vatican à Saint-Jean de Latran. Ce deuxième texte est ici considérablement modifié et s'adapte au nouveau contexte politique du Royaume, Henri IV ayant abjuré en 1593. C'est la première édition avec le nom de l'auteur qui temporise ses attaques contre les protestants, dans un climat d'apaisement.



4. [Manuscrit pornographique XVIIIe] Le Sérail de Delys, ou Parodie d'Alcibiade, Comédie. Sans lieu, vers 1735. In-8, broché, 16 p. [1 200 euros]

Les incroyables aventures au bordel d'Alcibiade, Bandalaise & d'une certaine Godemichi…
 Introuvable copie manuscrite du milieu du XVIIIe siècle de cette pièce “très obscène et très rare” (Gay III, 1104) publiée par Pierre Marteau en 1735 comme le précise le titre et qui circulait dans cette forme autographe “sous le manteau”. On comprend fort bien pourquoi à la lecture de ces pages à la fois amusantes & scandaleuses.

 “Le théâtre représente la salle d'un Bordel dans laquelle Alcibiade est introduit par son confident”. Quelle n'est pas la surprise d'Alcibiade lorsqu'il découvre la nature du lieu... “Que vois-je ! deux putains ? Que Diable puis-je faire, où m'avez vous conduit ?” Les précautions s'arrêtent très vite ! Quelques lignes plus loin Alcibiade s'adresse à Godemichi pour lui proposer “ce vit long et carré [qui] peut assez bien vous foutre”. Le petit nom de cette catin s'explique assez facilement de par le fait qu'elle garde dans sa poche le “vit d'un amant vigoureux” hélas “mort dans ses bras d'un transport amoureux”. “Fut-il un plus beau vit, ajoute-t-elle, en grosseur, en longueur, tout impuissant qu'il est, mon triste con l'adore”. Inutile de préciser que la suite de ces pages est du même acabit !

Les vrais manuscrits pornographiques du XVIIIe, comme celui-ci, sont très rares, et se rencontrent peu en dehors des grandes collections (telle la bibliothèque Gérard Nordmann).

A Livraria Cólofon também apresentou as novidades do mês de Setembro que são bastante interessantes e com um leque de opções bem diversificado e com qualidade:



346 - Bernardes, Padre Manuel - OS ULTIMOS FINS// DO// HOMEM (...). Lisboa Occidental. Na Officina de Joseph Antonio da Sylva. 1728. 467 págs. 20,5cm. Enc. [200 euros]

São estes Ultimos Fins do Homem uma obra póstuma da autoria do Padre Manuel Bernardes (1644-1710), membro da Congregação do Oratório e celebrado autor da Nova Floresta (publicada em 5 volumes entre 1710 e 1728).

Esta obra, escrita num aprimorado português, encontra-se dividida em duas partes. A primeira trata da "Singular providência de Deus na salvação das almas" e a segunda "Das causas gerais da perdição das almas ou estradas comuas do reino da morte eterna".

Se na primeira parte vamos encontrar Manuel Bernardes mais debruçado sobre complexas questões teológicas, na segunda parte desta obra vamos encontrar um estilo mais próximo daquele que o celebrizou na Nova Floresta, trabalho em que seguindo a ordem alfabética Bernardes comenta cada um dos pecados e cada uma das virtudes. Aqui, na segunda parte de Os Ultimos Fins do Homem, Bernardes não adopta a mesma forma da Nova Floresta, mas bosqueja um conteúdo semelhante, como demonstra este excerto:
"Na República mal regida, todas as varas de justiça ou serão torcidas ou podres, ou curtas: torcidas, se as verga a inclinação do afecto; podres, se as corrompe o interesse; curtas se as encolhe o respeito, de modo que não alcançam a ferir as cabeças altas".

Exemplar encadernado, com encadernação inteira de pele. Miolo em bom estado.



351 - Queiroz, Eça de (direcção) - REVISTA DE PORTUGAL. Porto, Lugan & Genelioux, 1889 -1892. IV Vol. 23, 5 cm. Enc. [500 euros]



Primeira edição desta apreciada revista que contou com a colaboração de grandes vultos da cultura portuguesa, como por exemplo Oliveira Martins, António Feijó, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga, Fialho de Almeida, Magalhães Lima, Sousa Viterbo, Silva Gayo, Raúl Brandão, Luiz de Magalhães, Conde de Sabugosa, entre muitos outros.

Conserva as capas de brochura (com a excepção do 13º fascículo). Miolo em bom estado, com algumas machas de acidez próprias do papel.

Boa e sólida encadernação com a lombada e cantos em pele. Lombada decorada. Títulos gravados a dourado (ver imagem).

E pela bela encadernação editorial refira-se:



352 - Queiroz Riberio, Gaspar de - TARDES DE PRIMAVERA. COM UMA CARTA EM VERSO POR GUERRA JUNQUEIRO. Porto. Typographia Elzeviriana. 1889. XVI + 195 págs. 17,5cm. Enc.
[38 euros]

Livro com que Gaspar Queiroz Ribeiro se estreou na poesia. Queiroz Ribeiro, natural da Guarda, destacou-se como político, tendo sido deputado e conhecido militante monárquico após a implantação da República, o que lhe valeu o exílio em Espanha...
Queiroz Riberio, membro da Academia Real das Ciências, manteve amizade com muitos dos grandes vultos da cultura do seu tempo, como por exemplo com Augusto Gil, António Feijó, Conde de Aurora, Oliveira Martins, Luiz de Magalhães e Guerra Junqueiro, que abre esta obra com uma "carta em verso" de dez páginas.
Exemplar encadernado, com encadernação editorial em excelente estado de conservação. Junção do miolo com a lombada recentemente reforçada. Miolo como novo, por abrir.

Contém uma dedicatória do autor para o Conselheiro João Franco.

Claro que a Bauman Rare Books não podia faltar com a sua School Year Classics



STEINBECK, John. Of Mice and Men. New York: Covici Friede, (1937). Small octavo, original beige cloth, original dust jacket. [$5,000]

First edition, first issue, of Steinbeck’s “beautifully written [and] marvelous picture of the tragedy of loneliness” (Eleanor Roosevelt), in scarce original dust jacket.

"As a young man, Steinbeck worked on ranches in the small towns around Salinas, absorbing local color later applied to the Soledad, California setting of this novel, originally entitled Something That Happened" (Salinas Public Library, 24). The author began Of Mice and Men as a children's story. "Although the finished novelette does not seem appropriate for children—that intention was obviously abandoned—the simplicity of its style and the clarity and precision of its imagery may well have been prompted by this original purpose… " (Benson, 326). The result is "a sophisticated and artful rendering of the basic conflict between two worlds: between an idealized landscape and the real world with its pain and anguish" (Literary History of the American West, 433). First issue, with the words "and only moved because the heavy hands were pendula" printed as lines 20 and 21 on page 9, and bullet between the eights on page 88. Goldstone & Payne A7a. Bruccoli & Clark I:354.

A fine copy.



DICKENS, Charles. Oliver Twist; Or, the Parish Boy's Progress. By "Boz." London: Richard Bentley, 1838. Three volumes. Octavo, period-style full speckled calf gilt, red and green morocco spine labels, marbled endpapers, with original blind-stamped brown cloth bound in at rear of each volume. [$12,000]

First edition, first issue, of Dickens’ classic, with the “Fireside” plate and “Boz” title pages, uncut with original cloth bound in.





"When Bentley decided to publish Oliver in book form before its completion in his periodical, Cruikshank had to complete the last few plates in haste. Dickens did not review them until the eve of publication and objected to the Fireside plate which depicted Oliver at Rose Maylie's knee [Volume III, p. 313]… Dickens had Cruikshank design a new plate… This Church plate was not completed in time for incorporation into the early copies of the book, but it replaced the Fireside plate in later copies… Dickens not only objected to the Fireside plate, but also disliked having 'Boz' on the title page. He voiced these objections prior to publication and the plate and title page were changed between November 9 and 16" (Smith, 35). With half title in each volume (including in Volume III, which usually features two pages of publisher's ads rather than a half title), and four pages of publisher's ads at the end of Volume I. This is Smith's variant cloth binding, bound in, with horizontally ribbed cloth rather than diapered, and with no publisher name at the foot of the spines. "A genuine first issue in the original cloth covers, uncut, and with clean, unfoxed plates and leaves is very rare" (Eckel, 54). Smith 4 (especially note 3). Eckel, 51-60.

Expert cleaning to plates, scattered foxing and soiling to text. Very handsomely bound.


E vamos terminar com um livreiro-antiquário português – a Livraria Candelabro e a lista das suas novidades:



8045. CASTELO BRANCO (CAMILO) - NOTAS À MARGEM Em varios livros da sua biblioteca. Recolhidas por Alvaro Neves. 1916. Parceria Antonio Maria Pereira. Lisboa. In-8º de 161-III págs. Br. [30,00 €]

Espécime camiliano muito apreciado, nesta sua primeira edição em papel encorpado e com uma bonita capa impressa a duas cores.
Bom exemplar, com um bonito ex-libris no anterrosto.
INVULGAR.



8054. O CRIME DA RUA DAS FLORES NO PORTO. Opiniões da Imprensa e provas obtidas contra o supposto envenenador o dr. VICENTE URBINO DE FREITAS. Porto. Editora - A empreza do jornal O COMBATE. 1890. In-8º peq. de 94 págs. Br. [VENDIDO]

Trata-se, supomos, do primeiro livro editado de toda a bibliografia urbiniana, relativo ao famoso crime da rua das Flores.

Exemplar em bom estado de conservação, sobretudo se se tiver em conta a extrema fragilidade das capas da brochura. Tem pequeno defeito de impressão na pág. 65, que compromete parcialmente a leitura dos últimos dois parágrafos.
MUITO RARO.

Aqui ficam algumas das múltiplas sugestões apresentadas. Desta pequena listagem se poderá avaliar da riqueza e diversidade das mesmas (como aliás já referira), resta agora ” fazer contas” e ponderar alguma compra.

Saudações bibliófilas e bom retorno de férias...o trabalho espera por nós.

sábado, 5 de setembro de 2015

Conversa bibliófila – o gosto pelo estudo ou como o conhecimento poderá superar, por vezes, a posse dum exemplar.



Retrato de Camilo Castelo-Branco. 
CDV, albumina, fotógrafo não identificado.
Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria

Apareceu recentemente para venda uma das obras mais raras de Camilo Castelo Branco: Revelações. Não se trata de um dos seus famosos romances, nas antes de uma obra de intervenção polémica, em defesa de um amigo, como era seu hábito.

Como é sabido de todos, Camilo Casrtelo Branco teve voz activa em muitas das mais célebres polémicas da sua época, como é o caso desta: A "questão conjugal do barão do Bolhão".



Castelo Branco (Camilo) – Revelações. Porto; Typ. de J. J. Gonçalves Basto, 1852. In-8º de 64 págs. - Enc. Raríssima Primeira e Única Edição. São raríssimos os exemplares desta curiosa produção de Camilo, dada a lume sem o seu nome, apenas com o título ao centro da página que serve de frontispício. As capas de brochura nunca foram impressas. Edição ainda hoje, única. Publicada sem o nome do autor, vindo apenas assinada, no fim (pag. 42), com o pseudónimo Voz da Verdade.

Sobre esta obra veja-se o que está descrito em:  



CARVALHO, Miguel de - DESCRIÇÃO BIBLIOGRÁFICA CAMILIANA, de uma importante e valiosa colecção de bibliografia activa e passiva de Camillo Castello Branco. Coimbra, Miguel de Carvalho, 2003. In-4º de 141- (1) págs. Brochado. EXEMPLAR DA EDIÇÃO ESPECIAL limitada a 40 EXEMPLARES, numerados e rubricados pelo autor. Impressão em papel de qualidade superior, com os cadernos por abrir e cosidos manualmente. Ricamente ilustrado com reproduções de frontispícios e encadernações. Apresenta também reproduções fiéis de diversas páginas das 3 primeiras edições do livro Caleche para distinção editorial.

“A primeira página, que representa o rosto do opúsculo, tem apenas os dizeres REVELAÇÕES. A página 2 em branco; de pág. 3 a 42, encimado pela respectiva rúbrica, o texto das REVELAÇÕES, que está subscrito no fim: Voz da Verdade; de 43 a parte da 59 DOCUMENTOS JUSTIFICATIVOS (DOCUMENTO N.° 1 a DOCUMENTO N.° 3) ; da outra parte da mesma pág. 59 a parte da 63 O PENSAMENTO REVELADO. (artigo extraído do Ecco Popular de 23 de Novembro); e da outra parte da mesma página 63 até à final da 64 REVELAÇÕES (artigo reproduzido do Braz Tizana de 24 de Novembro). No final o registo tipográfico acima descrito.
Diz-nos José dos Santos (1939) “… As Revelações, que haviam sido primitivamente publicadas no Nacional e no Ecos Popular, antigos jornais portuenses, referem-se a umas tão faladas quanto deploráveis e litigiosas questões familiares entre o então barão de Bolhão e sua esposa; questões essas que conduziram os dois consortes a uma quebra violenta dos encargos conjugais. Saíram sem o nome do autor, vindo apenas assinadas, no fim (pág. 42), com o pseudónimo, que já acima transcrevemos: Voz da Verdade …”.
Edição ainda a única que conta até hoje. São RARISSIMOS os exemplares desta curiosa produção de Camilo, dada a lume sem o nome do autor e sem capas de brochura. A matéria que encerra diz respeito à desavença conjugal do então Barão do Bolhão.”


Solar do Conde de Bolhão - Fachada principal: portal
©http://www.patrimoniocultural.pt/

Sobre o Palácio do Conde do Bolhão (1) leia-se:

Conforme foi recentemente anunciado, o antigo palácio do Conde do Bolhão, localizado na zona central da cidade do Porto, vai ser recuperado e adaptado, a fim de nele se instalarem quatro companhias teatrais, para além de um centro dramático de formação e produção teatral. A anunciada reutilização deste palácio trouxe à superfície a memória de um personagem que, por vários motivos, se tornou celebre na sociedade portuense de meados do século passado.António Alves de Sousa Guimarães, único barão e conde do Bolhão,(2) era conhecido na época como possuidor de uma das mais sólidas fortunas do Porto, surgindo, em 1856, entre os 40 maiores contribuintes da cidade, ao lado do conhecido capitalista António Bernardo Ferreira, filho de dona Antónia Adelaide Ferreira, a "Ferreirinha da Régua". A edificação do seu palácio - considerado uma das mais luxuosas residências da cidade, com um grande quintal e jardim, que alcançava a Rua de Fernandes Tomás, onde o seu proprietário também possuía algumas casas - custou mais de 70 contos de reis, uma quantia apreciável para a época. O título de Barão do Bolhão foi-lhe concedido em 1851 por D. Maria II, a qual, no ano seguinte, juntamente com a respectiva comitiva, se hospedou no palácio, por ocasião de uma visita ao Norte do país. A hospitalidade então prestada à real figura terá constituído o motivo pelo qual veio a ser recompensado com o título de conde do Bolhão, por decreto de 1855, assinado já por D. Fernando - em virtude de a rainha ter morrido em 1853, apenas com 34 anos, durante o parto do seu décimo primeiro filho, regente na menoridade do futuro D. Pedro V.Ao mesmo tempo que conquistava a sua nobilitação, Sousa Guimarães perdia no terreno familiar. Tendo casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral, irmã de um grande capitalista e nogociante do Porto, vê o seu casamento desfeito em 1852, quando aquela abandona o lar, acusando o marido de tirania conjugal e maus tratos físicos. A "questão conjugal do barão do Bolhão", denominação pela qual ficou conhecido este escândalo, dividiu a sociedade portuense da época tendo o barão, no entanto, conhecido a solidariedade de algumas figuras célebres, como Camilo Castelo Branco, seu amigo pessoal. O conhecido "gazetilheiro" saiu em defesa de Sousa Guimarães, com a publicação no "Nacional" de um extenso artigo, intitulado "Revelações", o qual lhe acarretou a fúria dos sobrinhos da baronesa, os irmãos Sousa Guedes, traduzida numa agressão ao romancista, à porta da sua residência na rua de Santo António.Não obstante ter ganho notariedade por hospedar a comitiva real - realce-se que só a partir de 1861 é que os monarcas portugueses passaram a dispôr, no Porto, de uma residência, o Palácio dos Carrancas, após D. Pedro V o ter adquirido à baronesa de Nevogilde pela quantia de 30 contos de reis -, o palácio do conde do Bolhão ficou, no entanto, célebre pelas festas e bailes que acolheu, promovidos pelo seu proprietário. O sucesso que estas realizações provocavam na sociedade da época foi diversas vezes enaltecido na imprensa, nomeadamente pela pena do próprio Camilo Castelo Branco. Após a seperação da mulher, as festas desapareceram do palácio do magnata, o que levou Camilo, em 1857, a lamentar-se nas páginas do "Nacional", declarando que, "depois que se facharam os faustosos salões do Sr. conde do Bolhão, esmoreceu aquele ânimo largo dos anfitriões que engrandeciam a terra. Quem conheceu, há dez anos, o Porto, pasma dos sintomas de decadência em que hoje está". É, aliás, Camilo Castelo Branco quem, num artigo publicado em 1851 no "Jornal do Povo", nos descreve, do seguinte modo, a faustosidade oriental do palácio do conde do Bolhão: "Para os que a observam de longe, a fachada do edifício é pelas proporções grandiosas e formas de capricho uma dessas criações de Sufflot, no reinado de Luís XV, em que a arquitectura, depurada da insipidez italiana, ostenta um carácter entre o severo e o risonho - entre a face de um templo grego e o fronspício gracioso de um castelo na França de Francisco I". E, prossegue o romancista, numa elogiosa referência ao co-proprietário da vizinha fundição do Bolhão, que nessa época se encontrava envolvido na luta pela legalização da Associação Industrial Portuense: "Sobre os cinco arcos que constituem as cinco entradas, ergue-se o primeiro andar de cinco janelas rasgadas, terminando em ogivas com os seus parapeitos de gradaria dourada, é de si tão perfeita obra, que faz gosto admirar ali até que progresso as nossas fábricas podem ser alteadas, quando as administrações forem presididas por homens de talento artístico como o Sr. José Vitorino Damásio". Passando à discrição dos interiores do palácio, Camilo detém-se na sala de visitas - "Um belo sonho com palácios de fadas; um dourado quiosque para sultanas na hora da sesta" -, salientando que "o Sr. Resende, distinto pintor deste país malfadado para o mérito, concebeu e executou na tela que fecha o fogão desta sala, um grupo de aldeões, que em torno da fogueira, parecem conversar em santa paz nos trabalhos rústicos do dia seguinte. [...] A sala de baile é adornada por móveis que reúnem riqueza, simplicidade e delicadeza no gosto. Antes dos emblemas de dança e música, que portentosamente decoram os excelentes estuques, é muito para captar o belo fantástico que o Sr. João Baptista Ribeiro personalizou em alegorias adaptadas ao uso daquele recinto".


João Baptista Ribeiro

Referindo-se à capela do palácio, Camilo destaca "os quatro velhos quadros de muito valor", embora considere que, contrariamente à opinião do seu amigo Sousa Guimarães, que atribui um deles a Grão Vasco, "ser talvez muito duvidoso julgá-lo tal, mas por isso, não é menos incontestável o seu grande valor". Quanto ao quintal, Camilo estima que a "estufa de ferro é a primeira deste país", salientando que o "asseio nas menores coisas do serviço doméstico, como cisternas e capoeiras, é mais parte a quinhoar da ideia luminosa que transluz no todo". No que respeita à história do conde do Bolhão, desgraçadamente - para além do abandono da mulher e de ter de encerrar o salão de festas do seu palácio - ver-se-á também a contas com a justiça. Em 1860 foi acusado de traficar moeda falsa para o Brasil, processo do qual veio a ser despronunciado, não obstante o escândalo permanecer bem vivo na opinião pública da cidade durante anos. Apesar de ilibado, o conde do Bolhão nunca mais conheceu os tempos faustosos que o rodearam no passado. Algum tempo depois a falência bateu-lhe à porta, obrigando-o a ceder o palácio - então avaliado em 27 contos de reis -, incluindo o jardim, quintal e os prédios da rua Fernandes Tomás, ao seu principal credor, José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, que em 1876 já era o seu proprietário.”


Procura dum livro na biblioteca

Qualquer camilianista gostaria de possuir esta obra na sua biblioteca, mas para muitos leitores estas intervenções literárias de Camilo estão um pouco arredadas do seu conhecimento, pelo que me parece oportuno, e sempre justificado, dar a conhecer um pouco melhor, quem foi o homem que todos conhecem, mais que não seja pelo sua obra mais lida, embora não a melhor (mesmo na opinião do autor) Amor de Perdição (memórias d'uma família).

E a propósito não se esqueçam de visitar a Feira do Livro do Porto de 2015, onde irão encontrar alguns livreiros-antiquários nossos conhecidos!

Cartaz da Feira do Livro do Porto de 2015


Saudações bibliófilas.

Notas:

(1) Transcreve-se com a devida vénia, pelo seu mérito, o artigo de José Manuel Lopes Cordeiro inserto no Público de 04/04/1999: http://www.publico.pt/local-porto/jornal/o-palacio-do-conde-do-bolhao-131723


Brasão de armas do Conde do Bolhão

(2) Fidalgo Cavaleiro da Casa Real (Alv. 18.1.1849). Comendador das Ordens de Cristo e da Conceição. Comendador de Número Extraordinário da Distinta Ordem de D. Carlos III de Espanha. Comendador da Ordem de S. Maurício e S. Lázaro, da Sardenha. Capitão do Batalhão Nacional de Caçadores do Porto. Abastado Proprietário e Negociante de grosso trato da Praça Comercial do Porto. Fidalgo de Cota de Armas (Alv. 23.9.1848). Títulos, Morgados e Senhorios 1.º Barão do Bolhão. 1.º Conde do Bolhão. Comendadores da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (404) - 10.11.1852. Falsificador de moeda no Brasil, ilibado em tribunal de segunda instância em Portugal.