"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

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domingo, 18 de maio de 2014

Rocha Martins – Apontamentos em torno de uma leitura



Republica Portuguesa

Ler um livro faz-nos frequentemente recordar factos e personagens que, por vezes, já estão um pouco esquecidos nas nossas memórias.

Vem isto a propósito de duas situações que se interligam – um livro que estou as ler e um catálogo que recebi de uma livraria.

O livro é um estudo sobre a primeira república portuguesa da autoria de Jaime Nogueira Pinto Nobre Povo - Os anos da República.





PINTO, Jaime Nogueira – Nobre Povo - Os anos da República. (Colaboração de Inês Pinto Basto). Lisboa: Esfera dos Livros, 2010. Colecção História Divulgativa | Ciência Política. 544 + 32 págs. Livro de capa mole com sobre-capa.

Livro que se lê com bastante agrado, evidenciando uma pesquisa bem estruturada, que nos traça todo o percurso da 1ª República desde o 5 de Outubro até ao 28 de Maio.

Claro que como qualquer livro de história (em especial da história recente) transmite uma interpretação pessoal dos factos que diverge por vezes da nossa visão dos mesmos, formada tanto no seu conhecimento directo como de outras leituras já feitas.

Mas, se calhar, escrever história é estar sujeito a estas mesmas críticas…embora, em minha opinião, este livro mereça mesmo ser lido, sobretudo por aqueles que se queiram iniciar nesta temática.


Proclamação da Republica Portuguesa

E a propósito leia-se a sua sinopse que é bem esclarecedora do seu conteúdo:

Na manhã de 5 de Outubro de 1910, em Lisboa, um movimento revolucionário derrubou a Monarquia e proclamou a República Democrática. Jaime Nogueira Pinto faz a crónica de um dos tempos mais agitados, apaixonantes e trágicos da História de Portugal. Um tempo dominado por líderes fortes, polémicos e carismáticos, como o democrático Afonso Costa ou o popular Sidónio Pais, e por idealistas determinados, como Machado Santos ou Paiva Couceiro.
Um tempo de costumes pouco brandos, mas muito português, animado por uma luta política e ideológica de razões e convicções fortes, entre livres-pensadores e católicos, republicanos e monárquicos, moderados e radicais, e marcado por conspirações, «intentonas», pronunciamentos militares, golpes de Estado, revoltas e revoluções – com marinheiros nas ruas, militares na política, povo nas trincheiras, padres combatentes e civis armados.


1º Aniversário da República Portuguesa

Um tempo entre dois tempos, com carros de cavalos e automóveis, caciques e sindicalistas, lanças e canhões, eleições e bombas, conspirações de quartel e de café, mensageiros e telefones, jornalismo político e fraudes financeiras, «acacianos» e futuristas, «talassas» e carbonários. 16 anos, 8 presidentes e 45 governos depois, numa manhã de Maio, um outro movimento revolucionário marchava sobre a capital para lhe pôr fim.

No decurso da leitura encontrei várias citações de obras de Rocha Martins, de que já lera alguns textos na minha juventude (como bom bibliómano que sou…), pelo que me fez reavivar a curiosidade pela sua obra.


Rocha Martins

Francisco José da Rocha Martins, mais conhecido por Rocha Martins (Lisboa, 1879 — Sintra, 1952), foi um jornalista, historiador e activista político português, um dos mais prolíficos escritores da primeira metade do século XX, publicando uma vasta obra de divulgação histórica. Foi também autor de um notável conjunto de biografias e ainda de algumas novelas e romances históricos.


Conselheiro João Franco

Ideologicamente flexível ao longo da sua vida, identificou-se, nos últimos anos da monarquia, com o Partido Regenerador Liberal de João Franco, tendo, nos anos seguintes oscilado entre um republicanismo moderado e o monarquismo liberal.


Zé Povinho expulsa João Franco do país. [Postal]

Segundo João Bénard da Costa, “foi o regicídio que o impeliu de vez para a causa monárquica sem abandonar o seu culto pela liberdade”. Ainda segundo este autor, foi uma personalidade que, em 1945, então com sessenta e seis anos, “fazia as delícias da oposição, como antes fizera a de tantas outras oposições”.

Nos últimos anos da sua vida, tornou-se um destacado oposicionista do salazarismo, tendo-se celebrizado os artigos que assinava no jornal A República. Quem recorda a sua participação na vida política portuguesa da primeira metade do século XX, cita imediatamente a frase que anunciava as suas intervenções: “fala o Rocha, o Salazar está à brocha”.

Jornalista profissional, trabalhou em diversos jornais e revistas de Lisboa, entre os quais a revista Fantoches, iniciada em 1914, da qual foi diretor e editor. Também colaborou nas revistas Serões (1901-1911), Illustração portugueza (1903-1923), Feira da Ladra (1929-1943) e na Revista municipal da Câmara Municipal de Lisboa (1939-1973).



Como escrevi no início, o outro facto que me levou a recordar este escritor foi o conjunto de livros proposto pela Candelabro – Livrara Alfarrabista no seu “Catálogo” da segunda quinzena de Maio.


Candelabro – Livrara Alfarrabista

Vejamos então essas propostas:



4634. MARTINS (ROCHA) - A MONARQUIA DO NORTE. [Composto e impresso nas Oficinas Gráficas do "ABC"]. Lisboa. 1922. In-8º gr. de 190 págs. Enc.
Obra de referência, profusamente ilustrada com várias fotografias a negro ao longo do texto.
Bela encadernação com lombada e cantos em pele, estando aquela decorada com nervuras e dizeres a ouro inscritos sobre rótulos em pele. Conserva as capas da brocura e está apenas ligeiramente aparado à cabeça.
Bonito exemplar. Tem pequena e antiga assinatura de posse no verso do frontispício. INVULGAR.



2346. MARTINS (ROCHA) - GOMES FREIRE. Romance Histórico. João Romano Torres - Editor. S/d. 2 vols. In-8º gr. de 897-VI + 625-IV págs. Enc.
Trata-se de uma das obras mais apreciadas de Rocha Martins.
Ilustrada com várias dezenas de estampas em folhas à parte, incluindo uma, a cores, de Gomes Freire.
Encadernação antiga com lombada em sintético.
Em bom estado de conservação.
4632. MARTINS (ROCHA) - JOÃO FRANCO E O SEU TEMPO. Comentários livres às cartas d'el-rei D. Carlos. Edição do auctor. [Composto e impresso nas Oficinas Gráficas do "ABC"]. Lisboa. In-8º gr. de 523 págs. Enc.
Obra de referência, profusamente ilustrada com várias fotografias a negro ao longo do texto.
Bela encadernação com lombada e cantos em pele, estando aquela decorada com nervuras e dizeres a ouro inscritos sobre rótulos em pele. Conserva as capas da brocura e está apenas ligeiramente aparado à cabeça.
Bonito exemplar.



2169. MARTINS (ROCHA) - MEMORIAS SOBRE SIDONIO PAES. 1921. Edição da Sociedade Editorial ABC Limitada. Lisboa. In-8º de 352 págs. Enc.
Apreciado estudo sobre Sidónio Paes.
Ilustrado com numerosas fotografias de personalidades da época, reproduções de documentos, etc.
Encadernação antiga com bonita lombada em pele decorada com elegantes ferros e dizeres a ouro. Conserva apenas a capa de brochura posterior e tem alguns picos de acidez ao longo do texto.
Obra pouco vulgar.



4633. MARTINS (ROCHA) - MEMORIAS SOBRE SIDONIO PAES. 1921. Edição da Sociedade Editorial A B C Limitada. Lisboa. In-8º gr. de 352 págs. Enc.
Obra de referência, profusamente ilustrada com várias fotografias a negro ao longo do texto.
Bela encadernação com lombada e cantos em pele, estando aquela decorada com nervuras e dizeres a ouro inscritos sobre rótulos em pele. Conserva as capas da brocura e está apenas ligeiramente aparado à cabeça.
Bonito exemplar.



4640. MARTINS (ROCHA) - OS GRANDES VULTOS DA RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL. Obra comemorativa do Tricentenário da Independência. Edição da Emprêsa Nacional de Publicidade. 1940. In-4º gr. de 483-I págs. Enc.
Monumental obra de Rocha Martins, esmeradamente impressa em bom papel e profusamente ilustrada ao longo do texto e em estampas a cores extra-texto.
Boa encadernação com lombada e cantos em pele, conservando as capas da brochura (as capas são do 1º fascículo, já que a obra foi publicada em fascículos, com capas sempre iguais).
Exemplar em bom estado de conservação: tem alguma normal acidez sobretudo nas primeiras folhas e erro de paginação nas duas últimas folhas referentes ao índice (estando, no entanto, completo).

Trata-se de uma parcela muito pequena da vastíssima obra deste prolífico escritor, mas de grande interesse para a temática da 1ª República e da nossa História em geral.

Aliás, desta vasta bibliografia, ainda se pode encontrar no acervo desta livraria-alfarrabista este outro exemplar:



4507. MARTINS (ROCHA) - A PAIXÃO DE CAMILO (Ana Plácido). 5º milhar. Edição do auctor. Composto e impresso nas Oficinas Gráficas do "ABC". Lisboa. S/d. In-4º de 357-III págs. Enc.
Capa da autoria de Stuart Carvalhaes.
Ilustrado com 20 estampas coladas em folhas à parte.
Encadernação recente com lombada e cantos em pele. Conserva as capas da brochura e está inteiramente por aparar.
Exemplar em bom estado de conservação: apenas a capa anterior da brochura tem pequenas imperfeições resultantes do seu manuseamento. Com pequena assinatura de posse no canto superior esquerdo da primeira página.


Primeiro Governo da Republica Portuguesa

Bem e aqui deixo mais estas notas sobre um escritor, nem sempre muito falado, mas cuja leitura me pasrece aliciante para um melhor conhecimento da nossa história.


Saudações bibliófilas.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

No I Centenário da Republica




Ilustração alusiva à Proclamação da República Portuguesa a 5 de Outubro de 1910

Neste dia, 5 de Outubro, que se comemora o I Centenário da Implantação da República em Portugal, trago-vos um pequeno opúsculo que (re)descobri no meio de outros livros, e que apesar de ser anterior a esta data, traz alguma informação sobre o germinar das ideias republicanas pelo punho de um dos seus grandes vultos: António José de Almeida.


 António José de Almeida
Fotografia na sua residência particular (década de 1900)
Museu da Presidência da República®

Não tenho qualquer pretensão de ombrear com as excelentes obras sobre esta temática que foram, e ainda continuam, a ser editadas, no âmbito desta comemoração. Para isso temos bons historiadores que nos têm vindo a deixar uma vasta obra publicada sobre as suas várias vertentes.

Saliento que este ano foram objecto de divulgação: estudos historiográficos, reimpressão de periódicos, caricaturas e mesmo livros de ficção. Foi de facto um esforço de divulgação histórica e cultural de louvar.

Mas voltemos ao ponto de partida.

Move-me apenas a ideia de mostrar como nós bibliófilos, pelo acervo das nossas bibliotecas mais modestas ou opulentas que possam ser conseguimos encontrar sempre um livrito, por mais simples que seja, que poderá fornecer, pelo seu conteúdo, um contributo para um tema em discussão, ou neste caso, em comemoração.

Trata-se do opúsculo:

  

ALMEIDA, António José d' – Situação Clara – Carta Aberta ao Cidadão Manuel d' Arriaga. Lisboa, António José D' Almeida Editor, 1907. In-8.º de 16 págs. Brochado.


Dr. Manuel d’Arriaga
1º Presidente eleito da República

Trata-se de uma “carta”, endereçada a Manuel de Arriaga, na qual  António José de Almeida, que seria o 6º Presidente da República entre 1919-1923 (1), se debruça, no seu estilo de tribuno e orador eloquente, sobre a liberdade de imprensa, a repressão, a justiça e a ditadura de João Franco, período no qual foi objecto de vários processos em tribunal.

João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco
Arquivo Fotográfico do Fundão®


Aqui ficam as suas páginas.





















Como curiosidade, retenha-se que este opúsculo custava “apenas” 50 Réis, mas a taxa de analfabetismo ultrapassava os 70%!

Boa leitura e espero que esta vos faça relembrar algo da nossa História.


(1) Refira-se, como curiosidade, que foi o único Presidente da I República que cumpriu o mandato completo.


Saudações bibliófilas e republicanas!


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Francisco Moita Flores – «Mataram o Sidónio!»



“A Vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!”
Fernando Pessoa



“Mataram o Sidónio!”


Estou a ler!

No ano em que se comemora o I Centenário da República têm saído alguns títulos com inegável interesse.

Com se trata de um autor de que já li, por exemplo: “A Fúria das Vinhas” (1) , o qual me despertou grande interesse, decidi ler também o seu último romance.

Trata-se de “Um romance que vem da história. Uma história única para um romance inquietante e arrebatador.” como vem, e bem, anunciado na contracapa.


“A Fúria das Vinhas”

O assassínio do Presidente da República Sidónio Pais, ocorrido em 14 de Dezembro de 1918, é um mistério. Apesar de a polícia ter prendido um suspeito, este nunca foi julgado.

Nesse dia, após jantar no Restaurante Silva, localizado no Chiado, José Júlio da Costa dirigiu-se para a Estação do Rossio, onde aguardou a chegada do Chefe de Estado que devia partir rumo ao Porto no intento de resolver os problemas levantados pelas Juntas Militares. Quando Sidónio Pais se preparava para o embarque, no primeiro-andar da Estação, furou o duplo e compacto cordão policial que o protegia, ao mesmo tempo que disparava uma pistola, dissimulada pelo seu capote alentejano. O primeiro projéctil alojou-se junto do braço direito do Presidente, e o segundo, fatalmente, no ventre, fazendo com que a vítima caísse de imediato por terra.


José Júlio da Costa
(presumível assassino de Sidónio)

Apesar da enorme confusão que de imediato se instalou, e de resultaram quatro mortos, não tentou fugir, deixando-se capturar. Faleceu depois de 28 anos de prisão sem direito a julgamento.


Sidónio Pais:
“ Morro, mas morro bem.
Salvem a Pátria!”

A tragédia ocorreu quando Lisboa estava a braços com a pneumónica, a mais mortífera epidemia que atravessou o séc. XX e, ainda, na ressaca da Primeira Guerra Mundial. A cidade estava exaurida de fome e sofrimento. É neste ambiente magoado e receoso que Sidónio Pais é assassinado na estação do Rossio em Dezembro de 1918.

“A Polícia confundira todos aqueles que odiavam Sidónio e a sua política cesariana com assassinos em potência. A Maçonaria queria vê-lo destituído, a Carbonária talvez o quisesse desfeito em migalhas, os católicos queriam mais do o espavento das missas em que o Presidente participava, os integralistas exigiam uma política de ruptura, os democratas odiavam-no e por aí fora.

É neste quadroo de ódios, os resultados a que chegara apontavam para um miúdo de 22 anos, fascinado pelo turbilhão das sucessivas rebeliões sindicais, vaidoso da arma que mostrara a Ana Rosa, qu, num momento fortuíto da sua vida, conseguira estar próximo do objecto detodos os ódios e disoparar fortuitamente. E Asdrubal vivia com essa angústia dilacerante. Nem a arma fora recuperada, nem o rapaz, abatido como um cão, poderia ser interrogado”

 

Francisco Moita Flores

Francisco Moita Flores constrói um romance de amor e morte. Fundamentado em documentos da época, reconstrói o homicídio do Presidente-Rei, utilizando as técnicas forenses.

Os resultados são inesperados e "Mataram o Sidonio!" (2) é um verdadeiro confronto com esse tempo e as verdades históricas que ao longo de décadas foram divulgadas, onde o leitor percorre os medos e as esperanças mais fascinantes dessa Lisboa republicana que despertava para a cidade que hoje vivemos. E sendo polémico, é terno, protagonizado por personagens que poucos escritores sabem criar.

Não sendo um escritor de recorte estilístico elaborado; no entanto, como um dos mestres da técnica de diálogo, Moita Flores compensa largamente esse facto, e consegue provocar no leitor as mais desencontradas emoções que vão da gargalhada hilariante ao intenso sofrimento.

Para todos aqueles que gostam de uma boa prosa, num fundo histórico, é um romance que não devem deixar de ler.

Boa leitura!
Saudações bibliómanas.

 
(1) FLORES, Francisco Moita – “A Fúria das Vinhas”. Cruz Quebrada, Casa das Letras, 2007. 318 (3) pp. 1 ª edição. Brochado. Capa cartonada com badanas.
 
(2) FLORES, Francisco Moita – “Mataram o Sidónio!”. Alfragide, Casa das Letras, 2010. 295 (2) pp. 1ª edição. Brochado. Capa cartonada com badanas.