"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Um manuscrito árabe



Na sequência dos artigos anteriores, e para ilustrar a produção islâmica, apresento um manuscrito de um texto importante sobre a ciência da tradição profética árabe. Trata-se de «Al-Khulasa fi Usul Ma`rifat `Ilm al-Hadith» por Abu Muhammad al-Husayn b. `Abdallah b. Muhammad al-Tibi.





Escrito, no estilo nasta (1), sobre papel oriental indígena, com 34 ff. não numeradas, 21 linhas por página, 24,8x17 cm, encadernação moderna em pele verde escuro, no estilo árabe, com gravações nas pastas a seco.


O trabalho foi compilado principalmente com base nas obras de Ibn al-Salah, al-Nawawi e Badr al-Din Ibn Gama'a.


O manuscrito tem diversas variantes do título: « Al-Khulasa fi Ma`rifat `Ilm al-Hadith » (f. 1b), no colófon (f. 34b) tornou-se ainda mais curto o título: «Al-Khulasa fi `Ilm al-Hadith», e na página de título (f. 1a) é chamado «Al-Khulasa fi Usul al-Hadith».


O texto foi editado por Subhi al-Badri al-Samarra'i em Bagdade em 1423/2002, mas para esta edição não foi utilizado o manuscrito presente. Subhi al-Badri al-Samarra'i, usou para sua edição três manuscritos: um anterior a 771 (1369-1370), Istambul, Aya Sofia n. 435; um outro datado de 821 (1418), Cairo, National Library No. 239; e finalmente um de 1137 (1724-1725), Cairo, National Library n.º 175


O manuscrito não é datado, mas de acordo com uma nota marginal do colófon, f. 34b, ele foi recopiado de uma cópia em mãos de al-Sayyid al-Sharif, ou seja. Ali b. Muhammad al-Sayyid al-Sharif al-Gurgani (d. 816/1413), GAL G II, 216.



O manuscrito é uma boa impressão antiga podendo-se muito bem datar do século XV.


(1) Sobre os estilos da escrita árabe consulte-se «Caligrafia Árabe» por Mónica Muniz de que deixo aqui o link: http://caligrafiaarabe.no.sapo.pt/

Como leitura para os mais interessados deixo uma bibliografia sumária:

1. “L'art du livre arabe”
2. Al-Andalus. The art of Islamic Spain.
3. Islamic bookbindings. Haldane
4. The Ottoman World. The sepic. E. Attabey collection.
5. Empire of the Sultans Ottoman art from the collection of Nasser d.Khalili.
6. A history of writing.
7. The Alphabet David Diringer.
8. Paper before print The history and impact of paper in the Islamic world. Jonathan M.Bloom.
9. «Manuscripts of the Middle East» revista editada pelo Prof. Jan Just Witkam há cerca de 20 anos. Só foram publicados 6 números, ainda que estes sejam bastante procurados.
10. O Catálogo Smitskamp-Leiden n.º 635 contem bastante informação, assim como o Catalogo, mais antigo, Brill-Leiden n.º 400.

Saudações bibliófilas

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Livros muçulmanos em Portugal


No decurso das minhas anteriores divagações bibliófilas e fruto das minhas modestas pesquisas bibliográficas, referi, dum modo sumário, a história das primeiras impressões e seus impressores em Portugal.
Foi aflorada a questão da inexistência de livros impressos em árabe, quando a sua influência na nossa cultura é bem marcante.

Escola muçulmana

E cito Nuno Crato que diz: «Devemos à civilização islâmica a preservação dos escritos clássicos e a sua transmissão posterior ao Ocidente renascentista. Mas não só. Conhecem-se ainda mal as possíveis fontes de origem islâmica de Francisco Maurolico, Pedro Nunes, Nicolau Copérnico e de outros homens da ciência europeia. Mas as contribuições da ciência árabe no campo das matemáticas, das ciências náuticas e da astronomia deixaram marcas indeléveis. Basta pronunciar a palavra “álgebra”, por exemplo». (1)

Com efeito, só se conhecem livros impressos em árabe a partir do século XVI, de que desconheço a existência de qualquer impressor no nosso país.
No entanto, existe uma vasta produção de manuscritos árabes, escritos a partir do século IX, que certamente circularam no período referido.

O segundo califa de Abbasid, no período de 754 a 775 foi Abu Ja'far Abdallah ibn Muhammad al-Mansur (712 – 775), ou simplesmente Al-Mansur.
No ano 773, Al-Mansur recebeu um hindu erudito, um astrónomo chamado Mankha, que era capaz de falar sobre os céus como se fosse a reminiscência de uma viagem pessoal. Impressionado com os seus conhecimentos, Al-Mansur notou que o mundo islâmico poderia estar a ser muito prejudicado por desprezar o conhecimento acumulado pelas outras civilizações. Quando o astrónomo indiano Mankah presenteou Al-Mansur com uma cópia do «Siddhanta», revelando ao califa a fonte de seu grande conhecimento, Al-Mansur ordenou que os astrónomos persas começassem imediatamente a traduzir este importante texto científico.
Foi o ponto de partida para a tradução dos textos gregos ao saberem que estes eram a origem de grande parte do conhecimento incorporado ao «Siddhanta».

Entre os textos adquiridos no início do século IX pelos árabes estava o «Mathematike syntaxeos biblia ιγ» de Ptolomeu, o maior texto astronómico até então escrito. Os árabes mais tarde deram-lhe um novo nome, «Almagest». A data da sua primeira tradução para o árabe foi, provavelmente, o ano 827.

«Almagest»

De posse do «Almagest», traduzido para a sua língua, os árabes tinham os fundamentos básicos a partir do quais poderiam iniciar a sua própria investigação na ciência astronómica. Com o seu estudo, os filósofos árabes manifestaram um espírito crítico perante a ciência grega. Para eles Ptolomeu não devia ser aceito cegamente.
Foi o grande matemático e astrónomo Al-Kwarizmi (780-850) que recebeu o encargo de verificar e, possivelmente, actualizar o trabalho escrito por Ptolomeu.

Dos seus autores destaco Ibn al-Haytham.


Ibn al-Haytham

Abu Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham (965-1039), conhecido também como al-Basri ou pelo nome latinizado de Alhacen, foi um dos grandes nomes da ciência islâmica. Escreveu mais de 200 trabalhos sobre vários assuntos dos quais 50 sobreviveram (23 são sobre Astronomia).

O trabalho mais importante de al-Haytham foi sobre Optica. O seu livro «Kitab al-Manazir» (Livro de Óptica), escrito entre 1011 e 1021, é considerado como um dos mais importantes tratados de Física escritos até hoje por iniciar uma revolução nesta ciência. Neste livro al-Haytham provou que as propostas de Euclides, Ptolomeu e Aristóteles estavam erradas e desenvolveu a teoria que explica o processo da visão por meio de raios de luz que atingem o olho provenientes de cada ponto de um determinado objecto.

Entre os anos 1025 e 1028 Ibn al-Haytham escreveu o livro «Al-Shukuk 'ala Batlamyus», traduzido como «Dúvidas relativas a Ptolomeu». Nele Ibn al-Haytham criticava muitos dos trabalhos de Ptolomeu, incluindo o «Almagest» e seu livro «Optica». Segundo al-Haytham alguns dos artifícios matemáticos introduzidos por Ptolomeu na sua descrição do universo, em particular o equante, não satisfaziam as exigências de um movimento circular uniforme. Em seguida Ibn al-Haytham propôs o primeiro modelo não-ptolomaico rejeitando os equantes e ecentricos postulados por Ptolomeu, mas continuou a aceitar o seu modelo geocêntrico.

Durante a Idade Média, os livros de al-Haytham sobre Cosmologia foram traduzidos para o latim, hebreu e várias outras línguas. Muitos historiadores consideram-no o maior cientista de toda a Idade Média e que os seus trabalhos permaneceram insuperados por aproximadamente 600 anos até a época de Johannes Kepler.

Espero não os ter maçado muito com estas minhas divagações, mas penso ter sido importante fazer este parêntesis nos meus artigos para se formar uma ideia mais completa da produção literária e das suas raízes.

Saudações bibliófilas

(1) Para leitura e consulta deixo, na integra, a versão pdf do texto de Nuno Crato: