"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eliezer Toledano - Impressor em Lisboa


No decurso das minhas modestas pesquisas bibliográficos sobre os primeiros livros impressos em Portugal, não consegui deixar de ficar fascinado pelas edições judaicas.
Na verdade é de salientar, que apenas no curto espaço de nove anos, de 1487 a 1496, produziram várias obras, na sua grande maioria de caracter religioso, o que se compreende facilmente pelo espectro da expulsão que sobre eles pairava, e todas elas com grande qualidade tipográfica.
É este fascínio que quero compartilhar convosco...




Mas vejamos o que nos diz Maria Calado (Vice-presidente do CNC) no seu artigo «Rota dos Judeus 2 - Costa de Prata» publicado no «Diário de Notícias» em 1 de Agosto de 2006, sobre a importância cultural dos Judeus no nosso país:

“No séc. XV, Portugal tornou-se o mais importante centro da cultura sefardita. Acolheu, temporariamente, os grandes sábios judeus da época, entre os quais Isaac Aboab, o líder espiritual da comunidade judaica da Península Ibérica, Salomão Ibn Verga, autor de Schébet Yehudah (A Vara de Judá, crónica em que narra a vida dos judeus na península), e Abraão Saba, exegeta, pregador e cabalista. Guedelha Palaçano, que foi rabi-mor no tempo do rei D. Afonso V, ocupou uma posição privilegiada no panorama político e cultural português do século XV, familiarizando-se com os textos clássicos e os valores do humanismo quatrocentista. Escreveu em Lisboa um tratado sobre a Providência Divina, mas a maior parte do seu trabalho foi desenvolvida após a saída do país, em 1483, acusado de participar na conjura para depor o rei D. João II. Viveu alguns anos na Corte de Castela e em 1492 instalou-se em Itália, onde permaneceu até à morte, em 1508. Os filhos de Isaac Abravanel, todos nascidos em Lisboa, foram homens cultos e respeitados pelo seu saber. O mais famoso deles, Judá Abravanel, conhecido como Leão Hebreu, deixou uma importante obra literária e filosófica.
Ainda no domínio da cultura literária, destacaram-se
Eliezar Toledano, Samuel Gacon, Samuel d'Ortas e Abraão d'Ortas, nomes ligados aos primórdios da Imprensa em Portugal. A Samuel Gacon se deve a edição do primeiro incunábulo português, uma impressão do Pentateuco, feita na sua oficina em Faro, em 1487. A oficina de Eliezer Toledano funcionou em Lisboa, produzindo, entre 1489 e 1492, pelo menos oito obras conhecidas em hebraico. Do mesmo modo, em Leiria, a oficina familiar de Samuel d'Ortas e seus filhos também executava trabalhos de impressão. Foi daquele prelo que saiu a primeira edição do Almanach Perpetuum de Zacuto, em 1496.
No campo artístico ficou a dever-se aos judeus o aperfeiçoamento da iluminura. Algumas escolas de copistas instaladas em Lisboa e nas principais cidades formaram grandes artistas que ilustraram algumas das obras de temática judaica e outros manuscritos importantes da época.
Entre os copistas mais importantes encontramos
Samuel de Medina, Eleazar Gagosh e Samuel Musa Filho.”


Tipografia


O «Comentário ao Pentateuco» , do rabino medieval espanhol Moisés ben Nahman (Nahmanides) foi o primeiro livro impresso em Lisboa, igualmente em hebraico, impresso por Eliezer Toledano em 1489, com o patrocínio de David Ibn Yahya. O livro foi produto de vários artesões, que trabalhavam sob a direcção do médico, estudioso e tipógrafo Eliezer Toledano, em cuja casa funcionava a tipografia.
Esta edição da exegese de Nahmanides é um dos primeiros comentários impressos para a Tora. O texto bíblico não é incluído com o comentário, o leitor teria de fazer referência a outro livro para o texto da Bíblia.



Moses ben Nahman [ Nahmanides ], de Gerona, 1194-1270
[ Hidushei ha-Torah ]
Lisboa, Eliezer b. Jacob Toledano,16 Julho 1489


Conhecido como Nahmanides, Moisés ben Nahman nasceu em Espanha e morreu na Terra Santa.
Uma das grandes mentes da erudição judaica durante a Idade Média, foi autor de mais de 30 obras. Este volume, um comentário sobre o Pentateuco, é considerado a sua obra-prima. A primeira edição foi impressa em Roma cerca de 1480. Esta segunda edição foi o primeiro livro impresso em Lisboa.

Conhece-se um exemplar na British Library e outro na Biblioteca de UCLA (este está quase completo, o que é raro para um incunábulo hebraico). Na Biblioteca da UCLA, este é o livro impresso mais antigo na colecção de estudos judaicos.


Pormenor da impressão

O texto hebraico é de uma composição de belas e nítidas letras. O texto da página de título está enquadrado por uma cercadura gravada em madeira, várias folhas apresentam igualmente as inicias enquadradas por gravados em madeira.


Página inicial do «Livro dos Números» – Ba- Midbar – o quarto livro
dos cinco livros de Moisés

ELIEZER B. ABRAHAM IBN ALANTANSI, era proprietário de uma tipografia e médico em Hijar, Espanha. Os livros produzidos pelas prensas de Eliezer são caracterizados pela sua perfeição técnica e bela decoração. Animais finamente gravados, frutos, flores e linhas ornamentais realçavam o fundo preto e, o mesmo equilíbrio entre o preto e o branco, é mantido na composição das iniciais. Estas gravuras em metal são trabalho de Alfonso Fernández de Córdoba, um ourives, cinzelador de caracteres e impressor em Valência.



Bíblia. Pentateuco. Hebreu
[ Hamishah humshei Torah ]
Híjar, Eliezer ibn Alantansi, por Solomon b. Maimon Zalmati, 19 Julho - 17 Agosto 1490



A cidade de Híjar, em Aragão foi, foi depois de Guadalajara, o segundo maior centro de impressão hebraico em Espanha. Esta folha de pergaminho único é um fragmento da primeira edição espanhola do «Comentário a Onkelos de Targum e da Rashi», que acompanham o texto bíblico não anotado (as vogais foram adicionadas, mais tarde à mão, nesta cópia). O último livro datado da tipografia de Híjar, publicada menos de dois anos antes da expulsão, também é o último livro Hebraico datado conhecido como impresso em Espanha.

ELIEZER TOLEDANO impressor, cuja a primeira obra impressa - «Comentário ao Pentateuco», tem a data, no colófon de 16 de Julho de 1489, e mostra como local de impressão Lisboa.
Eliezer como o seu homónimo, era também médico e usava na impressão dos seus livros a cercadura, letras iniciais e tipos de impressão encontrados nas obras da tipografia de Hijar. Torna-se, portanto óbvio, poder assumir-se a identidade destas duas impressoras, especialmente porque a actividade de Hijar, de ELIEZER B. ABRAHAM IBN ALANTANSI, terminou aproximadamente na altura em que se iniciou o trabalho em Lisboa.
A distância entre Lisboa e Hijar é de aproximadamente 400 milhas, com Toledo a meio-caminho; não é surpreendente que o recém-chegado tomasse um nome diferente do que ele tinha no seu local de partida.
Este facto pode ser tido em paralelo com muitos exemplos do Judaísmo Europeu durante a Idade Média até ao final do século XVIII, mas não se pode tomar como facto consumado, enquanto não vierem mais factos à luz das investigações.

Deixo aqui imagens do segundo livro impresso, em Lisboa, por Eliezer Toledano.
Trata-se de um livro de oração:



David b. Joseph Abudarham, de Sevilha, fl., séc. XIV.
[ Perush ha-Berakhot ve-ha-Tefilot ]
Lisboa: Eliezer Toledano, 25 Novembro1489.


Como todos os outros livros, os de oração judeus, foram distribuídos durante séculos na forma de manuscrito, até que edições impressas, no período do incunábulo, foram gradualmente substituindo as cópias manuscritas. O interesse intelectual na liturgia judaica era tal que um comentário sobre o livro de oração foi um dos primeiros livros publicados em Portugal no século XV.



Escrito em 1340, o «Comentário da Abudarham sobre a liturgia completa da Sinagoga», incluindo as regras de intercalação, foi o segundo livro impresso em Lisboa.



Espero que tenham apreciado esta digressão pelos primórdios da impressão em Portugal, e pelas edições hebraicas, tanto como eu gostei de as divulgar.

Para os mais curiosos, e entusiastas sobre a impressão hebraica, deixo aqui dois “links” que me parecem interessantes.

Jewish Publishing:
http://www.nawpublishing.com/expansionpages/ephemera/jewish_publishing.htm

Alphabet, The Hebrew:
http://www.jewishencyclopedia.com/view.jsp?artid=1308&letter=A&search=alphabet

Saudações bibliófilas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O primeiro livro impresso em Portugal (2)


Portugal conhece a Imprensa em 1487.
Durante muito tempo foi considerado com o primeiro livro impresso em português a «Vita Christi», em 1495, até que V. Pina Martins, em 1965, dava a conhecer o «Tratado da Confissom», impresso em Chaves.
Rosemarie Erika Horch, do Brasil, tenta provar que afinal foi o «Sacramental» de Clemente Sanchez Vercial, uma vez que se poderia reconstituir o seu colófon, por informação bibliográfica posterior, e atribuindo-lhe a data de impressão em Chaves a 18 de Abril de 1488.
O «Sacramental», obra pastoral redigida entre 1421 e 1425 em língua castelhana, trata da forma como deve viver o homem medieval, abordando a alimentação, as relações familiares, as relações sociais, a relação com Deus, o trabalho, o descanso, a saúde, a doença e a sexualidade, faz dele um documento indispensável para o estudo da sociedade medieval portuguesa, foi um dos livros mais lidos durante o século XV.
Foi proibido pela Inquisição no século XVI e consequentemente queimado. Teve várias edições impressas em língua castelhana e portuguesa.
O «Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial, obra pastoral redigida entre 1421 e 1425 em língua castelhana, depois dos livros destinados ao ofício religioso, foi o livro mais impresso na Península Ibérica, desde a introdução da imprensa até meados do século XVI.

Das edições em português, duas foram impressas no século XV (Chaves, 1488 (?); e Braga (?), ca. 1494-1500 e duas no século XVI (Lisboa, 1502; e Braga, 1539).

Mas já antes se conhecia o «Pentateuco», de Faro, impresso por Samuel Porteira Gacon em 1487.


«Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial (edição de 1539)
Frontíspicio


«Sacramental» de Clemente Sánchez de Vercial (edição de 1539)
Página interior

Não existe qualquer dúvida de que os hebreus foram os primeiros impressores em Portugal.
Desde 1487, quando se imprimiu, em Faro, o «Pentateuco» hebraico, até à expulsão dos judeus por D. Manuel, I em Dezembro de 1496, imprimiram-se vários livros hebraicos.
O primeiro judeu a fugir de Espanha foi Samuel Gacon que se fixa em, Faro. E a razão é fácil de descobrir. Em Espanha, após a publicação do Manual inquisitorial de Torquemada (1484), advinhou-se a perseguição aos judeus.

Um judeu atento deveria pôr-se a caminho ... e foi o que Gacon fez!

De Sevilha, no sul de Espanha, romou a Faro, no sul de Portugal. Faro era então a primeira povoação portuguesa importante, quase na fronteira, e porto de mar movimentado quer para o comércio com Espanha e o Mediterrâneo quer para o norte de África. Foi por aqui que entraram os impressores judeus, os quais, depois avançaram para Lisboa e Leiria.
Eles procuraram, sobretudo, cimentar a sobrevivência da sua religião e da sua cultura ameaçadas. O tempo de perseguições, que se desenhava no horizonte, não lhes permitiu abrir-se com interesses económicos, facilmente previsíveis, à impressão de obras pragmático-funcionais em latim e em português. A tipografia aparecia como um instrumento de defesa na prática judaizante e de propaganda proselitista; ela funcionava como um talismã esotérico para consumo interno e fortalecimento dos judeus.

No que se refere a Chaves é difícil de se entender. Chaves era e é povoação fronteiriça, mas não foi sede primeira de imprensa em português por ser lugar de passagem e albergaria de peregrinos para Compostela. De facto, o arcebispo de Braga, D. João Peculiar (c.a de 1175) ali construíra uma albergaria para peregrinos de São Tiago. Ora se os livros se destinavam ao clero e não aos peregrinos, tal impressão só se entende pela acção dos arcebispos de Braga. A razão da sua impressão em Chaves dever-se-ia à facilidade de fazer vir ali, mesmo na fronteira, impressores itinerantes de Espanha. Portanto nada custa a aceitar que o arcebispo de Braga por meio dos clérigos da Colegiada de Chaves, criada em 1434 pelo arcebispo D. Fernando Guerra, se tenha servido de impressores de Oviedo (conforme opina o Prof. Dr. José Marques) fazendo-os vir à cidade fronteiriça de Chaves. Deste modo a maior e melhor diocese de Portugal fazia a descoberta da imprensa que, no ano anterior, chegara a Faro, e punha-a, desde logo, ao serviço da religião e da pastoral da fé.

Como já foi dito, os impressores judeus estavam distribuídos por três centros:

Faro(1487-1492):
Samuel Porteira Gacon
«Pentateuco» (1487) e «Talmud» (1492?)

Lisboa (1489-1492):
Elieser Toledano
(judeu vindo de Toledo) – «Comentário ao Pentateuco» (1489); «Comentário à Ordem das Orações» (1490?); «Caminhos do Mundo», «Livro do Temor», «Segredos da Penitência» (1490?): «Pentateuvco» (7 de Agosto de 1491); «Provérbios de Salomão» (1492?) «Isaías e Jeremias» (1492) «Leis da Matança» (1492?)

Leiria (1492-1496):
Samuel d’Ortas
(provavelmente oriundo de França) e seus filhos«Provérbios de Salomão» (25 de Julho de 1497), «Profetas Primeiros» (26 de Janeiro de 1497) e «Caminho da Vida» (12 de Junho de 1495)

Todos estes judeus vêm certamente de Espanha fugidos à Inquisição de Fr. Tomás de Torquemada.(1486) que já em 1484 publicara o 1º código inquisitorial de claro pendor anti-judeu. Aliás, o acontecimento decisivo para a sua vinda para Portugal deve ter sido a perseguição dos Reis Católicos (1487).
O rabi Elieser Toledano foi o tipografo que mais livros imprimiu em Portugal e trás no sobrenome a matriz da sua proveniência. Parece mesmo que estava, desde 1485, ligado aos impressores de Hijar (Aragão).
Todos imprimiram em hebraico e só Abraão d’Ortas imprimiu em latim o «Almanach perpetuum» (1496) do judeu Abraão Zacuto.
É evidente a temática religiosa dos livros impressos em hebraico.

Nos primórdios da imprensa predomina na Europa os incunábulos latinos. Este predomínio do latim explica-se facilmente pelo gosto clássico do Renascimento e pela influência da Igreja que fazia do latim a sua língua oficial. As línguas vernáculas europeias ainda estavam no período de formação e afirmação pelo que não se prestavam para divulgação das ciências do tempo.

Neste capítulo, destacam-se dois impressores alemães, que já imprimiam em latim, João Gherline era um tipografo itinerante que trabalhou em sucessivamente Barcelona 1496, Galiza, Braga, 1492-1494 e Salamanca.
Valentim Fernandes de Morávia, veio de Sevilha (1493) e demorou-se longamente em Portugal. Ao seu serviço terá ido a África e morreu em 1519. Foi o único alemão que adaptou o seu nome ao idioma português. A ele se deve «Vita Christi» de Ludolfo da Saxónia, impresso a expensas da rainha D.ª Leonor, viúva do rei D. João II. É considerado o mais belo incunábulo em língua portuguesa. Em 1512 imprimiu as «Ordenações» do rei D. Manuel I.

«Vita Christi» de Ludolfo da Saxónia

É aqui que nos aparece o primeiro impressor português, Rodrigo Alvares, natural de Vila Real, mas a exercer na cidade do Porto.
A 4 de Janeiro é publicado, no Porto, o primeiro livro totalmente português. Trata-se das «Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto» livro produzido pelo primeiro impressor português: Rodrigo Álvares.
«As Constituições que fez ho Senhor dom Diogo de Sousa», acabadas pelo «mestre de emprentar livros» em 4 de Janeiro de 1497, são uma impressão com 32 fólios.

«Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto»

Os incunábulos portugueses e latinos têm, mais uma vez se deve realçar, um caracter religioso: devocional, litúrgico, moral e jurídico. Só o «Almanach perpetuum» de Abraão Zacuto podia apresentar algum interesse para o espírito geográfico-cientifico que então animava os portugueses.
Quanto aos patrocinadores das edições aparecem bispos diocesanos, os Estudos Gerais e particulares; o rei e a coroa mal aparecem.
A ideologia religiosa promoveu a Imprensa em Portugal, mas também a ideologia religiosa a limitou e cerceou.

No entanto, são deste período, alguns dos exemplares de melhor aspecto e qualidades gráficas que se produziram em Portugal.
Nos finais do século XVI e início do século XVII a Imprensa vai conhecer um período menos opulento.

Bibliografia:

BESSA, Paula Virgínia de Azevedo – «Pintura Mural na Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Meijin»

DIAS, Geraldo A. J. Coelho – «A Ideologia Religiosa e os Começos da Imprensa em Portugal»

Veja-se como complemento e documentação gráfica:
http://tipografos.net/historia/imprensa-em-portugal.html

Saudações bibliófilas.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O primeiro livro impresso em Portugal


O primeiro livro impresso em Portugal deve-se a Samuel Porteira Gacon.
Gacon fazia parte da comunidade judaica algarvia. Residia na judiaria de Faro, localizada na Vila-Adentro, no local onde foi construído mais tarde o Convento de Nossa Senhora da Assunção.

Frontispício do «Pentateuco»
Fotografia: Hélio Ramos

Trata-se de um «Pentateuco», incunábulo religioso impresso em hebraico com 110 fólios, na tipografia de Samuel Gacon. No colófon tem a data de 30 de Junho de 1487.
Desta obra o único exemplar conhecido encontra-se na British Library em Londres.
Com efeito, no ano de 1596, foi roubado, aquando do saque à cidade de Faro, pelo corsário inglês Robert Devereux, 2º Duque de Essex. Neste saque foram levados cerca de 3.000 livros

Neste período, e em consequência da "escaramuças" da Inglaterra, governada por Isabel I, com a Espanha, governada por Filipe II. os saques, conduzidos por corsários com o beneplácito da Rainha, às cidades costeiras, na Península e nas Colónias, bem como às naus, que faziam o trajecto das Colónias para o Reino, eram constantes.
Refira-se que Portugal, na época, fazia parte da mesma, pois estava sob o domínio filipino, desde 1580.


Filipe II Rei de Espanha (Filipe I Rei de Portugal)

D. Filipe II de Espanha nasceu em Valladolid a 21 de Maio de 1527 e faleceu em El Escorial, a 13 de Setembro de 1598. Foi Rei de Espanha, a partir de 1556, e Rei de Portugal, como D. Filipe I, a partir de 1580.

De regresso a Inglaterra, o Duque de Essex presenteou o seu amigo Thomas Bradley com o saque.
Este despojo foi integrado numa das cinco mais importantes bibliotecas históricas do Reino Unido a Bodleian Library of Oxford.


Bibliografia:

Heitlinger, Paulo – Samuel Gacon (séc. xv)
http://tipografos.net/historia/index.html

«INCUNABULA»
http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/judaica/ejud_0002_0009_0_09521.html

Rodrigues, Manuel Augusto [editor]. «Pentateuco». reprodução fac-similada do mais antigo livro impresso em Portugal (com impressão concluída, no prelo de Samuel Gacon, em Faro em 30 de Junho de 1487) - "Reedição" do exemplar depositado na British Library, London. - Faro: Ed. do Governo Civil, 1991. LXIX, 221 S. : Ill.

Saudações bibliófilas

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Um livro dificil...

Quero apresentar-vos hoje um livro do século XVI, que considero difícil, não pela sua extrema raridade, é efectivamente um livro raro e de uma grande qualidade tipográfica do qual não tenho conhecimento de que tenha sido vendido algum exemplar nos últimos 30 anos, mas sobretudo pela sua classificação e data de tiragem...o que constitui um grande desafio para qualquer bibliófilo.
Trata-se de:

AEMILIUS (PAULUS) - PAULI AEMILII VERONENSIS DE REBUS GESTIS FRANCORUM. LIBRI IIII.

Regio privilegio cautum est nequis intra triennium in Regno Franciae hoc opus rursus imprimat:aut alibi impressum vendat.

Venundantur in aedibus Iodoci Badii Ascensii. s.l.n.d. (Paris, Josse Bade, ca 1516-1519)


Nascido em Verona, Paolo Emili veio para França durante o reinado de Carlos VIII. Pensionista do rei desde 1489, foi encarregue de redigir um História da Monarquia Francesa, em latim. Levou quase trinta anos na sua redacção: os seis primeiros livros apareceram em 1517 e 1519 (edições consideradas raras); a sequência, redigida, conforme as suas notas, pelo seu amigo Zavarizzi, foram anexadas às edições de 1539 e 1544.

Josse Badius Ascensius (1462-1535), nascido em Lyon foi um impressor famoso assim como um grande humanista.


Trata-se de um volume pequeno in-fólio (30 x 21,5 cm) de CCLXXXVIII fls. incluindo o titulo. Título com uma cercadura historiada gravada em madeira, com a marca do impressor (imagem do sua oficina). Encadernação inteira de pele castanha com decorações a frio (restauro antigo na lombada), as capas tem algum desgaste esbatido, mas a encadernação mantem-se bastante sólida. O interior é impecável sem manchas ou picos de humidade. Exemplar com grandes margens.




Apresenta um ex-libris manuscrito dos Camilianos, nome usual da Ordem dos Ministros dos Enfermos (MI), fundada em 1590 pelo religioso italiano S. Camilo de Lellis e voltada à assistência espiritual e corporal dos doentes. Um outro ex-libris manuscrito, com nome não decifrável, mas com caligrafia do início do séc. XVI, (provavelmente o seu primeiro proprietário), carimbo de tinta antigo com D e M, com uma cruz, inscritos dentro de um círculo (provavelmente anterior ao séc. XVIII) e o ex-libris de Mathieu Lützenkirchen (1862-1924) actor dramático austríaco.

Estas marcas permitem-nos seguir um pouco o percurso e a posse do livro.




Mas agora é que começa a dificuldade bibliófila da sua datação, pois esta só é possível, segundo Ph. Renouard fazer-se de acordo com o número de folhas do exemplar.

Resumidamente:
1º estado: CXXIIII fls. O volume só contem os quatro primeiros livros
2º estado: CXXIIII fls. O volume contem os sete livros, em vez dos quatro.
3º estado: CCLXXXVIII fls. Compreende os nove livros
4º estado: A colação é a mesma, que a do terceiro estado, mas os quatro primeiros livros e o título são de uma nova impressão com os erros assinalados nos estados anteriores corrigidos.
5º estado: Idêntico ao quarto, mas a Operis impressi recognitio, as adendas, etc., são suprimidas e substituídas por uma nova errata, em 2 fls. assinaladas * : In septem libris reponenda. // colocado no fim do volume, depois do nono livro. Estas duas fls. faltam neste exemplar. Uma carta de Erasmo a Josse Badius, de 21 fevereiro de 1517 (n. st.) indica que os quatro primeiros livros estavam já publicados nesta data; uma outra carta de Pierre Aegidius a Erasmo, de 19 junho de 1519 informa que nesta época: Paulus Aemilius reliquos historiarum suarum libros formulis excudendos Badio tradidit.

Concluo tratar-se da obra no seu quinto estado, com a falta das referidas folhas de errata, e como tal impressa entre 1516 e 1519, muito provavelmente em 1518.



Referências : Ph. Renouard, Bibliographie des impressions de Josse Badius Ascencius (1462-1535), Paris, 1908, voir tome II, p. 2-3. Michaud, Biographie universelle, tome XIII, p. 119-120 (éd. 1815).
Quero expressar aqui a minha gratidão aos meus amigos Bertrand H.- R. e a Alain M., pela sua preciosa colaboração, sem as quais não poderia ter escrito este artigo


No entanto, apesar da minha exposição, os livros em latim só devem merecer a nossa atenção quando impressos pelos grandes impressores Josse Bade, Alde, Estienne, Colines, Kerver, etc., visto a sua procura não ser a mesma de há alguns anos atrás (ler latim é sempre um grande problema, e, como sempre disse, um livro vale, sobretudo, pelo prazer da sua leitura!)

Como curiosidade, anexo a Ficha de Identificação deste mesmo livro na Biblioteca Nacional de França:

Emili , Paolo (1460-1529) , Auteur
Titre
Pauli Aemilii Veronensis De Rebus gestio Francorum libri IV...
Publication
[Parisiis] : vaenundantur in aedibus Jodoci Badii , [circa 1518]
Description
287 [sic pour 288]-[2]ff. : titre dans un encadr. gravé 2°
Notes
H 146
Impr. par., II, 751
Moreau, Inv. éd. par., II, 1810
Renouard, Badius, II, pp. 2-3
Marque de Bade (Renouard, 22, état IV]
Ed. comprenant les 8e et 9e livre, probablement citée dans une lettre d'Erasme du
19 juin 1518)

Obrigado pela vossa paciente leitura e comentários