"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

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domingo, 30 de julho de 2017

Miguel de Carvalho – o livreiro na Figueira da Foz



Pelourinho da Figueira da Foz (Portugal)
Praça General Freire de Andrade, também conhecida por Praça Velha
© anibaljosedematos.blogspot.com

Como escreveu na divulgação das novidades bibliográficas JULHO 2017 (http://www.livro-antigo.com/livros/7-2017/), em que apresenta para venda uma selecção de livros curiosos correspondendo às últimas novidades bibliográficas da livraria:

Informo que de 1 a 5 de Agosto estamos de portas abertas, em jeito de pré-abertura, na futura livraria sito na Figueira da Foz (Rua do Figueirense, 12-14) junto ao Pelourinho na Praça Velha das 15:00 às 19:30. Encontra a localização exacta na seguinte localização:



Miguel de Carvalho

Como é do conhecimento de quase todos, Miguel de Carvalho iniciou a sua actividade de livreiro antiquário em 1994 por influência do seu amigo Bernardo Trindade, filho de um dos mais antigos livreiros antiquários do país. No ano seguinte, após terminado a licenciatura em Engenharia Geológica em Lisboa, dedica-se por exclusividade à actividade de Livreiro Antiquário abrindo a sua primeira livraria em Coimbra. De uma forma geral trabalha os livros antigos que dizem respeito à Cultura Portuguesa, tendo no entanto e por paixão ao tema, enveredado pela Literatura Portuguesa do séc. XIX e XX.


Miguel de Carvalho - livreiro antiquário

No entanto, o livro antigo também está sempre muito bem representado no seu excelente acervo.
É precisamente nesta temática que eu respigo os livros presentes nesta lista de novidade.
Vamos então espreitar um pouco estes exemplares:



13557. CARVALHO, António Joaquim de – OS TOIROS, Poema heroe-Cómico. Typografia Nunesiana, Lisboa, 1796. In-8º de X-89 págs.

Encadernação coeva em carneira com dizeres em rótulo de pele na lombada. Guardas em papel marmoreado da época. Papel mantendo a sonoridade original.

PRIMEIRA EDIÇÃO.
RARO.



Observações:   

Um dos mais apreciados poemas herói-cómicos da nossa literatura que explora  o ridículo de alguns episódios tauromáquicos. É um poema em quatro cantos e é considerado o melhor trabalho deste autor conhecido como "poeta jocoso".

Inocêncio I, 159. “Presumo que fosse natural de Lisboa; porém não o affirmo por falta de noticias certas. Parece que exercera em principio a arte de cabelleireiro, a qual deixou depois pela profissão de mestre de dança. Morreu octogenario, quasi cego e pobrissimo em 1817, morador na rua do Crucifixo; e que fora sepultado na ermida da Victoria. Não declara porém a sua naturalidade, nem os annos que tinha quando morreu. Os Touros: Poema heroi comico. Ibi, na Typ. Nunesiana 1796. 8.o de X 89 pag. - Ibi, na Imp. de João Nunes Esteves 1825. 8.o de 52 pag. Este poema em quatro cantos, em oitava rima, passa entre os criticos por uma das melhores, se não pela melhor de todas as produções do auctor. Alguns chegaram até a duvidar de que fosse obra só dele, e disse se que Belchior Manuel Curvo Semedo o polira e retocara antes da impressão”

Preço:      95,00€



13845. CARVALHO, Hieronimo Ribeyro – SERMAM DA PURISSIMA E IMMACULADA CONCEIÇAM DA SEMPRE VIRGEM MARIA. Em Santa Anna, pregou-o o Doutro Hieronimo Ribeyro de Carvalho, Chantre da Sé de Coimbra, anno 1672. Na officina de Rodrigo de Carvalho Coutinho, Coimbra, 1673. In-8º de 24- (2) págs. Br.

Ostenta anotações da época em algumas páginas.

PRIMEIRA EDIÇÃO
INVULGAR

Observações:   

Sermão sobre a Imaculada concepção de Maria proferido por Jerónimo Ribeiro de Carvalho chantre da Sé de Coimbra durante o século XVII e que foi um dos principais pregadores do seu tempo.
Inocêncio III, p. 275.

Preço:      35,00€



12533. PALAFOX Y MENDOZA, Juan de – LUZ A LOS VIVOS, Y ESCARMIENTO EN LOS MUERTOS. En Madrid Por Bernardo de Villa-Diego, Madrid, 1668. In-4º de  40-380-28 págs. 



Encadernação coeva em pele com florões e dizeres gravados na lombada apresentado localmente fortes sinais de manuseamento, sem prejuízo da estrutura sólida do livro. Mancha de humidade em alguns fólios. Primeira folha com ligeira falha de papel marginal. Folha de rosto com cercadura decorada. Texto impresso em duas colunas.

MUITO RARO.


Observações:   

Obra mística, escrita por Don Juan de Palafox y Mendoza no século XVII, de grande difusão nos séculos XVII e XVIII, é considerada uma das obras religiosas mais obscuras da época pois nele se abordam os contactos de freiras com defuntos que lhes narram os seus pecados e castigos e que servem com alegorias para os leitores.

Preço:      180,00€


Embora já um pouco fora desta temática, deixo também aqui notícia sobre esta obra, que pela divulgação que este jogo de cartas teve em Portugal no séc. XIX, terá bastante interesse para os mais estudiosos deste período.



13832. TRATADO DO JOGO DO VOLTARETE, com as leis geraes do jogo. Typ. de José Baptista Morando, Lisboa, 1862. In-8º de 216 págs.



Encadernação coeva inteira de pele com dizeres a ouro e florões na lombada.

INVULGAR.



Observações:   

Livro com as regras de jogo do voltarete que era um jogo de cartas do séc. XVIII. Parece ter sido o antecedente do whist e divulgou-se um pouco por toda a Europa. Em Portugal e no Brasil conheceu franca adesão, sendo referido por Eça de Queiroz e Machado de Assis em algumas das suas obras. Era jogado por 3 parceiros, utilizando um baralho de 40 cartas, dando-se, inicialmente, 9 cartas a cada, ficando as 13 remanescentes na mesa.

 Preço:     45,00€


Livraria do Adro - Coimbra

Com esta pequena amostra do muito que poderão encontrar na livraria, fica igualmente o convite para um passeio até à Figueira da Foz sempre com local de veraneio, mas também com interesse cultural, paisagístico e gastronómico…e deslocarem-se até este novo espaço onde poderão encontrar obras de interesse para da óptima conversa com o livreiro-antiquário e poeta.

Saudações bibliófilas.

Nota: tanto os descritivos como as fotografias são da responsabilidade e copyrigth do livreiro-antiquário embora tenha feito algumas alterações para estarem de acordo com a forma habitual do blogue)

domingo, 28 de agosto de 2016

Apontamentos Surrealistas IV: A opinião do Miguel de Carvalho


Depois e ter escrito alguns textos sobre o Surrealismo, cada vez me apercebia mais de que os meus conhecimentos sobre o tema eram manifestamente muito “básicos”, e isto para utilizar uma expressão muito branda.


uma cidade de ideias
de Miguel de Carvalho

Como as dúvidas aumentavam e, sobretudo o receio de estar a transmitir uma ideia errada sobre o tema, optei por pedir o apoio a alguns livreiros-antiquários que me pareciam reunir as condições para o fazer, atendendo aos seus conhecimentos bem como pela sua especialização que se detecta nos catálogos das suas livrarias, sob a forma de uma entrevista que fosse simultaneamente esclarecedora sobre o tema e com se poderia formar uma colecção sobre o surrealismo

Prontamente o meu prezado e estimado amigo Miguel de Carvalho se prontificou a responder.

E é precisamente o resultado dessa entrevista que hoje vos apresento.


Miguel de Carvalho – livreiro-antiquário, artista e poeta.

“Quem escreveu o artigo foi o miguel-autor e não o livreiro livreiro, embora o miguel-autor tenha sido aconselhado pelo miguel-livreiro.
O que quis salientar foi o que realmente interessa a quem entra neste tema
Os livros pelos quais deve consciencializar, o resto é paisagem... o mercado, o futuro, etc ...”
(Miguel de Carvalho)

Mas obviamente que aquilo que se irá ler é de uma importância capital para um principiante – que é o meu caso – e um alerta para os erros que se poderão cometer .

“Lembre-se que quem começa, em especial um menos jovem, deve começar pelo mais acessível para imbuir-se do espírito e não atacar logo pela via do mais caro, pois eu conheço [algumas] pessoas que se diziam bibliófilas do surrealismo com muito dinheiro que se limitaram a comprar apenas como mercado de bolsas de valores.
[Nomeadamente uma delas] …entendia bem o espírito, mas faltava ali algo que ele não dava importância: os textos essenciais do movimento em colaboração com os estrangeiros...que são ESSENCIAIS... as revistam mundiais onde colaboraram os portugueses são CAPITAIS.”
(Miguel de Carvalho)

Claro que só um surrealista assumido e bem imbuído neste espírito poderia ter a frontalidade de responder da forma como o faz.


Monólogos de perder a vista
(Santuário de Nossa Senhora dos Remédios)
de Miguel de Carvalho

E, a este propósito, relembro o seu livro mais recente – Neste estabelecimento não há lugares sentados – que é de uma excepcional beleza poética (na opinião do rui-leitor, nas aqui o rui-bibliófilo não pode deixar de alertar para o facto de o livro se ir tornar numa raridade, pois teve apenas uma tiragem de 250 exemplares (dos quais 15 numerados, assinados, acompanhados pelas três fotografias originais do livro e acondicionado em estojo próprio)



Carvalho, Miguel de – Neste estabelecimento não há lugares sentados. Lisboa, Alambique, 2016. 75 (2) págs. Brochura. Arranjo gráfico de Inês Mateus.

Antes de transcrever a entrevista, quero deixar claro, que todas as notas são da minha inteira responsabilidade, tendo por objectivo facilitar o conhecimento dos textos e das revistas referidos (ainda quede alguns já tenha aqui falado), pois como principiante não tinha uma noção muito correcta da sua sequência e conteúdos (mais uma das minhas achegas histórico-bibliográficas).
Vamos então ler a tal entrevista!

Imagine que sou um coleccionador (não pense em mim concretamente, mas num mais jovem com mais tempo pela frente para reunir uma colecção bem representativa) que se quer embrenhar na literatura surrealista, que autores e/ou livros lhe sugeria?
A qual das gerações daria preferência?
Na sua opinião é uma escola com bom mercado e, como tal difícil, ou poderá ser de aquisição relativamente acessível? (claro que esta questão é de resposta dúbia pois depende de autor para autor…senão menos de obra para obra)
Como interveniente activo (editor e escritor/artista plástico) no processo surrealista com antevê o seu futuro?

A “literatura surrealista” é um termo que me incomoda de alguma maneira pois, além de estarmos a rotular um tipo de cultura, estamos a associá-la através do uso de um adjectivo a uma actividade libertadora que, por si só, recusa o seu encontro com a Literatura - “um dos mais tristes caminhos que conduz a tudo” (André Breton in Manifestos do Surrealismo).


André Breton

A verdadeira voz surrealista privilegia os aspectos anti-literários das actividades literárias. Lembro que os primeiros textos dos surrealistas foram publicados na revista Litterature (1919-1924) (1), título e termo que, por antífrase, serviu para entreter a confusão num meio onde a revista foi o órgão por excelência do dadaísmo parisiense. Deste modo, deu-se à altura lugar ao débito torrencial da escrita automática com o intuito de “limpar definitivamente da imundice literária” (André Breton in Point du Jour).


BRETON, André – Poin du Jour

Assim, passo a falar então de algumas obras produzidas por surrealistas.

Gosto muito do termo “coleccionador” pois implica uma divagação à custa duma viagem interior recorrendo ao estudo e à investigação do tema de interesse. São as viagens interiores que interessam aos surrealistas e a quem tem o surrealismo como projecto de vida. As outras viagens, as exteriores, não passam de distracções e de frivolidades à custa de introspecções simplesmente vangloriadas. Entendo que um coleccionador seja um viajante (às vezes um visionário) cuja embarcação tem um rumo contra a vida quotidiana. Neste sentido, parece-me capital ser o percurso natural dum coleccionador do tema surrealismo o de alguém que entenda e se interesse pelos alicerces estruturais da ideologia: o amor, a poesia e a liberdade. Estes vectores são os que norteiam e magnetizam toda a produção dos autores do movimento. Tratar de ir ao encontro das obras que fizeram a história do surrealismo? Este “posto entre dois impossíveis: o do início e o do fim” (Mário Cesariny in A Intervenção Surrealista).

Claro que existe toda uma produção que visa unicamente o mercado e que são os pesados tomos escritos por historiadores da literatura e da arte entre outros carreiristas do surrealismo. Repare, caro Rui Martins, que falei em mercado. Ao surrealismo não interessa o mercado. Claro que há os “colecionadores” com grande arcaboiço económico e que procuram unicamente as tiragens primitivas e reduzidas; muitos deles, algumas vezes, não passam de tecnocratas dos livros (de cheques, entenda-se). Mas repito que isto nada diz respeito ao surrealismo ou, quando muito, entenda-se que poderá ser uma actividade paralela ao surrealismo (recordo-me das magníficas colecções etnográficas que os surrealistas normalmente reúnem em suas casas). Podem-se adquirir com alguma facilidade nos livreiros as reedições das obras capitais para o entendimento do movimento surrealista. Falo das diversas edições de Os Manifestos do Surrealismo (saiu agora uma reedição muito boa realizada pela Letra Livre em Lisboa) e de toda a monumental obra de André Breton, de Benjamin Péret, entre outros, em edições de bolso, assim como de fac-símiles das revistas que na época eram os instrumentos essenciais para dar a conhecer as ideias, as produções e as participações no debate intelectual que suportaram a ideologia (a título de exemplo: La Revolution Surrealiste (2), Le Surrealisme au Service de la Revolution (3), Minotaure (4), VVV (5), etc…).



BRETON, André – Manifestos do Surrealismo. Lisboa, Livraria Letra Livre, 2016. 358 págs. Brochura. Tradução de Pedro Tamen. Revisão: Andreia Baleiras.

Da produção nacional, para usar como chaves mestras que abrem todas as suas portas, destaco os títulos seguintes: Intervenção Surrealista, As mãos na água a cabeça no mar e Textos de Afirmação e Combate do Movimento Surrealista Mundial de Mário Cesariny, os manifestos Erro Próprio de António Maria Lisboa e Afixação Proibida, os ensaios Para uma Cultura Fascinante e Luz Central ambos de Ernesto Sampaio, O Surrealismo na Poesia Portuguesa de Natália Correia, as antologias Grifo e Surrealismo/Abjeccionismo, as revistas Serpente e Pirâmide e, por fim, o catálogo do Museo do Chiado Surrealismo em Portugal 1934-1952 que, apesar do título, inumera de forma quase exaustiva a produção dos autores nacionais até à actualidade, esboçando muito ao de leve as suas relações com o movimento mundial.


 
CORREIA, Natália - O Surrealismo na Poesia Portuguesa


Surrealismo em Portugal 1934-1952

A partir destas publicações poderá o futuro coleccionador orientar-se com os autores que mais o interessam tendo uma visão generalista e “historiada”, desde as primeiras produções editoriais nacionais com as principais ideias e documentos. Claro que deverá estar o “coleccionador” atento à produção actual nacional e relacioná-la com a actualidade da diáspora que, desde as suas primeiras relações em 1967, através da revista A Phala (São Paulo, Brasil) – título e grafismo sorripiado por um editor nacional de poesia para o seu boletim em 1986 – encorpou e enalteceu o surrealismo mundial e cuja actividade desemboca hoje numa grande concentração de atenções e acções sobre o que se produz em Portugal.

Pede-me o bom amigo Rui Martins o parecer sobre ser uma “escola com bom mercado”. O surrealismo não é uma escola, muito menos um ismo, ou algo que possa ser engavetado numa cascata de vanguardas. É uma ideologia dotada de valores morais, intelectuais, políticos que determinam também comportamentos e exaltações, não olvidando nunca a recusa definitiva a qualquer doutrina, sistema ou poder instituído. Posto isto, dos mercados não sei aferir qualquer consideração. E quanto ao futuro, o Surrealismo é o que será.

Notas:

(1) Revista "Littérature" foi uma revista mensal de que se publicaram 33 números: 20 entre Março de 1919 e Agosto de 1921 e, posteriormente na “nouvelle série” mais 13 números entre Março de 1922 e Junho de 1924.


Capa do número 1 de Littérature (1919)




Algumas das capas de Francis Picabia da revista Littérature (1919-1924)

 Foi uma publicação vanguardista de poesia e ensaio, dirigido por André Breton, Louis Aragon e Philippe Soupault no seu primeiro ciclo; por Breton e Soupault para o início do segundo, quando Breton já tinha rompido com Tristan Tzara (1896-1963) e proclamado no n º 2 de Abril de 1922 o abandono do Dadaísmo; e, finalmente, só por Breton desde o n. º 4 de Novembro de 1922.

(2) La Révolution surréaliste  foi uma revista publicada em Paris pelos surrealistas num total de doze números entre 1924 e 1929.



Pouco tempo depois de publicar Le Manifeste du Surréalisme, André Breton publica o número inaugural La Révolution surréaliste a 1 de Dezembro de 1924.

(3) Le Surréalisme au service de la révolution foi uma revista editada pelo grupo surrealista em Paris, de 6 de Julho de 1930 até Maio de 1933.


Capa do número 1 de Le Surréalisme au service de la révolution (1930)

Foi o sucessor de La Révolution surréaliste (publicado em 1924-29) e antecedendo a publicação de Minotaure (1933 a 1939), após escrever o seu Sécond Manifeste du Surréalisme (1929),


BRETON, André – Sécond Manifeste du Surréalisme

A mudança de título reflecte uma mudança de linha devido a dissensões nascidas principalmente entre André Breton e Louis Aragon, por um lado, Robert Desnos e Emmanuel Berl, por outro lado. As suas divergências, para além de ciúmes por causa de uma mulher, Suzanne Muzard, partilhada durante cerca de dois anos pelo primeiro e o último, deviam-se ao papel dos artistas na revolução comunista e o questionar desta mesma posição causada pelo suicídio de Vladimir Maïakovski em 14 de Abril de 1930. A nova fórmula perde dois terços de seus leitores e as tiragens caiem para um total final de trezentos e cinquenta exemplares. 

O primeiro número de Le Surréalisme au service de la révolution foi publicado em Junho de 1930 (como já referi) e foi seguida por mais cinco números. Entre os seus colaboradores refiram-se: André Breton, Paul Éluard, René Crevel, Tristan Tzara, Salvador Dalí, René Char, Benjamin Péret, Louis Aragon e Luis Buñuel, entre outros.

(4) Minotaure é uma revista de inspiração surrealista que foi publicada entre 1933 e 1939, em Paris, sob o impulso conjunto de Albert Skira e Stratis Eleftheriadis, conhecido por Tériade.


Pablo Picasso, Minotaure no. 1, 1933.

A escolha do título mitológico de Minotaure inscreve-se bem na lógica dos surrealistas, que viam, através dos escritos de Freud uma maneira de fazer um retorno sobre um saber arcaico e impulsivo, o desafio era separar os ensinamentos da razão, ou mesmo dos grilhões do racionalismo.

Enquanto ser híbrido, entre homem e animal, o Minotauro, representa bem este conflito interno entre consciência e animalidade, moderação e monstruosidade.

Foram publicados 13 números, dos quais dois duplos: 3-4 e 12-13.


André Derain, Minotaure no. 3-4, 1933.

Na linha dos Cahiers d'art de Christian Zervos, consagrados à arte contemporânea, Minotaure quis ser uma revista de estética cuidada cujo objectivo era oferecer a um certo número de artistas uma tribuna literária, que publicava teses e obras poéticas, assim como que um espaço de visibilidade, reproduzindo as obras de pintura ou de escultura então ainda pouco conhecidas como as de Alberto Giacometti, Hans Bellmer, Paul Delvaux ou Roberto Matta.


André Masson, Minotaure no. 12-13, 1939

Rapidemente, André Breton e os dissidentes do surrealismo (André Masson et Georges Bataille à cabeça) são contactados pelos dois editores para acordarem um projecto comum apesar das dissensões; no dia 1 de Junho de 1933, ao fim de seis meses de discussões, aparece o primeiro número, com capa de Pablo Picasso.

Pouco a pouco, as publicações alargam os campos de análise da revista à música e à arquitectura, nomeadamente com artigos escritos pelos próprios artistas, como Tristan Tzara (D'un certain automatisme du goût, n.º 3-4), Salvador Dalí (De la beauté terrifiante et comestible de l'architecture Modern'style, nº 3-4) e Roberto Matta (Mathématiques sensibles - Architecture du temps, nº 11).

O preço de venda da revista subiu até aos 25 francos.

(5) VVV foi uma revista dedicada à divulgação do surrealismo, publicado na cidade de Nova York de 1942 até 1944.


Capa do último número desenhada por Roberto Matta.

Refugiado em Nova York desde o mês de Julho de 1941, André Breton tenta refazer um grupo surrealista com outros artistas, refugiados como ele nos EUA, e também com artistas americanos. Tenta editar uma revista conforme ao modelo de Minotaure a maior revista surrealista da época.

Breton, de nacionalidade francesa não podia ser o único director de uma revista, pelo que confiou o papel de director-adjunto ao pintor David Hare

O título VVV escolhido por André Breton é, para ele, uma referência às palavras 'Vitória', 'Ver' e 'Véu' tirados duma passagem “Victory over the forces of regression, View around us, View inside us [...] the myth in process of formation beneath the Veil of happening”  (“A vitória sobre as forças de regressão, ver em torno de nós, ver dentro de nós [...] o mito no processo de formação sob o véu do que acontece”)

Na sua redacção participaram pensadores e artistas como Aimé Césaire, Philip Lamantia, Robert Motherwell, Harold Rosenberg, Roger Caillois e Claude Lévi-Strauss.

Além disso, a revista foi ilustrada por pintores surrealistas como Giorgio de Chirico, Roberto Matta e Yves Tanguy.

A revista teve apenas quatro números em três edições. Na primeira edição de Junho de 1942, cujo conselho editorial é composto por Breton e Max Ernst, aparecem os Prolegômenos a um terceiro manifesto de Breton. A capa desta edição é realizada por Ernst.

No número duplo 2-3, publicado em Março de 1943 (Marcel Duchamp entra para o conselho editorial), sé publicado o texto de uma palestra dada por Breton na Universidade de Yale, em Dezembro de 1942: Surrealismo situação entre as duas guerras.



BRETON, André – Situation du surréalisme entre les deux guerres

No número 4, de Fevereiro de 1944, aparecem os textos de Benjamin Péret La Pensée est UNE et indivible e Pierre Mabille Le Paradis.

Espero que a leitura destes textos seja proveitosa para todos aqueles que se queiram iniciar nesta temática e trazer mais algumas informações a todos os estudiosos da mesma.

Para mim foi uma bela lição que me levou a “desbravar” mais algumas incógnitas e “introduzir-me nos meandros” da evolução, divergências entre os vários artistas envolvidos e ao conhecimento de muitos outros que me eram quase desconhecidos.

Saudações bibliófilas.


Fontes consultadas:

El rebost de Mr. Cairo
Minotaure (revue)
Minotaure (the nonist)
Mirador. Blog de Joan Miró, Cultura y Arte, por Antonio Boix.
La Révolution surréaliste
Le Surréalisme au service de la revolution
VVV

sábado, 3 de outubro de 2015

Mário Cláudio: um apontamento bio-bibliográfico a propósito de um trabalho de Miguel de Carvalho



Mário Cláudio distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela 2014
pela Associação Portuguesa de Escritores (APE)

 O escritor Mário Cláudio, distinguido em de 15 Julho de 2015 com o Grande Prémio de Romance e Novela 2014, pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) (1) (2), por causa de Retrato de Rapaz, publicado em 2014, editou um novo romance, intitulado Astronomia, na editora D. Quixote.


CLÁUDIO, Mário – Astromonia

A obra estará dividida em três partes, intituladas "Nebulosa", "Galáxia" e "Cosmos", referentes às três fases fundamentais da vida do protagonista: a infância, a idade adulta e a velhice", explica a editora.
Este livro, que ficciona a vida de Giacomo, discípulo do pintor renascentista Leonardo da Vinci, é o segundo de uma trilogia de novelas dedicadas a relações entre pessoas de idades distintas.


CLÁUDIO, Mário – Boa noite, Senhor Soares

Esta trilogia foi iniciada em 2008 com Boa noite, Senhor Soares, no qual é revisitado o semi-heterónimo Bernardo Soares, de Fernando Pessoa, e a relação com António, "moço de escritório", e concluída este ano com O Fotógrafo e a Rapariga, sobre o escritor Lewis Carroll e Alice Lidell, que inspirou Alice no País das Maravilhas.


CLÁUDIO, Mário – O Fotógrafo e a Rapariga

Mário Cláudio está entre os escritores mais premiados da literatura portuguesa, escritor prolífico, metódico e rigoroso, pesquisador de estilos e investigador da «portugalidade», serve-se dos mais variados géneros literários – poesia, romance, teatro, conto, crónica, novela, literatura infantil, ensaio, biografia –, embora confesse sentir-se mais à vontade na narrativa ficcional, sobretudo o de cariz histórico. Na sua escrita e oralidade denota, uma religiosidade abnegada de cunho católico e barroco.

É um leitor compulsivo e cronista de costumes, escreveu inúmeros textos de opinião e conferências, mas também séries documentais para a televisão. Fez traduções, organizou antologias e comunidades de leitores, prefaciou inúmeros novos autores e colaborou dispersamente em mais de meia centena de diferentes jornais e revistas, nacionais e estrangeiros, nos últimos 30 anos, tendo-se ainda empenhado na homenagem e divulgação de importantes figuras da cultura portuguesa (Nobre, Camilo, Aquilino, Eça), a par de algumas profissões institucionais ligadas à Cultura, em especial a literária.


Mário Cláudio

Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos. Filho único, foi primeiro instruído por um professor particular, tendo prosseguido os estudos, até à conclusão do liceu, sob a rígida batuta dos padres do Colégio Almeida Garrett (actual Teatro do Bolhão, no Porto).

Começou o curso de Direito em Lisboa e terminou-o em Coimbra (1966), onde viria a diplomar-se novamente, em 1973, com o Curso de Bibliotecário-Arquivista. Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, Ciclo de Cypris, publicado no ano seguinte.

Pouco depois de assumir a direcção da Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, tendo obtido o título de Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais (1976), pela Universidade de Londres, defendendo uma tese que seria parcialmente publicada com o título Para o Estudo do Analfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, o único livro que assinou com o seu nome civil. Ainda durante a década de 70 publica dois livros de poesia, um romance, uma novela, um livro de viagens em colaboração e uma antologia de textos sobre Gaia.

Pertenceu sucessivamente à Delegação Norte da Secretaria de Estado da Cultura, ao inacabado Museu da Literatura e à direcção da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.

Em 1985, iniciou-se como professor na Escola Superior de Jornalismo do Porto e, actualmente, é professor convidado da Universidade Católica do Porto e da Fundação de Serralves.

Em 1984, por convite de Vasco Graça Moura, escreve Amadeo, biografia do pintor futurista Amadeo de Souza-Cardoso (3).


Amadeo no seu atelier, Rue Ernest Cresson, 20, Paris, 1912


Les Faucons   (Os falcões), 1912
Tinta-da-china sobre papel, 27 x 24,3 cm

Que Mário Cláudio consideraria como uma «psico-socio-biografia», e início da premiada Trilogia da Mão, na qual o escritor abordou a vida e obra de outras duas figuras artísticas nortenhas, a violoncelista Guilhermina Suggia (Guilhermina) e a barrista Rosa Ramalha (Rosa). Através dos três artistas, tipificou distintos estratos sociais (aristocracia, burguesia, povo) e o «imaginário nacional», entre o virar do século XIX e meados do século XX. Nesta primeira trilogia, o autor romanceia o próprio processo de biografar, através de uma escrita fragmentada, mais sensorial que objectiva. Aliás pode-se afirmar, para usar as palavras do autor: «toda a biografia é um romance».

Em 1984 foi distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE precisamente pelo romance Amadeo.


CLÁUDIO, Mário – Amadeo

Seguiu-se a publicação de um segundo tríptico (A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins e O Pórtico da Glória), onde a História volta a cruzar a ficção, mas desta feita incorrendo na autobiografia familiar.


CLÁUDIO, Mário – A Quinta das Virtudes

Entre 2000 e 2004 publicou uma outra trilogia, composta por Ursamaior, Oríon e Gémeos, e que é descrita pelo autor como relacionada com «situações de alguma marginalidade» e «discurso problemático com o poder», transversais a três gerações de personagens, uma por volume.


CLÁUDIO, Mário – Oríon


 
CLÁUDIO, Mário – Gémeos

O autor está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata.

Foi condecorado com a Ordem de Santiago de Espada.

Em 2004, pelo conjunto da obra literária, foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa e em 2008 recebeu o Prémio Vergílio Ferreira.

Já conquistou por duas vezes o Prémio PEN Clube Português de Novelística, assim como o Grande Prémio de Crónica da APE e o Prémio Fernando Namora com o romance Camilo Broca.


CLÁUDIO, Mário – Camilo Broca

Em 2013, a antiga escola primária de Venade, localidade do concelho de Paredes de Coura, foi reconvertida num Centro de Estudos Mário Cláudio, criado a partir do arquivo doado pelo escritor.


Centro de Estudos Mário Cláudio (Paredes de Coura)

Chegados a este ponto, pergunta-se: o que é que o Miguel de Carvalho tem a ver com o assunto?


Miguel de Carvalho – artista plástico/livreiro-antiquário

A capa do livro foi concebida por Rui Garrido com base numa collage de Miguel de Carvalho – No Princípio Não Era O Verbo.


Miguel de Carvalho - o artista a trabalhar
(©Fotografia de mdc no Facebook)

Dentro do estilo a que já nos tinha habituado, e das quais partilha algumas no Facebook, conseguiu realizar um trabalho que permitiu  a realização de uma capa com um excelente grafismo e que em muito valoriza esta obra.




Bom agora resta-nos comprar,  ler o livro e apreciar mais de perto esta pequena obra de arte. (Quando digo pequena refiro as dimensões que não a sua alta qualidade)


Fotograma do filme Documental sobre o escritor Mário Cláudio.
Realizado por Jorge Campos e produzido pela Vigília Filmes

Bibliografia:

Ficção

Um Verão Assim (1974)
As Máscaras de Sábado (1976)
Damascena (1983)
Improviso para Duas Estrelas de Papel (1983)
Amadeo (1984)
Guilhermina (1986)
Duas Histórias do Porto (1986)
A Fuga para o Egipto (1987)
Rosa (1988)
A Quinta das Virtudes (1990)
Tocata para Dois Clarins (1992)
Trilogia da Mão (1993)
Itinerários (contos, 1993)
As Batalhas do Caia (1995)
Dois Equinócios (contos, 1996)
O Pórtico da Glória (1997)
O Último Faroleiro de Muckle Flugga (1998)
Peregrinação de Barnabé das Índias (1998)
Uma Coroa de Navios (1998)
Ursamaior (2000)
O Anel de Basalto e Outras Narrativas (narrativas, 2002)
Oríon (romance, 2003)
Gémeos (romance, 2004)
Triunfo do Amor Português (2004)
Camilo Broca (2006)
Boa Noite, Senhor Soares (2008)
Retrato de Rapaz (2014)
O Fotógrafo e a Rapariga (2015)
Astronomia (2015)

Poesia

Ciclo de Cypris (1969)
Sete Solstícios (1972)
Étimos e Alexandrinos (1973)
A Voz e as Vozes (1977)
Estâncias (1980)
Terra Sigillata (1982)
Dois Equinócios (1996)
Nas Nossas Ruas, ao Anoitecer (2001)
Os Sonetos Italianos de Tiago Veiga (2005)

Teatro

Noites de Anto (1988)
A Ilha de Oriente (1989)
Henriqueta Emília da Conceição (1997)
O Estranho Caso do Trapezista Azul (1998)

Outras

Meu Porto
Fotobiografia de António Nobre
A Cidade num Bolso
Pintor e a Cidade
Páginas Nobrianas
Júlio Pomar - Um Álbum de Bichos

Espero ter despertado o vosso interesse para este conceituado autor português bem como para a análise da estética, grafismo e autoria das capas das obras que nos passam pelas mãos, que por vezes “ficam um pouco ao lado”.

Saudações bibliófilas

Notas:
(1) O Grande Prémio de Romance e Novela da APE foi criado em 1982 e teve, nesta 33.ª edição, o apoio da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, do Instituto Camões e da Sociedade Portuguesa de Autores.
(2) Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol foram os quatro outros autores distinguidos por duas vezes com este prémio da APE.
(3) Amadeo de Souza-Cardoso – Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Amadeo_de_Souza-Cardoso


Fontes consultadas:
DGLAB – Direcção Geral Livro dos Arquivos e das Bibliotecas
Màrio Cláudio – Wikipedia:
Mário Cláudio – Portal de Leitura: