"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 30 de junho de 2012

António José Osório de Pina Leitão e a Tipografia de Manuel António da Silva Serva



Estes apontamentos vêm a propósito de um livro – Alfonsiada. Poema heroico da fundação da Monarquia Portugueza pelo Senhor Rey D. Alfonso Henriques. Bahia, Typ. de Manuel António da Silva Serva, 1818, in 4º de 278 páginas. – que me interessou num dos muitos leilões já realizados em Portugal este ano.

O meu interesse no livro não era tanto nem pelo seu autor – António josé Osório de Pina Leitão – nem pela alta qualidade literária da obra (opiniões divergentes mas que na sua maioria lhe reconhecem um limitado interesse literário), mas sim na casa impressora do mesmo – Tipografia de Manuel António da Silva Serva.

Apesar de a estimativa máxima perspectivada pelo livreiro-antiquário ser relativamente baixa, decidi licitar por um valor bastante acima da mesma, mas mesmo assim, ao “soar do martelo o livro foi para outras mãos!”.



...ao soar do martelo!

Fruto das minhas pesquisas, que partilho parte convosco, cheguei à conclusão que a estimativa era pouco coincidente com a realidade do mercado, mas sobretudo que os meus conhecimentos eram bastante limitados neste assunto (assim como em muitos outros…), pelo que entendo que o livro foi vendido por um preço que se pode considerar aceitável.

Vem isto a propósito de devermos tentar estar informados do valor de venda em leilões, pelo menos das mais recentes, e mesmo noutros livreiros-antiquários, de uma qualquer obra que nos interesse, para podermos fazer uma “licitação correcta” sobre o mesmo.


Southebey's Book Auction 1888

Quando falo em “licitação correcta” pressuponho um preço que esteja dentro dos valores praticados e sempre em consonância com o estado da mesma, pois que em leilões o valor de uma determinada obra pode disparar para “valores inabituais” (e digamos lisonjeiramente assim) para o que basta haver dois grandes interessados/”teimosos” na sala em disputa.

Mas também este é um dos aspectos que nos podem fascinar num leilão – até onde nos pode conduzir uma velha paixão por um livro que tanto procurámos e que finalmente está mesmo ali ao nosso alcance!

Toda a cautela é pouca se não corremos o risco de entrar em “pequenas/grandes loucuras”!

Vejamos então quem foi António José Osório de Pina Leitão.


António José Osório de Pina Leitão

António José Osório de Pina Leitão nasceu no Manigoto (suburbios de Pinhel) a 12 de Março de 1762.

Segundo o Diccionario Bibliographico Brazileiro Vol. 1, 1883, pp. 218-219, faleceu "no Rio de Janeiro, sendo brasileiro adoptivo, a 24 de Março de 1825", portanto com 63 anos.

No entanto, segundo outras fontes, caso de Inocêncio Francisco da Silva no seu Dicionário Bibliográfico Português, terá morrido depois de 1840.


Diccionario bibliographico brazileiro
pelo doutor Augusto Victorino Alves Sacramento Blake

Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, de Outubro de 1781 a Outubro de 1785, onde conseguiu o grau de Bacharel em Canones. Após mais um ano de frequência desta Faculdade, obteve a sua Formatura em Canones em 5 de Julho de 1786.

Seguiu a carreira da magistratura onde exerceu vários cargos. Foi Juíz de Fora de Alfândega da Fé.

(Não consegui apurar a data exacta da sua partida para o Brasil).

Aqui prosseguiu a sua carreia na magistratura onde desempenhou igualmente altos cargos.

Sobre estes convirá descrever um pouco da sua história.

Olinda, sede histórica dos primeiros colonizadores, reclamava de longas datas o seu próprio tribunal. Incendiada durante a ocupação holandesa, perdera para o Recife boa parte do seu poderio comercial, mas continuava a disputar com aquela cidade o predomínio na capitania, primando por ser a mais aristocrática cidade do nordeste.

Mas a imagem de Pernambuco não era das melhores. Junto à sua intensa atividade comercial fervilhava um forte movimento independentista que, já em 1817, protagonizara uma revolução parcialmente bem sucedida e que, por pouco mais de dois meses, chegara a controlar os destinos da capitania.


Domingos José Martins (1781-1817) (1)

Este movimento republicano foi chefiado por Domingos José Martins. Nasceu no sítio Caxangá, nas proximidades de Itapemirim, hoje município de Marataízes, no estado do Espírito Santo, e foi fuzilado em Salvador, Bahia, em 12 de junho de 1817. A Revolução Pernambucana de 1817 visava proclamar a independência do Brasil, ainda sob o jugo de Portugal, e implantar o regime democrático.

Embora a devassa tivesse sido suspensa em 1818, por uma especial demonstração de clemência de D. João VI na hora da sua coroação, ninguém ignorava que ainda muitos revolucionários moravam em Olinda e Recife.

No entanto, em 1821, o rei autorizou a criação do tribunal, fundamentando sua decisão nas "dificuldades que experimentavam os habitantes da Província de Pernambuco, de recorrerem à Relação da Bahia para o prosseguimento das suas causas, pela grande distância de huma e outra Província, avultadas despesas, separação de suas famílias, interrupção dos trabalhos de que tirão a sua subsistência, e outros muitos inconvenientes". Conforme a fundamentação, esses empecilhos seriam demasiadamente sérios, mesmo sendo os processos "entregues a procuradores", o que teria "induzido a muitos a deixarem sem última decisão os seus pleitos, preferindo antes perdel-os do que sujeitarem-se a tão graves incommodos".


D. João VI

Traindo, de certa maneira, a solicitação de Olinda, o rei resolveu estabelecer a sede da nova Relação na cidade do Recife, mais importante e dinâmica do ponto de vista administrativo e comercial.

Desta vez, D. João VI não perdeu tempo em mandar redigir novo regimento. Estava ainda recente o que fora outorgado ao tribunal de São Luís. O Alvará de criação limitou-se a dar à Relação do Recife "a mesma graduação e alçada que tem a do Maranhão", indicando que "será presidida pelo Governador e Capitão General que atualmente o he e for para o futuro da Província de Pernambuco, e será composta do Chanceler e do mesmo número de Desembargadores e Oficiais que tem a referida Relaçãoo do Maranhão".






Alvará de 6 de Fevereiro de 1821

O Alvará acrescentava, ainda, que "O seu Presidente, Ministros e Officiaes vencerão os mesmos ordenados, ajudas de custo, propinas, assignaturas e emolumentos concedidos ao Governador, Ministros e Officiaes da Relaçãoo do Maranhão, servindo-lhe de Regimento o mesmo que pelo Alvará de 13 de Maio de 1812 fui servido dar à Relação do Maranhão, menos quanto aos recursos, que os deverá dar para a Casa da Suplicação do Brasil". Percebe-se, assim, que apesar de o rei e a Corte residirem no Brasil desde 1808, o tribunal maranhense continuava a dar recurso à Casa da Suplicação de Lisboa.


Casa de Suplicação de Lisboa (séc. XVII)

Ainda em 6 de Fevereiro de 1821 foram designados os primeiros membros do novo tribunal: António José Osório Pina Leitão, Eusébio de Queiroz Matoso, Bernardo José da Gama, João Pereira Sarmento Pimentel e João Evangelista Faria Lobato, todos eles na qualidade de Desembargadores dos Agravos. Eusébio de Queiroz Matoso acumulava o cargo de Procurador da Coroa, João Pereira Sarmento Pimentel, o de Ouvidor do Crime e João Evangelista Faria Lobato, o de Ouvidor do Cível.


Eusébio de Queiroz Matoso

Aderindo à Revolução portuguesa, à revelia do governo de Rego Barreto, os liberais instalaram uma Junta de Governo, em Goiana, ao que Barreto respondeu com a formação de outra junta, por ele presidida, na cidade do Recife.

Enquanto isso, os desembargadores designados para o novo tribunal aguardavam pela instalação. D. João VI já tinha retornado a Lisboa; D. Pedro tinha demasiadas preocupações para se lembrar do projecto.


D. Pedro IV, rei de Portugal
D.Pedro I, imperador do Brasil
[D. Pedro, Duque de Bragança] [Visual gráfico / Primavera, 1833.
[S.l. : s.n., 1833] ([Lisboa]: O.R.L.. - 1 gravura : litografia, p&b

Finalmente, depois de muita insistência, D. Pedro autorizou a instalação, que foi efectivada em 13 de Agosto de 1822, faltando menos de um mês para a declaração da Independência. No dia anterior, o desembargador António José Osório Pina Leitão prestara juramento como Chanceler interino, em substituição do titular, Lucas Monteiro de Barros, futuro Visconde de Congonhas do Campo. Embora esse juramento devesse ser prestado perante o Chanceler Mor do Reino, a pressa por acelerar a instalação definitiva e o carácter de interino fizeram com que esse compromisso fosse formalizado ali mesmo, perante a Junta de Governo de Pernambuco.

Já no dia 13 aconteceu a instalação do tribunal, tomando como sede provisória o antigo Erário Régio. Salas e mobília eram improvisadas, o quadro de servidores estava incompleto e não existia ainda o oratório onde, regimentalmente, todos os dias os desembargadores ouviriam missa antes de entrar em sessão, isso tudo evidenciando, ainda mais, a pressa por consolidar o tribunal antes que qualquer nova eventualidade viesse adiar mais uma vez o seu funcionamento efetivo.


Lucas António Monteiro de Barros,
o Visconde de Congonhas do Campo (1767-1782)

Ouvida a missa e tomado o juramento aos demais desembargadores, a Relação começou logo a funcionar, resolvendo "que fossem os dias terças-feiras e sábados de todas as semanas os destinados para as secções deste Tribunal, assim como o eram na Relação da Bahia, e na Casa da Suplicação do Rio de Janeiro". Entretanto "como no dia de sábado faz também secções a Junta da Fazenda Nacional de que também é Deputado o Procurador da Coroa e Fazenda", optaram por "oficiar a referida Junta para que haja de substituir com outro o dia de sábado; no que não pode sofrer inconveniente em ordem a que não sofra o respectivo expediente destas importantes secções".

Com a declaração de Independência do Brasil e António José Osorio de Pina Leitão ficou ao serviço do Império, pelo que seria considerado como brasileiro.

Ainda segundo o Diccionario Bibliographico Brazileiro Vol. 1, 1883, pp. 218-219: "foi um delicado cultor da litteratura, sobre tudo da poetica".


Bibliografia:



PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Elegia composta sobre a funesta morte do Príncipe do Brasil D. José. Lisboa, Off. de António Gomes, 1788, in 4º de 15 páginas. (2)



É uma composição em versos soltos, publicada com o nome António José Osório.


©Livraria Castro e Silva

©Livraria Castro e Silva

PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Tradução Livre ou Imitação das Geórgicas de Virgílio em verso solto, E outras mais Composições Poeticas. Offerecidas Ao Illmo, e Exmo. Senhor JOSE’ DE SEABRA DA SILVA, Ministro Secretario de Estado dos Negocios do Reino. &c. &c. &c. por ANTONIO JOSE’ OZORIO DE PINA Leitão. Juiz de Fóra d’Alfandega da Fé. LISBOA: Na Typografia Nunesiana. Anno 1794. In 8º (de 17x11 cm) com 256- (VII) pags.

Contem a tradução das Geórgicas em versos soltos, seguindo-se oito odes e vinte e oito sonetos originais do tradutor.


©Livraria Castro e Silva

Encadernação da época inteira de pele com ferros a ouro na lombada.

Esta obra foi bastante bem acolhida.

A Academia Real das Ciências de Lisboa premiou em sessão pública de 12 de Maio de 1790 o livro II, que o tradutor lhe apresentara.

Bocage qualificou de boa esta versão numa das notas que terminam a que ele fez do livro I das Metamorfoses de Ovidio, porém este testemunho não obstou a que José Maria da Costa e Silva, tratando da mesma versão na Revista Universal Lisbonense, tomo VI pag. 425, a considerasse como “obra de medíocre merecimento”.

Este livro teve uma segunda edição, Lisboa, 1804.





PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Alfonsiada. Poema heroico da fundação da Monarquia Portugueza pelo Senhor Rey D. Alfonso Henriques. Bahia, Typ. de Manuel António da Silva Serva, 1818, in 4º de 278 páginas. Este livro é ilustrado com os retratos de D. Afonso Henriques, de D. João VI e do autor, assinados por A. do Carmo, como artista, e gravados por J.J. de Souza (Joaquim Inácio Ferreira de Sousa). (3)

J. J. Ferreira de Sousa é conhecido por ter trabalhado na Casa Tipográfica do Arco do Cego e na Impressão Regia de Lisboa na primeira década do século XIX. Em 1816 executou as gravuras incluídas na Colecção de retratos de homens que adquiriram nome, publicada no Rio de Janeiro.


Assinaturas do artista e gravador

O poema compõe-se de doze cantos em oitava rima.





Foi elogiado por Ferdinand Denis no seu Résumé de l’Histoire Litteraire du Portugal, p. 487 (“este poema oferece alguns episódios notáveis”). "Comtudo parece-me que poucos leitores terão tido a paciencia necessaria para o levarem ao fim", segundo o Diccionario Bibliographico Brasileiro.

Como apontamento de curiosidade refira-se a cronologia dos principais eventos históricos e publicações literárias, ocorridos no Brasil, na segunda metade do século XVIII até o primeiro quartel do XIX, período conhecido como Arcadismo, referente ao ano de 1818, no qual se publicou a Alfonsíada:

- Biblioteca do arquiteto Zé da Costa e Silva comprada pelo governo português e incorporada à Biblioteca Real (Rio de Janeiro)
- O governo real baixa alvará com força de lei contra instituições maçônicas
- Coleridge: On poesy (sic) or art
- Pe. Feijó: Cadernos de Filosofia (até 1821)
- Walter Scott: Ivanhoé
- Schopenhauer: O mundo como vontade e como representação
- Byron: D. Juan
- Francisco de Melo Franco: O Reino da Estupidez
- Diogo Duarte e Silva: Elogio de D. João VI
- Bernardo Avelino Ferreira de Sousa: Elogio Dramático e Ode a Paulo Fernandes Viana (Chefe de Polícia)
- António José Osório de Pina Leitão: Alfonsíada (poema heróico em doze cantos, Bahia)

Publicou ainda:

PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Ode pindarica ao Ell.mo e Ex.mo sr. Conde dos Arcos" in Relação do festim que ao Ill.mo e Ex.mo sr. Conde dos Arcos... deram os subscritores da Praça do Commercio. Bahia, Typ. de Manuel António da Silva Serva, 1817, in 4º de 64 páginas.

PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Ode pindarica offerecida a Elrei o sr. D. João VI na sua gloriosa acclamação. Bahia, Typ. de Manuel António da Silva Serva, 1818, in 4º de 10 páginas.

PINA LEITÃO, António José Osório de Pina – Ode pindarica offerecida a el-rei nosso senhor dom João VI, na ocasião do fustissimo parto da princeza real, Rio de Janneiro, 1819, in 4º de 13 páginas.



Mas como disse acima, mais do que o autor, ou a obra, o meu interesse centrava-se na casa impressora – a Typographia de Manuel António da Silva Serva.


Marca da Impressora

Aqui ficam igualmente alguns apontamentos sobre esta tipografia.

Manuel António da Silva, nasceu em Cerva, (Serva à maneira de alguns documentos antigos), Vila Real de Trás-os-Montes, comerciante, e tal como muitos outros daqueles tempos, emigrou para o Brasil, nomeadamente para Salvador, Brasil, no ano de 1797. Aí começou a vender móveis cristais e livros importados da Europa.

Foi tesoureiro da irmandade da Devoção do Senhor Bom Jesus do Bomfim, quando provavelmente criou as "medidas" do Senhor do Bomfim, mais conhecidas como "fitinha do Bonfim", cujo uso foi introduzido em 1809.

Quando o Príncipe Regente a caminho do Rio de Janeiro em 1808, onde tinha a sua Residência Real, fez uma visita inesperada a Salvador, as forças locais empenharam-se ao máximo para persuadi-lo a permanecer na cidade, embora não conseguissem o seu objectivo ficaram atentas ao desenrolar dos acontecimentos.

Observaram que um dos primeiros resultados da chegada da Corte foi a organização da Imprensa do Governo.

Perante este facto, o livreiro Manuel António da Silva Serva tenta obter a permissão para ir a Inglaterra e adquirir um prelo (máquina tipográfica de imprimir manualmente) para a Bahia.

Após uma pequena passagem por Lisboa, para contratar os artesãos necessários em 18 de Dezembro de 1810, apresentou ao governador Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha e Brito, que tinha sido nomeado em 30 de Outubro do mesmo ano, havia pouco tempo ainda portanto, um pedido formal de autorização para começar a imprimir.


D. Marcos de Noronha e Brito,
8º Conde dos Arcos

Não confiando muito, e como não tinha provas de que já tivesse imprimido alguma coisa decidiu partir para o Rio de Janeiro, pensando que lá poderia influenciar no resultado do seu requerimento, e ao mesmo tempo não perdeu a oportunidade de fazer alguns negócios aí durante a sua permanência.

Publicaria uma “Notícia do catálogo de livros que se achão á venda em casa de Manuel António Silva Serva, na Rua de S. Pedro nº 17 o qual o faz por hum commodo preço {…} atendendo a demorar-se muito pouco tempo nesta Côrte”.

Esta lista deve ser o catálogo mais antigo de uma livraria brasileira, com mais de setecentos itens, ordenada por títulos. Os preços mais comuns eram $480, $560, $960 por volume (devido ao facto de as moedas da época serem múltiplos de quarenta réis). Exemplos: “Curso de Matemática por Belindoso. Com estampas, 4 volumes; Constituição da Hespanha; Exame de Bombeiros. Com estampas; Compendio d’Agricultura, 5 volumes; e o mais caro, Dicionário Italiano e Portuguez, 2 volumes 16$000”.

A carta régia que instruía o governador a aprovar a sua petição foi publicada a 5 de Fevereiro de 1811, três meses depois.

Silva Serva voltou à Bahia, nos Princípios de Abril de 1811, onde começou imediatamente a trabalhar, produzindo as suas primeiras edições em 14 de Maio: um prospecto de quatro páginas para um jornal, um “Plano para o Estabelecimento de huma Biblioteca Publica na Cidade de S. Salvador” (em quatro páginas) e um impresso em onze páginas, “a Oração Gratulatoria do Príncipe Regente” de Inácio José Macedo.


Inácio José Macedo

Os projectos de um jornal e de uma biblioteca pública eram, ambos, claras tentativas de competir com o Rio de Janeiro, e os dois foram realizados pouco depois. A biblioteca, inspirada pela inauguração da Biblioteca Real Portuguesa, no Rio em 27 de Julho de 1810, deveu-se muito ao interesse do Conde dos Arcos.

O jornal - "Gazeta da Bahia - Idade d'Ouro do Brazil" -  surgiu no mesmo ano, vindo a se tornar o terceiro jornal da história do Brasil (depois do "Correio Braziliense" e da "Gazeta do Rio de Janeiro", jornal oficial da Coroa).



Idade d’Ouro do Brasil (4)

Publicado em Salvador, foi o primeiro jornal a ser impresso na então Província da Bahia. Com quatro páginas, circulou às terças e sextas-feiras, no período de 14 de maio de 1811 a 24 de junho de 1823. Foi um coadjuvante no processo de consolidação de uma cultura científica no país, publicando esporadicamente artigos ligados ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Tinha uma linha editorial conservadora, defendendo o absolutismo monárquico português.

Em Janeiro de 1812, Silva Serva passou a publicar uma revista semanal, encartada no jornal, denominada Variedades. Tinha uma função semelhante à de um suplemento cultural dos jornais de hoje e é reconhecida como a primeira revista da história da imprensa brasileira.

Até 1821 este jornal "publicaria os atos oficiais, anúncios e notícias gratulatórias e fúnebres" (PASSOS, 1952, p. 34).

Algumas regras foram emitidas por portaria de 5 de maio de 1811 (PASSOS, 1952, p. 32-33), regulando as normas para circulação do jornal, que deveria:

Publicar "todos os Direitos Ministeriais e Econômicos; cujo conhecimento convém publicar, discorrendo sôbre o intêresse público que deflui das disposições e medidas que nêles se contem";
Anunciar "as novidades mais exatas de todo o Mundo [...]";
Contar "as notícias Políticas" de forma singela;
Descobertas úteis;
Fazer "menção dos despachos civis e militares, particularmente desta Capitania".

Para aprovar as publicações de Serva, o Governo Provincial criou uma Comissão de Censura, formada por cinco membros, dois dos quais deviam ser clérigos. Essa comissão funcionou até 1821.

Segundo Octavio Mangabeira, esta primeira editora particular do Brasil funcionaria, contudo, "sob a condição imprescindível de submeter quaisquer artigos, que houvesse de publicar, ao prévio exame de uma comissão civil ou eclesiástica" e "foi instalada por cima dos Arcos de Santa Bárbara, na Freguesia da Conceição da Praia".

A tipografia de Serva era formada, como destaca Moraes (2006, p.141), por:

Dois prelos com os tipos e apetrechos necessários;
Um mestre impressor;
Um revisor de provas;
Um encadernador - oficial encarregado de dobrar as folhas impressas de maneira a formar cadernos prontos para a costura;
Quatro serventes de prelo;
Seis aprendizes.

Ou seja, o número de empregados da oficina – o impressor chefe Marcelino José, o revisor de provas – Bento José Gonçalves Serva, seis aprendizes de composição (meninos entre 12 e 15 anos), quatro impressores e um encadernador, já com dois prelos, tornavam esta tipografia maior do que um mercado de tamanho tão limitado poderia justificar: o catálogo que publicou em 1812 não exigiu uma tiragem superior a cem exemplares.

Durante o primeiro ano teve a ideia de fabricar prelos em madeira de pau-brasil e exporta-los para Inglaterra, onde os trocaria por suprimentos de papel e outros equipamentos. Só que como pau-brasil era monopólio da Coroa a ideia esfumou-se.

Entretanto aparece o prelo de ferro, mas o seu custo era elevado, de cerca de 90 libras, pelo que em 1815 foi-lhe concedido um empréstimo (quatro contos de réis pagáveis em dez anos).

O governo também lhe prestou auxílio quando confiscou um prelo dum concorrente que fora importado em 1810, pela firma Barroso, Martins Dourado e Carvalho. O Embaixador Português em Londres havia relatado que esta aquisição fora uma iniciativa secreta do próprio Hipólito da Costa, mas é possível que esta tenha servido apenas de agente comercial, pois no jornal que fundara pomposamente intitulado “Gazeta da Bahia, Idade de Ouro”, os seus redactores, o português Diogo Soares da Silva de Bivar e o padre Inácio José Miranda, assumiram perante as autoridades uma lealdade quase servil.


Hipólito da Costa

Manuel António da Silva Serva, um homem “alto, gordo, rosto redondo trigueiro e bastante barba, num esforço para ampliar seu mercado, nomeou seu conterrâneo, Manuel Joaquim da Silva Porto, seu agente no Rio, para vender as suas publicações. Além disso, fez várias viagens à capital do Império para obter encomendas. Como os preços cobrados pela impressão Régia eram escandalosamente altos, tornava-se fácil conseguir tais encomendas. Assim, ele foi o primeiro concorrente da gráfica do Governo, visto que, antes de 1821, os concorrentes do Rio estavam proibidos de trabalhar.

Durante a sua quarta viagem para o Rio de Janeiro, Silva Serva morreu, em 3 de Agosto de 1819. Dois meses antes, tinha admitido como sócio o seu genro, José Teixeira e Carvalho, de modo que a firma continuou como “Typografia da Viúva Serva e Carvalho”. Mais tarde, em 1819, o seu único filho (também Manuel) começou a trabalhar na firma. Nesta altura a situação da firma estava boa, os dois prelos estavam tão sobrecarregados de trabalho que foram precisos dois anos para se desobrigarem das tarefas.

Com a morte de Silva Serva, Salvador perdeu muito do seu interesse como centro editorial.

A editora de Silva Serva sobreviveu até 1846, mas perdeu a sua posição de monopólio em 1823.

Durante a luta pela independência em 21 de Agosto de 1822, a junta pró-Portugal passou a governar em Salvador, e invadiu as suas instalações para interromper a impressão do jornal nacionalista, o Constitucional.

Os seus editores fugiram para Cachoeira, onde instalaram a sua própria gráfica e imprimiram sua continuação, o semanário O independente Constitucional.

No entanto, a tipografia de Serva continuou a imprimir a sua Gazeta da Bahia, pró-Portugal. Quando a causa nacionalista triunfou, a 24 de Junho de 1823, não só apenas a Gazeta da Bahia teve de interromper a sua publicação mas também a Tipografia acompanhou as forças brasileiras vitoriosas de volta à capital provincial.

Segundo o bibliófilo Renato Berbert de Castro, pelo menos 176 títulos foram publicados pela editora de Silva Serva, ao longo de sua vida. De acordo com Octavio Mangabeira, inúmeros outros periódicos, para além do Gazeta da Bahia, foram impressos na tipografia da família, que, entre 1811 e 1843 "esteve mais ou menos ligada à quase totalidade dos jornais que se publicaram na Bahia".

Pode-se afirmar que Manuel António da Silva Serva foi de Portugal, em 1797, para fazer história no Brasil. Radicou-se na Bahia, onde fundou, com a autorização real, em 1811, a primeira tipografia e editora privada do país – três anos depois da Impressa Régia, pioneira no ramo e que pertencia ao rei. Com a licença, o empresário pode publicar a primeira revista brasileira, a As Variedades; o primeiro jornal do estado – e o terceiro do país – O Gazeta da Bahia; e, pelo menos, 176 títulos de livros.

Terminadas que estão as minhas divagações resta-me agradecer a vossa leitura.

Saudações bibliófilas.



Fontes consultadas:

Cronologia

Diniz, J. Péricles – Uma breve trajetória da imprensa no Recôncavo da Bahia durante o século XIX

Domingos José Martins (um benemérito do correio parnaibano)

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (Hipólito da Costa)

A Impressão da Leitura em Silva Serva

Jornal Actual

Memória da Justiça Brasileira - Volume 2



Notas:

(1) Domingos José Martins (1781-1817), grande comerciante e chefe imortal, liberal, republicano, líder civil da Revolução Pernambucana de 1817. Representava o Comércio na Junta da nova República. Óleo sobre tela de F T J Lobo do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano.
(4) Veja-se este video do Youtube: De Olho no Passado - Jornal Idade D'ouro do Brasil (Quadros apresentados pela historiadora Isabel Lustosa especial para o Observatório da Imprensa sobre a trajetória da imprensa no Brasil).

 
 

5 comentários:

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Estimado Rui.

Ojalá te hubieras quedado con el libro. ¡lástima1
Seguramente en la próxima oportunidad formará parte de tu selecta biblioteca.

Saludos.

Urzay disse...

Me ha resultado muy interesante leer todo el artículo, y particularmente todas las noticias sobre el establecimiento tipográfico de Silva Serva. Se puede comprender perfectamente el interés que tenías en el libro. Respecto a las subastas, no deja de sorprenderme la cantidad de ellas que se hacen en Portugal, y las singulares costumbres sobre la estimación del precio. Lástima el resultado.
Un fuerte abrazo.

Rui Martins disse...

Estimado Marco,

Não foi tanto a perda do livro – até porque sabia onde encontrar outro bom exemplar – foi antes uma reflexão sobre “os mecanismos dos leilões” e a necessidade de um bom conhecimento do valor das obras em praça que me levou a escrever estes apontamentos.

Um abraço

Rui Martins disse...

Caro Urzay,

Concordo plenamente contigo – temos leilões a mais!
(e ainda falta um, antes do “período de férias”, onde irão aparecer obras de alta raridade da bibliofilia europeia!)

Quanto às estimativas são, e serão sempre, objecto de polémica no mercado bibliófilo, pois que com elas se conseguem muitos “objectivos”, daí a necessidade cada vez mais importante do conhecimento do mercado por parte do bibliófilo-coleccionador.

Com efeito estes apontamentos visavam mais a divulgação de António José Osório de Pina Leitão (que será desconhecido de muitos), mas sobretudo da Tipografia de Manuel António da Silva Serva (a segunda no Brasil – a primeirta foi a Impressão Régia do Rio de Janeiro), pois que publicou poucos títulos e na sua grande maioria difíceis de encontrar.

Como podes reparar a qualidade tipográfica é muito boa dadas algumas limitações.

Como sempre os “jogos políticos” e algumas intrigas ditaram o seu sucesso assim como o seu desaparecimento.

Um forte abraço

Anónimo disse...

Tem estado desaparecido o amigo Rui... está tudo bem??