segunda-feira, 28 de abril de 2014

5.º Aniversário da “Tertúlia Bibliófila” – Um apontamento a propósito do Catálogo da Cólofon - Livros Antigos de Abril.



Norman Rockwell, Boy Reading Adventure Story
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Passa hoje mais um aniversário deste espaço de conversas em torno dos livros – o 5.º – pelo que, e antes de mais, quero agradecer todo o apoio que me tem sido dado, quer de maneira silenciosa, ao constatar o número de páginas lidas diariamente, quer de modo mais activo, pelos comentários aqui deixados ou pelos apontamentos publicados noutros espaços.

Mais do que o número de seguidores, que apesar de representarem para mim um motivo de orgulho, não quero deixar de referir todos aqueles que por aqui passaram em busca de uma informação escrita ou de uma simples pista para uma consulta mais aprofundada … se o tiver conseguido foi precisamente esse o meu objectivo.

Só esse vosso apoio me leva a continuar este meu modesto contributo para a divulgação do livro e da bibliofilia.

A ilustração que abre este apontamento simboliza toda a beleza da literatura – como ao ler um livro uma criança (neste caso … pois que isso se aplica a qualquer um de nós) consegue imaginar todo um mundo repleto de aventuras.

Mas voltemos à nossa “aventura”.

O Catálogo da Cólofon – Livros Antigos que me foi enviado recentemente veio mesmo a propósito.



Nele vamos encontrar alguns opúsculos que se integram numa polémica famosa que “fez correr muito tinta” na época pelo que vieram a lume muitas e variadas publicações –  refiro-me à polémica “Eu e o Clero” que envolveu Alexandre Herculano.

Já aqui se deu notícia deste escritor em Alexandre Herculano – II Centenário do seu nascimento: um esboço biobibliográfico e onde escrevi sobre esta polémica:

O seu objectivo era descobrir as raízes de Portugal. "Ele encarava a História como uma missão". E encontrar as raízes do seu país era a sua. Precisava de ter resposta à questão: "Portugal é um país viável ou não?"
O objectivo seguinte passava por "dotar a Historiografia de uma aplicação cívica. Teve resultados geniais", comenta ainda Luís Amaral. Herculano não procurava soluções antigas para problemas do seu tempo, antes conhecimento para fundamentar a sua intervenção social e política.
Contudo, mesmo acedendo à informação de forma especial, exigia-se tempo, muito tempo, para organizá-la e analisá-la. E a dúvida persiste: Como pôde criar uma obra "genial" em tão pouco tempo e repartindo-se por tantas actividades? Talvez o facto de ser "profundamente inteligente, lúcido e muito rigoroso consigo próprio" lhe garantisse uma disciplina invulgar para dedicar-se tanto a uma paixão, que fosse capaz de a revolucionar.


Alexandre Herculano

e mais adiante:

Foi precisamente por essa altura que se envolveu numa polémica com o clero, ao questionar o milagre de Ourique.
Atacado do púlpito, o historiador viu-se obrigado a defender a sua posição em opúsculos que ficaram célebres pelo rigor lógico da argumentação, pelo seu saber e pelo vigor polémico: «Eu e o Clero» e «Solemnia Verba» (1850).

Neste espaço os textos e a referência a livros não surgem desfasados uns dos outros. Procuro sempre dar uma sequência que permita compreender melhor o contexto em que surgiu a obra ao se conhecer um pouco melhor o seu autor.

Neste novo Catálogo de Livros, Periódicos e Ephemera de índole política (as datas extremas para os lotes apresentados vão de 1 de Janeiro de 1822 a 26 de Abril de 1974) vamos encontrar duas obras que se integram nesta temática:



9 – RECREIO (FRANCISCO), - A BATALHA DE OURIQUE E A HISTÓRIA DE PORTUGAL DE A. HERCULANO. CONTRPOSIÇÃO CRITICO-HISTÓRICA. Lisboa. Na Typographia da G.M. Martins. 1854 – 1856. 6 vol (com 67, 78, 79, 64, 55 e 65 págs). 20cm. B.

Quando Alexandre Herculano, na sua “História de Portugal”, retira a intervenção divina (o aparecimento de Cristo) da Batalha de Ourique, inicia-se uma nova batalha que, desta feita, opõe Herculano ao Clero e que dá origem a uma nova guerra que ficaria conhecida como “Eu e o Clero”.
É no contexto desta polémica, e como resposta a Herculano, que são dados à estampa estes seis opúsculos da autoria do Padre Francisco Recreio. Sobre a sua qualidade e natureza diz-nos Innocêncio Francisco da Silva, no seu “Diccionário Bilbliográphico Portuguez”: “Seria para desejar, por honra das letras, e por dignidade própria do auctor, que n'estes escriptos elle guardasse um termo mais decoroso, e não se transviasse a cada passo em manifestações de ódio e resentimento pessoal contra o seu contendor. Se tivesse poupado uma infinidade de epithetos injuriosos, e evitado a inconveniência da fôrma que empregou, em assumptos que pediam maior decência, e discussão mais pausada e serena, conseguiria sustentar melhor a sua causa, reforçando com vantagem os seus argumentos e provas. No modo como obrou, bem longe de convencer os adversários, tornou-se indesculpável alé áquelles de sua parcialidade, que por mais sisudos avaliavam devidamente o perigo de collocar a questão sob condições tão desfavoráveis.”
Todos os exemplares se encontram em perfeito estado de conservação, com a excepção do quinto, que apresenta uma pequena falha na parte superior da lombada. Miolo em irrepreensível (os livros estão por abrir).

10 – HERCULANO, (ALEXANDRE) – A REACÇÃO ULTRAMONTANA EM PORTUGAL OU A CONCORDATA DE 21 DE FEVEREIRO. Lisboa. Na Typ. de José Baptista Morando. 1857. 56 págs. 22cm. B.

Neste opúsculo Herculano trata da problemática relacionada com a Concordata de 21 de Fevereiro, celebrada entre Portugal e a Santa Sé na qual, na opinião do autor e como se veio a verificar continha “disposições altamente desvantajosas para Portugal e até offensivas das doutrinas disciplinares da igreja”.
De acordo com os estudos da Doutora Maria de Fátima Bonifácio (ver Análise Social nº XXXV), “Herculano, velho liberal e velho católico, chocado e revoltado com a prepotência da cúria romana, que ele interpretava como o sintoma de um imperialismo papal destinado a subjugar as igrejas nacionais e a restabelecer o domínio clerical sobre a sociedade, deu largas à sua indignação num opúsculo intitulado “A Reacção ultramontana em Portugal ou a concordata de 21 de Fevereiro de 1857 A imprensa histórica, fazendo-se eco das acusações lavradas pelo erudito historiador e eminente liberal, contribuiu para atiçar um clima de exaltado nacionalismo anti-romano que tornou problemática a aprovação parlamentar da concordata”. Apesar de toda a polémica e dos esforços de Herculano, a Concordata seria aprovada. As suas consequências políticas marcaram a História de Portugal neste período.
Exemplar em bom estado de conservação. Falha na parte inferior da lombada. Capas de brochura em bom estado de conservação

Mas poderemos ainda encontrar no mercado bibliófilo:



FRANCISCO RECREIO – Justa Desaffronta em Defeza do Clero, ou Refutação Analytica do Impresso Eu e o Clero, Carta ao Em.º Cardeal-Patriarcha por A. Herculano. Lisboa, Typographia de Antonio José da Rocha, 1850. 1.ª edição. 20,5 cm x 13,2 cm. 128 págs.

Exemplar em bom estado de conservação; miolo irrepreensível.
É a primeira peça de vulto no conjunto de autores que contestaram as posições históricas de Alexandre Herculano relativamente ao dito “milagre” de Ourique. Anunciada na imprensa periódica da época como obra de génio destinando-se a rebater ponto por ponto o historiador, afinal não passou de «[...] um grande bluff. A obra nada tinha de científico, apenas camuflava erudição e saber [...]» de um padre (ver Jorge Custódio / José Manuel Garcia, Opúsculos IV, Editorial Presença, Lisboa, 1985).



A.[LEXANDRE] HERCULANO. [Miscelânea]. Lisboa, 1850-1851 Imprensa Nacional.1.ª edição [excepto a primeira brochura (2.ª edição)]. 5 brochuras em 1 volume. 20 cm x 13,5 cm. 20 págs. + 18 págs. + 68 págs. + 32 págs. + 36 págs.




Títulos individuais:
[1] Eu e o Clero – Carta ao Em.º Cardeal-Patriarca
[2] Considerações Pacificas sobre o opúsculo Eu e o Clero – Carta ao redactor do periodico A Nação
[3] Solemnia Verba – Cartas ao Senhor A. L. Magessi Tavares sobre a questão actual entre a verdade e uma parte do clero
[4] A Batalha d’Ourique e a Sciencia Arabico-Academica – Carta ao redactor da Semana
[5] Da Propriedade Litteraria e da recente convenção com França – Carta ao Senhor Visconde d’Almeida-Garrett



Encadernação da época, meia-inglesa em pele e papel de fantasia com gravação a ouro na lombada pouco aparado, sem as capas de brochura
Exemplar bem conservado; miolo limpo
Peça de colecção.

Estão aqui reunidas num único volume as peças essenciais de uma vastíssima polémica em torno da rejeição, por parte de Herculano, dos fundamentos milagreiros da batalha que, em 1139, travou D. Afonso Henriques nos campos de Ourique contra os sarracenos. Evento este tão estrondosamente vitorioso, de um grupo minúsculo de tropas contra um imenso exército inimigo, que levou o nosso monarca a autoproclamar-se, logo ali, rei de Portugal. José Custódio e José Manuel Garcia (Opúsculos IV, Editorial Presença, Lisboa, 1985) contextualizam o sucedido após a publicação, em 1846, do primeiro volume da História de Portugal de Herculano:
«[...] Quanto ao milagre, cavalo de batalha da questão de Ourique, Herculano afirma friamente que não há qualquer referência em que o historiador se possa estribar. O espírito positivo era adverso ao maravilhoso e ao metafísico e via nos “contadores de histórias” falsários e embusteiros que forjavam inclusive documentos para aduzir provas. Por isso “discutir todas as fábulas que se prendem à jornada de Ourique fora processo infinito”. A da aparição de Cristo ao príncipe Ibn Erick antes da batalha fundamentava-se num documento tão mal forjado “que o aluno instruído de diplomática – a ciência por excelência da crítica histórica – o rejeitaria como falso”.
Ora todos estes argumentos foram lenha para a fogueira. Podia um homem, mesmo que fosse um historiador, rejeitar assim, de um momento para o outro, todas as motivações pátrias, toda a origem sacra da realeza (e da nação), toda a fundamentação clara e inequívoca do 5.º Império? Seria possível permitir que um “ateu” mascarado viesse abalar os alicerces da afectividade pública e as esperanças mais recônditas da protecção divina?
O país em 1846 já havia mudado. A mentalidade, no entanto, ainda estava presa às forças anímicas do inconsciente colectivo. A segurança, a razão cartesiana, a clareza das ideias, a organização científica da sua fundamentação, não podiam esperar outra coisa senão uma reacção visceral de todos aqueles que viam agora no campo das letras e da cultura científica uma ruptura, digamos, epistemológica, com aquilo que lhes era mais caro: as prerrogativas intelectuais, os privilégios de influência, os ídolos do saber.
Era uma controvérsia de facto bizantina e Herculano soubera vê-la no contexto como um nada científico: “parece, na verdade, impossível que tão grosseira falsidade servisse de assunto a discussões graves” [...]
A Solemnia Verba constitui o mais importante documento da polémica de Ourique quer pela sua argumentação sólida, quer, sobretudo, pelo seu carácter teórico-metodológico. Herculano explica a situação actual da crítica histórica e analisa a sua evolução desde que ela fora fundada pela Congregação de Saint-Maur, no séc. XVII, avançando na determinação das principais regras da crítica em relação às fontes históricas. [...]»
Fora da referida polémica encontra-se a notável brochura Da Propriedade Literária, que nos mostra um intelectual contra a «literatura-mercadoria» ou «literatura-agiotagem». Ainda José Custódio e José Manuel Garcia (Opúsculos I, Editorial Presença, Lisboa, 1982):
«[...] Herculano era um escritor romântico e, ao contrário do que se pensa amiudadas vezes, o romantismo não era apenas um estilo literário. Era acima de tudo um comportamento social profundamente enraizado na função cultural do homem liberal. A literatura tem pois um lugar próprio no comportamento do intelectual como na condução formativa das novas gerações em termos de língua, de história e de valores nacionais, sociais e morais. [...]»

Como se viu um simples catálogo – e isto não é uma afirmação desprestigiante, pois se não o poderemos considerar como um repositório de grandes raridades ele é seguramente um conjunto excelente de obras fundamentais para o conhecimento da nossa História dos séc. XIX-XX – nos pode conduzir ao aprofundar dos nossos conhecimentos e estudar sempre um pouco mais.


"Uma prateleira da nossa biblioteca"

Só com estes conhecimentos se poderá delinear um conceito daquilo que nos interessa ler/coleccionar e de como adquirir, o mais correctamente possível, os livros que formarão a nosso biblioteca pessoal.

Resta-me agradecer, mais uma vez, a paciência pela vossa leitura e deixar-vos a promessa de continuar com o mesmo empenho em vos trazer estes pequenos apontamentos que poderão interessar a quem se inicie no estudo destes temas.

Saudações bibliófilas.


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