António Duarte Gomes Leal
O meu estiado amigo Marco Fabrizio, com o seu artigo Severo Amador, Himno a Salomé. 1918 sobre um “autor marginal” mexicano, fez-me recordar este poeta intervencionista e de uma frontalidade marcante, mas que tão arredado anda das nossas lides literárias e bibliófilas.
Já aqui ficou um esboço muito sumário sobre sua personalidade: Gomes Leal – Apontamentos para um estudo, no entanto hoje quero-lhes trazer um livro sobre um tema bastante actual em Portugal nos dias de hoje: a liberdade de Imprensa.
Trata-se de «O Renegado a António Rodrigues Sampaio: carta ao Velho Pamphletario sobre a perseguição da imprensa» (1), publicado em 1881, e onde ele critica, de modo mordaz e acutilante, a última passagem pelo governo do Reino de António Rodrigues Sampaio.
LEAL, Gomes – O Renegado a António Rodrigues Sampaio :
carta ao Velho Pamphletario sobre a perseguição da imprensa. (2)
Lisboa, Typ. do Largo dos Inglezinhos, 27, 1881. 65, [3] p. ; 14 cm
Lisboa, Typ. do Largo dos Inglezinhos, 27, 1881. 65, [3] p. ; 14 cm
Com efeito, a 23 de Março de 1881, demitido o ministério progressista, e não querendo Fontes Pereira de Mello assumir nessa ocasião a responsabilidade franca e aberta do poder, foi António Rodrigues Sampaio chamado a organizar um gabinete ministerial, recebendo a presidência do conselho, acumulando com a pasta do Reino, a sua especialidade de sempre.
O governo iniciou funções a 25 de Março de 1880 e manteve-se até 11 de Novembro do mesmo ano, data em que Fontes Pereira de Melo substituiu Rodrigues Sampaio na presidência do ministério. Após essa data, adoentado, Rodrigues Sampaio retirou-se então para a vida particular, continuando a exercer o seu lugar de conselheiro no Tribunal de Contas.
Mas os seus anteriores correligionários nos tempos de revolucionário não lhe perdoaram as medidas de controlo da imprensa que foi obrigado a tomar. É neste cenário, que se inscreve esta obra – «O Renegado - Carta ao Velho Panfletário sobre a Perseguição da Imprensa», publicada em 1881 pelo poeta e jornalista António Duarte Gomes Leal, a qual constitui um autêntico libelo à percebida traição de Rodrigues Sampaio aos ideais que defendera.
Mas os seus anteriores correligionários nos tempos de revolucionário não lhe perdoaram as medidas de controlo da imprensa que foi obrigado a tomar. É neste cenário, que se inscreve esta obra – «O Renegado - Carta ao Velho Panfletário sobre a Perseguição da Imprensa», publicada em 1881 pelo poeta e jornalista António Duarte Gomes Leal, a qual constitui um autêntico libelo à percebida traição de Rodrigues Sampaio aos ideais que defendera.
Enquanto político, Rodrigues Sampaio foi também um alvo predilecto do lápis corrosivo de Rafael Bordalo Pinheiro, sobretudo em 1881, quando assumiu a presidência do ministério. As caricaturas então publicadas traduzem bem a forma risonha e mordaz com que Rodrigues Sampaio foi analisado pelo humorista e caricaturista.
O governo de Rodrigues Sampaio visto por Bordalo Pinheiro.
Sampaio é o mestre-escola tentando ensinar os seus ministros
«Antonio Rodrigues Sampaio (3), do meu conselho, par do reino, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino. Amigo, eu El-rei vos envio muito saudar como áquelle que amo.
Tendo na mais elevada estima os reconhecidos merecimentos que concorrem na vossa pessoa, e que haveis manifestado no honroso e illustrado desempenhodos mais altos cargos do estado, e em differentes e importantes commissões de interesse publico; e querendo por estes respeitos e pelo subido apreço em que tenho os vossos distinctos e revelantes serviços prestados á dynastia, ás instituições, á causa publica e á liberdade, conferir-vos um testemunho authentico da minha real consideração: hei por bem nomear vos commendador da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, e elevar-vos conjunctamente á dignidade de gran-cruz da mesma ordem.
Tendo na mais elevada estima os reconhecidos merecimentos que concorrem na vossa pessoa, e que haveis manifestado no honroso e illustrado desempenhodos mais altos cargos do estado, e em differentes e importantes commissões de interesse publico; e querendo por estes respeitos e pelo subido apreço em que tenho os vossos distinctos e revelantes serviços prestados á dynastia, ás instituições, á causa publica e á liberdade, conferir-vos um testemunho authentico da minha real consideração: hei por bem nomear vos commendador da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, e elevar-vos conjunctamente á dignidade de gran-cruz da mesma ordem.
Rodrigues Sampaio numa caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro
O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e satisfação, e para que possaes desde já usar das respectivas insignias, vos mando esta carta.
Escripta no paço de Cascaes em 28 de setembro de 1881.— El Rei. — Antonio José de Barros e Sá.
Para Antonio Rodrigues Sampaio, do meu conselho, par do reino, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino».
Já que El-Rei, teu Senhor contra a sua Mãe cara, assim te premiou a ensanguentada offensa, eu, um Juiz tambem – Juiz d'uma outra vara, contra ti, velho Reu, lavrei esta sentença:
Segue-se o poema
Escripta no paço de Cascaes em 28 de setembro de 1881.— El Rei. — Antonio José de Barros e Sá.
Para Antonio Rodrigues Sampaio, do meu conselho, par do reino, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino».
Já que El-Rei, teu Senhor contra a sua Mãe cara, assim te premiou a ensanguentada offensa, eu, um Juiz tambem – Juiz d'uma outra vara, contra ti, velho Reu, lavrei esta sentença:
Segue-se o poema
LEAL, Gomes – O Renegado a António Rodrigues Sampaio :
carta ao Velho Pamphletario sobre a perseguição da imprensa.
Página 7 - Início do poema
Página 7 - Início do poema
Após o poema panfletário, em que Gomes Leal, tece as suas criticas, termina com esta nota que demonstra toda a sua eloquência como personagem interveniente na sociedade do seu tempo.
NOTA
Á hora de se imprimir a ultima folha d'esta publicação o velho presidente do ministerio, o homem de quem aqui nos occupámos, renegado das suas convicções d'outrora, o perseguidor da imprensa, pela qual se elevou, de que é decano e presidente honorario pediu a sua demissão, não tendo o pejo de recuar perante o parlamento, ao qual teria que dar contas. Mas nem por isso a sua responsabilidade fica menos grave, nem menos attenuada. A sua sentença já lhe foi lavrada pela Opinião Publica, e na Historia, aonde o seu nome fica lutuosamente escripto. O homem que escreveu que antes queria imprensa anarchica que imprensa perseguida, e é depois de Costa Cabral, (tão incisivamente attacado por elle,) o unico que se atreveu a reviver as perseguições e as vindictas, fica vergonhosamente vinculado, e tanto mais vergonhosamente que foi e é um jornalista!...
Comtudo por elle fugir perante o Parlamento, nem por isso se deve eximir ao castigo. É preciso que a responsabilidade ministerial não seja uma vã palavra. Se não existe a responsabilidade regia, se não existe de facto a responsabilidade ministerial, é força que estes senhores o confessem francamente: a Constituição é uma farça! Se ainda persistem em proclamar que o não é, façam que sejam julgados os seus ministros demittidos! Nós pedimos que elles se sentem nos bancos dos reus. O povo que o peça tambem comnosco, os nossos tribunos que o peçam nos comicios, toda a imprensa da opposição que brade para que os julgamentos dos tribunaes não sejam apenas para os adversarios ou para os miseraveis e gatunos: mas que sejam tambem para os grandes salafrarios constitucionaes.
Comtudo por elle fugir perante o Parlamento, nem por isso se deve eximir ao castigo. É preciso que a responsabilidade ministerial não seja uma vã palavra. Se não existe a responsabilidade regia, se não existe de facto a responsabilidade ministerial, é força que estes senhores o confessem francamente: a Constituição é uma farça! Se ainda persistem em proclamar que o não é, façam que sejam julgados os seus ministros demittidos! Nós pedimos que elles se sentem nos bancos dos reus. O povo que o peça tambem comnosco, os nossos tribunos que o peçam nos comicios, toda a imprensa da opposição que brade para que os julgamentos dos tribunaes não sejam apenas para os adversarios ou para os miseraveis e gatunos: mas que sejam tambem para os grandes salafrarios constitucionaes.
LEAL, Gomes – O Renegado a António Rodrigues Sampaio :
carta ao Velho Pamphletario sobre a perseguição da imprensa.
Página inicial da NOTA
Página inicial da NOTA
O auctor d'estas linhas pede tambem o seu julgamento. Ha já tempo que teem capciosamente sobre elle um processo em aberto, como a espada de Damocles, que o priva dos seus direitos civis e politicos, e o impede de ser eleito pelo povo para alguma missão de confiança popular. É um excellente e perfido meio constitucional para affastar um adversario! mas muito conhecido nos arsenaes politicos. É uma espada velha e enferrujada do tempo de Carlos Magno, mas que ainda dá bons botes!
No entanto o julgamento, dos ministros demittidos não se fará: pelo menos no tempo da Monarchia. Ao inverso do ministerio Saint Hilaire, que não fugiu á responsabilidade em face do Parlamento francez, o governo portuguez demittido não se peja de fugir a ella. São de tal forma as engrenagens do systema constitucional que as maiores arbitrariedades se commettem e se perpetram, ficando naimpunidade, na sombra do esquecimento, ou na velha alcofa d'essa trapeira que se chama – Politica. Fallamos da politica monarchica. Mas é força que as cousas não continuem no mesmo pé! É preciso que á mingua da Lei juridica, se erga a Lei da Consciencia Humana! Que a cada attentado corresponda um castigo, que a cada perversidade corresponda um ferro em braza, que a cada abominação corresponda uma guilhotina moral! A espada d'essa lei moral devem vibral-a a Opinião Publica a Historia, o jornalismo, os poetas, os homens justos, os homens de consciencia lavada. Que todos elles repillam de si estes forasteiros, esses safardanas pulhas que especulam ha 50 annos com a Constituição, como especullaram com as bullas, no tempo de Leão X, e com agua de Lourdes no tempo de Pio IX. Que elles fiquem certos que os seus crimes não esquecem! Que elles fiquem scientes que as suas arbitrariedades não ficarão na sombra! Ha quem vela, e quem registra. É a Historia. Ha quem se indigna e quem decapita. É a Poesia.
É para isso que se escreveu este pamphleto.”
Espero que este texto vos faça reflectir sobre os problemas de uma época, e que se mantém na actualidade, mas sobretudo quero tentar fazer redescobrir este autor que muito tem para nos oferecer.
Saudações bibliófilas
(1) Decide-se manter a ortografia da edição original por opção pessoal.
No entanto o julgamento, dos ministros demittidos não se fará: pelo menos no tempo da Monarchia. Ao inverso do ministerio Saint Hilaire, que não fugiu á responsabilidade em face do Parlamento francez, o governo portuguez demittido não se peja de fugir a ella. São de tal forma as engrenagens do systema constitucional que as maiores arbitrariedades se commettem e se perpetram, ficando naimpunidade, na sombra do esquecimento, ou na velha alcofa d'essa trapeira que se chama – Politica. Fallamos da politica monarchica. Mas é força que as cousas não continuem no mesmo pé! É preciso que á mingua da Lei juridica, se erga a Lei da Consciencia Humana! Que a cada attentado corresponda um castigo, que a cada perversidade corresponda um ferro em braza, que a cada abominação corresponda uma guilhotina moral! A espada d'essa lei moral devem vibral-a a Opinião Publica a Historia, o jornalismo, os poetas, os homens justos, os homens de consciencia lavada. Que todos elles repillam de si estes forasteiros, esses safardanas pulhas que especulam ha 50 annos com a Constituição, como especullaram com as bullas, no tempo de Leão X, e com agua de Lourdes no tempo de Pio IX. Que elles fiquem certos que os seus crimes não esquecem! Que elles fiquem scientes que as suas arbitrariedades não ficarão na sombra! Ha quem vela, e quem registra. É a Historia. Ha quem se indigna e quem decapita. É a Poesia.
É para isso que se escreveu este pamphleto.”
Espero que este texto vos faça reflectir sobre os problemas de uma época, e que se mantém na actualidade, mas sobretudo quero tentar fazer redescobrir este autor que muito tem para nos oferecer.
Saudações bibliófilas
(1) Decide-se manter a ortografia da edição original por opção pessoal.
(2) Podem ler o texto do livro em: http://purl.pt/6577/1/index.html
(3) António Rodrigues Sampaio (1806 -1882) foi um jornalista e político português que, entre outras funções, foi deputado, par do Reino, ministro e presidente do ministério. Foi um dos maiores vultos do liberalismo português de oitocentos, jornalista ímpar e parlamentar de excepção.
Era uma personalidade controversa, polémica, e mesmo revolucionária, mas sempre coerente e fiel aos seus princípios e desígnios, foi um agitador de renome nacional, o que lhe valeria a alcunha de o “Sampaio da Revolução”, já que se notabilizou como redactor principal do periódico «A Revolução de Setembro».
Era um jornalista de causas, não de notícias, como aliás era o jornalismo do século XIX. Foi membro importante da Maçonaria.
(3) António Rodrigues Sampaio (1806 -1882) foi um jornalista e político português que, entre outras funções, foi deputado, par do Reino, ministro e presidente do ministério. Foi um dos maiores vultos do liberalismo português de oitocentos, jornalista ímpar e parlamentar de excepção.
Era uma personalidade controversa, polémica, e mesmo revolucionária, mas sempre coerente e fiel aos seus princípios e desígnios, foi um agitador de renome nacional, o que lhe valeria a alcunha de o “Sampaio da Revolução”, já que se notabilizou como redactor principal do periódico «A Revolução de Setembro».
Era um jornalista de causas, não de notícias, como aliás era o jornalismo do século XIX. Foi membro importante da Maçonaria.
Ja, ja... ¡hasta las caricaturas se parecen a las nuestras!
ResponderEliminarEl siglo XIX fue realmente un siglo de locos. No me extraña que estemos como estemos...
Gracias una vez más por aproximarnos hechos y gentes de Portugal muy paralelos a los nuestros.
Estimado Rui.
ResponderEliminarLos apuntes que nos ofreces nos pintan de una manera muy precisa a Gomes Leal.
Sin embargo observo en Gomes una personalidad mucho más compleja.
Gracias por las noticias, los enlaces y la mención.
¡De haber tenido la posibilidad de contar con blogs, hasta donde hubieran llegado estos personajes!
Un fuerte abrazo.
Caros amigos
ResponderEliminarObrigado pelos vossos comentários.
Concordo contigo Marco Fabrizio quando dizes que Gomes Leal é uma personagem mais complexa. sobretudo pelo que conheço deste que não de Severo Amador.
Tem uma passagem pela vida
(e passou mesmo, pois deixou bem vincado o seu percurso!)
e deixou-nos preciosas poesias como: «Claridades do Sul» (1875), «Fim de Um Mundo» (1899) e «O Anti-Cristo» (1907) (data da 2ª edição que é a melhor em todos os aspectos – mais completa que a 1ª e de muito melhor qualidade gráfica). Estes dois últimos trabalhos são de cunho marcadamente mais intervencionista bem ao seu estilo.
Publicou também uma série de trabalhos em prosa de que destaco “Memórias d’huma epocha Maldita» (2 Vol.) curiosa obra anti-clerical e de um certo cunho ateu ... mas não só.
De facto Galderich o séc. XIX é um século de loucura! Mas que loucura visionária e revolucionária! Ficou-nos todo um legado cultural que nos marcaria no século seguinte e que, mesmo neste século. ainda não nos conseguimos desligar dela (repare-se, a título de exemplo, nos fundamentos das ideologias socialistas e dos “chamados partidos de esquerda”)
Ah! e a propósito de loucura
(seria mesmo?)
neste século XIX houve um “sujeito” que defendia a União da Ibéria para fazer face à Decadência dos Povos Peninsulares ... era um “tal” Guerra Junqueiro!
Saudações amigas e bibliófilas.