sábado, 19 de agosto de 2017

D. Luís I, rei de Portugal e tradutor de Shakespeare



D. Luís I, O Popular, 31 ° rei de Portugal
Retrato por Augusto Bobone, 1885

D. Luís I, O Popular, foi o 31 ° rei de Portugal. Segundo filho da rainha D. Maria II e do rei D. Fernando.


WALTON, C. W., fl. ca. 1850
[D. Luis I, Rei de Portugal]
[Visual gráfico / drawn by C. W. Walton. - London : Morris [entre 1861 e 1862]
1 gravura : litografia, p&b
(PURL.PT / BNP)

Nasceu em Lisboa, no paço das Necessidades em 31 de Outubro de 1838, faleceu em Cascais a 19 de Outubro de 1889. Foi baptizado na capela do referido paço, pelo patriarca de Lisboa D. Patrício da Silva, capelão mor da rainha, a 14 de Novembro do mesmo ano, sendo padrinho o rei de França Luís Filipe. O seu nome completo era D. Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Augusto Júlio Volfrando Saxe-Coburgo-Gota de Bragança e Bourbon.


D. Luís, enquanto Infante de Portugal

Até à morte de seu irmão, o rei D. Pedro V, foi infante de Portugal, 1.° duque do Porto e duque de Saxónia. Recebeu uma educação esmeradíssima, como todos os filhos de D. Maria II. 


Sentado El-Rei Dom Pedro V de Portugal,
inclinado sobre a mesa Dom Luís e de costas, com xaile,
Sua Majestade a Rainha Vitória do Reino Unido

A soberana destinava-o à vida marítima, não simplesmente como oficial de marinha honorário, mas como prático, porque entendia que os príncipes, apesar do seu elevado nascimento, assim o deviam ser tanto na marinha como no exército, partilhando os mesmos trabalhos e fadigas dos marinheiros e soldados.

Pedro V, O Esperançoso, por W. Corden
(Palácio Nacional da Ajuda)

D. Pedro V assumiu o governo do Reino, sendo aclamado em 16 de Setembro de 1855, dia em que justamente completava dezoito anos de idade.

D. Pedro V tornou-se muito popular; o povo adorava-o, e chamava-lhe o rei santo. A sorte protegia-o, porque expondo-se com tanta afoiteza, com tanta coragem ao perigo do tenebroso contágio, não teve o menor sinal de doença naqueles meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 1857, em que mais se pronunciaram os efeitos da epidemia. Pouco a pouco foram rareando os casos, que até então eram numerosos todos os dias, e quando chegou o fim de Dezembro estava a febre-amarela completamente debelada, restando os choros e os lamentos das pessoas que tinham perdido parentes queridos, e crianças órfãs, que se viam sós entregues à mais profunda tristeza e saudade.


D. Pedro V, rei de Portugal (1837 - 1861)
Retratos de Portugueses do séc. XIX. (1859 - 1865)
de Joaquim Pedro de Sousa
Biblioteca Nacional de Portugal

Chegou depois o ano de 1858, que trouxe para Portugal dias mais sossegados e mais felizes. Para suavizar as angústias dos dois anos anteriores, tratou-se do casamento do jovem monarca, que se tornara o ídolo do povo.


SM a Rainha D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen de Portugal (1837-1859)
Casa Real: Hohenzollern-Sigmaringen

Essa notícia foi recebida com o maior entusiasmo sendo a esposa escolhida a princesa de Hohenzollern-Sigmaringen, D. Estefânia Josefina Frederica Guilhermina Antónia, segunda filha do príncipe soberano do Hohenzollern-Sigmaringen, Carlos António Joaquim, e de sua mulher D. Josefina Frederica.


D. Pedro V e SM a Rainha D. Estefânia

O casamento realizou-se por procuração em Dresden a 29 de Abril de 1858, e em pessoa, em Lisboa, a 18 de Maio, na igreja de S. Domingos, um formoso dia de primavera, que parecia vir também saudar os régios noivos, reunindo-se ao entusiasmo que se notava por toda a parte, à alegria e satisfação que reflectia em todos os semblantes. As aclamações e os vivas, que o povo soltava durante o trânsito do Terreiro do Paço, onde a jovem rainha desembarcou, até à igreja de S. Domingos, chegaram ao delírio.

Este foi talvez o último rei amado, e idolatrado, por todo o povo.

Em 1861 saiu de Lisboa com o infante D. João, em viagem pela Europa, e estava em Londres quando recebeu a notícia de que D. Pedro V adoecera gravemente, o que tornava de grande urgência o seu regresso a Portugal. Os dois infantes embarcaram logo na corveta Bartolomeu Dias, e desembarcaram em Lisboa pouco depois do fatal dia 11 de Novembro de 1861, em que falecera o monarca.

A primeira notícia do lamentável sucesso, logo a recebeu a bordo, dada indirectamente pelo marquês de Loulé, presidente do Conselho de Ministros, tratando-o pelo título de Majestade.


D. Luís e D. Maria Pia
(Fotografia com carimbo de Photo American, Thesouro Velho Lisboa)


Os pais, D. Luís e D. Maria Pia, com o seu primogénito, o pequeno Carlos

Em seguida pensou-se no casamento do rei, e sendo escolhida a filha mais nova do rei de Itália Vítor Manuel II, a princesa D. Maria Pia de Sabóia, deu-se começo ao respectivo contrato, vindo o casamento a realizar-se por procuração em Turim a 27 de Setembro de 1862, sendo ratificado em Lisboa a 6 de Outubro seguinte, com sumptuosas festas e brilhantes iluminações.


Gravura do Palácio de Cristal publicada em 1864 no Archivo Pittoresco

Em 1865 houve no Porto uma exposição internacional no Palácio de Cristal, que se construíra para esse fim.


O projecto do Palácio de Cristal foi, na época, destaque na Illustrated London News
(Imagem: Wikipedia)

A grande Exposição Internacional do Porto, inaugurada em 18 de Setembro de 1865 pelo rei D. Luís (1838-1889), foi a primeira exposição internacional da Península Ibérica.

A grande Exposição Internacional do Porto de 1865

Organizada pela antiga Associação Industrial Portuense, na exposição foram expostas as inovações e conquistas industriais e comerciais, divididas em quatro grandes ramos de produtos: matérias-primas, máquinas, manufacturas e belas-artes. A exposição ficou patente até Janeiro de 1866.
O êxito foi enorme, causando entusiasmo em todo o país tão notável empreendimento.


D. Luís e D. Maria Pia

O rei D. Luís era um espírito culto; além da sua especial instrução científica, falava correctamente sete ou oito dos principais idiomas da Europa; dedicava-se às belas artes, desenhando e pintando, compondo música, e executando-a em diversos instrumentos, com especialidade no violoncelo e no piano.

Rei e Músico

Tinha profundo amor às letras, estudando os clássicos e os sábios. Era considerado um dos monarcas mais instruídos e estudiosos da Europa. O teatro entusiasmava-o, e tinha por Shakespeare um verdadeiro culto. Quis empreender a tradução de algumas das suas obras, e como lhe dissessem aqueles a quem lia os seus escritos, que as traduções estavam excelentes, resolveu publicá-las, sem lhes pôr o seu nome.


Gabinete de Trabalho de El-Rei D. Luís I
Aguarela de Henrique Casanova
© Palácio Nacional da Ajuda

A primeira que se imprimiu, foi a tradução do Hamlet, em 1877; edição muito nítida em papel superior, destinada para brindes; em 1880 fez-se a 2.ª edição, em que se lia a nota seguinte: «propriedade cedida por sua majestade o rei à Associação das Creches.» O rei, permitindo que o dito instituto fizesse a nova impressão, foi para que o produto da venda revertesse em produto do cofre que protege a infância indigente. Em seguida publicou o Mercador de Veneza, em 1879; desta edição cedeu o rei 300 exemplares a favor da Sociedade das Casas de Asilo da Infância Desvalida de Lisboa. Também traduziu Ricardo III, publicado em 1880; depois apareceu o Otelo, em 1885, trazendo o nome do tradutor. Começou as traduções, que não concluiu, do Romeu e Julieta, Estupro de Lucrécia, Vénus e Adonis, A Esquiva domada. Traduziu também várias poesias de Rollinat, alguns trechos da Fille de Rolland, de Bernier, e a comédia de Pailleron Le Monde ou l’on s'ennuie que Gervásio Lobato traduziu com o título de Sociedade onde a gente se aborrece.


Academia Real das Ciências – brasão

Como presidente da Academia Real das Ciências instituiu o prémio de 1.000$000 réis destinado à obra mais notável que se tivesse publicado nesse ano.


Sessão inaugural na Academia Real das Ciências
Gravura de Alberto Macedo
In O Ocidente, 1880, vol. 3, p. [165]
BN J. 3113 M.

Era presidente da Academia Real das Ciências, e presidente honorário e protector de várias corporações científicas, literárias e de beneficência do Reino.

Mas vem tudo isto, a propósito das traduções do rei D. Luís I das obras de Shakespeare de que a Frenesi Loja apresentou recentemente para venda estas edições:



SHAKESPEARE, William – Hamlet [junto com] O Mercador de Veneza. [Trad. D. Luís]. Lisboa, Imprensa Nacional, 1877 e 1879. 1.ª edição (ambos).  2 livros enc. 1 volume. 24 cm x 16,5 cm. 150 págs. + 114 págs.

Impressos sobre papel de gramagem superior.



Luxuosa encadernação em meia-francesa, gravação a ouro na lombada. Corte carminado, sem capas de brochura. Exemplar estimado; miolo limpo.

Augusto Forjaz redigiu e assinou a seguinte comunicação na pág. 2 do primeiro livro: «As traduções de Shakespeare contidas neste volume foram feitas por El-Rei Dom Luiz. No rosto de cada volume encontra-se a sua firma.»



Carimbo do Ministério do Reino lixiviado em ambos os frontispícios e nas respectivas págs. 11

VALORIZADO PELA ASSINATURA DO REI D. LUÍS EM AMBOS OS FRONTISPÍCIOS
Peça de colecção

300,00€ (IVA e portes incluídos)

Espero que este apontamento tenha sido do vosso agrado e resta-me despedir com votos de bom fim-de-semana.

Saudações bibliófilas.



Para saber mais:

D. Luís I, rei de Portugal – Portugal – Dicionário Histórico 

D. Luís I de Portugal - Wikipédia

D. Pedro V, rei de Portugal – Portugal – Dicionário Histórico

 Pedro V de Portugal – Wikipédia

Exposição Internacional do Porto (Palácio de Cristal, 1865)

Instituto Camões: Academia Real das Ciências de Lisboa – Ciência em Portugal

As Aguarelas de Henrique Casanova – Parques de Sintra | Monte da Lua

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Frenesi Loja – alguns livros com história



Um coleccionador de livros

Paulo Costa Domingos da Frenesi Loja (http://frenesilivros.blogspot.pt/) fez uma montra que divulgou junto dos seus clientes e amigos, onde se podem encontrar alguns livros de inquestionável interesse.

Claro que se trata de uma amostra muito pequena do vasto acervo que espera pela nossa pesquisa e consulta.

Mas vou então aquilo que nos interessa.

Embora não seja muito frequente, desta vez vamos encontrar uma boa proposta na temática do livro antigo, pelo que é exactamente nessa área que me vou debruçar na minha apresentação.



ERASME [DESIDERIUS ERASMUS] – L’Éloge de la Folie. Trad. do latim por M. [monsieur Nicolas] Gueudeville. Gravuras de C. Eisen. s.l. [Paris], s.i., 1771. «Nouvelle Édition, revue & corrigée fur le Texte de l’Édition de Bâle. Et ornée de nouvelles figures. Avec des notes.» (2.ª edição). 16,1 cm x 10,5 cm. 8 págs. (não numeradas) + XXIV págs. (prefácios) + 13 folhas em extra-texto (gravuras).

Profusamente ilustrado.



Encadernação antiga com lombada em pele gravada a ouro, pastas forradas a tela, bonitas vinhetas gravadas a ouro nos remates da pele. Pouco aparado. Sigla de posse (ou marca de encadernador?) ao rés da lombada: J. M. S. V.



Exemplar muito estimado; miolo limpo, papel sonante. Carimbo do livreiro-antiquário Gris y Zavala (Lima) no rodapé do frontispício. Ostenta colado no verso da pasta anterior o ex-libris de Manuel R. Pereira da Silva.

PEÇA DE COLECÇÃO
185,00€ (IVA e portes incluídos)

Tradução de referência do texto quinhentista, seguindo a edição de Basileia, escrupulosamente levada a cabo pelo antiquário Charles Patin em 1676.



CONSELHEIRO [M. M.] LISBÔA – Relação de uma Viagem a Venezuela, Nova Granada e Equador. Bruxelas, A. Lacroix, Verboeckhoven e C.ª, Editores, 1866. 1.ª edição. 23,8 cm x 15,9 cm. 394 págs. + 1 folha dupla (mapa) + 29 folhas em extra-texto (sendo seis delas desdobráveis) + 8 págs. (pauta musical).

Profusamente ilustrado.



Encadernação recente meia-francesa em pele e papel de fantasia com gravação a ouro na lombada. Conserva as capas de brochura.

Exemplar muito estimado; miolo limpo e parcialmente por abrir. Discreta rubrica de posse no canto superior direito do frontispício, pequena etiqueta de biblioteca no canto superior esquerdo da capa de brochura.

Peça de colecção com grande interesse científico.
180,00€ (IVA e portes incluídos)



Não é um livro de viagem turística. É o testemunho expedicionário de um observador que soube, por comparação, detectar a novidade nos usos e costumes, na religião, na geografia, na gastronomia, e até colher apontamento das culturas locais e das tecnologias práticas. Porque o Autor tinha em mente dar a conhecer – prioritariamente aos brasileiros – o «estado social e material dos paizes limitrophes», que, apesar de o serem, «são no Brasil inteiramente desconhecidos».



MANOEL BERNARDES, padre – Pam Partido | em pequeninos | para os pequeninos da casa | de Deos, | Breve tratado Efpiritual, em que fe inf- | true hum Fiel nos pontos principaes | da Fè, e bons coftumes | Ajuntaõ-fe hũa vifaõ notavel, que huma ferva | de Deos teve dos tormentos do Inferno, e hu- | mas Meditações fobre os Noviffimos | Compofto pelo Padre |  … | da Congregaçaõ do Oratorio de Lisboa. Lisboa Occidental, Na Officina de Miguel Rodrigues, 1726. [4.ª edição (segundo Inocêncio)]. 2 tomos (encadernados em 1 volume) (completo). 15,3 cm x 10,3 cm. 220 págs. + 2 págs. + 198 págs.

Encadernação da época inteira em pele, com nervuras e gravação a ouro na lombada. Corte marmoreado.

Exemplar em bom estado de conservação, discretos restauros à cabeça das págs. 159 a 176 sem afectar a mancha de texto; miolo limpo, papel sonante.

Dedicatória de Ayres de Carvalho na folha de resguardo do verso da capa anterior.
250,00€ (IVA e portes incluídos)



Dizem-nos António José Saraiva / Óscar Lopes (ver História da Literatura Portuguesa, 15.ª ed., Porto Editora, 1989):

«[...] Nascido de uma ligação irregular, talvez de pai judeu, recebeu ordens sacras e professou em 1674 na Congregação do Oratório de S. Filipe Néri, que o padre Bartolomeu do Quental trouxera para Portugal seis anos antes e que tão grande papel desempenhará nas reformas pedagógicas do séc. XVIII entre nós. [...]

Ideologicamente, e apesar da sua vasta informação literária e teológica, a obra de Bernardes é a de um cristão simples, sem problemas filosóficos, a quem a vergonha materna, as leituras ascéticas e o confessionário inculcaram a ideia de que o mundo secular está profundamente corrompido. Na sua prosa macia, com uma delicadeza eufemística e dir-se-ia que voluptuosa, perpassam abundantes casos que dão da mulher, mesmo da mãe, irmã ou freira, o juízo mais pessimista. Mas ao lado dessa podridão, de cujo contacto Bernardes afasta habilmente a fímbria da sua prosa imaculada, o mundo foi e é sempre, para ele, um teatro de constantes e ininterruptos prodígios miraculosos. [...]

Não se lhe pode, no entanto, contestar certa perspicácia psicológica em todas as fases dos exercícios de ascese ou de expansão mística. São sensíveis as suas afinidades com a mística quietista, pela importância que atribui à contemplação extática, embora evite as teses, entretanto condenadas, de Molinos, assim como as dos Alumbrados.

Contudo o grande mérito de Bernardes é o de artista da prosa narrativa. As explicações didácticas, as análises doutrinais que, sobretudo nos tratados ascéticos, se carregam do lastro, para nós incómodo, das citações escriturárias, patrísticas, escolásticas ou literárias, revelam já o estilista; mas é quando procura atingir o grande público através de narrativas muito chãs e impressivas, seguidas de comentários moralistas, que Bernardes revela os seus melhores dons artísticos. [...]»



MANOEL BERNARDES, padre – Luz, e Calor | Obra espiritual para os que tratam | do exercicio de virtudes, e caminho de perfeiçaõ, | dividida em duas partes. | Na primeira fe procura communicar ao entendimento Luz de muitas verdades im- | portantes, por meyo de Doutrinas, Sentenças, Induftrias, e Dictames ef- | pirituaes. Na fegunda fe procura communicar à vontade Calor do Amor | de Deos, por meyo de Exhortações, Exemplos, Meditações, Col- | loquios, e Jaculatorias. Lisboa, Na Officina Patriarcal de Francifco Luiz Ameno, 1758. 4.ª edição («Quarta impreffaõ»). 20,6 cm x 15,7 cm. 16 págs. (frontispício, dedicatórias, licenças de impressão e sumário) + 660 págs. (38 das quais com o índice remissivo).

Encadernação antiga inteira em pele, com nervuras na lombada, rótulo e gravação a ouro. Aparado, corte carminado.

Exemplar em bom estado de conservação; miolo muito fresco e, no geral, limpo. Sem sinal de traça.
A folha-de-rosto ostenta no canto inferior esquerdo pequeno desenho infantil; ao longo das margens de algumas páginas da obra, apesar de já desvanecidas, surgem ocasionais linhas de apontamento sem afectar o corpo do texto.

Dedicatória de Ayres de Carvalho na primeira folha-de-guarda.
95,00€ (IVA e portes incluídos)

Inocêncio Francisco da Silva, no seu Diccionario Bibliographico Portuguez (tomo V, Imprensa Nacional, 1860), dá fé da existência de Bernardes assim:

«Presbytero da Congregação do Oratorio de Lisboa, cuja roupeta vestiu aos trinta annos de edade, sendo já graduado pela Universidade de Coimbra nas Faculdades de Canones e Philosopbia. – N. em Lisboa a 20 de Agosto de 1644, e m. na casa do Espiritosancto, a 17 de egual mez de 1710, havendo perdido inteiramente o siso dous annos antes. [...]»



ARNOLDI VINNII – Institutionum Imperialium Commentarius Academicus, et Forensis... Gottl. Heineccius recensuit, & præfationem notulasque adjecit [junto com] Selectarum Juris Quæstionum... Veneza, Typis Antonii Graziosi, 1768. [a 1.ª edição é do século XVII)]. 4 livros em 2 tomos + 2 livros (tomo III) encadernados em 2 volumes. 23,8 cm x 19,5 cm. [XXXII págs. + 536 págs.] + [IV págs. + 452 págs. + VIII págs. + 172 págs.]

Encadernações homogéneas de época inteiras em pele mosqueada com nervuras e vinhetas gravadas a ouro nas lombadas; perderam ambos os rótulos.

Exemplares em estado muito razoável de conservação, miolo limpo.

Assinatura de posse rasurada no frontispício do tomo I
180,00€ (IVA e portes incluídos)



Obra redigida em latim, de vasto interesse jurídico. Do autor diz-nos o Diccionario Popular, historico, geographico, mythologico, biographico, artistico, bibliographico e litterario (dir. Manoel Pinheiro Chagas), 13.º vol., Typographia da Viuva Sousa Neves, Lisboa, 1884:

«[...] Jurisconsulto e professor hollandez, n. em 1588 e m. em 1657. Tendo estudado durante alguns annos a legislação romana e as leis do seu paiz, começou em 1615 a publicar alguns trabalhos sobre o direito romano, nos quaes se affastou da rotina, e em que apesar de não descobrir o systema que 150 annos depois tornou conhecidos os nomes de Hugo, Hubold e Savigny seguiu chronologicamente as mudanças da lei romana, e os seus progressos e tendencias sempre elevadas, especialmente sob o influxo do christianismo, regeitando o estudo litteral dos textos.

[...] pela sua erudição profunda e variada, pela sua eloquencia e pela sua logica severa era considerado um dos mais distinctos professores e pelo seu methodo racional, e pelas suas descobertas pessoaes era considerado superior a todos.

Vinnius que [...] os seus compatriotas tinham na conta de primeiro entre todos os jurisconsultos d’essa epoca recusou todas as honras, e não querendo nunca deixar o magisterio quando já muito cansado não podia fazer cursos regulares, presidia a conferencias em que os discipulos discutiam sob a sua presidencia, pontos difficeis de direito. [...]»



MIGUEL CARDOSO – Os Elementos da Ethica de João Gottlieb Heineccio [...]Com as suas notas, Interpretados e traduzidos, que Ao Illuftriffimo, e Excellentiffimo Senhor Fernando da Costa de Ataide e Teive de Souza Coutinho, do Confelho de Sua Mageftade, Tenente General dos feus Exercitos com o Governo das Armas da Provincia da Beira, Commendador de Rebaldeira na Ordem de S. Thiago, Senhor Donatario dos Confelhos de Baiaõ, e S. Chriftovaõ de Nogueira, e dos Foros do Lamegal, &c. &c. &c. Coimbra, Na Real Imprensa da Universidade, 1792. [1.ª edição]. 14,9 cm x 10,2 cm. 6 págs. + 232 págs.

Encadernação da época inteira em pele, sem nervuras, com discretos ferros a ouro na lombada.



Miolo em muito bom estado de conservação; extensos sinais de traça na pele tal como mostra a imagem junto.
45,00€ (IVA e portes incluídos)

Trata-se de um estudo acerca daquele que foi, na primeira metade do século XVIII, um mestre fundador da filosofia jurídica, entendida esta enquanto conjunto de princípios objectivos do Direito. Johann Gottlieb Heineccius viveu entre 1681 e 1741, e pode ser considerado o jurista de referência para a Europa.



LUIZ DE SOUZA, frei – Vida | do Veneravel | D. Fr. Bartolomeu | dos Martyres | da Ordem dos Pregadores, | Arcebifpo de Braga, Primaz das Hefpanhas. Paris, Na Officina de Antonio Boudet, Impreffor de S. M. Chriftianiffima, 1760. 2.ª edição («nova ediçaõ»). 2 tomos (completo). 20,2 cm x 13,5 cm. [XX págs. + 388 págs.] + [2 págs. + 320 págs.]

Encadernações dissemelhantes inteiras em pele, da época, com nervuras pontuadas pela gravação a ouro e rótulos também gravados a ouro.



Exemplares muito estimados; miolo limpo, papel sonante. Carimbo de posse no frontispício do tomo segundo.
320,00€ (IVA e portes incluídos)

Professo no convento dominicano de São Domingos de Benfica, frei Luís de Sousa (1555-1632) dá à estampa esta obra, de um português de alta correcção, partindo de umas notas coligidas por um outro religioso da Ordem, frei Luís Cacegas (1540 ?-1610), cronista este, vigário e superior do convento. A primeira edição da vertente obra fôra impressa em Viana por Nicolau Carvalho em 1619.

Ainda que fora desta temática, não quero deixar de referir mais estas quatro obras.

Pela qualidade das suas ilustrações temos:



aa.vv. – Album do Zé Povinho do Porto. Porto, Clube Fenianos Portuenses / Papelaria e Typographia Academica, 1908. 1.ª edição [única]. 22,2 cm x 16,8 cm. 152 págs. (quase exclusivamente impressas retro).

Profusamente ilustrado a preto e a cor.

Encadernação editorial «na casa de Alexandre Duarte Corrêa».

Exemplar muito estimado; miolo limpo e fresco.

Peça de colecção.
115,00€ (IVA e portes incluídos) [RESERVADO]



Celebra este álbum Alexandre Correia Júnior, pitoresca figura portuense que, para quase todos, aí encarnava o Carnaval e, portanto, uma espécie de Zé Povinho nortenho... Isto segundo os próprios promotores da edição. Claro que o original lisboeta foi sempre um pouco de tudo... menos carnavalesco! Terá sido, este último, um tolo, mas um tolo virado à política e à intervenção cívica.

Inclui a vertente obra colaborações plásticas, musicais e literárias, entre muitíssimas outras, de António Teixeira Lopes, Manuel Monterroso, Sebastião Magalhães Lima, Francisco Valença, João Chagas, Alonso, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, Sampaio (Bruno), Jaime Cortesão, etc.

Pela excelente encadernação veja-se esta:



MANUEL DA SILVA GAYO – Torturados. Porto, Livraria Chardron – De Lello & Irmão, editores, 1911. 1.ª edição. 18,6 cm x 12,6 cm. 8 págs. + 416 págs.

Encadernação de artista (não identificada, imitando o estilo de Victor Santos), inteira em pele com gravação a ouro em ambas as pastas e na lombada, tendo sido esta última acentuada por alto-relevo decorativo entre as nervuras; seixas gravadas a relevo-seco. Pouco aparado, sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação; miolo limpo.

Ostenta colado no interior das guardas da encadernação o ex-libris de Rogélio Barros Durão.

Peça de colecção.
95,00€ (IVA e portes incluídos)

Filho do escritor liberal António da Silva Gaio, cujo romance histórico Mário bastou para que a posteridade o não pudesse esquecer, este Manuel notabilizou-se mais pelas ideias de um parnasianismo nacionalista, de um decadentismo simbolista, que partilhava com, por exemplo, António Feijó, ou Eugénio de Castro, ou Gonçalves Crespo.

E de uma das mais famosas polémicas do nosso séc. XIX refira-se esta miscelânea:



A.[LEXANDRE] HERCULANO – Eu e o Clero [miscelânea]. Lisboa, Imprensa Nacional, 1850-1851. 1.ª edição [excepto a primeira brochura (2.ª edição)]. 5 brochuras em 1 volume. 20 cm x 13,5 cm 20 págs. + 18 págs. + 68 págs. + 32 págs. + 36 págs.

Títulos individuais:

[1] Eu e o Clero – Carta ao Em.º Cardeal-Patriarca
[2] Considerações Pacificas sobre o opúsculo Eu e o Clero – Carta ao redactor do periodico A Nação
[3] Solemnia Verba – Cartas ao Senhor A. L. Magessi Tavares sobre a questão actual entre a verdade e uma parte do clero
[4] A Batalha d’Ourique e a Sciencia Arabico-Academica – Carta ao redactor da Semana
[5] Da Propriedade Litteraria e da recente convenção com França – Carta ao Senhor Visconde d’Almeida-Garrett

Encadernação da época, meia-inglesa em pele e papel de fantasia com gravação a ouro na lombada. Pouco aparado, sem as capas de brochura.

Exemplar bem conservado; miolo limpo.

Peça de colecção.
125,00€ (IVA e portes incluídos)



Estão aqui reunidas num único volume as peças essenciais de uma vastíssima polémica em torno da rejeição, por parte de Herculano, dos fundamentos milagreiros da batalha que, em 1139, travou D. Afonso Henriques nos campos de Ourique contra os sarracenos. Evento este tão estrondosamente vitorioso, de um grupo minúsculo de tropas contra um imenso exército inimigo, que levou o nosso monarca a autoproclamar-se, logo ali, rei de Portugal. José Custódio e José Manuel Garcia (Opúsculos IV, Editorial Presença, Lisboa, 1985) contextualizam o sucedido após a publicação, em 1846, do primeiro volume da História de Portugal de Herculano:

«[...] Quanto ao milagre, cavalo de batalha da questão de Ourique, Herculano afirma friamente que não há qualquer referência em que o historiador se possa estribar. O espírito positivo era adverso ao maravilhoso e ao metafísico e via nos “contadores de histórias” falsários e embusteiros que forjavam inclusive documentos para aduzir provas. Por isso “discutir todas as fábulas que se prendem à jornada de Ourique fora processo infinito”. A da aparição de Cristo ao príncipe Ibn Erick antes da batalha fundamentava-se num documento tão mal forjado “que o aluno instruído de diplomática – a ciência por excelência da crítica histórica – o rejeitaria como falso”.

Ora todos estes argumentos foram lenha para a fogueira. Podia um homem, mesmo que fosse um historiador, rejeitar assim, de um momento para o outro, todas as motivações pátrias, toda a origem sacra da realeza (e da nação), toda a fundamentação clara e inequívoca do 5.º Império? Seria possível permitir que um “ateu” mascarado viesse abalar os alicerces da afectividade pública e as esperanças mais recônditas da protecção divina?

O país em 1846 já havia mudado. A mentalidade, no entanto, ainda estava presa às forças anímicas do inconsciente colectivo. A segurança, a razão cartesiana, a clareza das ideias, a organização científica da sua fundamentação, não podiam esperar outra coisa senão uma reacção visceral de todos aqueles que viam agora no campo das letras e da cultura científica uma ruptura, digamos, epistemológica, com aquilo que lhes era mais caro: as prerrogativas intelectuais, os privilégios de influência, os ídolos do saber.

Era uma controvérsia de facto bizantina e Herculano soubera vê-la no contexto como um nada científico: “parece, na verdade, impossível que tão grosseira falsidade servisse de assunto a discussões graves” [...]

A Solemnia Verba constitui o mais importante documento da polémica de Ourique quer pela sua argumentação sólida, quer, sobretudo, pelo seu carácter teórico-metodológico. Herculano explica a situação actual da crítica histórica e analisa a sua evolução desde que ela fora fundada pela Congregação de Saint-Maur, no séc. XVII, avançando na determinação das principais regras da crítica em relação às fontes históricas. [...]»



Fora da referida polémica encontra-se a notável brochura Da Propriedade Literária, que nos mostra um intelectual contra a «literatura-mercadoria» ou «literatura-agiotagem». Ainda José Custódio e José Manuel Garcia (Opúsculos I, Editorial Presença, Lisboa, 1982):

«[...] Herculano era um escritor romântico e, ao contrário do que se pensa amiudadas vezes, o romantismo não era apenas um estilo literário. Era acima de tudo um comportamento social profundamente enraizado na função cultural do homem liberal. A literatura tem pois um lugar próprio no comportamento do intelectual como na condução formativa das novas gerações em termos de língua, de história e de valores nacionais, sociais e morais. [...]»

Termino com esta curiosidade editorial (a fazer lembrar o ecletismo da Livraria José Olympio no Brasil):



GABRIELE D’ANNUNZIO – O Triunfo da Morte. Trad. Celestino Gomes. [Capa de João Carlos (Celestino Gomes)]. Lisboa, Editorial «Gleba», L.da | Centro Tip. Colonial, 14 de Agosto de 1945. 2.ª edição.* 18,8 cm x 13 cm. 408 págs.

Encadernação de amador muito modesta inteira em tela encerada, gravação a ouro na lombada. Aparado. Conserva as capas de brochura.

Exemplar muito estimado; miolo limpo.
17,00€ (IVA e portes incluídos)

Trata-se do romance inspirador do nazi-fascismo, da autoria do homem – Gabriele d’Annunzio (1863-1938) – que lhe criou as bases filosóficas, introduzindo na Itália a legitimação de um “super-homem” nietzscheano, mas radical, amoral e violento.

* Embora o vertente editor não registe a informação, já existia este livro em português, traduzido por Amadeu Silva d’Albuquerque em 1903. Mas o mais estranho é o eclectismo ideológico da Gleba, ao ser a mesma editora do comunista ortodoxo Soeiro Pereira Gomes (?!), e de Manuel da Fonseca, e de José Cardoso Pires...


The workshop of bookbinder T. J. Cobden-Sanderson. circa 1890,
In  Illustrated London News

Boas leituras, na esperança que as escolhas sejam do vosso interesse, com votos de bom fim-de-semana.

Saudações bibliófilas

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