Ao consultar a página da livraria
virtual de Gabriela Gouveia – Livros
Antigos localizada na Rua Marcos Portugal, 28-30 | 1200-258
Lisboa (aliás como faço quase todos os dias…) esta apresentou mais uma obra de Fernando Pessoa.
Livraria Gabriela Gouveia – Livros Antigos
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos
E quando digo apresentou para
venda, foi isso mesmo, porque já tinha comprador – estava (Reservado)!
Os sempre indigestos Reservados que me fazem muito
frequentemente “crises de azia”! A salutar
“inveja” que todo o bibliófilo sente quando vê um exemplar cobiçado ser
comprado por outro coleccionador (… se calhar também já provoquei algumas
crises de azia a outros!); é mesmo assim o coleccionismo bibliófilo (como qualquer outro
– e muitas histórias se poderiam contar, mas ficarão para outra altura)
Tratava-se neste caso de Pessoa (Fernando) - Ultimatum De Alvaro de Campos sensacionista (Separata do
Portugal Futurista).
Pessoa
na minha livraria!
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos
Como se depreende desta fotografia
Fernando Pessoa é uma das referências
da livreira-antiquária (tem graça que nunca a tratei assim…) e um dos seus escritores
preferidos (sentimento generalizado no mundo bibliófilo e felizmente não só – o
problema é as 1ª edições serem só para um número muito restrito de coleccionadores.
Fernando Pessoa com 20
anos
Mas vejamos o livro em questão em
mais pormenor:
Pessoa (Fernando) - Ultimatum De
Alvaro de Campos sensacionista (Separata do Portugal Futurista).
Lisboa; Editor: Fernando Pessoa, 1917. [Tip. P. Monteiro, R. do Mundo, 57].
In-fólio de VIII págs. - Brochura.
Fora Do Mercado.
Raríssima Primeira Edição do mais
intenso e revolucionário Manifesto do Modernismo Português.
Provocativo e violento manifesto,
que embora constitua uma obra independente, com um editor diferente (Fernando
Pessoa), publicado primeiro, e com o carimbo azul Fóra Do Mercado, aparece como
separata do Portugal Futurista.
Ao surgir como editor e também
com a indicação de Fóra do Mercado, demonstra bem a sua ousadia, dando a cara
pelo seu tão criticado heterónimo Álvaro de Campos.
Excelente exemplar.
Raríssima e Valiosa Peça de Colecção.
©Gabriela
Gouveia – Livros Antigos
Aliás como se sabe esta obra veio
publicado no Portugal Futurista – 1917.
[Publicação Eventual] de que esta mesma Livraria vendeu recentemente um bom
exemplar:
Portugal Futurista – 1917. [Publicação Eventual]. Director e
fundador Carlos Filipe Porfírio. Editor: S. Ferreira. Tip. F. Monteiro, Lisboa,
1917. In-fólio de 42 págs. - Encadernado.
Raríssima Primeira Edição.
Primeiro e único número publicado
desta raríssima revista, fundamental para a história do Futurismo em Portugal.
Aparecida dois anos depois do Orpheu, e logo apreeendida pela censura.
Importantes textos assinados por
Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Raúl Leal, Fernando Pessoa, Álvaro de
Campos, Valentine de Saint-Point, Bettencourt-Rebelo, Guillaume Appolinaire e
Marinetti.
Retrato de "Santa Rita
Pintor, o grande iniciador do Movimento Futurista em Portugal", e reproduções
de quatro das suas pinturas, duas de Amadeo de Sousa-Cardoso e do retrato de
"O Poeta futurista José de Almada Negreiros violentamente pateado á sua
entrada no Palco do Theatro Republica, Sábado, 14 de Abril de 1917".
Excelente exemplar, conserva
intactas as magníficas capas de brochura. Bonita encadernação inteira em pele,
com gravação na pasta da frente, do conhecido encadernador Raúl de Almeida.
Raríssima e Valiosa Peça de
Colecção.
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos (01/2016)
Aliás esta Livraria prima pela
rapidez do desaparecimento, da sua página
web, das obras mais raras; senão vejamos a sua Mesa Nova (que pouco tempo durou – a maioria dos livros já foram
vendidos!)
Mesa nova
(…que já foi!)
©Gabriela Gouveia – Livros Antigos
Mas voltemos ao tema em análise: Pessoa (Fernando) - Ultimatum De Alvaro de Campos sensacionista (Separata do
Portugal Futurista).
“Ultimatum, de Álvaro de Campos, foi publicado no primeiro e (pelo
menos até à data) único número de Portugal Futurista, publicação literária cuja
natureza vem suficientemente expressa no título, que não carece de tradução.
Tendo escapado à censura por qualquer inexplicável golpe de sorte, esta
desapareceu quando alguém chamou para Ultimatum a atenção das autoridades já
depois de a revista se encontrar nos escaparates das livrarias. Portugal
Futurista foi imediatamente apreendido pela Polícia e instaurado processo
contra todos os escritores que colaboraram. Passou-se isto (cumpre explicar)
durante o ministério democrático derrubado por Sidónio Pais na revolução de 5
de Dezembro de 1917. No entanto, é difícil imaginar como qualquer ministério,
estando o país em guerra, poderia consentir na publicação de Ultimatum, que,
original e magnífico como é, embora não germanófilo (pois é «anti» tudo,
Aliados e alemães), contém insultos contundentes contra os Aliados, e bem assim
contra Portugal e o Brasil, os próprios países aos quais, sem dúvida, «P. F.»
se destinava.
Se traduzi Ultimatum, foi por ser bem a obra mais inteligente de
literatura jamais saída da Grande Guerra. Podemos contemplar com espanto as
suas teorias como indizivelmente excêntricas, podemos discordar da violência
excessiva da invectiva introdutória, mas ninguém, julgo eu, pode deixar de
confessar que o aspecto satírico é magnífico na sua justeza estudada de
aplicação, e que o aspecto teórico, pensemos o que pensarmos acerca do valor
das teorias, tem, pelo menos, os méritos raros da originalidade e da frescura.
São estas boas razões para traduzir Ultimatum, e a circunstância de,
embora publicado desde Setembro de 1917, só agora eu o fazer é devida ao facto,
que o manuseio da obra tornará evidente, de ser impossível tal publicação
durante a guerra.
Assinatura de Álvaro de Campos
Resta dizer alguma coisa ao leitor inglês acerca da natureza da obra e
acerca do autor. A tendência da obra é bem clara -- insatisfação ao ante a
incapacidade construtiva característica da nossa época, em que não surgiu
nenhum grande poeta, nenhum grande estadista, nem mesmo, bem vistas as coisas,
nenhum grande general. Falando acerca do Ultimatum dizia-me certa vez Álvaro de
Campos: «Esta guerra é a dos pigmeus mais pequenos contra os pigmeus maiores. O
tempo mostrará (foi isto dito em Janeiro de 1918) quais são os maiores e quais
os mais pequenos, mas, de qualquer modo, são pigmeus». «Pouco importa quem
ganha a guerra, pois será ganha, de certeza, por um imbecil. Pouco importa o que
dela resultará, pois o que virá será seguramente imbecilidade. Já chegou a era
da engenharia física (acrescentou ele caracteristicamente), mas estamos ainda
longe da era da engenharia mental. Isto mostra a medida em que recuamos da
civilização grega e romana, e o crime do Cristismo representa contra a
substância da cultura e do progresso». «Esse sofista reles, o
PresidenteWilson», disse-me em certa ocasião, «é o tipo e o símbolo do nosso
tempo. Nunca disse nada de concreto na sua vida. Seria incapaz de dizer algo de
concreto para salvar aquilo que, suponho, ele julga ser a sua alma».
São estas quase as palavras exactas, que, por haverem sido pronunciadas
em inglês, é menos provável eu esquecer.
Álvaro de Campos nasceu em Lisboa em 13 de Outubro de 1890, e viajou
muito pelo Oriente e pela Europa vivendo principalmente na Escócia.”
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando
Pessoa. (Textos
estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.)
Lisboa: Ática, 1996. Trad.: Jorge Rosa. Pág.409. (1)
Para todos aqueles que não conheçam o texto, ou queiram
recordar a sua leitura, deixo aqui a versão digitalizada da BNP (Biblioteca
Nacional de Portugal) que poderá ser lida aqui (2)
Que me desculpem todos os estudiosos
de Fernando Pessoa, pois este não é um estudo pessoano nem sequer um artigo
sobre uma das suas obras.
É, muito simplesmente, a
referência a um exemplar que surgiu no mercado bibliófilo, o qual fez furor na
época e é um dos marcos de todo o enigmatismo da personalidade de Fernando Pessoa.
Se o consegui fico muito contente
com isso, pois que o tema do blogue é muito simples: “Conversas em torno dos livros”!
E para terminar, não quero deixar
de referir que muitas outras obras, de inquestionável raridade, deste genial escritor
já passaram pela “montra” desta Livraria.
Vejam-se como ilustrativos estes
três exemplos que se referem a seguir:
Pessoa (Fernando) - 35 Sonnets. Lisbon: Monteiro & Co.
1918. - In-4º de [20] págs. Brochura.
Excelente exemplar, em brochura,
magnífica pasta inteira em chagrin, com gravação na pasta, interior em seda com
gravação a ouro nas seixas.
Rara Primeira Edição.
Raríssima e Valiosa Dedicatória
de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões.
Raríssima Peça de Colecção.
©Gabriela
Gouveia – Livros Antigos (12/2015)
Pessoa (Fernando) - English Poems.
Lisbon; «Olissipo», Apartado 145; 1921. In-4º, 2 opúsculos de 16 e 20 págs. -
Brochuras.
Primeira Edição.
Raríssimo.
Raríssima primeira obra de
Fernando Pessoa, publicada ainda em sua vida, treze anos antes da "Mensagem".
Excelente exemplar, em brochura,
magnífica pasta inteira em chagrin, com gravação na pasta, interior em seda com
gravação a ouro nas seixas. Da autoria do conhecido encadernador Raúl de Almeida.
Raríssima Peça de Colecção.
©Gabriela
Gouveia – Livros Antigos (01/2016)
Pessoa (Fernando) - Teatro.
Revista de Crítica. Lisboa; Director Literário: Boavida Portugal, 1913.
In-4º , 3 números; il. - Brs.
Raríssima Colecção Completa.
Importante Colaboração Literária de Fernando
Pessoa nos 3 números.
O Nº 1, Fernando Pessoa publica o
seu primeiro trabalho de crítica literária;
" Naufragio de Bartholomeu". Focaliza ele, e de modo cáustico,
o livro Bartholomeu Marinheiro, de Afonso Lopes Vieira.
No Nº 2, Fernando Pessoa publica
"Coisas estilisticas que aconteceram a um gomil cinzelado, que se dizia
ter sido batido no ceu, em tempos da velha fabula, por um deus amoroso".
Da igual virulência desse texto ainda de crítica literária, desta vez dirigida
ao volume O Gomil dos Noivados, de Manuel de Sousa Pinto.
No último número, Nº 3, a
finalizar a sua colaboração, e ainda em tom irónico ou mesmo mordaz, Pessoa,
comenta neste texto, com o título de "3", a aparição recente,
"para a pretensão de serem lidas", das publicações Teatrália, Gente
Moça e o semanário O Talassa ("É uma publicação perfeitamente inoffensiva
politicamente. Recomendamo-la sem hesitação aos seus atacados e
caricaturados").
Ilustrações de Amarelhe e
colaboração de Boavida Portugal, Eduardo Freitas, João Correia de Oliveira e
Ricardo Santos.
[Fotobibliografia de Fernando
Pessoa; João Rui de Sousa, Eduardo Lourenço, INCM, 1988]
Excelentes exemplares.
Raríssima e Muito Valiosa Peça
de Colecção.
©Gabriela
Gouveia – Livros Antigos (24/06/2016)
Falar de Fernando Pessoa é um risco para qualquer estudioso, quanto mais
para um leigo como eu, mas não queria deixar de prestar esta singela homenagem
a um dos maiores vultos da nossa literatura.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) In Arquivo Fernando Pessoa
(2) PESSOA,
Fernando, 1888-1935 – Ultimatum / de Alvaro de Campos, sensacionista. - Lisboa:
Fernando Pessoa, 1917. - [4] f. ; 34 cm.
Consultas sugeridas:
Casa Fernando Pessoa – http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2233
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