terça-feira, 28 de abril de 2015

No 6º Aniversário da “Tertúlia Bibliófila” – Algumas reflexões


No dia do 6º aniversário da “Tertúlia Bibliófila” vou aproveitar para trocar algumas impressões convosco.


As mãos que manuseiam os livros…
[Gravura de Albrecht Dürer]

Em primeiro lugar, nunca é demais referir que sem o vosso apoio – tanto pelo número de leitores, como pelos comentários deixados ou até por contacto pessoal – não teria a motivação para continuar com este trabalho.

Deste modo, este aniversário deverá ser encarado como uma festa de todos nós – os bibliófilos que gostam de falar sobre livros – mas sobretudo daqueles que vão tendo paciência para me lerem!

A Libreria Anticuaria La Galatea publicou uma fotografia no Facebook (que com a devida vénia aqui insiro), que espelha bem o esforço que representa elaborar um simples “escrito” (nem me atrevo a chamar-lhe artigo), pois que para isso as pesquisas teriam de ser muito mais abrangentes, cuidadas e, sobretudo, trazerem à luz algo de novo.


Agradecidos de la vida, con amigos y libros... Sobre todo buenos amigos...
El profesor Rico ejerciendo de librero por un día...
©Libreria Anticuaria La Galactea

Como muitos dos meus leitores são de várias nacionalidades e eu, sempre que possível gosto de ler os escritores estrangeiros nas suas línguas originais, passaram também por aqui um conjunto interessante de autores estrangeiros com alguma relevância.

Deixou-se uma “pincelada” numa tela muito vasta daquilo que se poderia ter escrito, ou dito, sobre estes mesmos autores.

O leitor

Com efeito, como bibliómano inveterado, que o sou, delineie alguns dos perfis dos autores que compõem o meu universo literário – nem sempre coincidente com o vosso (e ainda bem!).

Mas vejamos alguns desses exemplos:

Comecemos com Charles Dickens.


Charles Dickens - uma sessão de leitura

E cite-se uma das suas várias obras:



Our Mutual Friend, the last complete novel by Charles Dickens, began serialization in May, 1864


Tivemos também aqui Victor Hugo.


Victor Hugo



HUGO, Victor – Les Châtiments. Nouvelle édition illustrée. Eugène Hugues, Editeur, rue Thérèse, 8, Paris, s.d. (1884). Paris, Typographie A. Quantin, rue St-Benoit, 7. 1 volume grand in-8 (28,7 x 20 cm) de (10)-335 pages.

Broché, couverture saumon illustrée (vignette sur le premier plat). Réclame pour l’édition Hugues des Œuvres de Victor Hugo (détails). Non rogné. Exemplaire sur papier de chine. Quelques légères colorations par endroit sur les deux plats de couverture. Infimes fendillements du papier de couverture au dos (brochage très solide). Absolument aucune rousseur.
Texte encadré d’un filet noir, les illustrations à pleine page sont comprises dans la pagination. Les dessins sont d’Emile Bayard, J.-P. Laurens, Férat, Méaulle, Chovin, H. Vogel, L. Benett, Charles Hugo, Victor Hugo, T. Schuler, Ferdinandus, A. Lançon, H. Daumier, Lix. D. Maillard, G. Vuillier, A. Marie Chapuis, L. Mouchot, et C. Guyot.
UN DES 50 EXEMPLAIRES SUR PAPIER DE CHINE (N°20).

Assim como Emile Zola.


Émile Zola
[Portrait d'Émile Zola avant 1880]



ZOLA, Emile  - Le Docteur Pascal. Paris, Bibliothèque-charpentier, 1893. In-8° relié 19 X 13 centimètres, demi-maroquin à coins, reliure à la bradel, dos orné d'ellipses, tête dorée, couvertures conservées.

Reliure signée Ch. Meunier. (Reliure en très bon état).
Il y juste une minuscule tâche brune sur le bord de 3 ou 4 pages.
Il y a bien le tableau dépliant, un portrait et 390 pages.
L'un des 340 exemplaires numérotés sur papier de Hollande, édition originale.
Bel exemplaire.
Une autre édition est parue la même année.

Os autores portugueses também não foram esquecidos e assim podemos ver Antero de Quental:



Antero de Quental



QUENTAL, Antero de – Beatrice. Coimbra; Imprensa da Universidade, 1863. In-4º de 39 [1] pag. - Encadernado. Primeira Edição. Segundo livro de poemas do autor, e um dos mais raros da sua bibliografia. Publicado dois anos depois dos "Sonetos". Muito bonita encadernação com lombada em pele decorada com finos ferros a ouro. Conserva intactas as capas de brochura. Excelente exemplar. Muito Rara Peça de Colecção.

Claro que Camilo Castelo Branco não podia faltar.


Camilo Castelo Branco, visconde de Correia Botelho




CASTELO BRANCO, Camilo – BOHEMIA // DO // ESPIRITO // POR // CAMILLO CASTELLO BRANCO // (vinheta editorial) // PORTO // LIVRARIA CIVILISAÇÃO // 4, Rua de Santo Ildefonso, 6 // - // 1886. In-8.º gr de 454-I págs. Encadernado.

Compreende ante-rosto com os dizeres BOHEMIA DO ESPIRITO e verso em branco; frontispício textualmente descrito supra e verso com subscrição tipográfica TYP. DE ARTHUR JOSÉ DE SOUSA & IRMÃO // Largo de São Domingos, 58 – Nº telephonico, 131; página 5ª com PREAMBULO datada na página seguinte; o texto propriamente dito inicia-se na página 7 e decorre até à página 454 incluindo as ERRATAS e o INDICE.
PRIMEIRA EDIÇÃO apreciada colectânea de escritos, primitivamente dada a lume em diversas publicações. BASTANTE INVULGAR. Junto ao frontispício vem um bom retrato de Camilo.
Encadernação francesa inteira de chagrin azul, com dourados, não contemporânea. Sem capas de brochura. Bom exemplar, limpo.

Vergílio Ferreira e a minha ligação ao meu velho Liceu Camões também não podiam faltar:


Vergílio Ferreira no Liceu Camões (1981)



FERREIRA, Vergílio – Onde Tudo Foi Morrendo. Coimbra; Coimbra Editora, Ldª. 1944. In-8º de VIII-436 [2] p. Encadernado. Primeira Edição.

Primeira e muito rara edição do segundo livro do autor, da qual deixamos as primeiras linhas: "Pela janela aberta vem a poesia da dispersão. Tudo se calou naquela hora sombria. E longa. As árvores quedaram-se, transidas de frio, de braços nus erguidos ao céu. Mas o céu escondera-se porque os ventos lhe tinham desdobrado nuvens espêssas pela curva abatida. Então os homens ficaram tristes, olhando, em silêncio, a planície sem fim. Rostos enegrecidos, barba crescendo, negra e negra, sempre crescendo, olhos necessitados inundando o ar... Pelo céu recôncavo ecoam uivos fundos de cães que choram lá para as bandas do cabo do mundo. Lamentos de uma angústia tôrva. Por isso o azul do céu foi sorrir para as terras do Sol. E a aldeia começou a fugir também para as terras do Sol. Só aquela janela aberta olha a tristeza das árvores abandonadas e derrama na saleta escurecida a desolação do Outono.(...)."

Capa de Regina Kaspizykowi, mulher de Vergilio Ferreira.

Integrada na colecção Novos Prosadores, que lançou os primeiros romances do neo-realismo português.
Apreendido pela censura política da época.
Excelente exemplar.


Crianças numa livraria.
(será este o futuro da bibliofilia…é nele que temos de apostar!)

Um outro tema que me tem chamado a atenção é o uso/abuso do termo RARO.


Vamos falar de raridades….

Com efeito, quando folheamos catálogos de livreiros-antiquários para venda a preço fixo, ou para um leilão, encontramos a indicação no descritivo de um determinado livro: RARO.

No entanto, é frequente já termos deparado com esta mesma classificação noutros catálogos que consultáramos recentemente ou apareceram noutras vendas/leilões, há pouco tempo, e sempre com esta mesma indicação de raro! 
(mas se o livro aparece assim tantas vezes, será que é mesmo raro ou será uma grande coincidência?)

E isto para não falarmos nos diversos graus: RARO, MUITO RARO e RARÍSSIMO!

(Nunca me esqueço duma frase do meu prezado amigo Luís Gomes: “Um livro ou é raro ou não o é!” – e penso que tem razão apesar da sua simplicidade classificativa)

Mas afinal como se poderá definir a raridade de uma obra?

Claro que nenhum bibliófilo português terá escrúpulos em aceitar a raridade desta obra.:

QUENTAL, Antero – SONETOS // DE // ANTHERO// Editor – Sténio // COIMBRA // Dezembro 1861. In 8º gr. De XII-23-III págs.

É muitíssimo raro (e lá me fugiu o dedo para adjectivar a raridade!) pois são conhecidos muitos poucos exemplares e é seguramente uma das mais raras espécies bibliográficas de toda a literatura portuguesa.

(O último exemplar vendida foi aquando do leilão da Biblioteca do Dr. Laureano Barros – lote 4955, ex-Biblioteca de V. Avilez Perez que tinha sido vendido no leilão da mesma por 500$ e já lá vão mais de mais de 40 anos!)

Fiquemos por esta edição, que não é assim tão má:



QUENTAL, Antero de – Sonetos / Antero de Quental.
Porto: Imprensa Portugueza, 1881. - 32, [4] p. ; 19 cm.
(Bibliotheca da Renascença)

Obviamente que se consideram nesta categoria, como regra geral, todas as primeiras edições de uma obra e, em especial das primeiras produções literárias de cada escritor.
Também se devem incluir, em minha opinião, nesta categoria as chamadas edições especiais de tiragem muito limitada. (Não confundir com tiragens comemorativas que essas são geralmente em tiragens de maior número de exemplares.)

Tomando como ponto básico a premissa acima referida, em minha opinião, devem ser incluídas aqui apenas exemplares cuja edição foi de pequena tiragem (poucas centenas de exemplares), obras que sofreram processos de destruição (as purgas inquisitoriais ou políticas fruto da censura religiosa ou política) ou ainda aquelas escassas edições que o seu autor decidiu destruir posteriormente depois de publicadas e de que se salvaram pouquíssimos exemplares.


Estado Islâmico incendeia biblioteca de Mossul, queimando 8 mil livros raros

Deste modo, são obras de que são conhecidos poucos exemplares, ausentes muitas vezes mesmo das instituições estatais – bibliotecas nacionais ou museológicas.

Mas talvez seja mais prático ilustrar com alguns exemplos:




ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner – Poesia. Edição de autor, Coimbra, 1944. In-8º de 85-(3) págs. Encadernação inteira em sintético com dizeres e florões a ouro. Folha de guarda, ante-rosto e rosto com poemas escritos a tinta (não autógrafos). Foram publicados apenas 300 exemplares.
MUITO RARO.

Primeiro livro da poetisa, publicado em 1944.
Espero
Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Livraria Alfarrabista Miguel de Carvalho

Na livraria Livros Antigos de Gabriela Gouveia temos um outro clássico em termos de raridade:



NOBRE, António – . Paris; Léon Vanier, Éditeur. 1892. In-8ºgr. de VI-157-III págs. - Encadermado.
Primeira Edição.

Primeira, mais rara e muito valiosa edição de um dos maiores e mais queridos livros de Poesia Portuguesa, absolutamente fundamental na história da Poesia portuguesa de todos os tempos, numa sóbria e esmerada edição em papel de linho impressa em Paris.
Tiragem limitada a apenas 230 exemplares.
Excelente exemplar. Magnífica encadernação com lombada e cantos em pele e gravação a ouro. Assinada Fersil Porto.
Ex-libris de Nuno Francisco Sttau Monteiro Ferreira da Silva, no interior da encadernação.
Conserva as raras capas de brochura com as respectivas badanas e a lombada em excelente estado, por aparar.
Muito Rara Peça de Colecção.



«A Paródia em Coimbra», caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro
que parece representar o poeta António Nobre rodeado de símbolos universitários,...

E já agora que estamos em maré de poesia veja-se este outro exemplar da mesma Livraria:



SÁ-CARNEIRO, Mário de - Dispersão. 12 Poesias por… Lisboa: Em casa do autor, 1 Travessa do Carmo, 1913. In- 4º gr. de 70[2]p. - Encadernado.

Raríssima e Muito Valiosa
Primeira Edição.
Tiragem única de 250 exemplares.
Obra de extrema   importância  na  literatura  modernista  portuguesa.
Admirável capa de brochura, ilustrada a cores e ouro, por José Pacheco (ilustrador da capa do nº 1 da revista Orpheu).
Capa que tem a particularidade de possuir margens consideravelmente maiores do que as dimensões do corpo do volume, daí que sejam raros os exemplares que a mantenham na sua integridade. 
Excelente exemplar, com as capas de brochura em perfeito estado de conservação. Encadernação sóbria inteira em pele, com gravação a ouro na lombada.
Valiosa Peça de Colecção.


Livraria Livros Antigos de Gabriela Gouveia

Um outro aspecto que não se pode deixar de considerar é o preço destas raridades: a obra pode ser mesmo rara, mas o seu conteúdo e qualidade literária é tão pobre que o valor é quase nulo; enquanto outras obras que levam a classificação de INVULGAR/POUCO COMUM podem atingir preços muito mais altos, pois embora existam mais exemplares disponíveis no mercado, a procura é tanta que o valor sobe em função dessa mesma procura.

Evidentemente que não se trata dos exemplares referidos acima!

Mas nem só de raridades vivem os bibliófilos – ainda que sonhem com elas constantemente e muitas vezes na miragem de uma “descoberta” quase milagrosa numa livrariazita perdida no mapa ou num livreiro distraído (é tão fácil sonhar…), pois temos muitos outros livros importantes para ler ou adquirir. 

Como disse o meu amigo Eduardo De Blas Duport “!Tantos libros….! y tan poco tiempo!”


!Tantos Libros...!y tan poco tiempo
©Eduardo De Blas Duport

Aqui vos deixo estas reflexões com um convite à vossa participação na discussão dos temas e espero que para o ano nos encontremos aqui de novo.

Assim eu continue a ter “alguma arte e engenho!” para ir escrevinhando alguns "textozitos" e também disposição para isso…pois que esta já me começa a faltar por vezes.


Saudações bibliófilas.

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